Carta IEDI
Os fluxos de investimentos globais e a posição do Brasil
Recentemente divulgado, o último levantamento da UNCTAD sobre os investimentos diretos estrangeiros (IDE) no mundo trouxe dados de 2024, que são analisados nesta Carta IEDI com ênfase para a posição do Brasil. Com isso, também atualizamos o ranking mundial dos principais países receptores e originários destes investimentos e o nosso desempenho relativo.
Em 2024, os fluxos globais de IDE somaram US$ 1,45 trilhão e cresceram +4% frente a 2023. Esta evolução foi inflada por fluxos financeiros voláteis para um pequeno número de “conduit economies” europeias, segundo a UNCTAD. Excluindo tal efeito, os fluxos globais de IDE recuaram -11% no ano passado, registrando, assim, uma contração de dois dígitos pelo segundo ano consecutivo.
Considerando as principais modalidades de IDE, a maior queda (-26% ante 2023) foi registrada nos acordos internacionais de project finance, que são essenciais para grandes projetos de infraestrutura, particularmente nos países em desenvolvimento. Este desempenho decorreu, sobretudo, de restrições financeiras e da incerteza quanto à trajetória das taxas de câmbio e de juros, já que essa modalidade depende mais de recursos de investidores institucionais e de endividamento, que são mais sensíveis às tendências dos mercados financeiros.
Os anúncios de projetos greenfield, que envolvem a criação de novas instalações e tem impacto significativo no desenvolvimento dos países, mediante aumento da capacidade produtiva, criação de emprego e difusão de tecnologia e know-how, aumentaram +3% ante 2023, embora seu valor tenha caído -5,4% no período.
Na indústria de transformação, o número desses projetos aumentou +2,5% e seu valor recuou -5%, mas ainda assim foi o segundo maior valor já registrado. A atividade foi mais forte sem setores de cadeias mais longas, beneficiando o Sudeste Asiático, a Europa Oriental e a América Central e refletindo as estratégias das multinacionais de reequilibrar os locais de produção no contexto geopolítico atual e das mudanças no comércio mundial.
Também vale destacar, do lado positivo, os projetos greenfield no setor de TIC, cujo valor quase duplicou, puxado por centros de processamento de dados, como resultado do crescimento da economia digital e do desenvolvimento de aplicações de IA. Do lado negativo, na contramão do necessário, os investimentos em energia e gás caíram -28% em valor, em grande parte devido a reduções significativas em energias renováveis na União Europeia, Ásia e África.
Já quanto às fusões e aquisições (F&As) transfronteiriças, a alta foi de +14% em 2024, atingindo US$ 443 bilhões. Esse crescimento foi impulsionado por várias transações de grande escala, segundo aponta a UNCTAD, particularmente nos setores de tecnologia, energia e financeiro. Apesar dessa recuperação, a atividade nessa modalidade de IDE segue bem abaixo da média da última década.
A UNCTAD também pontua que há uma tendência de longo prazo de declínio da participação das transações transfronteiriças em relação ao total das atividades de F&A, à medida que as empresas optam cada vez mais por aquisições domésticas e próximas dos seus mercados, devido aos maiores riscos geopolíticos e obstáculos regulatórios, bem como às mudanças nas políticas industriais.
Entre os diferentes grupos de países, o recebimento de IDE por economias desenvolvidas caíram -22% frente a 2023, sobretudo, em função da Europa (-58%). Em contraste, houve aumento para os Estados Unidos (+19,7%), puxado pelos 46 acordos de F&A transfronteiriças (contra 38 em 2023) e pelo número recorde de projetos greenfield.
No caso das economias em desenvolvimento, a entrada de IDE manteve-se estável (+0,2%), somando US$ 867 bilhões (ou 57% da entrada global de IDE), indicando certa resiliência diante da incerteza econômica global. A crescente complexidade das políticas industriais e comerciais no mundo influenciou os padrões de investimento nessas economias, especialmente em setores sensíveis às tendências de reshoring e nearshoring.
Tal estabilidade deu-se pela forte expansão de investimento na África (+75%), contrabalanceando declínio de -3% na Ásia emergente e de -12% na América Latina e Caribe. Mesmo assim, os fluxos para esse grupo de países seguiram altamente concentrados. Dez economias de mercado emergente representaram aproximadamente 75% do total do IDE: China, Brasil, México, Indonésia e Índia.
Na América Latina, que respondeu por 11% dos fluxos globais, a queda foi mais acentuada na América do Sul (-18%), puxada principalmente, em ordem decrescente, pelo recuo dos fluxos para a Argentina, Chile, Colômbia e Brasil.
No caso do Brasil, o recebimento de IDE atingiu US$ 59,2 bilhões em 2024: -7,5% frente a 2023, condicionado pelos fluxos de F&A. Esta queda foi bem menor do que a registrada no ano anterior (-12,7%). Apesar disso, o Brasil continuou sendo o maior destino de IDE na América do Sul, com destaque para os investimentos em energia renovável, e recebeu projetos greenfield em valor 33% maior do que em 2023.
Como resultado da evolução negativa da entrada de IDE no Brasil, nossa posição no ranking global declinou da 5ª em 2023 para a 7º em 2024. Fomos ultrapassados pelo Canadá e por Luxemburgo, mas seguimos à frente de países que registraram forte expansão de IDE no ano passado, como Austrália (+71%), Egito (+370%) e Emirados Árabes Unidos (+48,4%).
Quanto aos fluxos de saída, ou seja, os investimentos das multinacionais brasileiras no exterior, houve importante recuo entre 2023 e 2024: -53,6%, devido à liquidação de ativos no exterior (fluxo negativo de F&A transfronteiriças) e redução do valor de projetos greenfield anunciados (-49%), após expressivo avanço em 2023 (+69%).
Para 2025, segundo avaliação da UNCTAD, o contexto internacional para os fluxos de IDE é ainda mais desafiador que no ano anterior. A escalada da guerra comercial desencadeada pela política tarifária do segundo governo Trump e dos conflitos e tensões geopolíticas resultaram na deterioração de praticamente todos os principais condicionantes do IDE, como crescimento, formação de capital e o comércio globais.
Além disso, os níveis elevados de endividamento em vários países, aliados à instabilidade política e à flutuação cambial, estão reduzindo a atratividade do IDE em muitas regiões. O mercado de F&A transfronteiras já foi afetado, com sua atividade caindo expressivamente no 1º trim/25, atingindo os níveis mais baixos desde a crise financeira global de 2008.
Contudo, existem alguns fatores mitigadores. A fase atual de redução das taxas de juros nas principais economias desenvolvidas pode relaxar as condições de financiamento e, com isso, ajudar a estabilizar os acordos internacionais de project finance e o IDE intensivo em capital. Além disso, os níveis de lucro das grandes empresas multinacionais continuam sólidos, sugerindo manutenção da capacidade de reinvestimento. Os lucros reinvestidos são um componente importante e estável dos fluxos de IDE, especialmente em tempos de incerteza.
IDE - Tendências globais
Esta carta IEDI apresenta o desempenho dos fluxos globais de investimento direto estrangeiro (IDE) em 2024 com base nas informações da edição de 2025 do World Investment Report, relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês), recém divulgado.
A primeira seção apresenta as tendências globais do IDE. A segunda seção sumariza as tendências por grupo de países (desenvolvidos e em desenvolvimento) e regiões, enquanto a terceira seção resume as tendências por modalidade e setor. A quarta seção detalha o desempenho do IDE no Brasil e a quinta traça as perspectivas para 2025.
Segundo o relatório, em 2024, os fluxos globais de IDE somaram US$ 1,45 trilhão e cresceram +4% frente a 2023. Esta evolução, contudo, foi inflada por fluxos financeiros voláteis para um pequeno número de “conduit economies” europeias, nos alerta a UNCTAD. Excluindo tal efeito, os fluxos globais de IDE recuaram -11% no ano passado, registrando, assim, uma contração de dois dígitos pelo segundo ano consecutivo.
Considerando as duas principais modalidades de IDE, a maior queda - de 26% em valor frente a 2023 - foi registrada nos acordos internacionais de project finance, que são essenciais para grandes projetos de infraestrutura, particularmente nos países em desenvolvimento.
Segundo a UNCTAD, este desempenho decorreu, sobretudo, de restrições financeiras e da incerteza quanto à trajetória das taxas de câmbio e de juros, já que essa modalidade depende mais de recursos de investidores institucionais e de endividamento, que são mais sensíveis ao custo de capital e às tendências dos mercados financeiros.
Os anúncios de projetos greenfield, por sua vez, mostraram sinais mistos. O número de projetos anunciados em setores industriais aumentou ligeiramente (+3% ante 2023), mas seu valor recuou 5%, para US$ 3 trilhões. Contudo, este ainda é o segundo maior valor já registrado na série da UNCTAD.
A atividade em projetos greenfield foi mais forte nas indústrias manufatureiras intensivas em cadeias de suprimentos, beneficiando, principalmente, o Sudeste Asiático, a Europa Oriental e a América Central. Essas tendências refletem a estratégia das empresas multinacionais de reequilibrar os locais de produção no contexto atual de mudanças na dinâmica do comércio mundial.
Por fim, um terceiro tipo de IDE, as fusões e aquisições (F&As) transfronteiriças, que afetam predominantemente os fluxos de IDE nos países desenvolvidos, aumentaram 14% em 2024, atingindo US$ 443 bilhões. Apesar dessa recuperação, a atividade nessa modalidade de IDE segue bem abaixo da média da última década.
Além disso, a UNCTAD argumenta que há uma tendência de longo prazo de declínio da participação das transações transfronteiriças em relação ao total das atividades de F&A, à medida que as empresas optam cada vez mais por aquisições domésticas e próximas de seus principais mercados. Essa tendência reflete a crescente sensibilidade aos riscos geopolíticos, aos obstáculos regulatórios e às mudanças nas políticas industriais.
Atração de IDE: queda nos países desenvolvidos e estabilidade nos emergentes
O desempenho dos fluxos globais de IDE reflete amplas diferenças de dinâmica tanto entre países desenvolvidos e em desenvolvimento como entre as economias e regiões de cada grupo. Os fluxos de entrada de IDE para a economias desenvolvidas somaram US$ 664 bilhões em 2023, cifra 22% inferior à registrada em 2023, enquanto que para os países em desenvolvimento os fluxos mantiveram-se estáveis (+0,2%).
Nos países desenvolvidos, o desempenho da entrada de IDE sofreu influência de transações financeiras e reconfigurações corporativas associadas a restruturações de cadeias de suprimentos e reformas tributárias internacionais, segundo a UNCTAD. A queda de 22% reflete a cautela dos investidores num contexto de extrema incerteza.
Regionalmente, o declínio decorreu, sobretudo, da queda de 58% do IDE para a Europa, que somou US$ 220 bilhões. Tensões geopolíticas e instabilidade nos mercados financeiros abalaram a confiança dos investidores, resultando num recuo de 44% do IDE para a União Europeia, com 15 dos 27 Estados-Membros registando contrações, com destaque para as principais economias da área do euro: Alemanha (-89%), Espanha (-35%), Itália (-24%) e França (-20%).
Em contrapartida, a entrada de IDE na América do Norte aumentou 23%, puxada pelo crescimento de 38% dos fluxos para o Canadá e de 20% para os Estados Unidos.
Os fluxos para a economia canadense atingiram US$ 64 bilhões, impulsionados pelas atividades de F&A e pelo forte desempenho dos setores manufatureiro e extrativo. O número de projetos greenfield anunciados aumentou em dois terços, atingindo um recorde de 602. Com isso, o Canadá subiu duas posições no ranking dos destinos globais de investimento, ocupando o 7º lugar em 2024.
No caso os Estados Unidos, que seguiram no primeiro lugar do ranking, a entrada de IDE avançou 19,7% e foi puxada pelos 46 acordos de F&A transfronteiriças (contra 38 em 2023) e pelo número recorde de projetos greenfield anunciados num contexto de forte demanda do consumidor, incentivos governamentais e maior interesse dos investidores em setores estratégicos, como semicondutores, energia renovável, aeroespacial e equipamentos industriais. No entanto, os acordos internacionais de project finance diminuíram em linha com a tendência global, com o número e o valor dos negócios recuando 35% e 4%, respectivamente.
A entrada de IDE para outras economias desenvolvidas também aumentou, com destaque para a Austrália, que registrou um aumento de 75% dos fluxos e subiu da 14ª para a 9ª posição no ranking dos principais receptores de IDE. Estes atingiram US$ 53 bilhões, também impulsionados por acordos de F&A em centros de dados e projetos greenfield.
Em relação às modalidades de IDE nesse grupo de países, as F&A transfronteiriças avançaram 36%, atingindo US$ 418 bilhões, impulsionados pela duplicação de transações nos Estados Unidos. No caso dos projetos greenfield anunciados, embora seu número tenha aumentado somente 2%, seu valor avançou 11%, impulsionado por investimentos em grande escala em semicondutores e outros setores estratégicos. Os projetos greenfield nos setores de tecnologia estão ganhando importância, com um papel significativo das empresas start-ups. Contudo, as tendências foram contrastantes entre a Europa (declínio de 6%) e América do Norte (alta de 22%).
Os Estados Unidos, destino de três dos quatro maiores projetos de semicondutores anunciados, registraram um aumento de 77% no valor dos projetos greenfield, para US$ 245 bilhões. Já os projetos de acordos internacionais de project finance recuaram 29%. A queda foi generalizada e afetou a maioria dos setores de infraestrutura (exceto infraestrutura digital), refletindo uma cautela mais ampla dos investidores e condições financeiras mais restritivas.
No caso das economias em desenvolvimento, a entrada de IDE manteve-se estável, somando US$ 867 bilhões, 57% da entrada global de IDE. Vários fatores condicionaram a dinâmica do IDE para os países em desenvolvimento em 2024, segundo a UNCTAD.
A incerteza econômica global, as condições financeiras restritiva, o enfraquecimento do comércio global e a volatilidade das taxas de câmbio pesaram sobre a confiança dos investidores. Além disso, a crescente complexidade das políticas industriais e comerciais no mundo influenciou os padrões de investimento, especialmente em setores sensíveis às tendências de reshoring e nearshoring. A estabilidade interanual indica certa resiliência diante deste contexto adverso.
Os fluxos para esse grupo de países seguem altamente concentrados. Dez economias de mercado emergente representaram aproximadamente 75% do total do IDE recebido pelo grupo, dentre as quais, em ordem decrescente China, Brasil, México, Indonésia e Índia, que ocuparam, respectivamente, a 4ª, 7ª, 9ª, 11ª 14ª e 15ª posições no ranking. Essa concentração revela os desafios enfrentados pelas economias em desenvolvimento menores e mais vulneráveis para atrair investimentos internacionais significativos.
Em termos regionais, a queda dos fluxos para esse grupo decorreu, sobretudo, do recuo de 3% dos fluxos para a Ásia em desenvolvimento para US$ 605 milhões. Todavia, essa região sustentou sua posição de principal recipiente de IDE não somente na Asia (70% do total), mas também em âmbito global (40% do total).
O principal determinante deste desempenho foi a queda de 12% nos fluxos para a Ásia Oriental, puxada pelo recuo de 29% dos fluxos para a China. Já Taiwan registrou um aumento substancial nos influxos, em grande parte devido a mudanças estratégicas nos investimentos em manufatura avançada e semicondutores. Em contrapartida, o Sudeste Asiático continuou sendo o motor de crescimento do IDE para a região, que aumentou 10% nos fluxos. Altas significativas na entrada de IDE para a Indonésia, Malásia, Cingapura, Tailândia e Vietnã levaram os fluxos globais de IDE na ASEAN a um novo recorde de US$ 225 bilhões.
O desempenho heterógeno entre as sub-regiões da Ásia em desenvolvimento reflete mudanças nas cadeias de valor globais, nos climas de investimento nacional e no contexto geopolítico, argumenta a UNCTAD. A região continuou sendo um destino privilegiado dos projetos greenfield, representando quase um terço do número global de anúncios – que aumentaram 5% em 2024 frente a 2023 – mais de um quarto do seu valor total – que, contudo, recuou 23%, para US$ 363 bilhões.
As mudanças setoriais foram significativas, com aumento de valor nos anúncios para os setores de economia digital e produção de metais, como reflexo do crescente interesse dos investidores em alta tecnologia e manufatura avançada, e queda para os setores de fornecimento de eletricidade e gás e processamento de petróleo.
Os acordos de project finance da região diminuíram acentuadamente em 2024, com o número de transações recuando 27%, em linha com a média global, e seu valor registrando uma queda mais expressiva, de 43%. Esse declínio desproporcional sugere que a desaceleração global está afetando mais severamente as economias de mercado emergente, devido à percepção de maior risco e aos custos elevados de capital, com implicações negativas para os investimentos em infraestrutura e na transição energética.
A atividade de F&A transfronteiriças nos países em desenvolvimento da Ásia também diminuiu de forma significativa, com as vendas líquidas totais caindo 57% frente a 2023, para US$ 25 bilhões. Apesar de transações ocasionais de grande porte, essas transações normalmente representam apenas uma pequena fração do volume global de negócios e do total de IDE na região. A desaceleração foi liderada pela saída de investidores da China, onde as vendas de F&A caíram 49%.
Já os fluxos de IDE para a África avançaram significativamente em 2024, atingido US$ 97 bilhões, valor 75% superior ao registrado de 2023 – que representou 6% dos fluxos globais de IDE, contra 4% no ano anterior, e 11% do total do IDE para as economias em desenvolvimento, em comparação com apenas 6% em 2023. No entanto, este crescimento excepcional deveu-se, em grande parte, a um único megaprojeto: o acordo de desenvolvimento urbano de Ras El-Hekma, no Egito. Excluindo esse acordo, os fluxos de IDE para a África cresceram 12% e permaneceram modestos, em cerca de US$ 62 bilhões, ou 4% do IDE global.
Consequentemente, o Norte da África emergiu como o principal motor de crescimento da entrada de IDE para a região, que aumentou quase 3 vezes para US$ 51 bilhões. O IDE para as demais regiões também aumento, embora em menor intensidade, com exceção da África oriental, que registrou uma queda de 7% dos fluxos.
No que se refere às modalidades de IDE, o valor dos projetos greenfield anunciados na África caiu 57%, para US$ 113 bilhões. A maioria dos países registrou uma queda no número de projetos. Apenas o Norte da África registrou crescimento, com os valores dos projetos greenfield aumentando 12% para US$ 76 bilhões, como reflexo do megaprojeto no Egito. Este megaprojeto também impulsionou o valor dos acordos internacionais de project finance, contudo seu número recuou 3% menor. Apenas o setor de energia renovável registrou um crescimento substancial tanto no número como no valor dos projetos.
Os fluxos de IDE para a América Latina e o Caribe diminuíram 12% em 2024 para US$ 164 bilhões. A região foi responsável por 19% do total do IDE para as economias em desenvolvimento e 11% dos fluxos globais. A queda foi mais acentuada na América do Sul, onde o IDE diminuiu 18% para US$ 111 bilhões, puxada principalmente, em ordem decrescente, pelo recuo dos fluxos para a Argentina, Chile, Colômbia e Brasil.
Já o IDE para as demais sub-regiões aumentou, com destaque para o Caribe, que registrou uma alta de 21% nos influxos, que atingiram US$ 3,9 bilhões, puxados pelos fluxos para a República Dominicana. Na América Central, o IDE aumentou 4% para US$ 49 bilhões, liderado por ganhos modestos no México, onde os fluxos atingiram US$ 37 bilhões (+1%), impulsionados pela indústria e pela logística.
Quanto às modalidades de IDE para a América Latina, as F&A transfronteiriças diminuíram significativamente em 2024, com as vendas líquidas caindo 85%, para US$ 1,6 bilhão, em decorrência, sobretudo, da venda pela Iberdrola (Espanha) de 55% de sua participação em suas subsidiárias de geração de energia fóssil no México para a Infrastructure Partners (México) por US$ 6,2 bilhões.
Os anúncios de projetos greenfield na América Latina e no Caribe aumentaram tanto em valor (+19%) como em número de projetos (+2%), impulsionados por projetos nos setores de coque e petróleo refinado e economia digital. Já os acordos internacionais de project finance recuaram em número (-28%) e valor (-22%), como reflexo de quedas nos setores de energia, mineração e indústria.
Os anúncios de projetos greenfield nos países em desenvolvimento aumentaram 4% em número, mas diminuíram 19% em valor em 2024. Apesar do desempenho relativamente forte em algumas regiões, como a ASEAN, e em economias individuais no resto da Ásia e em partes da África, o quadro geral foi moderado.
Os acordos internacionais de project finance — essenciais para investimentos em infraestrutura e energia — caíram ainda mais acentuadamente, em 23%. Esse declínio foi impulsionado pelos altos níveis de endividamento, condições de financiamento mais restritas e crescente cautela dos investidores, especialmente em economias de renda média baixa e de baixa renda.
Os fluxos de IDE continuaram sendo a principal modalidade de financiamento externo para as economias em desenvolvimento, respondendo por 45% do total (praticamente o mesmo percentual de 2023), seguidos por remessas de migrantes (34%), assistência oficial ao desenvolvimento (11%) e investimento de portfólio (10%). No caso do grupo de economias classificadas pela ONU como “países menos desenvolvidos” (PMD) (Least Developed Countries, LDCs), o IDE responde por um percentual bem menor, de 22% do total (contra 20% em 2023), ficando atrás das remessas (40%) e da assistência oficial ao desenvolvimento (38%).
Perfil dos investidores: saída de IDE por grupo de países e regiões
Em 2024, a saída de IDE dos países desenvolvidos aumentou 8%, atingindo US$ 1,1 trilhão. Assim como os fluxos de entrada, os fluxos de saída foram significativamente influenciados pelas atividades de reestruturação corporativa e pelos fluxos financeiros intraempresariais na Europa. Excluindo essas transações, esses fluxos diminuíram 24%.
A queda ocorreu apesar do aumento no valor das F&A transfronteiriças, que normalmente são um determinante-chave da saída de IDE desse grupo de países. O valor dessas transações aumentou 26%, em grande parte devido a grandes negócios envolvendo empresas multinacionais do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Já os projetos greenfield anunciados por investidores de países desenvolvidos permaneceram estáveis tanto na Europa como na América do Norte.
Os Estados Unidos seguiram na liderança no ranking dos 20 principais países de origem dos fluxos de IDE, apesar da queda de 26% da saída de IDE entre 2023 e 2024. As transações de F&A transfronteiriças mantiveram-se estáveis em US$ 118 bilhões, ainda cerca de 30% abaixo da média de cinco anos. As compras de ativos no exterior por investidores sediados nesse país concentraram-se no setor de informação e comunicação, que representou metade dessas transações e dos projetos greenfield anunciados em 2024.
Os fluxos de saída de IDE do Japão – que continuou sendo o 2a principal pais de origem dos fluxos de IDE -aumentaram 4%, impulsionados principalmente pelo aumento de 27% no investimento nos Estados Unidos. O IDE proveniente de investidores na Europa (excluindo as economias conduits) diminuiu quase 30%, com quedas acentuadas nos principais países de origem dos investidores, como França e Alemanha, onde as atividades de F&A transfronteiriças diminuíram significativamente.
Os investimentos no exterior pelas multinacionais (EMNs) das economias em desenvolvimento também recuaram em 2024, mas em maior intensidade do que nas economias desenvolvidas, somando US$ 491 bilhões, uma queda de 5% na comparação interanual. Na Asia em desenvolvimento, principal origem do IDE nesse grupo de países, o recuo foi de 3%.
O desempenho dos investimentos chineses no exterior teve influência decisiva nesse resultado. A saída de IDE da China caiu 8%, somando US$ 163 bilhões, o que não afetou sua posição no ranking global (3º lugar). Contudo, o número de anúncios de projetos greenfield pelas EMNs chinesas caiu para US$ 86 bilhões, metade do valor observado em 2023.
Excluindo a China, os demais países em desenvolvimento que figuram na lista dos principais países de origem de IDE (no total de seis) compreendem a Índia e a Arábia Saudita, que subiram no ranking em comparação com o ano anterior. O número de projetos greenfield anunciados por investidores indianos aumentou 20%, colocando a Índia entre os 10 principais países investidores do mundo. Nas demais regiões em desenvolvimento, a saída de IDE também recuou, sobretudo da América Latina e Caribe (queda de 33%).
Tendências do IDE por modalidade e setor
Os fluxos de IDE estão normalmente associados a duas principais modalidades de projetos de investimento— projetos greenfield e F&A transfronteiriças —, que são determinados por fatores distintos e tem implicações diferentes para o desenvolvimento.
Os projetos greenfield envolvem a criação de novas instalações e são mais comuns nos setores da indústria e dos serviços. Estes projetos podem ter um impacto significativo no desenvolvimento mediante aumento da capacidade produtiva, criação de emprego e difusão de tecnologia e know-how.
Já as F&A transfronteiriças envolvem mudanças de propriedade, tais como aquisições, alienações e reestruturações corporativas. Esses projetos normalmente têm um impacto menos direto no desenvolvimento, pois não resultam imediatamente em nova capacidade produtiva ou infraestrutura.
Nos últimos anos, as tendências tanto no número de projetos como nos valores de investimento divergiram acentuadamente entre essas categorias, refletindo seus diferentes determinantes. Os anúncios de projetos greenfield, que estavam estagnados há mais de uma década — especialmente na indústria manufatureira — começaram a se recuperar após a forte queda em 2020 devido à pandemia do COVID-19. Após três anos de crescimento consecutivo, o valor dos projetos greenfield anunciados recuou ligeiramente em 2024, mas se manteve elevado.
Essa trajetória ascendente foi acompanhada por mudanças importantes nos padrões setoriais e geográficos do IDE, impulsionadas pelas políticas comerciais e de investimento das economias líderes, necessidades de reestruturação da cadeia de suprimentos e tendências de digitalização.
Em contrapartida, as F&A transfronteiriças, frequentemente consideradas um indicador do sentimento dos investidores, têm registado um declínio gradual em âmbito mundial nos últimos anos. Embora continuem a representar uma grande parte dos fluxos de IDE nas economias desenvolvidas – em particular nos Estados Unidos –, o seu valor permanece moderado.
Qualquer recuperação no curto prazo das F&A deverá ser liderada por transações domésticas, com repercussões limitadas nas atividades transfronteiriças ou nos fluxos de IDE. Em contrapartida, essa modalidade tem uma participação pequena nos fluxos de IDE para os países em desenvolvimento, onde predomina os projetos greenfield
O desempenho setorial dos projetos greenfield e das F&A transfronteiriças em 2024 é detalhado a seguir.
Os investimentos greenfield anunciados somaram US$ 1,3 trilhão em 2024, 5,4% menor que o observado em 2023. Apesar dessa queda, esse valor foi o segundo mais elevado já registrado. Já o número de anúncios aumentou 3% no mesmo período, atingindo 19.356.
Os anúncios na indústria de transformação recuaram ligeiramente (-2,5%) após o aumento em 2023. O reequilíbrio estratégico das localizações de produção pelas EMNs iniciados há dois anos teve continuidade em 2024, beneficiando o Sudeste Asiático, a Europa Oriental e a América Central.
Após um aumento significativo dos projetos greenfield nas indústrias extrativas em 2022 e 2023, o IDE para esse setor recuou quase pela metade em 2024 para US$ 41 bilhões, retornando ao nível médio da última década. Este declínio decorreu, parcialmente, da queda nos preços da energia. Os investimentos em energia e gás caíram 28% em valor, em grande parte devido a reduções significativas nos investimentos em energias renováveis na União Europeia, Ásia e África.
O processamento e refino de combustíveis fósseis, por outro lado, registrou um aumento de 16%, impulsionado pelo maior projeto greenfield anunciado em 2024 – uma usina de gás natural liquefeito de US$ 30 bilhões na Argentina, desenvolvida em conjunto pela Shell (Reino Unido) e YPF (Argentina). Assim, o perfil dos investimentos no setor de energia foi na contramão do necessário para a transição energética.
Os projetos greenfield no setor de serviços diminuíram 3% em valor e aumentaram 2% em número. Os valores dos projetos também caíram nos setores de transporte e armazenamento (-17%) e metais básicos e produtos metálicos (-15%).
Em contrapartida, o valor dos projetos no setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC), principalmente investimentos em centros de dados e processamento de dados, quase duplicou para mais de US$ 200 bilhões. O crescimento da economia digital e o desenvolvimento de aplicações de IA aceleraram o investimento em infraestruturas em centros de dados e processamento de dados e na produção de semicondutores, que responderam por uma parte significativa dos maiores projetos greenfield anunciados.
O valor e o número de projetos greenfield aumentaram nas economias desenvolvidas, mas diminuíram nos países em desenvolvimento, invertendo a tendência observada em 2023. Crescimento significativo foi registrado nos projetos na indústria manufatureira nos Estados Unidos (semicondutores e setor automotivo) e a na Índia (semicondutores e metais básicos).
As F&A transfronteiriças registraram uma suave recuperação em 2024, após a queda registrada em 2023, com o valor total das transações (incluindo transações domésticas) aumentando aproximadamente 10% em relação ao ano anterior para cerca de US$ 3 trilhões. Esse crescimento foi impulsionado por várias transações de grande escala, particularmente nos setores de tecnologia, energia e financeiro.
Apesar do aumento no valor das transações, seu número total permaneceu abaixo da média histórica, refletindo uma postura cautelosa entre os negociadores em meio à persistente incerteza econômica e ao escrutínio regulatório. As taxas de juros e a inflação elevadas continuaram influenciando as condições de financiamento, levando a uma preferência por transações estratégicas de alto valor em detrimento de um volume maior de transações menores.
A atividade de F&A transfronteiriças – que tendem a ser maiores do que as domésticas - aumentou 14% em valor e 4% em número de transações. Esse desempenho foi impulsionado, principalmente, por transações no setor de TIC – tradicionalmente o mais ativo, respondendo por cerca de três vezes mais negócios do que qualquer outro setor –, bem como em finanças e seguros.
A atividade em setores intensivos em cadeias de suprimentos, como eletrônicos, maquinário e metais básicos, também registrou aumentos significativos (embora a partir de uma base mais baixa), refletindo os esforços estratégicos contínuos para reconfigurar as cadeias de suprimentos globais.
IDE no Brasil em 2024
Os fluxos de IDE para o Brasil atingiram US$ 59,2 bilhões em 2024, 7,5% inferior que o resultado de 2023, queda menor que a registrada no ano anterior (-12,7%). Como percentual da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), a entrada de IDE recuou para 16% contra 17,8% no ano precedente e o recorde de 22,6% em 2019 considerando os cinco anos anteriores. Apesar dessa redução, o Brasil continuou sendo o maior destinatário de IDE na América do Sul, com destaque para os investimentos em energia renovável.
O estoque de IDE no Brasil, por sua vez, atingiu US$ 914,3 bilhões (ou 42,1% da FBCF), 17,1% inferior ao valor registrado em 2023, após a alta de 25,6% em 2023. Vale lembrar que o valor do estoque de IDE é afetado não somente pelos fluxos, mas também pelas variações da taxa de câmbio e dos preços dos ativos.
A queda nos fluxos de entrada de IDE decorreu da queda de 37% das F&A transfronteiriças (vendas líquidas), frente a 2023 para US$ 5.388 milhões. Notar que em 2023 essas transações aumentaram mais que 8 vezes. Esta queda foi a principal determinante do desempenho negativo dessa modalidade de IDE na América do Sul (-38,3%), já que o Brasil é o único mercado de F&A de tamanho considerável na região.
O aumento em 33% dos projetos greenfield, que somaram US$ 49.515 milhões, não foi suficiente para compensar o recuo nas F&A transfronteiriças. Neste caso, o desempenho do Brasil também contribuiu decisivamente para o aumento de 17% dessa modalidade de IDE na América do Sul.
Os fluxos de saída – ou seja, os investimentos das multinacionais brasileiras no exterior – somaram US$ 12,4 bilhões, um recuo de 53,6% na base de comparação interanual. Como percentual da FBCF, a saída de IDE recuou de 7,4% em 2023 para somente 3,4% em 2024.
Já estoque de IDE no exterior aumentou 14,5% (também afetado pelos fatores mencionados acima), atingindo US$ 359,7 bilhões ou 16,6% do PIB. As duas modalidades de IDE contribuíram para esse desempenho negativo. As F&A transfronteiriças foram negativas em US$ 243 milhões, ou seja, as multinacionais brasileiras liquidaram ativos no exterior. Já os projetos greenfield anunciados recuaram 49%, somando US$ 2.313 milhões, após o avanço de 69% em 2023.
Expectativa da UNCTAD para o IDE em 2025
O contexto internacional para os fluxos de IDE em 2025 é ainda mais desafiador do que nos últimos anos, segundo a UNCTAD. A escalada da guerra comercial desencadeada pela política tarifarias do segundo governo Trump e dos conflitos e tensões geopolíticas resultaram na deterioração de praticamente todos os principais condicionantes do IDE.
As projeções para o crescimento, formação de capital e o comércio globais em 2025 sinalizam forte desaceleração. Os níveis elevados de endividamento em vários países, aliados à instabilidade política e à flutuação das taxas de câmbio, estão reduzindo a atratividade do IDE em muitas regiões.
O mercado de F&A transfronteiras já foi afetado, com sua atividade caindo expressivamente no primeiro trimestre de 2025, atingindo os níveis mais baixos desde a crise financeira global de 2008. A fragmentação impulsionada pelas políticas econômicas, com destaque para os Estados Unidos, o crescente escrutínio regulatório das aquisições estrangeiras e fatores geopolíticos estão remodelando as estratégias de aquisição corporativa.
Contudo, a UNCTAD afirma que existem alguns fatores mitigadores. A fase atual de redução das taxas de juros nas principais economias desenvolvidas pode relaxar as condições de financiamento e, com isso, ajudar a estabilizar os acordos internacionais de project finance e o IDE intensivo em capital.
Além disso, os níveis de lucro das grandes empresas multinacionais continuam sólidos, sugerindo manutenção da capacidade de reinvestimento. Os lucros reinvestidos são um componente importante e estável dos fluxos de IDE, especialmente em tempos de incerteza.