Carta IEDI
Política Industrial e Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pós-Covid-19
A Carta IEDI de hoje aborda o recém-lançado relatório Industrial Development Report (IDR) da Organização das Nações Unidos para o Desenvolvimento Industrial (Unido), que tem como foco a discussão sobre o futuro da industrialização no mundo pós-pandêmico.
No referido estudo, a Unido examina as megatendências de transformação estrutural relacionadas ao processo de mudança tecnológica, transições sociodemográficas e pegada de carbono da humanidade que já estavam em curso antes do surgimento da pandemia da Covid-19.
Três megatendências são particularmente relevantes na configuração do rumo futuro do desenvolvimento industrial:
• Digitalização e automação da produção industrial, com introdução de tecnologias avançadas de produção digital, que afetam todas as esferas de desenvolvimento de negócios e alteram as vantagens competitivas de empresas e nações;
• Deslocamento do poder econômico para as economias da Ásia, em particular para China, que acarreta importante reestruturação dos fluxos comerciais e das cadeias globais de valor;
• Conversão ambiental (greening) da produção industrial, que exige modelos de negócios radicalmente diferentes e transformações sistêmicas, com efeitos profundos no posicionamento na economia mundial das economias industriais emergentes e em desenvolvimento.
À sombra dessas megatendências, alguns setores e modelos de negócios estão em declínio, enquanto outros estão surgindo e se expandindo, o que cria oportunidades e ameaças para todas as economias. O modo como isso irá se desenrolar depende, em parte, das estruturas econômicas existentes e, segundo a Unido, das estratégias de adaptação e enfrentamento adotadas por governos e empresas.
Na avaliação da instituição, as megatendências, que se interrelacionam e interagem com os impactos da pandemia, irão moldar o futuro da indústria, criando oportunidades e desafios para que os países alcancem seu desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável.
Nesse contexto, os formuladores de políticas industriais têm, segundo a Unido, um papel significativo a desempenhar: na identificação dessas megatendências, em sua transformação em novas oportunidades de desenvolvimento e no auxílio à transição de atividades em declínio para outras mais dinâmicas.
Ao mesmo tempo, a indústria inclusiva e ambientalmente sustentável dependerá crucialmente do acúmulo de capacidades de produção no nível das empresas e nos ecossistemas nacionais. Para a Unido, isso exigirá investimentos substanciais em capital pelos governos e a acumulação de recursos humanos em ciência e tecnologia, bem como acumulação, em nível empresarial, de competências e capacidades de produção e de inovação.
Este processo de transformação é a coluna vertebral do movimento de “reconstruir melhor” (building back better), uma ideia popularizada após o tsunami de 2004 na Ásia, e que, atualmente, trata de como as políticas industriais podem responder aos desafios agravados pela crise da Covid-19.
Para a Unido, a recuperação da crise da Covid-19 permitiria ir muito além da restauração do modelo econômico anterior, criando a oportunidade de corrigir as fragilidades e desigualdades da economia mundial explicitadas e intensificadas pela pandemia.
Para tanto, será preciso que as novas políticas industriais incorporem as metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas. O desenho de política industrial pós-pandemia adequada para “reconstruir melhor” incluiria, segundo a Unido, as seguintes características:
• Distinção entre as políticas voltadas para emergências de curto prazo e aquelas voltadas para efeitos de longo prazo, devido às diferenças na capacidade de um país ou indústria de administrar choques e responder à turbulência da mudança.
• Engajamento sólido de todas as partes interessadas, com níveis crescentes de diálogo e cooperação entre governo, empresas, academia e setores civis para sustentar as políticas industriais ao longo do tempo.
• Considerar os riscos e as oportunidades das megatendências que deverão moldar a industrialização no futuro.
• Ter como alvo as mudanças estruturais e sistêmicas, aprimorando as capacidades de produção locais e de outros “bens comuns” à indústria, incluindo a pesquisa e desenvolvimento (P&D), a infraestrutura industrial e know-how.
• Contribuir para fortalecer o multilateralismo e a coordenação internacional em torno de questões de política industrial, resiliência e gestão mundial de risco de desastres.
A Unido defende que a política industrial seja um elemento-chave das estratégias de construção de novos caminhos para desenvolvimentos mais inclusivos e sustentáveis, com definição de prioridades claras para curto, médio e longo prazo e exemplos de modo a promover “uma recuperação que não deixe ninguém para trás”.
As políticas industriais socialmente inclusivas devem visar não apenas a criação de empregos formais, mas também o aumento de oportunidades a trabalhadores vulneráveis (atualmente informais, jovens e mulheres) no setor industrial, bem como redução das desigualdades em termos de gênero, tamanho da empresa ou região.
Quanto à sustentabilidade ambiental, as políticas industriais de estímulo a métodos produtivos mais responsáveis devem priorizar, no curto prazo, a adoção de padrões de sustentabilidade para a produção de bens industriais e estímulo à demanda de tecnologias de baixo carbono e de “competências verde”.
Após a recuperação da crise provocada pela pandemia, a Unido defende que o foco das políticas industriais deve mudar para o fortalecimento de novas capacidades produtivas e inovadoras relacionadas às indústrias verdes, com ênfase em atividades de “alta qualidade”.
Dada a natureza global da crise econômica da Covid-19, os esforços nacionais de recuperação industrial por si só serão insuficientes para reconstruir melhor. Por isso, a Unido lança um apelo à comunidade internacional para apoiar a retomada da indústria e redobrar os esforços no suporte aos países mais vulneráveis do mundo.
Para a instituição, melhorar a coordenação internacional da política industrial, requer:
• Fortalecer as capacidades dos governos nas economias em desenvolvimento para a concepção e implementação de políticas industriais pós-pandemia;
• Expandir o espaço de política dos países em desenvolvimento, garantindo acesso ao financiamento de instituições multilaterais e de bancos de desenvolvimento (regionais e nacionais) recapitalizados;
• Reduzir o fosso digital, proporcionando acesso ao conhecimento, aprendizado e adaptação, com melhores mecanismos para governar a criação e compartilhamento de conhecimento, incluindo tecnologias digitais avançadas e outras tecnologias relevantes;
• Atualizar estruturas internacionais para gerenciamento de risco de desastres transfronteiriços, para assegurar fluxos ininterruptos de bens essenciais;
• Colocar a sustentabilidade ambiental no primeiro plano da recuperação global para alcançar a neutralidade climática até 2050 e mitigar a tendência de aquecimento global.
Introdução
A crise da Covid-19 teve, como se sabe, um impacto sem precedente em todos os países e todas as economias do mundo, ainda que a gravidade desses impactos tenha sido bastante heterogênea entre países, setores, empresas e famílias. Além disso, reforçaram no cenário industrial tendências de transformação estrutural relacionadas ao processo de mudança tecnológica, transições sociodemográficas e pegada de carbono que já estavam em curso.
A discussão sobre o futuro da industrialização no mundo pós-pandêmico, enfatizando a importância da indústria de transformação como motor-chave para o desenvolvimento socioeconômico ambientalmente sustentável e inclusivo, é o foco do recém-lançado relatório Industrial Development Report (IDR) da Organização das Nações Unidos para o Desenvolvimento Industrial (Unido), do qual a Carta IEDI de hoje aborda os capítulos 3 e 4.
Na avaliação da Unido, além de apoiar a resiliência das economias domésticas em tempos de choques, o setor industrial como motor do crescimento econômico também desempenha um papel fundamental na promoção da prosperidade compartilhada. Ao criar empregos de qualidade, renda, inovações e efeitos multiplicadores que estimulam outras partes da economia, a industrialização contribui para o alcance de várias das metas de desenvolvimento sustentável (SDG) da Agenda 2030 das Nações Unidos, seja na esfera socioeconômica seja na esfera ambiental.
O capítulo 3 do IDR 2022 examina as interações entre a pandemia e as megatendências que deverão moldar o futuro da indústria, notadamente: a digitalização e automação da produção industrial; o deslocamento do poder econômico para as economias do Leste da Ásia; e a conversão ambiental da produção industrial. Também discute as oportunidades e desafios para alcançar o desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável (ISID).
O reforço da capacidade industrial doméstica mediante a introdução e difusão de tecnologias avançadas de produção é apontado pela Unido como essencial tanto para aumentar a resiliência das economias ante a novos choques como para lidar e aproveitar as megatendências.
Já o capítulo 4 discute, como as políticas industriais podem responder aos desafios colocados pela crise da Covid-19, a partir do conceito de “reconstruir melhor” (“building back better”), popularizado após o tsunami de 2004 na Ásia, que resume a intenção de coordenar esforços nos níveis local e mundial para alcançar um novo padrão de recuperação após um grande desastre.
A Unido defende que a política industrial seja um elemento-chave das estratégias de exploração de novos caminhos para desenvolvimentos mais inclusivos e sustentáveis, com definição de prioridades claras para curto, médio e longo prazo e exemplos de modo a promover uma recuperação “que não deixe ninguém para trás”.
Isto permitiria ir muito além da restauração do modelo econômico anterior e corrigir as fragilidades e desigualdades da economia mundial explicitadas e agravadas pela pandemia. Dada a natureza global da crise, ações coordenadas da comunidade internacional são consideradas fundamentais pela Unido para a “construção de um futuro pós-pandêmico melhor para todos”.
Megatendências Globais e a Indústria do Futuro
De acordo com a Unido, muito antes do surto da Covid-19, diversas megatendências já estavam remodelando a paisagem da indústria mundial. Essas megatendências podem ser amplamente definidas como transformações profundas que: (i) duram várias décadas; (ii) afetam profundamente as esferas social, econômica e política do desenvolvimento industrial e (iii) têm impacto global.
Em termos socioeconômicos, estas megatendências incluem as mudanças demográficas, a aceleração da urbanização dos países menos desenvolvidos (LDCs), a desigualdade social crescente, a ascensão da classe média e uma mudança gradual do poder econômico para as economias emergentes, particularmente as da Ásia.
Do ponto de vista ambiental, as tendências incluem a crescente conscientização da importância de tornar a economia mais verde, o aumento das regulamentações ambientais, a difusão dos princípios da economia circular, mudanças no uso dos recursos naturais e mudanças no comportamento do consumidor.
Por fim, as tendências relacionadas às mudanças tecnológicas incluem, entre outras, a crescente digitalização da produção, a expansão da manufatura aditiva, a análise dos grandes dados, a computação em nuvem, sistemas ciberfísicos, Internet das Coisas (IoT), aprendizado de máquina (machine learning), robótica avançada e a emergência da gig economy.
O relatório identifica três megatendências que são particularmente relevantes na configuração do rumo futuro do desenvolvimento industrial:
• Digitalização e automação da produção industrial, uma vez que a inovação tecnológica e a introdução de tecnologias avançadas de produção digital (ADPs) afetam todas as esferas de desenvolvimento de negócios e alteram profundamente as vantagens competitivas de empresas e nações.
• Mudanças de poder econômico mundial, especialmente a emergência da Ásia como um centro dominante da produção industrial mundial e a transformação estrutural da China em direção a uma economia de alta renda impulsionada pelo conhecimento, uma vez que esses desenvolvimentos acarretam importante reestruturação dos fluxos comerciais e das cadeias globais de valor.
• Conversão ambiental (greening) da produção industrial, fruto da necessidade de reduzir as “pegadas ambientais” e, em particular, de descarbonizar as economias, exige modelos de negócios radicalmente diferentes e transformações sistêmicas com efeitos profundos no posicionamento das economias industriais emergentes e em desenvolvimento (DEIEs) na economia mundial.
De acordo com a Unido, essas megatendências estão interrelacionadas de várias maneiras e, juntas, moldarão a direção da mudança da estrutura econômica dos países e do desenvolvimento industrial em particular. À sombra dessas tendências, alguns setores e modelos de negócios estão em declínio, enquanto outros estão surgindo e se expandindo, o que cria oportunidades e ameaças para todas as economias. Todavia, o modo como isso se desenrola depende, em parte, das estruturas econômicas existentes e das estratégias de adaptação e enfrentamento adotadas por governos e empresas.
A interação entre essas tendências e a pandemia de Covid-19 em andamento é complexa. No entanto, à medida que os países se recuperam gradualmente da crise sanitária e econômica, as megatendências possivelmente ganharão ritmo e intensidade e se manterão como os principais motores da mudança estrutural nos próximos anos.
1. Digitalização e automação da produção industrial
A difusão progressiva das tecnologias avançadas de produção digital (ADP) são, segundo a Unido, a mais recente evolução das tecnologias aplicadas à produção fabril. Estas tecnologias, também conhecidas como tecnologias da indústria 4.0, incluem Inteligência Artificial (IA), robótica avançada, Internet das Coisas (IoT), manufatura aditiva, grandes análises de dados e computação em nuvem, entre outras, estão transformando o processo industrial e induzindo mudanças importantes ao longo das cadeias de valor e dentro das empresas.
Na avaliação dos pesquisadores da Unido, embora frequentemente associada com a ideia de uma quarta revolução industrial, a emergência dessas tecnologias digitais deve ser entendida mais como uma “transição evolucionária” do que como uma “disruptura revolucionária”.
Isto porque as tecnologias ADP baseiam-se na engenharia de hardware e software e nos princípios organizacionais de revoluções industriais anteriores. A grande novidade das tecnologias ADP reside no aumento da conectividade e nos níveis de complexidade e de interdependência sem precedentes.
O valor e a centralidade das tecnologias ADP são impulsionados por sua conexão com algumas das inovações do modelo de negócios que reformularam não apenas a produção industrial, mas também os serviços, sobretudo nas áreas de transporte e logística, e marketing nas últimas décadas.
No setor de comércio, por exemplo, a introdução das tecnologias ADP desbloqueou um enorme potencial ao alcançar novos consumidores via canais eletrônicos de venda, como comprova o uso generalizado de ferramentas e aplicativos digitais por gigantes do comércio eletrônico em todo o mundo.
No setor da indústria de transformação ocorreu uma rápida difusão de tecnologias ADP nos últimos anos. Como pode ser observado na Figura abaixo, a densidade de robôs industriais, definida como o estoque total de robôs industriais por mil trabalhadores, quadruplicou nos últimos 20 anos nas indústrias manufatureiras em nível mundial, com aceleração bastante acentuada desde 2010. Porém, a difusão de tecnologias avançadas permanece desigual e concentrada em poucas economias, sobretudo países mais industrializados e a China, cuja participação no estoque mundial de robôs industriais saltou de 3,2% em 2010 para 31% em 2020.
Analisando o conjunto mais amplo de tecnologias ADP, os pesquisadores da Unido constataram que 90% das patentes globais neste campo e 70% das exportações globais de bens de capital incorporando estas tecnologias estão concentradas em um grupo de dez economias pioneiras: Alemanha, China; Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Holanda, Japão, Suíça; Reino Unido e Taiwan. Há um grande fosso entre esse grupo de países e o resto do mundo, uma vez que a maioria dos outros países ainda não deu nenhum passo significativo no desenvolvimento e produção destas tecnologias.
Porém, mesmo nessas economias pioneiras, as tecnologias ADP parecem ter se difundido em apenas algumas empresas e indústrias, com diferenças significativas nas taxas de adoção entre os diferentes tipos de empresas e setores industriais. Na Alemanha, por exemplo, que é o maior exportador mundial de bens de capital ADP, os usuários de robôs representavam apenas 8,2% das plantas industriais em 2018, enquanto no setor não-manufatureiro, apenas 0,9% das plantas tinham robôs instalados.
A crise da Covid-19 ressaltou a importância das tecnologias avançadas de produção digital como um fator crucial de resiliência das economias. Em geral, a tecnologia ADP e os recursos digitais tornaram-se mais essenciais, obrigando os países a investirem na infraestrutura digital e na preparação digital de suas forças de trabalho.
Segundo a Unido, a difusão e o domínio dessas tecnologias avançadas de produção provavelmente se tornarão um fator-chave para que os países continuem buscando o desenvolvimento industrial no futuro.
De acordo com a Unido, há fortes indicações de que a pandemia, entre outros fatores, pela necessidade de isolamento social e distanciamento físico das pessoas, impulsionou a tendência à digitalização, inclusive nos países em desenvolvimento. A pandemia também forçou muitas empresas industriais a tomarem decisões sobre a automatização. Isto é particularmente importante na Ásia (25% das empresas), mas também é não negligenciável na África e na América Latina, onde cerca de 15% das empresas indicaram a introdução desta mudança em resposta à pandemia.
Evidências coletadas pelos pesquisadores da Unido mostraram que apenas uma pequena parte das empresas industriais de países de economias industriais emergentes e em desenvolvimento na África, América Latina e Ásia já está envolvida com tecnologias ADP.
Em todas estas três regiões, a participação média das empresas que utilizam tecnologias 4.0 em seu processo de produção ainda está abaixo de 2%, como mostra a Figura abaixo. A grande maioria das empresas dessas economias ainda está usando tecnologias muito ultrapassadas. Em conjunto, as tecnologias analógicas e as tecnologias de geração 1.0 representam mais de dois terços da amostra em todas as regiões.
A adoção de tecnologias ADP, no entanto, continua ser desigual entre empresas e países no mundo em desenvolvimento. A interdependência de diferentes tecnologias, traço característico de muitas tecnologias ADP, significa que sua adoção dificilmente é um processo contínuo. As diferenças de dimensão, capacidades e disponibilidade (ou falta dela) de um sistema de apoio à inovação são responsáveis por uma grande parte do atual gap digital entre empresas. Nas DEIEs, as pequenas e médias empresas (PMEs) tendem, particularmente, a ficar para trás das suas congêneres maiores.
A fratura digital representa um desafio na visão da Unido, porque não só poucas empresas estão adotando tecnologias ADP, como também empresas-líderes que já estão adotando estas tecnologias têm dificuldade em se vincular a jusante e a montante com as empresas domésticas e preservar suas cadeias de suprimento. A existência de uma defasagem extrema de capacidade digital, como acontece nas DEIEs das três regiões anteriormente mencionadas, torna a difusão das tecnologias ADP muito limitada em razão de restrições tanto tecnológicas quanto estruturais.
Não obstante a aceleração, ainda modesta, da difusão das tecnologias ADP, o risco de ter um fosso digital crescente entre países permanece. Há, igualmente, uma preocupação de que o desenvolvimento e a difusão das tecnologias digitais continuem limitados a um número bastante pequeno de grandes empresas, tanto em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
2. Mudanças no poder econômico global
Uma das transformações socioeconômicas mais significativas das duas últimas décadas foi o crescente peso da Ásia na economia mundial. Impulsionada pelo desempenho espetacular da China, a contribuição asiática para o PIB global vem crescendo rapidamente. Estimativas recentes indicam que a participação atual da Ásia no PIB mundial dobrará até 2050, atingindo 52%, enquanto a participação de todas as outras regiões do mundo reduzirá.
Tendência semelhante de mudanças de poder econômico também é observável no setor manufatureiro mundial. Até o início da década de 1990, as principais potências industriais estavam localizadas na América do Norte e na Europa Ocidental, com as economias industrializadas representando quase 80% do valor agregado de produção fabril mundial. Desde então, no entanto, tem havido uma redistribuição constante do peso da indústria manufatureira para os países em desenvolvimento.
As estatísticas disponíveis indicam que, em 2020, os DEIEs respondiam por 49,1% do valor agregado da indústria. Isso é resultado, em grande medida, da expansão das atividades manufatureiras na Ásia, e em particular da China, cuja participação no valor agregado da produção industrial mundial saltou de 4% em 1990 para 31,3% em 2020.
Em termos individuais, a China é o maior produtor industrial do mundo. Outras economias em desenvolvimento na Ásia e na região do Pacífico também expandiram sua participação, mas a um ritmo bem mais lento. Em contraste, o peso da América Latina diminuiu de 7,8% em 1990 para apenas 4,7% em 2020, enquanto a participação das economias em desenvolvimento na Europa também reduziu no mesmo período, caindo de 1,9% para 0,7%.
Segundo a Unido, o surgimento de um novo centro de gravidade econômico na Ásia tem sido acompanhado por mudanças na chamada “divisão do trabalho”. Desde os anos 2000, as DEIEs asiáticas, e notadamente a China, vêm modernizando suas competências industriais, obtendo ganhos de produtividade expressivos e reduzindo o diferencial de produtividade em relação às economias mais avançadas.
Tais ganhos contínuos de produtividade, acompanhados por enormes aumentos de salários e expansões em capacidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D), podem indicar uma transição gradual de economias baseadas em custo dos fatores para economias baseadas no conhecimento, à medida que os países se deslocam para o grupo de renda alta.
Esses resultados contrastam fortemente com a tendência observada para em outras regiões do mundo em desenvolvimento, onde o diferencial de produtividade vem se ampliando.
O relatório também destaca que, além da crescente participação da Ásia na produção global, se observa uma mudança na distribuição de fornecedores para esta região. Para as 750 maiores empresas industriais mundiais, em termos de vendas, ativos, lucros e valor de mercado, a participação de fornecedores asiáticos aumentou de 18% em 2013 a 42% em 2019. Esse aumento de 24 pontos percentuais foi igualmente distribuído entre as EI asiáticas e as DEIEs asiáticas mais China, ambos os grupos registraram incremento de 12 pontos.
Esta mudança em benefício de fornecedores asiáticos ocorreu em todos os setores industriais. Porém, foi ainda mais pronunciada nas indústrias de alta e média-alta tecnologias, como equipamentos de transporte e máquinas e computadores, e em algumas indústrias de baixa tecnologia e em indústrias intensivas em recursos naturais, como têxteis, couro e vestuário, e plásticos e produtos minerais.
Segundo a Unido, as evidências recentes sugerem que a pandemia pode ter acentuado a megatendência de mudança da produção industrial mundial em direção à Ásia, com destaque para China.
Apesar de ter sido fortemente impactado no início da pandemia, o setor manufatureiro chinês foi capaz de retornar rapidamente às suas taxas de crescimento pré-pandêmicas, em parte, devido às medidas de contenção muito fortes tomadas pelo governo. Em contraste, a queda da produção nos países industrializados tendeu a ser mais prolongada.
Como resultado, a participação da China e de outras DEIEs asiáticas na produção industrial mundial continuou a crescer mesmo em 2020 e 2021. O mesmo se verificou na participação dos fornecedores asiáticos junto às 750 maiores empresas mundiais, que aumentou de 41,7% em 2019 para 44,2% em 2020.
Os pesquisadores da Unido sustentam que a pandemia da Covid-19 deverá afetar não só a geografia da produção industrial mundial, acelerando o movimento em direção ao Leste e Sudeste Asiático, como também a forma como se organiza além das fronteiras nacionais, por meio de cadeias globais de valor (CGV).
Embora nem todas as implicações da pandemia sobre as CGV estejam claras, já há um amplo consenso de que a organização da produção mundial será alterada, com a substituição da gestão “just in time” pela gestão “just-in-case”. As empresas-líderes, isto é, as grandes empresas multinacionais (MNEs), que coordenam a inovação e as atividades de produção através das fronteiras, estão optando por estoques maiores de insumos e produtos finais, bem como por diversificação na obtenção de materiais e de bens intermediários.
Um outro temor é que, em face das vulnerabilidades expostas pela pandemia, as empresas-líderes multinacionais decidam pelo encurtamento de suas cadeias de valor e/ou pelo retorno ao país de origem (reshoring). Pressões políticas nas economias industrializadas podem contribuir para essas decisões.
Porém, segundo a Unido, as perspectivas de crescimento de muitas economias industriais emergentes e em desenvolvimento, especialmente, mas não apenas, na Ásia Oriental, provavelmente atuarão como um contrapeso, com as MNEs mudando do modo de engajamento orientado à eficiência para o modo de engajamento orientado à conquista de mercados nas DEIEs.
Pelo menos por enquanto, a diversificação de fornecedores parece ser, segundo a Unido, uma escolha mais resiliente e econômica para as empresas-líderes em comparação com a reintrodução no mercado doméstico de cadeias de suprimentos inteiras.
3. Conversão ambiental (greening) da indústria de transformação
A crescente conversão ambiental da produção fabril é a terceira megatendência suscetível de moldar o futuro do desenvolvimento industrial. A Unido destaca que essa tendência é resultado do reconhecimento do impacto da atividade humana no meio ambiente e da conscientização de que as externalidades ambientais devem ser levadas em consideração pelo setor industrial, o qual deve continuar avançando para processos mais limpos e mais eficientes no uso dos recursos naturais.
Refletindo o aumento das preocupações com os efeitos socioeconômicos das mudanças climática, recentemente, os três principais blocos econômicos colocaram a conversão verde de suas economias no topo de suas agendas políticas.
A União Europeia introduziu, em 2019, o Acordo Verde Europeu, que visa alcançar a neutralidade climática até 2050. Os Estados Unidos aderiram novamente ao Acordo de Paris sobre mudança climática em 2021 e se comprometeram a reduzir suas emissões em cerca de 25% até 2025, em comparação com os níveis de 2005. Enquanto na China, o 14º Plano Quinquenal (2021-2025) prevê a descarbonização da economia e investimento em soluções verdes, tendo como objetivo alcançar a liderança mundial em tecnologias emergentes de baixo carbono.
Mesmo sem a mesma capacidade das economias mais avançadas para estabelecer padrões tecnológicos e institucionais, os países em desenvolvimento também estão, segundo o IDR 2022, cada vez mais comprometidos com as questões ambientais.
Desde 2015, os países em desenvolvimento têm investido mais em energia verde do que os países desenvolvidos, tanto em termos absolutos quanto relativos. Pesquisa realizada em 2019/20 verificou que 70% das empresas localizadas no Leste da Europa Ásia Central e Norte da África adotaram pelo menos uma inovação verde nos últimos três anos.
De acordo com os pesquisadores da Unido, a velocidade de crescimento das emissões globais de gases de efeito estufa, com origem em combustíveis fósseis, tem desacelerado na última década. Porém, ainda não houve uma diminuição sustentada em termos absolutos.
Quando analisado em termos relativos, como a quantidade de dióxido de carbono (CO2) relacionado à produção industrial por unidade de valor da produção, observa-se que a produção industrial em todos os grupos de países se tornou mais eficientes em termos energéticos.
Estimulada pela rápida queda dos custos de dispositivos de energia renovável, tais como turbinas eólicas, baterias e células solares fotovoltaicas, a descarbonização vem ganhando impulso. Essa tendência tem sido especialmente notável na China, enquanto relativamente mais gradual em outros DEIEs.
No entanto, apesar dessa melhoria de eficiência energética, as emissões de CO2 do setor industrial continuam altas. Muito ainda precisa ser feito neste setor para atender a acordos internacionais para combate da mudança climática.
Segundo a Unido, a crise da Covid-19 teve efeitos mistos em termos da conversão ambiental do setor industrial. Embora as emissões de gases de efeito-estufa tenham registrado queda expressiva e abrupta no início da pandemia, em razão das medidas de isolamento e suspensão das atividades econômicas, o nível de emissão se recuperou rapidamente à medida que as operações industriais foram retomadas em 2021. Porém, há sinais de que pelo menos parte das mudanças em direção a uma economia mundial mais verde vieram para ficar.
Pesquisa realizada pela Unido em uma amostra de 26 países emergentes e em desenvolvimento verificou que a maioria das empresas industriais esperam que a pandemia desencadeie a adoção de práticas ambientalmente corretas em grande ou moderada extensão. Esta tendência é mais perceptível na África e menos na América Latina, mas as expectativas positivas foram observadas nas três regiões onde os dados foram coletados.
Ainda que não estejam no ritmo adequado para alcançar as metas ambientais dos SDGs da Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável, as empresas industriais estão cada vez mais adotando práticas ambientalmente amigáveis. Essa mudança de comportamento é encorajada por propostas e implementação de pacotes de investimento público com condicionalidades ambientais e pela maior demanda dos investidores para incorporação de fatores ambientais nas operações das empresas.
Igualmente, de acordo com o relatório, há uma crescente conscientização das empresas sobre os benefícios econômicos da sustentabilidade ambiental. No que concerne às mudanças climáticas, uma maior eficiência na produção de valor agregado por meio da redução de emissões pode ser acompanhada de um melhor desempenho e competitividade das empresas, tornando os países e as empresas mais resilientes a choques.
Os pesquisadores da Unido destacam que a conversão ambiental da indústria é susceptível de afetar, a longo prazo, as vantagens competitivas em indústrias estabelecidas tanto em IEs quanto em DEIEs para empresas com modelos de negócios, produtos e processos mais ecológicos, bem como de modificar completamente as vantagens comparativas dos países ao engendrar a emergência de indústrias e mercados inteiramente novos. Em contrapartida, os incentivos para adoção de práticas ambientalmente amigáveis estão corroendo as vantagens existentes em outras indústrias, tais como nas indústrias relacionadas a petróleo e gás, bem como em setores e indústrias intensivas em energia, como aço, cimento e alumínio.
Segundo a Unido, ainda que as mudanças associadas às transições econômicas e sociais para uma energia mais limpa sejam quase totalmente imprevisíveis, transitar por esse cenário complexo e em rápida transformação exigirá investimentos consideráveis, sobretudo entre DEIEs, em capacitação e em adaptação.
Oportunidades e Desafios do Desenvolvimento Industrial no Pós-Pandemia
A pandemia acarretou, na maioria das IEs e em algumas DEIEs, uma mudança para trabalho remoto, um boom no uso de serviços on-line e a normalização do comércio eletrônico, em uma aceleração repentina da utilização de tecnologias ADP para a qual nem todas as empresas estavam prontas.
Crucial para ajudar a mitigar os impactos socioeconômicos durante a pandemia, as tecnologias ADP provavelmente se tornarão um fator-chave para que os países alcancem o desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável, bem como os SDGs, segundo a Unido.
Contudo, na avaliação da instituição, traduzir a oportunidade de digitalização em realidade é um grande desafio. O fosso digital entre países de diferentes regiões e grupos econômicos surge de múltiplas fontes que se reforçam mutuamente. Entre as empresas, as diferenças de tamanho, capacidades e a disponibilidade (ou falta dela) de um sistema de apoio à inovação são responsáveis por grande parte da exclusão digital atual.
Particularmente nas DEIEs, as PMEs tendem a ficar para trás em relação aos suas congêneres maiores. Porém, mesmo empresas maiores podem ser restringidas por capacidades frágeis de ciência e tecnologia (C&T) em nível nacional, inclusive em áreas de alta tecnologia. Para agravar esse problema, as empresas intensivas em tecnologia são, frequentemente, pouco numerosas e com vínculos limitados com fornecedores nacionais especializados, o que limita a acumulação de massa crítica para avançar por conta própria.
Neste contexto, o relatório sustenta que promover a difusão das tecnologias ADP é uma prioridade importante. Nas DEIEs, onde as tecnologias ADP são frequentemente aplicadas por meio da modernização, com a adição de sensores a máquinas, fábricas e produtos, as capacidades básicas em nível empresarial na produção industrial e inovação são a chave para a difusão. Ao mesmo tempo, o fornecimento de infraestrutura digital deve levar em conta as defasagens digitais e as necessidades de grupos vulneráveis e desfavorecidos.
Em razão da natureza evolutiva das tecnologias ADP, as oportunidades de aprendizado são abundantes para empresas de economias de baixa renda. Muito setores industriais tradicionais estão sendo remodelados pelas tecnologias ADP, incluindo têxteis e vestuários, com o uso de tecnologias de corte a laser CAM-CAD, impressão 3D para protótipos e tecidos funcionais, bem como o setor agrícola, com o desenvolvimento da agricultura de precisão.
Para o grupo de economias industriais emergentes, outras oportunidades se abrem com o avanço da digitalização da produção. Existem aplicações digitais em muitos setores que podem ser utilizadas como vias para salto tecnológico.
Um exemplo destacado no relatório refere-se ao setor automotivo, no qual as empresas das DEIEs participam cada vez mais, em razão do seu envolvimento com as CGV. Nesse setor, recursos básicos de ADP podem ser integrados na digitalização de processos de monitoramento e rastreamento, na manutenção preditiva e otimização de produção, todos viabilizados por sensores e IoT.
A crise da Covid-19 também evidenciou as sinergias entre a industrialização e a saúde pública. Em países com unidades de saúde bem-equipada e forte capacidade industrial, a escassez de produtos médicos, incluindo máscaras de proteção, ventiladores, luvas e produtos de higiene pessoal, teste e rastreamento, foi rapidamente superada.
Com cadeias confiáveis de abastecimento doméstico e o uso estratégico de ferramentas de política industrial, incluindo compras públicas, esses países conseguiram resistir melhor aos impactos econômicos associados à crise sanitária em relação aos seus pares. Esse foi o caso da Coréia do Sul, um exemplo ressaltado no relatório de uma economia que geriu com sucesso os desafios da crise sanitária.
Na avaliação da Unido, o fortalecimento dos sistemas de saúde pública em todo o mundo é, portanto, uma prioridade estratégica para uma economia pós-pandêmica. Como a crise sanitária ainda não terminou, a desigualdade na cobertura vacinal contra a Covid-19 entre países e regiões representa uma séria ameaça às perspectivas de recuperação da economia mundial.
A curto prazo, garantir o acesso a um fornecimento estável e confiável de vacinas é talvez a mais urgente das prioridades, especialmente em DEIES e para os países menos desenvolvidos (LDCs). Outros bens essenciais, cuja produção e distribuição deve ser priorizada no contexto da recuperação pós-pandêmica, incluem medicamentos imunobiológicos, equipamentos para cuidados intensivos e serviços para testes e monitoramento de mutações virais.
O desenvolvimento de capacidades nas indústrias farmacêutica e de dispositivos e equipamentos médicos também é considerado crucial a longo prazo para lidar com os efeitos de futuros eventos pandêmicos e epidêmicos. Vacinas, testes diagnósticos, medicamentos imunobiológicos e dispositivos médicos apresentam diferentes níveis de complexidade tecnológica e envolvem uma ampla gama de campos científicos, tecnologias e indústrias.
Para as empresas das DEIEs dar o salto tecnológico na indústria de dispositivos médicos é, portanto, um desafio. Porém, as oportunidades de aprendizado são abundantes. Segundo a Unido, como mostra a experiência da Costa Rica, as DEIEs podem alavancar investimentos estrangeiros e nacionais para modernizar tecnologias, habilidades e infraestrutura na indústria de produtos médicos e aproveitar a crescente demanda mundial.
Os efeitos multiplicadores desta estratégia não são negligenciáveis. Ligações para trás podem ser estabelecidas com várias indústrias, como os setores químico, de borracha e têxtil, enquanto a demanda por maquinário pode estimular indústrias como as de máquinas-ferramentas e eletrônicos.
O setor de diagnóstico é outro no qual os países em desenvolvimento enfrentam desafios, mas também encontram oportunidades para desenvolver a capacidade de produção doméstica. A escassez de kits de diagnóstico experimentada durante a pandemia levou muitos países a recorrer à produção local para alcançar soluções acessíveis e abordáveis.
Para as DEIEs e os LDCs, o desafio é como estender as experiências bem-sucedidas do diagnóstico da Covid-19 para o desenvolvimento de produtos e soluções para uso em várias outras doenças, incorporando a utilização multimodal e processamento de resíduos de risco biológico e de materiais reciclados.
No que se refere aos medicamentos farmacêuticos de fronteira e aos dispositivos e equipamentos médicos mais sofisticados, os desafios são significativamente maiores. Requerem capacidades em uma gama mais ampla de domínios científicos, da física à química e às ciências da vida, bem como em indústrias e tecnologias que podem estar atualmente fora do alcance de algumas economias em desenvolvimento e países menos desenvolvidos.
A Unido assinala que para as economias industriais emergentes, entretanto, a necessidade de uma ampla gama de capacidades torna as indústrias farmacêuticas e de dispositivos médicos desafiadoras, mas ao mesmo tempo atraentes. As ligações potenciais com outras atividades, desde serviços públicos, como enfermagem, até atividades de alta tecnologia, como a pesquisa em ciências da vida, também podem ser desenvolvidas, mediante uma combinação de efeitos de demanda e oferta.
Ao promover a industrialização em setores relevantes para combater a pandemia – principalmente produtos relacionados à saúde – vários países esperam reforçar a industrialização e a resiliência.
No entanto, inúmeras áreas de atividade econômica oferecem oportunidades para preencher lacunas de capacidade e transformar a crise atual em janelas de oportunidade para crescimento e prosperidade em um mundo pós-pandemia, principalmente para países em desenvolvimento que enfrentam ameaças de crescente insegurança alimentar, degradação ambiental ou superexposição às cadeias globais de valor (CGV).
De acordo com a Unido, no pós-pandemia, uma nova indústria será fundamental para a realização dos objetivos do desenvolvimento sustentável. As empresas e os países deverão se adaptar às megatendências, por exemplo, mantendo os investimentos em eficiência energética e geração de energia renovável. Os investimentos em eficiência energética e na diversificação das fontes de energia são críticos para evitar que as emissões de CO2 voltem a aumentar, retornando aos níveis pré-pandemia.
Imperativo da sociedade, a conversão ambiental da indústria traz igualmente grandes desafios para as economias emergentes e em desenvolvimento. Além do fato da produtividade agrícola ser vulnerável às flutuações de temperatura e precipitação, mais de dois terços dos DEIEs (e quase 90% dos LDCs) dependem de recursos naturais, como petróleo e gás. Estes recursos correm o risco de se tornarem ativos ociosos à medida que as economias industrializadas começam a se descarbonizar, tornando a diversificação da indústria nessas economias um imperativo ainda mais urgente do que antes.
Ademais, as empresas nas DEIEs precisam se adaptar cada vez mais às mudanças na demanda dos consumidores por produtos mais sustentáveis nos principais mercados de consumo. Com as iniciativas de “Acordo Verde” nos Estados Unidos e na União Europeia que implicam fortemente em uma mudança nas regulamentações e na demanda do mercado por produtos mais sustentáveis, as empresas nos DEIEs precisarão, portanto, se antecipar e se adaptar aos regulamentos de comércio verde se quiserem manter o acesso à exportação para os maiores mercados consumidores.
Porém, a conversão ambiental também representa uma importante oportunidade econômica para empresas de países em desenvolvimento. Até o momento, a maioria dos DEIEs, com algumas exceções notáveis, como Brasil e China, permanece como consumidores em vez de produtores de tecnologias de energia renovável.
À medida que a demanda por equipamentos de geração de energia renovável aumenta, podem surgir oportunidades para integrarem segmentos de maior valor agregado de cadeias de valor renovável. Segundo a Unido, a produção de turbinas e baterias, por exemplo, tem grandes multiplicadores econômicos, em termos de ganhos salariais e de renda e oportunidades de capacitação, e interligações com outros setores.
Na avaliação da Unido para que um processo de industrialização verde se materialize nas DEIEs, as empresas desses países precisarão, portanto, continuar atraindo o IDE em setores estratégicos e, ao mesmo tempo, fortalecer suas capacidades de fabricação. Com o passar do tempo, o desenvolvimento de capacidades em design industrial e P&D também se mostrará crucial para aproveitar as oportunidades associadas à megatendência de conversão ambiental do setor industrial.
A Unido ressalta que outra prioridade de longo prazo para as DEIEs deve ser o investimento em educação e treinamento para enfrentar as possíveis consequências no emprego da mudança estrutural em direção à descarbonização e aos modelos de economia circular, bem como o investimento em capital natural para a resiliência e regeneração dos ecossistemas, incluindo a restauração de habitats ricos em carbono e a agricultura amigável ao clima.
Em economias de baixa renda e LDCs, as estratégias de adaptação poderiam incluir o apoio aos sistemas rurais à medida que estes enfrentam as mudanças climáticas, incluindo, por exemplo, a agricultura sustentável, assim como a aceleração da instalação de infraestrutura de energia limpa projetada e desenvolvida em outros lugares.
Ao mesmo tempo, o futuro do desenvolvimento industrial inclusivo e ambientalmente sustentável dependerá crucialmente do acúmulo de capacidades de produção ao nível das empresas e dos ecossistemas nacionais que possam apoiar a criação e a absorção de novas tecnologias. Isso exigirá investimentos substanciais em capital liderados pelo governo e a acumulação de recursos humanos em ciência e tecnologia (C&T), como também acumulação, em nível empresarial, de competências e capacidades na produção industrial e em inovação.
Obviamente, nenhum país ou empresa pode desenvolver toda a gama de capacidades industriais existentes. O caminho para acumulação de capacidades que os países devem seguir varia muito entre os setores e países, e depende tanto das capacidades pré-existentes e, sobretudo, da estrutura setorial de sua produção industrial, como do nível de desenvolvimento econômico do país.
Na avaliação dos pesquisadores da Unido, contudo, nenhum programa de reativação socioeconômica será sustentado sem capacidades industriais reforçadas e adaptadas. Igualmente, os países também precisarão considerar como se envolver estrategicamente com uma economia mundial em mudança, ao mesmo tempo em que garantem, domesticamente, acesso equitativo a bens essenciais.
Todos os países que se engajam no fortalecimento de capacidades tem oportunidade de aprender e diversificar suas estruturas industriais, dois pilares de resiliência que se mostraram críticos durante a pandemia e provavelmente permanecerão assim no futuro do desenvolvimento industrial.
Políticas Industriais para uma Recuperação Verde e Inclusiva
A Unido defende que, no pós-pandemia a política industrial é um elemento crucial das estratégias de construção do desenvolvimento socioeconômico mais inclusivo e sustentável. Alinhar as políticas industriais ao processo de “reconstruir melhor” significa torna-las instrumento da Agenda 2030 da ONU, levando em conta as megatendências da indústria do futuro, bem como o risco de novos desastres mundiais.
Isto permitiria ir muito além da restauração do modelo econômico anterior e corrigir as fragilidades e desigualdades da economia mundial explicitadas e agravadas pela pandemia. Para tanto, segundo a Unido, é imprescindível que as políticas industriais incorporem as metas do desenvolvimento sustentável.
Para a Unido, as abordagens do desenho da política industrial pós-pandemia voltadas para “reconstruir melhor” devem incluir as seguintes características:
• Distinção entre as políticas voltadas para emergências de curto prazo e aquelas voltadas para efeitos de longo prazo de um eventual desastre, devido às diferenças na capacidade de um país ou indústria de administrar choques e responder à turbulência da mudança.
• Necessidade de um engajamento sólido de todas as partes interessadas, com níveis crescentes de diálogo e cooperação entre governo, empresas, academia e setores civis para sustentar as políticas industriais ao longo do tempo.
• Os esforços de recuperação devem levar em conta os riscos e as oportunidades das megatendências que deverão moldar a indústria no futuro.
• Ter como alvo as mudanças estruturais e sistêmicas, aprimorando as capacidades de produção locais e de outros “bens comuns”, incluindo a pesquisa e desenvolvimento (P&D), a infraestrutura industrial e know-how.
• Contribuir para fortalecer o multilateralismo e a coordenação internacional em torno de questões de política industrial, resiliência e gestão mundial de risco de desastres.
Para apoiar a conquista do desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável (ISID) e das demais metas do desenvolvimento sustentável, os formuladores de políticas podem e devem influenciar a direção do crescimento, defende a Unido.
Segundo a instituição, a introdução de programas governamentais de incentivo, com condicionalidades, poderia ajudar a orientar a recuperação e os investimentos do setor privado nas direções desejadas de inclusão e sustentabilidade.
Contudo, alerta a Unido, é necessário assegurar o monitoramento e a avaliação periódica desses incentivos para minimizar o risco potencial de captura de políticas, vincular o engajamento dos governos no tempo e aumentar as chances de que as intervenções públicas sigam um caminho cumulativo de aprendizado de políticas.
A capacidade dos países em lidar com as tendências de digitalização e conversão ambiental da indústria, segundo o relatório, dependerá em grande parte da eficácia das políticas industriais, que precisarão ser consistente com as especificidades e desafios em cada contexto. Além disso, a política industrial deve contribuir para a construção de sociedades mais inclusivas, com ênfase na redução das desigualdades em termos de gênero, região ou tamanho da empresa.
Com relação à crescente digitalização, os países avançarão em velocidades diferentes, a dependendo do ritmo que as capacidades industriais podem ser desenvolvidas. A Unido assinala que as oportunidades de digitalização são condicionadas pelo estágio atual de desenvolvimento industrial dos países. Para todos, todavia, são necessárias políticas para orientar e maximizar a implantação de tecnologia, reduzindo os custos e riscos associados à adoção.
De modo geral, avançar na transformação digital requer uma abordagem política flexível e abrangente. As estratégias industriais e os esforços políticos precisam, segundo a Unido, concentrar a atenção em três áreas, a saber: i) melhorar as condições estruturais para a digitalização; ii) fomentar a demanda por tecnologias avançadas de produção digital (ADP) e iii) fortalecer as capacidades de digitalização.
As políticas industriais deveriam aproveitar estrategicamente as pressões de atração e de impulsão das novas tecnologias, apoiando a digitalização da produção.
Em países de renda média, que possuem algumas capacidades industriais básicas, o objetivo seria explorar maneiras de promover a adoção de aplicativos digitais naqueles setores com potencial para saltos tecnológicos. Isso se aplica tanto aos setores que são principalmente usuários de tecnologias digitais – como agroindústria, bens de consumo, produtos químicos e farmacêuticos – quanto aos setores fornecedores, como os de bens de capital e de tecnologia da informação e comunicação (TIC).
Além disso, os governos precisam articular melhor as políticas industriais e de inovação para: i) fazer avançar a adoção de tecnologias digitais na produção; ii) estimular investimentos em P&D e na diversificação produtiva de modo a aumentar a capacidade de resposta às exigências de desenvolvimentos novos produtos, e; iii) incentivar e moldar as capacidades dos designers e produtores para atender às demandas personalizadas.
No que se refere à economia verde, a Unido considera que conversão ambiental da indústria precisa ser colocada no centro dos programas de recuperação pós-pandemia. Ainda que as ações concretas dependam das especificidades dos sistemas de produção de cada país, diferentes objetivos podem ser estabelecidos para o curto prazo e a longo prazo, juntamente com ferramentas para alcançá-los, conforme ilustra a tabela a seguir.
No curto prazo, isto pode ser concretizado mediante a adoção de padrões de sustentabilidade para a produção de bens industriais, a introdução de tecnologias de baixo carbono e, de um modo mais amplo, pela execução de políticas de estímulo à demanda de tecnologias de baixo carbono e de “competências verde”.
Após a recuperação da crise da Covid-19, contudo, o foco das políticas industriais deve mudar para a fortalecimento de novas capacidades produtivas e inovadoras relacionadas às indústrias verdes que promovam uma transição de atividades de “baixa qualidade” para atividades de “alta qualidade”.
De acordo com a Unido, as ações de políticas de promoção da conversão ambiental do setor industrial devem, igualmente, contemplar três dimensões: 1) comportamento do consumidor; 2) processos de produção; 3) processo de inovação.
A tabela a seguir descreve cada uma destas três dimensões e traz exemplos de como a política industrial verde pós-pandemia pode abordá-las e dos limites a serem enfrentados.
A crise da Covid-19 explicitou as consequências de anos de desinvestimento em capacidades vitais e ausência de preparação para os grupos mais vulneráveis da sociedade, sobretudo nas economias em desenvolvimentos onde as redes de proteção social são fracas e/ou inexistente. Isto significa, no contexto atual, dar atenção especial aos atores (indústrias, empresas e trabalhadores) que se mostraram mais vulneráveis à pandemia, ajudando-os a se recuperar no curto prazo e apoiando o fortalecimento de sua resiliência no médio-longo prazo.
Por isso, segundo a Unido, a promoção do desenvolvimento socialmente inclusivo também deve ser parte integrante das políticas industriais pós-pandemia. A tabela abaixo traz exemplos de prioridades e instrumentos de políticas, de curto e longo prazo, que distinguem, no nível da indústria, os setores vulneráveis; no nível das empresas, as micro e pequenas empresas; e, no nível dos trabalhadores, mulheres, jovens e trabalhadores informais.
As políticas industriais socialmente inclusivas devem visar não apenas a criação de empregos, mas também o aumento das oportunidades aos trabalhadores atualmente vulneráveis (informais, jovens e mulheres) no setor industrial, particularmente em “empregos verdes”.
Na avaliação dos pesquisadores da Unido, é preciso que a política industrial incorpore a perspectiva de gênero aos desafios do emprego associados ao aumento da intensidade tecnológica e automação na indústria, para que a parcela feminina da força de trabalho participe dos ganhos trazidos pelas mudanças tecnológicas.
De acordo com a Unido, as políticas industriais devem integrar, igualmente, o planejamento para a resiliência e a gestão de riscos associados a eventos extremos, tais como a pandemia e desastres climáticos, que podem comprometer anos de esforços de industrialização. A figura abaixo resume objetivos relevantes de política industrial para a promoção da industrialização e da resiliência industrial com foco em questões de prevenção e preparação contra a ocorrência de catástrofes.
A recuperação de longo prazo e a construção de resiliência exigem, segundo a Unido, igualmente, repensar e fortalecer o papel dos bancos nacionais de desenvolvimento. Essas instituições podem desempenhar um papel fundamental na implementação e canalização de apoio a outros agentes econômicos, garantindo assim a continuidade de suas operações mesmo em momentos de turbulência econômica.
O relatório destaca que há espaço para revitalizar os bancos de desenvolvimento e fortalecer sua capacidade de apoiar setores produtivos, financiar projetos que respondem ao desafio social das mudanças climáticas, e de fornecer infraestrutura, assistência técnica e gerencial. Todavia, essa tarefa não é trivial, dado que envolve, além da recapitalização e reestruturação organizacional, aprendizagem por tentativa e erro tanto para governos quanto para gerentes, bem como investimento contínuo em treinamento de pessoal e desenvolvimento de competências gerenciais profissionais.
A Unido defende igualmente o investimento em capacidades governamentais, que permitem aos governos agir com prontidão no gerenciamento de emergências complexas. Melhorar a prontidão do governo ajuda a promover as transformações estruturais necessárias para reconstruir melhor. Como as mudanças desejadas exigem reconfigurações em nível de sistema e pacotes integrados de políticas, limitar o papel do Estado à correção de falhas de mercado ou de coordenação é claramente insuficiente, argumenta a instituição.
Apoiar a criação e o fortalecimento das capacidades governamentais é um desafio em países em desenvolvimento com recursos limitados. No entanto, segundo os pesquisadores da Unido, essas capacidades podem compensar significativamente ao reduzir o custo de reconstrução e reabilitação de economias e sociedades. “A chave para o progresso é estabelecer parcerias frutíferas com outros agentes socioeconômicos, particularmente do setor empresarial”.
Papel da Comunidade Internacional na Recuperação Industrial Pós-Covid-19
A natureza global da crise econômica resultante de a pandemia da Covid-19 destaca que, sem compromissos renovados para fortalecer o multilateralismo, os esforços nacionais de recuperação industrial para reconstruir melhor por si só serão insuficientes para “reconstruir melhor”, o que pode tornar a recuperação frágil, desigual e incerta. Por isso, a Unido lança um apelo à comunidade internacional para apoiar a recuperação industrial e redobrar os esforços no suporte aos países mais vulneráveis do mundo.
A experiência da Covid-19 enfatizou a importância de plataformas multilaterais, como o sistema das Nações Unidas e o G20, para estreitar a colaboração com as organizações financeiras internacionais e bancos regionais de desenvolvimento, e para se coordenar com organizações não governamentais (ONGs) afim de fornecer o apoio necessário para a indústria manufatureira em países em desenvolvimento.
Na avaliação da Unido, essas entidades devem usar sua experiência para fornecer conselhos estratégicos e reforçar capacidades, ajudando os países em desenvolvimento a melhorar suas capacidades de gerenciamento de crises e garantir que suas capacidades de produção permaneçam operacionais diante de catástrofes mundiais e se recuperem rapidamente desses desastres.
Essas funções se somam aos papéis mais tradicionais desses parceiros de desenvolvimento na assistência aos países na identificação de indústrias prioritárias, no desenho de medidas para eliminar os gargalos para seu desenvolvimento, na formulação de políticas para impulsionar o investimento doméstico e atrair investimento direto estrangeiro (IDE) para alcançar o desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável.
A intensificação da coordenação internacional da política industrial deve ajudar a impulsionar uma recuperação rápida e sustentável que não deixe ninguém para trás. Isto requer:
• Fortalecer as capacidades dos governos nas economias em desenvolvimento para a concepção e implementação de políticas industriais seletivas e de critérios de desempenho para incentivar a inovação e criar complementaridades pós-pandemia;
• Expandir o espaço de política dos países em desenvolvimento, melhorando o acesso ao financiamento de instituições multilaterais e bancos de desenvolvimento (regionais e nacionais) recapitalizados;
• Reduzir o fosso digital, proporcionando acesso ao conhecimento, aprendizado e adaptação, com melhores mecanismos para governar a criação e compartilhamento de conhecimento, incluindo tecnologias digitais e outras tecnologias relevantes;
• Atualizar estruturas internacionais para gerenciamento de risco de desastres transfronteiriços, com aperfeiçoamento dos mecanismos de governança para assegurar fluxos ininterruptos de bens essenciais e uma distribuição mais equilibrada do custo das rupturas nas cadeias globais de valor;
• Colocar a sustentabilidade ambiental no primeiro plano da recuperação global para alcançar a neutralidade climática até 2050 e mitigar a tendência de aquecimento global.
A tabela abaixo resume as propostas da Unido de ações coordenadas a serem adotadas pela comunidade internacional na construção de um futuro melhor. As ações a serem tomadas a curto prazo visam aliviar os problemas econômicos e efeitos sociais da pandemia, com ênfase na produção e distribuição de vacinas. Já ações a serem tomadas a médio e longo prazo estão voltados à “reconstrução melhor” por meio do desenvolvimento inclusivo e sustentável.