Carta IEDI
O crescimento global em meio à guerra comercial e ao aumento da incerteza
A deflagração da guerra comercial promovida pelo aumento de tarifas do governo Trump, além de implicar profunda mudança da governança do comércio internacional e especulações sobre possíveis ganhadores e perdedores, tem desencadeado revisões para baixo nas projeções para o dinamismo da economia global.
A incerteza quanto à errática política tarifária dos EUA e à reação de seus parceiros comerciais e os distintos desdobramentos sobre as decisões dos agentes privados dificultam a construção de cenários futuros, mas há pouca dúvida a respeito do prejuízo para o crescimento do PIB e do comércio mundial.
Por essa razão, o FMI apresentou três projeções de crescimento em seu World Economic Outlook de abr/25. Em seu cenário básico, detalhado nesta Carta, contemplou as medidas tarifárias anunciadas até 4 de abril (tarifas recíprocas), indicando que o PIB global crescerá +2,8% em 2025 e +3% em 2026. Isso implica uma significativa revisão para baixo frente ao cenário de jan/25, que previa a manutenção do ritmo de expansão de 2024 (+3,3%) no biênio 2025-2026.
Considerada a pausa por 90 dias das tarifas recíprocas e a intensificação da tensão com a China até meados de abr/25, as projeções seriam muito próximas do cenário básico: +2,8% em 2025 e +2,9% em 2026, mas com diferenças importantes em sua composição. EUA e China teriam perdas mais acentuadas.
Movimento semelhante de revisão foi feito pela UNCTAD, que considerou informações até 10 de abril. Neste caso a atualização de cenário deu lugar a uma projeção mais pessimista para 2025: +2,3% ante +2,7% anteriormente estimado.
A OMC, por sua vez, com base em medidas adotadas até 14 de abril, inclusive a suspensão das “tarifas recíprocas” pelos EUA, reduziu sua projeção de crescimento do PIB mundial para 2025 de +2,8% para +2,2% e para 2026 de +2,6% para +2,4%. E faz um alerta de que ampliação adicional da incerteza em relação à política de comércio no mundo poderá levar a perdas duas vezes maiores no PIB global de 2025.
Já a OCDE, cuja atualização de cenário neste início de jun/25, reduziu a projeção para o PIB de 2025 de +3,1% para +2,9%, em grande medida devido a desacelerações acentuadas nos EUA (de +2,8% em 2024 para +1,6% em 2025), México (de +1,5% para +0,4%) e do Canadá (de +1,5% para +1,0%, respectivamente).
Para o comércio mundial, o corte das projeções foi ainda mais acentuado. Para o FMI, o ritmo de crescimento das trocas internacionais de bens e serviços em 2025 deve cair pela metade devido à multiplicação de barreiras tarifárias: passou de +3,2% no cenário de jan/25 para +1,7% no cenário de abr/25. Para 2026, deve haver uma recuperação para +2,5%, cerca de 0,8 p.p. a menos do que o esperado em jan/25.
A OMC, por sua vez, indicava uma contração de -0,2% do comércio mundial de bens em 2025, seguida de uma recuperação de +2,5% em 2026, implicando cortes de -2,9 p.p. e -0,4 p.p., respectivamente ante o cenário do final de 2024. Para o comércio de serviços, a despeito de desaceleração, espera-se um dinamismo bem mais intenso (+4% em 2025 e +4,1% em 2026).
No cenário da OCDE, que inclui informações mais recentes, como apontado anteriormente, o dinamismo do comércio global foi reduzido de +3,6% para +2,8% em 2025 e de +3,5% para +2,2% em 2026, retomando assim uma evolução que se tornou padrão após a crise global de 2008/2009 em que o comércio cresce menos do que o PIB mundial, contribuindo menos como alavanca do dinamismo dos países.
O cenário básico do FMI, que será tratado nesta Carta por apresentar um conjunto mais amplo de informações sobre os países, baseia-se em algumas hipóteses adicionais, brevemente resumidas a seguir:
• Queda de 7,9% dos preços das commodities energéticas e aumento de 4,4% das não-energéticas devem crescer 4,4% em 2025.
• Continuidade do afrouxamento da política monetária nas economias avançadas (EAs).
• Política fiscal mais restritiva nas EAs em 2025 e 2026 (com exceção da Alemanha); nas economias emergentes e em desenvolvimento (EMEDs), os déficits primários devem se ampliar em 2025, mas a orientação da política fiscal deve se tornar restritiva em 2026. Nos dois grupos de economias, a razão dívida pública/PIB seguirá em trajetória ascendente.
• Desaceleração da inflação global ao consumidor para +4,3% em 2025 e +3,6% em 2026, com convergência para a meta de +2,2% nas EAs e recuo para +4,6% nas EMEDs em 2026.
Neste cenário a desaceleração é praticamente generalizada tanto nas EAs como nas EMDEs. O crescimento nas EAs deve recuar de +1,8% em 2024 para +1,4% em 2025 (-0,5 p.p ante a projeção de jan/25) e +1,5% em 2026. A revisão decorre de significativos cortes das projeções para o Canadá, Japão, Reino Unido e EUA e um aumento na projeção para Espanha.
Para os países emergentes e em desenvolvimento, o FMI prevê uma desaceleração do crescimento ainda mais intensa, de +4,3% em 2024 para +3,7% em 2025 (contra +4,2% em jan/25) e uma pequena aceleração em 2026 para +3,9%.
A América Latina e Caribe deve registrar uma desaceleração de +2,4% em 2024 para +2% em 2025 (-0,4 p.p.) contra +2,5% no cenário do FMI de jan/25 – o segundo maior corte, após Ásia emergente e em desenvolvimento e Oriente Médio e Ásia Central (ambos de -0,6 p.p.).
Os ajustes no cenário latino-americano decorrem, sobretudo, do significativo corte no crescimento esperado para o PIB do México: a virtual manutenção do ritmo de expansão do cenário de jan/25 (de +1,5% em 2024 para +1,4% em 2025) foi substituída por uma contração de -0,3% no cenário de abr/25.
No que diz respeito ao Brasil, foi pequeno o ajuste entre os cenários de jan/25 e de abr/25 do FMI: -0,2 p.p. tanto para 2025 como para 2026. Com isso, o Fundo espera que o crescimento do nosso PIB deva desacelerar de +3,4% em 2024 para +2,0% em 2025 e se manter neste ritmo em 2026.
UNCTAD e OCDE, por sua vez, mantiveram suas projeções para o PIB brasileiro em 2025 em +2,2% e +2,1%, respectivamente. Para 2026, OCDE elevou marginalmente sua projeção de +1,4% para +1,6%.
As razões para esta estabilidade nas nossas projeções incluem fatores como não estarmos entre os países com maiores elevações de tarifas pelos EUA, termos uma economia relativamente fechada e porque podemos ampliar nossos embarques de bens primários, notadamente agropecuários para a China, caso este país imponha restrições às suas importações dos EUA.
Ainda no cenário do FMI, após um balanço de riscos mais equilibrado em outubro de 2024 devido à redução dos riscos negativos frente a abril do mesmo ano (Carta IEDI 1288), o atual cenário básico do Fundo volta a trazer um viés negativo diante dos efeitos diretos e indiretos da errática política tarifária do segundo governo Trump.
De acordo com o relatório, a economia global encontra-se num momento crítico, com incertezas e mudanças políticas relevantes. Para restaurar a confiança e impulsionar o crescimento, é essencial reduzir tensões comerciais, manter a estabilidade econômica e reconstruir o espaço fiscal. No médio prazo, avanços em reformas estruturais e o uso responsável de novas tecnologias são essenciais para aumentar a produtividade e a resiliência econômica.
Introdução
Esta Carta IEDI apresenta o cenário atual do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o desempenho da economia global em 2025 e 2026, divulgado no World Economic Outlook (WEO) de abril de 2025. A primeira seção apresenta os principais dados deste cenário e, a título de comparação, as projeções de outras instituições multilaterais. Na seção seguinte, o cenário do FMI é detalhado por grupos de países. A terceira seção sumariza o balanço de riscos e a quarta seção resume as recomendações de política do FMI.
Cenário para a economia global
De acordo com FMI, a escalada as tensões no comércio mundial devido à errática política tarifária do segundo mandato do presidente Donald Trump – com sucessivos anúncios de tarifas sobre os parceiros comerciais desde fev/25, seguidos em muitos casos de retaliações - gerou um expressivo nível de incerteza política que tornou mais difícil estabelecer um cenário para o crescimento global. Consequentemente, o WEO de abril de 2025, apresenta três projeções para esse crescimento.
O primeiro – cenário básico, detalhado nesta Carta – se baseia nas medidas anunciadas até 4 de abril, dois dias após o anúncio das tarifas recíprocas, aplicadas quase universalmente. Neste cenário, a economia global crescerá 2,8% em 2025 e 3% em 2026 contra 3,3% em 2024.
Houve uma significativa revisão negativa frente ao cenário de janeiro de 2025 (que previa a manutenção do ritmo de expansão de 2024 no biênio 2025-2026) tanto para as economias avançadas (EAs) como para as economias de mercado emergente e em desenvolvimento (EMDEs), a qual reflete os efeitos diretos dessas medidas, bem como os indiretos mediante repercussões sobre as cadeias globais de valor, maior incerteza e deterioração dos sentimentos de consumidores, empresários e investidores.
Considerando as expectativas mais recentes, isto é, veiculadas a partir de abr/25, cabe uma comparação com os cenários de referência de outros organismos multilaterais de destaque.
A UNCTAD, que considerou informações até 10 de abril, se mostra mais pessimista e projeta um crescimento para 2025 de apenas +2,3% no mundo, isto é, uma revisão de -0,4 ponto percentual ante os +2,7% anteriormente estimados.
A OMC, por sua vez, com base em medidas adotadas até 14 de abril, inclusive a suspensão das “tarifas recíprocas” pelos EUA, reduziu sua projeção de crescimento do PIB mundial para 2025 de +2,8% para +2,2% e para 2026 de +2,6% para +2,4%. E faz um alerta de que ampliação adicional da incerteza em relação à política de comércio no mundo poderá levar a perdas duas vezes maiores no PIB global de 2025.
Já a OCDE, cuja atualização de cenário neste início de jun/25, reduziu a projeção para o PIB de 2025 de +3,1% para +2,9%, em grande medida devido a desacelerações acentuadas nos EUA (de +2,8% em 2024 para +1,6% em 2025), México (de +1,5% para +0,4%) e do Canadá (de +1,5% para +1,0%, respectivamente).
De volta às projeções do FMI, seu segundo cenário (pré-2 de abril) prevê um crescimento global de 3,2% no biênio 2025-2026: 0,1 ponto percentual (p.p.) comparado com o WEO Update de janeiro de 2025.
Este segundo cenário considera a situação econômica desde o WEO de out/24 e os anúncios tarifários entre 10 de fev/25 e 12 de mar/25, ou seja, tarifas sobre o México e o Canadá, as respostas dos dois últimos parceiros comerciais, a primeira onda de tarifas sobre a China e as tarifas sobre aço e alumínio. É um cenário de tarifas mais direcionadas a certos parceiros comerciais e produtos.
Neste caso, a redução das projeções de crescimento é maior para os países diretamente atingidos pelas tarifas, mas também se aplica para as demais economias devido ao aumento da incerteza frente a janeiro e repercussões das maiores tarifas.
O terceiro cenário (pós-9 de abril) considera as implicações da pausa por 90 dias das tarifas recíprocas e adicionais exceções tarifárias, assim como a resposta da China e a escalada da guerra comercial entre a primeira e segunda maiores economias do mundo. Em 14 de abril, a data de corte para este cenário, a tarifa efetiva dos EUA sobre produtos chineses era de 115% e de 25% sobre todos os países (contra menos de 3% em janeiro de 2025) e da China sobre os produtos americanos de 146%.
Neste caso, se as medidas anunciadas entre 5 e 14 de abril forem consideradas isoladamente – isto é, sem levar em conta o impacto negativo sobre o mercado financeiro americano, o aumento adicional incerteza e a redução do apetite por risco dos investidores globais – e permanentes, o crescimento global recuaria para 2,8% em 2025, mesma projeção do cenário básico.
Todavia, a composição do crescimento seria diferente, com os ganhos para os países antes sujeitos a tarifas mais elevadas sendo anulados pelo pior desempenho da China e dos EUA, que se propagaria através das cadeias globais de valor.
Para 2026, o crescimento neste terceiro cenário seria menor (+2,9%), pois o impacto negativo sobre esses dois países aumentaria, enquanto os ganhos dos demais se dissipariam.
O cenário básico do FMI baseia-se nas seguintes hipóteses:
• Preços das commodities: O Fundo projeta uma queda de 7,9% dos preços das commodities energéticas em 2025, resultado da redução de 15,5% dos preços do petróleo e de 15,8% do carvão e aumento de 22,8% do preço do gás natural. Os preços das commodities não-energéticas devem crescer 4,4% em 2025. Tanto as projeções para os preços dos alimentos como das bebidas foram revistas para cima na comparação com o cenário de janeiro de 2025.
• Comércio global: o volume do comércio global deve desacelerar de 3,3% em 2024 para em 1,7% em 2025, 1,5 p.p. inferior à previsão de janeiro de 2025 como reflexo, sobretudo, das medidas tarifárias adotadas até 4 de abril e, em menor medida, da dissipação de efeitos cíclicos subjacentes ao maior dinamismo do comércio de bens em 2024. O cenário básico também supõe que a incerteza em relação à política tarifária seguirá elevada em 2025 e 2026. Com isso, o desempenho do comércio global continuará modesto em 2026 (2,5%).
• Política monetária: Os bancos centrais dos EUA e da área do Euro devem continuar a reduzir suas taxas de juros básicas nos próximos trimestres, mas em ritmos diferentes, respectivamente: recuo para 4% no final de 2025 e convergência para seu patamar de equilíbrio no longo prazo (2,9%) no final de 2028; queda para 2% em meados desse ano. Na Japão, a taxa básica deve aumentar gradualmente para seu patamar neutro de 1,5% até 2027.
• Política fiscal: os governos das EAs devem adotar uma política fiscal mais restritiva em 2025 e 2026, reduzindo pela metade os déficits fiscais até 2029. No caso dos EUA, o FMI projeta uma melhora de 1 p.p. do resultado fiscal estrutural do governo geral em relação ao PIB que, contudo, não será suficiente para estabilizar a razão dívida pública/PIB, a qual deve aumentar de 121% em 2024 para 130% em 2030. Na área do euro, esta razão deve aumentar do patamar atual de 88% para 93% em 2030. A principal hipótese subjacente é a alta do déficit primário da Alemanha em 1% do PIB entre 2024 e 2030 devido ao crescimento dos gastos com defesa e dos investimentos públicos, o que terá repercussões sobre a França, Itália e Espanha. Nas EMEDs, os déficits primários devem se ampliar em 0,3 p.p. em média em 2025, mas a orientação da política fiscal deve se tornar restritiva em 2026. A razão dívida pública/PIB seguirá em trajetória ascendente, atingindo 83% em 2030 frente aos atuais 70%.
• Inflação global: a projeção atual do FMI é de uma desaceleração da inflação ao consumidor para 4,3% em 2025 (um pouco maior que em janeiro) e 3,6% em 2026. A inflação deve convergir para a meta de 2,2% nas EAs e recuar para 4,6% nas EMEDs em 2026.
Desempenho por grupo de países
No cenário básico do FMI, a desaceleração é praticamente generalizada tanto nas EAs como nas EMDEs. O crescimento nas EAs deve recuar de 1,8% em 2024 para 1,4% em 2025 (0,5 p.p inferior à projeção de janeiro de 2025) e 1,5% em 2026. A revisão do cenário decorre de significativos cortes das projeções para o Canadá, Japão, Reino Unido e EUA e um aumento na projeção para Espanha.
O crescimento da economia americana deve desacelerar para 1,8% em 2024, a maior revisão negativa tanto na comparação com 2024 (1 p.p. inferior ao crescimento de 2,8%) como ao cenário básico de janeiro (0,9 p.p. inferior à projeção de 2,7%). Esta revisão decorre do aumento da incerteza em relação à política econômica, às tensões comerciais e ao crescimento menor que antecipado do consumo. As tarifas também devem conter o crescimento em 2026, que deve recuar para 1,7% num contexto de consumo privado moderado.
Para a área do euro, a revisão negativa foi suave - de 0,9% em 2024 para 0,8% em 2025 (contra 1% em janeiro) – devido à maior incerteza e aumento das tarifas. O desempenho econômico da Alemanha deve melhorar, de uma contração de 0,2% em 2024 para um crescimento zero em 2025 associado à política fiscal expansiva após o abandono do teto para o endividamento público. O efeito dessa política deve se intensificar em 2026, resultando numa expansão de 0,9%, que contribuirá para o melhor desempenho da região (1,2%), também ancorado no aumento dos salários reais.
Em contrapartida, o crescimento na França, segunda maior economia da área do euro, deve recuar de 1,1% em 2024 para 0,6% em 2025, e da Itália de 0,7% para 0,4% no mesmo período. Na Espanha, que registrou o maior crescimento em 2025 (3,2%), a projeção é igualmente de desaceleração em 2025, para 2,5%, mas foi o único país com revisão positiva na comparação com janeiro devido ao maior carryover associado ao desempenho melhor que o esperado em 2024 e reconstruções após as enchentes.
Nas demais EAs, várias revisões negativas frente ao cenário de janeiro destacam-se. Para o Canadá a projeção de crescimento recuou de 2% para 1,4% (0,6 p.p) no cenário de abril devido ao aumento das tarifas que entrou em vigor em março, aumento da incerteza e tensões geopolíticas. Contudo, a desaceleração frente à 2024 será suave (0,1 p.p).
No caso do Japão, o corte na projeção entre os dois cenários foi de 0,5 p.p (de 1,1% para 0,6%) reflexo dos mesmos fatores, mas o aumento esperado do consumo privado ainda terá efeito positivo sobre o desempenho na comparação com 2024 (0,1%). A revisão negativa da projeção para o Reino Unido foi igualmente de 0,5% (de 1,6% para 1,1%) em consequência do menor carryover frente a 2024, do impacto das tarifas, do aumento da taxa de juros de longo prazo (rendimento dos títulos do Tesouro) e consumo privado fraco num contexto de inflação ainda elevada.
Para as EMEDs, o FMI prevê uma desaceleração do crescimento ainda mais intensa, de 4,3% em 2024 para 3,7% em 2025 (contra 4,2% em janeiro) e uma pequena aceleração em 2026 para 3,9%. Esses percentuais são 0,5 p.p e 0,4 p.p menores que no cenário de janeiro (4,2% e 4,3%). Essa revisão negativa reflete o maior efeito adverso sobre essas economias dos mesmos fatores subjacentes ao novo cenário para as EAs, quais sejam, maiores tarifas sobre as exportações, aumento da incerteza e acirramento das tensões geopolíticas.
O menor dinamismo das EMEDs, por sua vez, decorre da desaceleração das economias de mercado emergente e renda média de 4,3% em 2024 para 3,7% em 2025 (contra 4,2% em janeiro). Já as economias de baixa renda devem acelerar seu crescimento para 4,2% frente 4% em 2024 e 4,1% no cenário de janeiro.
A Ásia Emergente e em Desenvolvimento continuará sendo a região líder em termos de crescimento, mas registrará uma expressiva desaceleração, de 5,3% em 2024 para 4,5% em 2025 (0,8 p.p.) contra 5,1% em janeiro (-0,6 p.p., mesmo corte registrado pelo Oriente Médio e Ásia Central e acima das demais regiões emergentes e em desenvolvimento). Essa região foi uma das mais afetadas pelo aumento das tarifas pelos EUA, particularmente aquelas da Associação das Economias do Sudeste de Asia (ASEAN).
Para a China, o corte na projeção para 2025 entre os dois cenários foi de 0,6 p.p, de 4,6% para 4% (contra 5% em 2024) como reflexo das tarifas recentemente implementadas que anulará o maior carryover de 2024 (associado ao crescimento maior que o esperado no quarto trimestre) e a expansão fiscal. O crescimento em 2026 também foi revisto para baixo, de 4,5% para 4% em consequência das novas tarifas e da continuidade da incerteza em relação à política tarifária americana.
Para a Índia, a desaceleração projetada é mais suave, de 6,5% em 2024 para 6,2% em 2025 (contra a projeção de manutenção do mesmo ritmo de crescimento em janeiro), pois o dinamismo do consumo privado, sobretudo nas áreas rurais, anulará parcialmente o efeito negativo da maior incerteza global e das tensões tarifárias.
Na Europa Emergente e em Desenvolvimento, a desaceleração do crescimento de 2024 para 2025 será maior, de 3,4% para 2,1% (-1,3 p.p.) devido, sobretudo, à piora do desempenho da economia russa – de uma expansão de 4,1% para 1,5% no mesmo período - como reflexo da perda de ritmo do investimento e consumo privados num contexto de mercado de trabalho menos aquecido. Já a projeção para 2025 manteve-se praticamente a mesma nos dois cenários (2,2% em janeiro e 2,1% em abril) pois, na visão do FMI, a Rússia ficará praticamente imune aos efeitos diretos e indiretos da política tarifária do governo Trump. O mesmo ritmo de crescimento é previsto para 2026.
A América Latina e Caribe deve registrar uma desaceleração de 2,4% em 2024 para 2% em 2025 (0,4 p.p.) contra 2,5% no cenário de janeiro – o segundo maior corte, após Ásia emergente e em desenvolvimento e Oriente Médio e Ásia central. A projeção para 2026 também foi revista para baixo, de 2,7% para 2,4%.
Os ajustes no cenário decorrem, sobretudo, do significativo corte da projeção de crescimento para a economia mexicana: a virtual manutenção do ritmo de expansão em janeiro (de 1,5% em 2024 para 1,4% em 2025) foi substituída por uma contração de 0,3% em abril. A projeção para 2026 também foi reduzida, de 2% para 1,4% entre os dois cenários.
Esses ajustes refletem o dinamismo menor do que o esperado no final de 2024 e início de 2025, bem como o impacto das tarifas impostas pelos EUA tanto diretos como indiretos (aumento da incerteza e das tensões geopolíticas e aperto das condições financeiras globais). Para o Brasil, o ajuste entre os dois cenários foi pequeno: o crescimento deve desacelerar de 3,4% em 2024 para 2% em 2025 e 2026 contra 2,2% em janeiro.
O crescimento na África Subsaariana deve desacelerar suavemente de 4% em 2024 para 3,8% em 2025 e ganhar impulso em 2026 (4,2%) – contra 3,8% e 4,2% em janeiro. O ajuste do cenário para 2025 reflete a revisão para baixo do crescimento das duas principais economias da região.
A economia nigeriana deve acelerar de 3,4% em 2024 para 3% em 2025 (contra 3,2% em janeiro) devido à queda dos preços do Petróleo. Na África do Sul, o crescimento deve acelerar de 0,6% em 2024 para 1% em 2025, percentual 0,5 p.p. inferior ao previsto em janeiro devido ao desempenho menor que o esperado em 2024, acirramento da incerteza, intensificação das políticas protecionistas e forte desaceleração dos principais parceiros comerciais.
O Oriente Médio e Ásia Central desponta como a única região que deve ganhar dinamismo em 2025 após anos de crescimento moderado, acelerando de 2,4% em 2024 para 3% em 2025 e 3,5% em 2026. Este cenário reflete a dissipação dos efeitos das perturbações na produção e transporte de petróleo e a redução do impacto dos conflitos na região. Contudo, as projeções atuais são 0,6 p.p. e 0,4 p.p inferiores às de janeiro (3,6% e 3,9%, respectivamente) devido à recuperação mais gradual da produção de petróleo, os impactos dos conflitos e o avanço menor do que o esperado nas reformas estruturais.
Balanço de riscos
Após um balanço de riscos mais equilibrado em outubro de 2024 devido à redução dos riscos negativos frente a abril do mesmo ano (Carta IEDI 1288), o atual cenário básico do FMI volta a trazer um viés negativo diante dos efeitos diretos e indiretos da errática política tarifária do segundo governo Trump.
Do lado negativo, seis fatores podem contribuir para que o crescimento seja menor do que o esperado no cenário básico.
1. Escalada das medidas tarifárias e prolongada incerteza sobre a política tarifárias
O PIB mundial seria negativamente impactado por uma guerra comercial, com efeitos mais intensos nos países diretamente afetados por novas tarifas, como China e Estados Unidos, além de várias economias da Ásia e Europa. Alguns países poderiam se beneficiar reconfigurando suas cadeias de valor e fortalecendo redes comerciais - especialmente se os bens comercializados incorporarem uma parcela crescente de valor agregado doméstico.
Contudo, os efeitos adversos tendem a se acumular ao longo do tempo. Esses efeitos dependerão da capacidade de estimular o consumo interno, redirecionar fluxos comerciais e aumentar a produtividade. O surgimento de novos blocos comerciais pode fragmentar os fluxos de investimento externo direto (IDE) e comprometer a acumulação de capital.
O aumento das tensões geopolíticas pode abrir caminho para mudanças abruptas no sistema monetário internacional, com possíveis implicações para a estabilidade macrofinanceira. Uma reversão da integração econômica global também pode levar a uma realocação subótima de unidades produtivas e ao desacoplamento tecnológico, com efeitos negativos sobre o crescimento no longo prazo devido à má alocação de recursos, perda de pólos de conhecimento, contração do crédito bancário e riscos à estabilidade financeira.
Uma guerra comercial também pode alimentar pressões inflacionárias, principalmente por meio do aumento dos preços das importações. Em primeiro lugar, com mais de 80% do comércio sendo faturado em dólares americanos, pode haver pressão adicional se o dólar se apreciar, como observado em episódios anteriores de incerteza comercial e volatilidade nos mercados financeiros.
Em segundo lugar, as expectativas de inflação atualmente estão acima das metas dos bancos centrais e, em alguns casos, em ascensão. Em terceiro lugar, tarifas sobre commodities podem levar a mudanças significativas de preços. O aumento dos preços também tende a ter efeitos distributivos negativos entre e dentro dos países.
Tarifas sobre commodities agrícolas podem gerar preocupações com a segurança alimentar, especialmente em países de baixa renda. Tarifas tendem a elevar os preços de bens comercializáveis, nos quais famílias pobres gastam proporcionalmente mais. As perdas de bem-estar geralmente se concentram entre os pobres e os aposentados, mesmo quando as receitas tarifárias compensam impostos distorcivos.
Além do risco de novas barreiras comerciais, num contexto de incerteza prolongada quanto às políticas comerciais as empresas adiarão projetos de investimento, levando à redução do crescimento. Episódios anteriores de aumento da incerteza nas políticas comerciais levaram à apreciação do dólar americano, com efeitos negativos sobre as EMEDs. No entanto, um aumento da aversão ao risco impulsionado pela incerteza política e a deterioração das perspectivas de crescimento nos EUA podem levar a uma depreciação do dólar, o que poderia trazer volatilidade adicional aos mercados financeiros.
2. Volatilidade e correção dos mercados financeiros
Em alguns países, os bancos centrais podem manter as taxas de juros em patamares mais elevado do que os atualmente previstos caso a inflação persista ou volte a acelerar devido às novas políticas. Isso poderia resultar em diferenciais de juros entre países, desencadeando saídas de capital e condições financeiras mais restritivas, especialmente nas EMEDs. Os riscos nos mercados financeiros podem ser agravados por lucros corporativos futuros aquém das expectativas, significativas mudanças políticas ou ressurgimento de riscos geopolíticos.
Normalmente, espera-se que o dólar americano se aprecie quando as condições financeiras globais se deteriorarem drasticamente, mas o sistema monetário internacional pode passar por uma redefinição repentina, com implicações significativas para o papel central do dólar. O agravamento dessas condições e perturbações mais amplas no sistema podem desencadear crises de balanço de pagamentos em EMEDs com acesso limitado ao mercado internacional de capitais, alta necessidades de refinanciamento e fraca capacidade de negociação.
Esses riscos podem ser amplificados para os países exportadores de commodities diante de uma queda contínua nos preços, especialmente petróleo e cobre, que geralmente servem como indicadores de uma recessão iminente ao sinalizarem uma desaceleração na atividade industrial de países importadores, como a China. Uma correção mais profunda do mercado financeiro do que a registrada em abril após o anúncio das tarifas recíprocas pode ser provocada por um crescimento mais fraco do que o esperado nos EUA e reverberar através de posições altamente alavancadas em instituições financeiras não bancárias e empresas com elevadas necessidades de refinanciamento de curto prazo.
Além dos efeitos diretos e indiretos das tarifas, uma reversão excessiva das regulações financeiras pode levar a um ciclo de expansão e contração do crédito com repercussões negativas sobre a riqueza das famílias e efeitos colaterais adversos para economia global. Na Europa, uma correção de mercado pode ocorrer se as negociações de paz na Ucrânia não chegarem a uma resolução duradoura.
3. Aumento das taxas de juros de longo prazo
Pressões adicionais sobre os rendimentos dos títulos dos EUA somadas à volatilidade cambial causada por novas mudanças políticas e a a persistência da incerteza, também podem desencadear saídas de investimentos de portfólio e de IDE das EMEDs.
Além disso, a pressão sobre os juros de longo prazo pode restringir o já limitado espaço fiscal ou agravar preocupações sobre sustentabilidade da divida pública, especialmente em países altamente endividados. Isso pode levar a uma dinâmica de espiral de dívida, na qual os custos de financiamento aumentam à medida que ajustes fiscais se tornam cada vez mais inviáveis.
4. Descontentamento social crescente
O legado da crise do custo de vida decorrente do forte aumento dos preços de alimentos e energia após a pandemia do COVID-19, combinado com perspectivas de crescimento mais fracas no médio prazo, pode agravar a polarização e o mal-estar social, dificultando reformas necessárias para o crescimento.
Atualmente, o risco de agitação social é acentuado na África, onde essa crise e conflitos impactaram severamente países vulneráveis com espaço fiscal limitado; e na Ásia, onde a participação democrática em alguns países é restrita e as desigualdades estão crescendo.
Embora as EMEDs tenham demonstrado resiliência nos últimos quatro anos, sua capacidade de lidar com desafios internos — especialmente patamares elevados de dívida — em um ambiente global deteriorado pode ser posta à prova. Um ressurgimento da inflação de alimentos e energia, provocado pela fragmentação do mercado de commodities ou pela intensificação de desastres climáticos, pode piorar as condições de vida e aumentar as preocupações com a segurança alimentar, particularmente em países de baixa renda.
Em todas as regiões, um elemento comum nos episódios de agitação social está relacionado à insatisfação com a representação pública e a governança, o que pode aumentar a probabilidade de fracasso de reformas estruturais.
5. Desafios crescentes à cooperação internacional
A frequência crescente e o custo econômico dos desastres naturais, bem como a intensificação de conflitos exigem ação internacional contínua e coordenada. Reduzir os esforços de adaptação climática e a ajuda internacional pode colocar em risco os investimentos já realizados, minar o progresso rumo a uma economia mais verde e resiliente, e deteriorar o capital humano onde ele é mais necessário.
Se os cortes na assistência internacional ao desenvolvimento materializar-se repentinamente, as condições de vida e de saúde se deteriorarão em países frágeis e de baixa renda, que podem enfrentar agitação social e depender ainda mais de financiamento público, agravando a vulnerabilidade da dívida, As consequências macroeconômicas para os países que dependem dessa assistência podem ser substanciais, incluindo piora das contas externas, queda nas reservas internacionais, pressões sobre a taxa de câmbio e de inflação e redução no consumo e no investimento.
6. Lacunas na oferta de trabalho
Muitos países têm contado com trabalhadores estrangeiros para lidar com a escassez de mão de obra, especialmente após a pandemia do COVID-19. Embora a redução dos fluxos de trabalhadores estrangeiros para as EAs possa aliviar a pressão sobre serviços públicos e infraestrutura local e gerar um pequeno aumento na renda, a produção cairia nos países receptores — e globalmente — no longo prazo. A consequente queda na oferta de trabalho pode representar riscos à sustentabilidade fiscal e limitar o crescimento potencial, especialmente em países onde os imigrantes legais tendem a ser bem integrados e suas habilidades atendem e complementam as necessidades do mercado de trabalho.
Do lado positivo, quatro fatores de risco podem resultar num crescimento maior do que no cenário básico:
1. Acordos comerciais de nova geração
A persistência da incerteza nas políticas comerciais pode impulsionar novos acordos regionais e multilaterais, os quais ajudariam a mitigar riscos e promover previsibilidade. Acordos não discriminatórios que abranjam áreas como comércio digital, de serviços e investimentos podem gerar ganhos amplos sem distorções adicionais.
Ampliar e aprofundar a cooperação internacional e a integração regional (como o mercado único da União Europeia) pode aumentar o investimento, elevar a produtividade, impulsionar o crescimento potencial e melhorar a resiliência dos países a choques externos, ao ampliar os mercados e diversificar os parceiros comerciais.
2. Mitigação de conflitos
A resolução ou mitigação dos conflitos em curso pode reduzir os preços globais das commodities e redirecionar recursos para usos produtivos. O fim das hostilidades e os esforços de reconstrução subsequentes impulsionariam o crescimento do PIB dos países diretamente envolvidos e teriam efeitos positivos sobre os vizinhos, por meio da redução de efeitos negativos estimados entre 5% e 10% do PIB nos cinco a sete anos após o início do conflito. Um cessar-fogo na Ucrânia, por exemplo, poderia elevar o crescimento regional ao restaurar a confiança dos consumidores e reduzir os preços da energia, especialmente na Europa.
3. Impulso às reformas estruturais
Uma aceleração generalizada das reformas estruturais — incentivada por um ambiente macroeconômico global desafiador — poderia impulsionar significativamente o crescimento. A simplificação de regulações e da burocracia facilitaria a entrada de novas empresas no mercado, aumentaria a concorrência e promoveria a realocação de recursos. Mercados financeiros, de bens e de trabalho mais integrados poderiam estimular inovação e acelerar a produtividade.
Na Europa, eliminar as barreiras internas ainda existentes permitiria que as empresas ganhassem escala. Intensificar a integração dos mercados de capitais e reduzir obstáculos regulatórios aumentaria o investimento, a produtividade e o crescimento potencial, além de fortalecer os mercados de capitais europeus e reduzir desequilíbrios globais.
4. Motor de crescimento impulsionado pela inteligência artificial (IA)
O otimismo em relação à IA, aliado à queda esperada nos custos de uso da tecnologia e aos avanços futuros, pode elevar significativamente a produtividade e o consumo. A integração da IA nos setores produtivos pode gerar transbordamentos de conhecimento entre indústrias e regiões, incentivando a inovação e reduzindo custos globalmente.
Esses ganhos podem ocorrer sem prejudicar significativamente o emprego, desde que a adoção da IA seja acompanhada por políticas que atualizem os marcos regulatórios e apoiem a realocação da força de trabalho. Eles também podem ser alcançados sem aumento nos preços de energia e nos custos ambientais, se os formuladores de políticas e as empresas adotarem e incentivarem o uso de fontes renováveis e modelos de produção inovadores.
Recomendações de política
De acordo com o FMI, a economia global encontra-se num momento crítico, com incertezas e mudanças políticas relevantes. Para restaurar a confiança e impulsionar o crescimento, é essencial reduzir tensões comerciais, manter a estabilidade econômica e reconstruir o espaço fiscal. No médio prazo, avanços em reformas estruturais e o uso responsável de novas tecnologias são essenciais para aumentar a produtividade e a resiliência econômica.
O quadro abaixo detalha as atuais recomendações de política do FMI.