Carta IEDI
O desempenho de 2023 e perspectivas para 2024
No último mês de 2023, indústria e comércio varejista apresentaram resultados contrastantes, enquanto os serviços deram sequência à sua fase de moderação. As pesquisas mensais do IBGE apontam alta de +1,1% na produção industrial e queda de -1,1% nas vendas reais do varejo ampliado, que inclui veículos, autopeças, material de construção e atacarejo. O faturamento dos serviços variou +0,3%, frente ao mês anterior, com ajuste sazonal.
Deste modo, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, acusou expansão de +0,82% na passagem de nov/23 para dez/23, já descontados os efeitos sazonais. Foi a alta mais robusta da segunda metade do ano nesta comparação.
A despeito deste dinamismo superior no findar do ano, foi o primeiro semestre o principal responsável pelo resultado positivo no acumulado de 2023 como um todo. Ainda segundo o IBC-Br, a atividade econômica do país avançou +3,6% em jan-jun/23 e +1,4% em jul-dez/23, em comparação com o mesmo período do ano anterior. No 4º trim/23 o resultado foi de +1,8%.
Esta acomodação foi conduzida por dois fatores de destaque. Em primeiro lugar, os impactos diretos e indiretos da supersafra de grãos na entrada do ano, que se dissiparam nos meses seguintes e, em segundo lugar, à desaceleração do setor de serviços, com a recomposição de suas bases de comparação e a efetivação da demanda represada pela pandemia.
Dos grandes setores econômicos analisados nesta Carta IEDI, o setor de serviços foi o único a perder dinamismo, passando de +4,7% em jan-jun/23 para +0,2% em jul-dez/23. Já o varejo deu prova de importante resiliência, com +2,1% e +2,6%, respectivamente, mas não sem a ajuda de política anticíclica que reduziu impostos federais na compra de veículos. O ritmo de crescimento das vendas deste ramo do varejo dobrou no 1º sem/23 (+5,4%) para o 2º sem/23 (+10,7%).
No que diz respeito à indústria, a virada do semestre trouxe inversão de sinal, muito embora a expansão tenha sido muito restrita. Em jan-jun/23, a produção física do setor registrou -0,3%, passando para +0,5% em jul-dez/23, sempre em comparação com o mesmo período do ano anterior. Isso, contudo, deveu-se apenas às atividades extrativas (+5,8% e +8,2%, respectivamente).
A indústria de transformação, que representa as cadeias produtivas mais longas e diversificadas, com maior capacidade de espalhar dinamismo ao restante do sistema produtivo, e que também consiste na parcela mais intensiva em tecnologia do setor, continuou perdendo produção ao longo de todo o ano, ainda que com certa moderação: -1,3% em jan-jun/23 e -0,8% em jul-dez/23.
Regionalmente, a dificuldade de a indústria de transformação crescer se refletiu em um mal desempenho dos parques industriais maiores e mais completos do país, enquanto aqueles especializados em atividades extrativas ou em processamento de produtos agropecuários saíram à frente em 2023, como Pará, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro e Mato Grosso.
A indústria como um todo de São Paulo recuou -1,5% em jan-dez/23, a do Rio Grande do Sul, -4,7% e a do conjunto da região Nordeste, -3,5%. No último trimestre de 2023, a despeito de alguma amenização, não foi suficiente para assegurar à indústria paulista um retorno ao crescimento. Neste sentido, foi uma exceção, já que a parcela de parques regionais no azul no 4º trim/23 chegou a quase 78%, um placar bem melhor do que o do acumulado jan-dez/23 (64%).
Com estas restrições, o desempenho industrial para o total de 2023 foi de mera estabilidade, ficando bastante aquém dos resultados do comércio e serviços. Em jan-dez/23, a produção da indústria geral variou +0,2%, enquanto o faturamento do varejo ampliado e dos serviços registrou +2,4% e +2,3%, respectivamente.
Para 2024, o repasse da redução da taxa básica de juros Selic para as taxas de empréstimos aos tomadores finais abre a possibilidade de uma performance superior aos mercados de bens duráveis, o que favorece muitos segmentos tanto do varejo como da indústria. Os serviços, como enfatizamos, já assumiram uma trajetória de desaceleração.
Outros fatores também jogam a favor de um dinamismo econômico superior para o Brasil, como a redução do desemprego e da inflação, bem como os programas governamentais de transferência de renda e do PAC. Externamente, as expectativas de uma manutenção do ritmo de crescimento do PIB global também é uma boa notícia.
Ademais, a regulamentação da reforma tributária e a implementação da nova política industrial, ainda que trabalhem com ações mais de longo prazo, podem ter impactos positivos mais imediatos à medida que reforcem a confiança dos agentes econômicos.
As últimas projeções captadas pelo Boletim Focus apontam expansão do PIB geral do Brasil de +1,75% em 2024, com aceleração do PIB da indústria total para +1,7% e desaceleração dos demais setores. A atualização de cenário realizada pelo FMI em jan/24, por sua vez, acrescentou +0,2 ponto percentual à estimativa de crescimento do PIB brasileiro em 2024, que foi a +1,7%.
Indústria
Em 2023, a indústria brasileira evitou o terreno negativo ao acumular variação de +0,2%, com ajuda adicional no último mês do ano (+1,1%, com ajuste). Esse resultado agregado foi acompanhado pela maioria dos seus parques regionais, mas não da maior parte de seus ramos. Isso porque os parques mais completos e diversificados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, e também a região Nordeste em seu conjunto, ficaram no vermelho.
Dos 25 ramos industriais identificados pelo IBGE, 16 registraram perda de produção no acumulado jan-dez/23 frente ao mesmo período do ano anterior, isto é, uma parcela de 64% do total. Os piores casos couberam a ramos produtores de bens de capital, sobretudo, além de bens de consumo duráveis.
Em seu agregado, o macrossetor de bens de capital foi o principal obstáculo para um desempenho superior da indústria em 2023. Seu resultado foi de -11,1% ante 2022. Bens intermediários ficaram próximos da estabilidade, com +0,4%, enquanto bens de consumo semi e não duráveis foram os que mais cresceram: +2,1%. Bens de consumo duráveis, embora tenham registrado +1,2% em jan-dez/23, recuaram -2,7% no segundo semestre do ano.
Regionalmente, dos 18 parques acompanhados, 10 apresentaram expansão da produção física em 2023. Isso equivale a uma parcela majoritária de 56% do total. Entre os que avançaram mais estão aqueles onde é elevado o peso de atividades associadas a produtos primários, sejam eles minerais ou agrícolas, como a indústria extrativa, de alimentos e de derivados de petróleo.
No acumulado de jan-dez/23, os destaques positivos ficaram, assim, a cargo de: Rio Grande do Norte (+13,4% ante jan-dez/22), Espírito Santo (+11,1%), Goiás (+6,1%), Pará (+5,4%), Mato Grosso (+5,2%) e Rio de Janeiro (+4,5%). Em todos estes, a soma das participações dos três ramos acima mencionados varia entre 63% e 92%, na pesquisa do IBGE.
Já entre os casos negativos ficaram os parques industriais mais diversificados. É um perfil coerente com o resultado negativo da indústria de transformação total do país em 2023 (-1,0% ante 2022). O caso mais grave foi o do Rio Grande do Sul, com -4,7%, seguido pelo agregado do Nordeste, com -3,5%, sob influência de Ceará, Maranhão e Bahia.
Mas este também foi o caso de São Paulo, que acumulou perda de -1,5% em jan-dez/23. Deste modo, nos últimos cinco anos a indústria paulista, que é o principal parque do país, não cresce. Entre 2019 e 2023, variação positiva só mesmo em 2021 (+4,8%), em função da base deprimida pela pandemia e ainda assim sem compensar o recuo de 2020 (-6,0%). Em 2019 e 2022 ficou em estagnação (0% e +0,2%, respectivamente), e 2023 voltou ao vermelho.
No último trimestre de 2023, embora tenha havido alguma amenização, não foi suficiente para assegurar à indústria paulista um retorno ao crescimento. Neste sentido, foi uma exceção, já que a parcela de parques regionais no azul no 4º trim/23 chegou a quase 78%, um placar bem melhor do que o do acumulado jan-dez/23, como visto anteriormente.
Entre as indústrias regionais que melhoraram no último quarto do ano passado, o destaque vai para o Nordeste, que passou a crescer +1,2% ante o 4º trim/22. Esta alta foi motivada pelo retorno ao azul do Ceará e Bahia e pelo fortalecimento do crescimento em Pernambuco. Por trás disso estão os seguintes ramos: derivados de petróleo, borracha e plástico e têxteis.
No Sul do país também houve progressos, embora não tenham sido suficientes para colocar a indústria gaúcha em rota de expansão. O Paraná reforçou seu crescimento (+1,5% em jan-dez/23, mas +9,1% em out-dez/23), devido a derivados de petróleo, produtos de madeira e bebidas, e Santa Catarina voltou a crescer (-1,3% e +3,2%, respectivamente), com a ajuda de borracha e plásticos, químicos, têxteis e produtos de metal, entre outros.
Pará, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro e Mato Grosso, por sua vez, deram sinais de ganho de robustez às trajetórias de expansão que marcaram seu desempenho em 2023. Nos três primeiros casos, o ritmo de crescimento no 4º trim/23 ante o 4º trim/22 chegou a taxas de dois dígitos.
Já aqueles que ainda refletiam as dificuldades de um dinamismo mais generalizado entre os diferentes ramos da indústria no país foram São Paulo, como já apontado, e Rio Grande do Sul. No 4º trim/23, 61% dos ramos da indústria paulista perderam produção, notadamente equipamentos de informática e comunicação (-21,1%), veículos automotores (-14,3%), e máquinas e equipamentos (-8,1%), isto é, ramos de maior intensidade tecnológica.
Na indústria gaúcha, 64% de seus ramos ficaram no vermelho no último trimestre do ano passado, tendo entre suas quedas mais agudas as de papel e celulose (-24,2%), máquinas e equipamentos (-15,3%) e metalurgia (-14,6%), além de veículos automotores (-7,2%) e de alimentos (-6,5%).
Comércio
No último mês de 2023, as vendas reais do varejo em seu conceito ampliado recuaram -1,1%, já descontados os eventuais efeitos sazonais. Tomado em seu conceito restrito, isto é, sem incluir veículos, autopeças, material de construção e o atacarejo, o resultado foi de -1,3%. Os bens de consumo duráveis estiveram entre os maiores freios do comércio neste final de ano.
A despeito desta inflexão no findar do ano, pode-se dizer que o varejo trilhou um caminho bem diferente do da indústria no agregado de 2023. Em jan-dez/23 frente ao mesmo período do ano passado, enquanto a indústria ficou praticamente estagnada (+0,2%), o comércio ampliado se expandiu em +2,4%. O descompasso entre indústria e varejo não é algo novo em nossa economia.
Há que se notar ainda a relativa consistência do ritmo de crescimento das vendas em 2023. Embora tenha ocorrido alguma oscilação em seu conceito restrito, no conceito ampliado, trimestre após trimestre, houve aumento acima ou muito perto de +2,0% na comparação interanual. Isto, contudo, não sem a ajuda de política econômica anticíclica, com a redução de impostos federais sobre as vendas de veículos.
Sendo assim, o resultado no 4º trim/23 ficou em linha com o desempenho do acumulado jan-dez/23: +2,3% no 4º trim/23 e +2,4% em jan-dez/23 no conceito ampliado e +1,4% e +1,7%, respectivamente, no conceito restrito.
Entre os ramos do varejo, 40% apresentaram declínio em 2023. Um destaque negativo foi o ramo de tecidos, vestuário e calçados, que já havia ficado no vermelho em 2022 (-0,5%) e que agora aprofundou muito suas perdas (-4,6%), na esteira da concorrência, nem sempre isonômica, exercida por plataformas internacionais. Outros artigos de uso pessoal e doméstico (-10,9%), que incluem as lojas de departamento, também assumiram trajetória semelhante.
Entre aqueles que impulsionaram o agregado do setor no ano passado, contribuições fundamentais vieram de veículos e autopeças, que registraram a maior alta em jan-dez/23: +8,1%, invertendo o sinal de 2022 (-1,7%), e de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, (+3,7% em 2023 vis-à-vis +1,4% em 2022), graças à melhora no quadro do emprego e à desaceleração da inflação.
Estes dois ramos, inclusive, ganharam vigor no último trimestre do ano, sendo que veículos e autopeças chegaram a apresentar taxa de crescimento de dois dígitos: +11,5% ante o 4º trim/22. No caso de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, as vendas subiram +4,3% no último quatro do ano.
Outros cinco ramos também melhoraram seu desempenho out-dez/23: tecidos, vestuário e calçados; produtos farmacêuticos, ortopédicos e de perfumaria; equipamentos de escritório, informática e comunicação; material de construção e o atacarejo. Assim, ganharam vigor no período cerca de 64% dos ramos do varejo ampliado, amortecendo os casos adversos ou de desaceleração.
Serviços
No último mês de 2023, o desempenho do setor de serviços ficou entre a expansão da indústria (+1,1%) e a retração do comércio (-1,1%). Os dados divulgados pelo IBGE apontam resultado de +0,3% frente a nov/23, já descontados os efeitos sazonais. Deu sequência, assim, à evolução próxima da estabilidade que passou a marcar o setor a partir do 2º sem/23.
Quem mais cresceu na passagem de nov/23 para dez/23 foram os serviços prestados às famílias, cujo avanço foi de +3,5%, com ajuste sazonal. Como resultado disso, este ramo finalmente compensou as perdas provocadas pela pandemia de Covid-19. A comparação com o nível de faturamento de fev/20 tornou-se positivo pela primeira vez em dez/23: +2,2%. Agora, todos os ramos dos serviços superam o patamar pré-pandemia.
Isso significa que, com bases de comparação recompostas, o dinamismo dos serviços deve apresentar taxas de crescimento mais moderadas e estar mais dependente de seus tradicionais condicionantes, isto é, do emprego, do rendimento real das famílias e da atividade de outros setores, a exemplo da indústria.
Tanto é que a comparação interanual do acumulado em doze meses, que expressa a tendência corrente, registrava alta de +8,3% em dez/22 e então de +6,2% em jun/23 e +2,3% em dez/23. Ou seja, embora tenha terminado no azul, o ano de 2023 foi de nítida desaceleração para o setor de serviços, o que fica claro se olharmos os resultados trimestre a trimestre: +5,4% em jan-mar/23; +4,0% em abr-jun/23; +1,1% em jul-set/23 e -0,6% em out-dez/23.
Dois dos cinco ramos identificados pelo IBGE tiveram queda no 4º trim/23 e quatro dos cinco apresentaram desaceleração. O único ramo a manter no 4º trim/23 o mesmo resultado do acumulado jan-dez/23 foram os serviços prestados às famílias.
Entre os dois ramos no vermelho, o de transportes, seus auxiliares, armazenagem e correios se destaca pela forte desaceleração, já que no 1º trim/23 havia registrado +6,1% – com a ajuda do escoamento da supersafra agrícola que, como se sabe, impulsionou o PIB total do país no período – e no 4º trim/23 caiu -3,5%, devido a transporte terrestre, sobretudo de passageiros, e serviços de armazenagem e correios.
Outros serviços, que compreende a agregação feita pelo IBGE de um conjunto diversificado de atividades, foi quem registrou o pior resultado no 4º trim/23 (-4,5% ante o 4º trim/22), mas já não vinha bem. O melhor que conseguiu em 2023 foi uma variação de +0,5% no primeiro trimestre.
Já os serviços prestados às famílias se destacam por ter interrompido sua desaceleração no último trimestre do ano. Isso se deu graças ao seu componente alojamento e alimentação. Assim, tanto em out-dez/23 como no acumulado dos doze meses do ano seu resultado foi de +4,7%.
Outros dois ramos de serviços mantiveram-se no azul ainda que não tenham escapado de uma moderação em seus resultados. A perda de dinamismo foi mais intensa em serviços de informação e comunicação, de +5,8% no 1º trim/23 para +1,2% no 4º trim/23. No caso de serviços profissionais, administrativos e complementares, o ritmo de expansão no 4º trim/23 foi 2/3 do resultado do acumulado no ano passado (+2,5% ante +3,7%, respectivamente).