Carta IEDI
A aproximação estratégica da indústria e agropecuária no Brasil
O IEDI vem reunindo um conjunto de princípios e sugestões que integrarão sua proposta de estratégia industrial a ser divulgada em breve, dando origem a uma série de estudos sobre importantes temas, como tributação, infraestrutura, financiamento do investimento, integração internacional, competitividade e inovação.
Na Carta IEDI de hoje, realizada a partir do estudo preparado pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, que se encontra na íntegra no site do IEDI, discute-se a definição de uma estratégia de desenvolvimento produtivo a partir das interrelações entre os setores agropecuário e industrial. Como argumenta o autor, a ligação desses setores é muito maior do que se imagina. Por exemplo, dos 805 produtos que compõem a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE (PIM-PF/IBGE) cerca de 30% integram o complexo agroindustrial, de acordo com uma avaliação bastante conservadora.
Por essa razão, o dinamismo crescente no campo tem tudo para estimular o avanço industrial, enquanto, por outro lado, o progresso da indústria, notadamente naquilo que diz respeito à incorporação de novas tecnologias em máquinas, equipamentos e implementos agrícolas, constitui uma via importante para a constituição de uma agropecuária moderna.
Esta relação de mão dupla entre indústria e setor agropecuário deve se intensificar ainda mais no futuro próximo e incluir cada vez mais serviços conexos, pois novas fronteiras estão se abrindo com a aceleração de inovações tecnológicas recentes. Cabe observar que as novas tecnologias subjacentes à indústria 4.0 em nada se restringem ao setor industrial, mas estão revolucionando produtos, métodos de produção e de gestão e mercados inteiros também na agropecuária e no setor de serviços.
Segundo Mendonça de Barros, a maior aproximação entre os setores evoluirá na direção da continuidade da elevação da produtividade no campo e dos avanços na sustentabilidade da produção agropecuária e industrial. Com o barateamento de sensores e a crescente utilização de técnicas digitais tem se desenvolvido uma “agricultura de precisão”, cujo resultado é uma elevação da produtividade média e redução de custos, porque se elimina o desperdício de insumos.
Observa-se que para isso é preciso um geo-referenciamento da área sendo plantada; sensores e outros controles automáticos da plantadeira-adubadeira; análises de solo por parcelas pequenas de terra (que serão feitas por aparelho de leitura digital, ligado a um laboratório) e um aplicativo que tenha um modelo para controlar o sistema e enviar ordens ao operador e às máquinas. Em outros termos, a agricultura de precisão tem como alicerces máquinas e equipamentos de última geração produzidos pela indústria e serviços avançados. Há, portanto, uma oportunidade para o Brasil expandir e dar robustez a empresas, inclusive startups, voltadas à criação e comercialização de soluções, tanto industriais como de serviços, a serem empregadas pela agricultura de precisão.
Entretanto, como a interação entre os setores opera com múltiplas direções, não apenas a agropecuária demandará novos serviços e produtos industriais como insumos fundamentais para sua modernização, mas também muitos ramos da indústria passarão a depender mais de insumos agrícolas.
Uma das áreas mais promissoras neste sentido, segundo o autor do estudo, é a “química verde” que se compõe de diversos segmentos, como químicos a partir de produtos naturais/renováveis (solventes a partir do etanol e da glicerina, material gerado na produção de biodiesel, plastificantes a partir do óleo de soja etc), químicos a partir da biomassa de resíduos agrícolas, como o etanol obtido de bagaço de cana e químicos extraídos de sementes e frutos.
Todos esses segmentos apontam para uma rota extremamente promissora: a criação de produtos que atendam a anseios do consumidor (produzidos a partir de um bem renovável, positivo do ponto de vista do meio ambiente e que tenham características de biodegradabilidade) elaborados a partir de uma matéria-prima extremamente competitiva em termos globais.
Assim, a introdução de novos produtos, tais como os químicos verdes, possibilitará a criação de valor tanto em bens intermediários na cadeia de produção, a exemplo de biocombustíveis, bioeletricidade e biomateriais, como em bens finais destinados às famílias, especialmente em áreas como alimentos, farmacêuticos, saúde e bem-estar. Desta forma, é possível desenvolver uma manufatura de sucesso a partir de vantagens comparativas naturais e alavancadas pela tecnologia já disponível ou em fase final de desenvolvimento.
Introdução
O sucesso do agronegócio no Brasil é cada vez mais reconhecido e tem tido impactos positivos na economia brasileira. Por exemplo, durante a recente recessão o setor foi o único, entre os mais importantes, que continuou crescendo e investindo, como pode ser visto no gráfico abaixo. Entre 2014 e 2017 o PIB contraiu-se 6%, a indústria de transformação encolheu incríveis 12,1% e o setor de serviços perdeu 5%. No mesmo período, o setor agrícola cresceu 11,7%!
Na verdade, o contraste é ainda mais expressivo se considerarmos que a queda de 4,3% no PIB agrícola do ano de 2016 deveu-se, exclusivamente, ao clima. Naquele ano, o conhecido fenômeno do El Niño produziu uma perda de safra: a produção de algodão e grãos foi de 180 milhões de toneladas, 11%
menor que a do ano anterior. No entanto, a área cultivada, que é o que está sob controle dos produtores, cresceu 0,4% no comparativo com 2015 e a renda agrícola, 9%, pois a quebra de safra produziu preços maiores. Assim, pode-se dizer que o agronegócio, do ponto de vista de investimentos e renda, cresceu em todos os anos, mesmo durante a crise.
A mensagem deste trabalho é que o agronegócio tem muito mais impacto na indústria do que geralmente se imagina. Além disso, como o segmento continuará crescendo (sobretudo pela expansão da demanda externa por nossos produtos) essa importância tenderá a se elevar.
Finalmente, o progresso tecnológico do setor está levando, entre outras coisas, a gerar valor através da criação de novos produtos industriais, com demanda relativamente elástica, inclusive, pela possibilidade de substituição de bens oriundos do petróleo.
Políticas adequadas de inovação e promoção comercial podem acelerar esse processo.
O modelo do agronegócio
Define-se a agropecuária como o conjunto dos estabelecimentos que se dedicam à produção agrícola, pecuária e florestal. O agronegócio refere-se à cadeia produtiva como um todo, cadeia longa, que vai do segmento de insumos e serviços à produção aos processadores industriais, atividades de logística e distribuidores para os mercados interno e externo. Estima-se que, hoje, o agronegócio represente algo como 24% do PIB, embora a participação da agropecuária seja da ordem de 5,5%.
A trajetória de sucesso é bem documentada e pode ser sumariamente descrita desta forma.
A produção e a produtividade agrícolas cresceram muito nas últimas décadas, em níveis suficientes para atender com folga os mercados internos e externos.
A qualidade da oferta pode ser mais adequadamente avaliada pela evolução do preço dos alimentos na ponta do consumidor. O gráfico a seguir mostra a tendência de uma cesta de 16 produtos fundamentais na dieta brasileira, como calculados pela FIPE para o paulistano (leite, carne bovina, frango, arroz, feijão, laranja, tomate, cebola, batata, banana, açúcar, café, cenoura, mamão, ovo e óleo de soja). Ali se vê que de dezembro de 1974 até fevereiro de 2018 os preços relativos dos alimentos caíram nada menos do que 3,5% ao ano. Por 43 anos!
No caso do mercado externo, o país passou a ser um grande fornecedor e hoje disputa arduamente com os EUA a posição de player mais importante no mercado oceânico global.
É, talvez, o único setor importante capaz de atender o mercado interno, oferecendo produtos a preços cadentes e com maior qualidade, ao mesmo tempo em que amplia significativamente sua participação no mercado internacional; tudo isso, praticamente, sem subsídios governamentais.
De fato, os cálculos da OCDE mostram que em 2015 o apoio ao produtor agrícola, medido pela porcentagem da receita bruta, foi de 29% na Indonésia, 22% na China, 19% na União Europeia, 9% nos EUA e apenas 3% no Brasil.
Apoio ao Produtor Agrícola
O modelo de negócios no setor está sustentado por dois pilares: i) aumento contínuo da produtividade, decorrente da utilização da ciência no desenvolvimento de novas tecnologias; e ii) maior eficiência dentro das cadeias produtivas, num contexto de competição no exterior; tudo isso sem subsídios.
Na verdade, o crescimento do agronegócio está mais ou menos dado, uma vez que a produtividade deverá continuar se elevando, como discutiremos mais adiante. O crescimento do mercado interno deverá evoluir mesmo em condições de baixo crescimento do país, dados o nosso baixo nível de renda média, sua má distribuição e as modificações no comportamento dos consumidores.
Ao mesmo tempo, nosso papel no comércio internacional continuará crescendo. Com um maior desenvolvimento de muitos países emergentes, especialmente na Ásia, o mercado seguirá em expansão. Poucas nações têm recursos naturais, tecnologia e gente para acompanhar essa evolução, elevando a produção para atender tanto o mercado interno, quanto a exportação. O Brasil é, provavelmente, o que tem maior potencial de produção e, como tal, deve seguir tendo um papel crescente.
As projeções do USDA, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, mostram que a grande contribuição para o atendimento da crescente demanda global por alimentos virá do Brasil.
O Brasil vai se tornar, mesmo, um grande player, se não o maior. Basta reforçar sua tendência natural pela melhoria de conhecidos gargalos, como qualidade na logística e sanidade animal.
Um pequeno exercício acerca do relacionamento entre o agro e a produção industrial
O setor agropecuário tem hoje uma intensa ligação com o setor industrial, muito maior do que mesmo pessoas bem informadas acham.
Isto é resultado tanto do avanço na tecnologia de produção, colheita e armazenagem, quanto da crescente complexidade no processamento e geração de valor de produtos e matérias primas para os mercados interno e externo.
Uma forma simples de se observar estas relações é a que se segue.
Tomamos a lista de produtos que compõem a Pesquisa Industrial Mensal, utilizada para o cálculo da produção e organizada em 33 setores. São 805 produtos e destes, destaquei aqueles ligados diretamente ao agronegócio.
É claro que, como toda a classificação, esta está sujeita a críticas, mas tentei ser o mais criterioso possível. Por exemplo, considerei na área têxtil, fios e tecidos de algodão (incluindo, cama, mesa e banho), mas não outros fios, bem como os produtos de vestuário, exceto dois.
A lista completa está apresentada na integra do estudo.
De forma sintética estes são os produtos considerados por setores:
B – Indústrias extrativas
- calcário e fosfatos
- não foi considerado na pesquisa um setor que cresce muito, o de suplementos minerais para animais. Estão aí o sal mineral (que inclui fosfato bicálcico), o sal proteinado (que também inclui adicionalmente algum tipo de farelo) e o sal ureado. Estamos falando de algo como 3 milhões de toneladas de produto e R$ 6 bilhões do valor de produção, que cresce velozmente com a tecnificação da pecuária.
10 – Produtos alimentícios
- todos os produtos
11 – Bebidas
- 8 produtos, incluindo vinhos e aguardentes
12 – Produtos de fumo
- fumo processado industrialmente e cigarros
13 – Produtos têxteis
- já mencionados
14 – Vestuário
- Dois tipos de meias de algodão
15 – Couros, artigos para viagem e calçados
- Couros, calçados de couro e de borracha
16 – Produtos de madeira
- todos
17 – Celulose, papel e produtos de papel
- todos
18 – Impressão e reprodução de gravações
- nada
19 – Coque, produtos derivados de petróleo e biodiesel
- álcool etílico
- biodiesel
- existe uma indústria não considerada, de óleos vegetais industriais, que não é pequena
20 B – Perfumaria, sabões, detergentes e higiene
- Consideramos apenas sabões
20 C – Outros produtos químicos
- Vários ácidos e sais para fertilizantes, fungicidas, herbicidas e inseticidas
21 – Produtos farmoquímicos e farmacêuticos
- Vacinas para medicina veterinária
- Não estão incluídos outros produtos para saúde animal, produzidos por empresas como MSD, ZOETIS e Ourofino
22 – Borracha e material plástico
- Borracha misturada
23 – Produtos de minerais não metálicos
- Nada
24 – Metalurgia
- Arames e fios
25 – Produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos
- Nada
26 – Equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ótica
- Nada
27 – Máquinas e aparelhos elétricos
- Nada
28 – Máquinas e equipamentos
- Motores, peças e tratores
- Máquinas para irrigação, pulverização, limpeza e seleção de grãos
- Máquinas para colheita, secadores e classificadores
- Implementos agrícolas de todos os tipos
- Máquinas para indústria de óleos, cervejeira, açúcar, carnes, leites, padaria e confeitaria e outros
29 - Veículos automotores, reboques e carrocerias
- Nada
30 – Outros equipamentos de transporte
- Nada
31 – Móveis
- Vários produtos de madeira
32 – Produtos diversos
- Nada
33 – Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos
- Para indústria de celulose, papel ou artefatos.
Os 189 produtos considerados representam quase 29% do total da pesquisa e mais de 37% do valor da produção da Pesquisa Industrial Anual (PIA) de 2015, número extremamente significativo e revelador de quanto a agricultura e indústria estão interligadas.
Além disso, é preciso considerar que a cadeia do agronegócio tem uma demanda difusa, porém relevante em muitos segmentos industriais.
Estima-se que um terço da produção de caminhões, carrocerias e reboques seja diretamente utilizado no transporte de produtos agrícolas, suas transformações e seus insumos. Também vale mencionar a crescente utilização de motocicletas e outros veículos deste tipo em substituição a animais, tanto no transporte de pessoas, como no trabalho de administração rural. Aviões e drones também têm uso crescente.
A atividade de construção civil, incluindo irrigação, tanques, armazéns e silos, implica em demandas difusas sobre os setores 22 (borracha e material plástico), 23 (minerais não metálicos), 25 (produtos de metal), 27 (máquinas, aparelhos e materiais elétricos, inclusive na eletrificação rural).
A crescente digitalização na agricultura e a expansão da telefonia rural também têm impactos no setor 26 (informática e outros).
É, portanto, certo que os 30% de produtos relacionados ao agronegócio representam um piso.
Finalmente, muitos produtos novos já estão no mercado, como plásticos a partir da cana, biofertilizantes, produtos organominerais e defensivos biológicos.
Destes trataremos mais adiante.
Novas fronteiras: melhorias até a porteira
A agenda de avanços na produção agropecuária já está entranhada no setor, isto é, o sucesso do passado já ilumina a rota futura. Lembremo-nos que a ligação dos produtores com os clientes finais, aqui e lá fora, é intensa e que as alterações quantitativas e qualitativas na demanda são transmitidas aos agricultores.
Em geral, continuaremos a ver maior integração entre a agricultura, a indústria e os serviços em todos os segmentos.
Em virtude disso, a mudança evoluirá na direção de três linhas:
• Continuidade da elevação da produtividade
• Avanços na sustentabilidade da produção
• Crescente descarbonização do setor.
Veremos um grande avanço tecnológico dentro das fazendas, resultado do barateamento dos sensores e da crescente utilização de técnicas digitais. É a chamada “agricultura de precisão”, o item mais relevante a ser considerado. Esta denominação abarca um conjunto de técnicas que estão em desenvolvimento na área de pesquisa e implantação em um número crescente de atividades e propriedades rurais.
Por exemplo, é possível a aplicação de fertilizantes e defensivos de forma muito mais detalhada a partir de informações sobre a fertilidade do solo, umidade e outras variáveis em pequenas parcelas do terreno. Assim, um conjunto de trator, plantadeira e adubadora, guiado por GPS, dispondo de análise de solos, pode aplicar exatamente a parcela necessária de fertilizantes e outros produtos em cada área. O resultado é uma elevação da produtividade média, porque em nenhum pedaço do terreno a aplicação é inferior à necessária. Ao mesmo tempo, há uma redução de custos, já que em nenhuma parte se aplicam (e desperdiçam) insumos além do recomendado. Muitos equipamentos novos já estão disponíveis ou em desenvolvimento.
Observe-se que, para fazer isso, é preciso um geo-referenciamento da área sendo plantada; sensores e outros controles automáticos da plantadeira-adubadeira; análises de solo em parcelas pequenas de terra (que serão feitas por um aparelho de leitura digital, ligado a um laboratório); além de um aplicativo que tenha um modelo para controlar o sistema e enviar ordens ao operador e às máquinas. Esta é uma fronteira na qual ainda há vários avanços a realizar e que também abrange bigdata e internet das coisas, entre outras tecnologias.
Da mesma forma, sistemas de produção de leite e de carne já podem ser adequadamente desenvolvidos, inclusive levando à automação de certas etapas da produção. Por exemplo, num confinamento de gado, sensores colocados nos cochos (comedouros) de alimentação medem o quanto foi consumido, sendo as informações encaminhadas online para o escritório central da propriedade, que por sua vez, alimenta o sistema trator/carreta que repõe a alimentação para os animais. Esta reposição é comandada pela informação original de quanto foi consumido, de sorte que o gado não fica sem alimentação adequada (o que prejudicaria o ganho de peso) nem existe desperdício de comida. Assim, como no exemplo do plantio, a produtividade sobe e os custos caem.
Também nessa área, estão evoluindo sistemas de rastreabilidade. Por exemplo, no caso do leite, hoje é possível ter em cada caixinha no supermercado informações que podem ser lidas na loja sobre a data da produção e até de que animais aquele produto proveio. Na mesma direção, encontra-se a constante evolução de novos instrumentos de gestão, que vão desde o controle das características do rebanho, até a melhoria dos instrumentos de gestão da fazenda.
Ao lado da agricultura de precisão, já existem importantes avanços na área de sustentabilidade. A integração de sistemas produtivos de lavoura, pecuária e florestas vai nessa direção.
Estes conjuntos variam de região a região, seja dos tipos de culturas anuais, seja do tipo de madeira e de gado e ainda são objeto de intensa pesquisa e experimentação. Entretanto, do que já se tem em produção, é seguro que o resultado seja uma elevação na produtividade e na rentabilidade das fazendas, até porque o sistema garante duas ou três safras na mesma área, além de propiciar controle de erosão, maior bem-estar animal, cuidado com nascentes, etc. Pesquisa recente revelou que já existem 11,5 milhões de hectares que aplicam sistemas de integração nos dia de hoje, número muito relevante quando comparado com o total de área cultivada no Brasil, de 60 milhões de hectares.
A integração também se beneficia de uma inovação fundamental para a sustentabilidade, que já se espalhou pelo Brasil inteiro, qual seja o plantio direto na palha. Esta tecnologia está mais ajustada a solos tropicais, porque implica em menos revolvimento da terra, maior retenção de umidade, menor eclosão de pragas e menor aplicação de defensivos. Foi a partir do plantio direto que se espalhou a possibilidade de mais de uma safra na mesma área. Apenas como exemplo, o Brasil virou um grande produtor de milho por conta do crescimento da chamada “safrinha” - aquela que é plantada depois da colheita da safra principal de verão, em geral, a soja.
A combinação dessas técnicas é que está na base do desenvolvimento de uma agricultura em larga escala, produtiva, sustentável e que cresce sem a necessidade de grande suporte governamental em termos de subsídios.
Vale observar que há no setor um número considerável de novas empresas de base tecnológica (“startups”). Existe no setor uma rara complementação entre pesquisa pública e desenvolvimentos privados.
Finalmente, ainda na questão da sustentabilidade e produtividade, temos que considerar a importância do Cadastro Rural e da necessidade de recuperação em larga escala de matas ciliares e nascentes. O avanço da sustentabilidade tem aqui um de seus pontos mais relevantes.
Na agenda do país, na qual o agronegócio está inserido, a questão da gestão da água para fins de uso múltiplo é um desafio que ainda está largamente por ser enfrentado.
Também nesse conjunto se insere a agenda da agricultura de baixo carbono, na qual tem certo destaque o adequado tratamento de resíduos de criação animal, com a utilização de tecnologias de biodigestão e de aproveitamento dos gases decorrentes deste processo. A bioenergia, os biocombustíveis e a expansão florestal se tornarão cada vez mais relevantes. A integração da lavoura, pecuária e pastagens com o sistema de plantio direto é técnica central na nossa agricultura de baixo carbono.
Finalmente, muitos produtos novos, como insumos biológicos, já estão no mercado e em franca expansão.
A agenda de progresso tecnológico, do crescimento da produtividade e da sustentabilidade terá uma década decisiva pela frente.
Criando valor com novos produtos
Ao lado da maior produtividade, eficiência e redução de custos na agricultura, será imperioso continuar a integração com a indústria e o avanço tecnológico, visando a criação de valor através do desenvolvimento de novos produtos. Estes poderão ser tanto bens intermediários na cadeia de produção, como bens finais destinados às famílias.
Existem pelo menos três áreas que devem ser mencionadas no que tange à produção de bens intermediários: biocombustíveis, bioeletricidade e biomateriais, além do contínuo aprimoramento dos insumos já produzidos. Nos bens finais destacam-se alimentos, farmacêuticos e itens de saúde e bem-estar.
Na área de biocombustíveis, a aprovação do RenovaBio desenha um futuro mais organizado para nosso principal produto, o etanol de cana. A melhora atual deriva de um engenhoso mecanismo de premiação pela contribuição ao meio ambiente irá gratificar as empresas com melhor tecnologia e produtividade na lavoura, Ao mesmo tempo, avançam projetos de biocombustíveis de segunda geração. Finalmente, também segue crescendo a produção de biodiesel.
A bioeletricidade passou por uma fase de efervescência seguida por certa interrupção, como resultado da regulação deficiente dos leilões de energia elétrica. Entretanto, nos últimos tempos esta deficiência regulatória foi superada, de sorte que esse segmento deve voltar a crescer.
A área mais promissora na criação de novos produtos está ligada à “Química Verde” que se compõe de diversos segmentos, como:
- Químicos a partir de produtos naturais/renováveis: solventes a partir do etanol e da glicerina, material gerado na produção de biodiesel, plastificantes a partir do óleo de soja, polietilenos a partir do etanol, farneseno (utilizado em diferentes processos fabris, como na produção de lubrificantes, combustíveis, plásticos, vitaminas, etc.) a partir do melaço da cana.
- Químicos a partir da biomassa de resíduos agrícolas, como o etanol obtido de bagaço de cana.
- Químicos extraídos de sementes e frutos: essências para aromas e perfumes para diversas empresas de cosméticos.
- Químicos e derivados da celulose e lignina: este é, provavelmente, o segmento mais promissor e de maior escala. Está sendo inaugurada uma planta, que utiliza tecnologia local para produção de lignina e derivados que serão utilizados nas cadeias de plástico e borracha. Além disso, a celulose microfibrilar (MFC), já em fase final de desenvolvimento, poderá ser utilizada na produção de fios com características semelhantes às do algodão, mas que utiliza muito menos água na produção de peças de vestuário. Na área genérica de nanocelulose, o potencial de utilização em embalagens, papeis especiais, produtos de higiene, compósitos plásticos e outros é enorme.
Todos esses segmentos apontam para uma rota extremamente promissora: a criação de produtos que atendam os anseios do consumidor (produzidos a partir de um bem renovável, positivo do ponto de vista do meio ambiente e que tenham características de biodegradabilidade) elaborados a partir de uma matéria prima extremamente competitiva em termos globais. Este é um dos melhores exemplos de que é possível desenvolver uma manufatura de sucesso a partir de vantagens comparativas naturais e alavancadas pela tecnologia já disponível ou em fase final de desenvolvimento.
Além destes segmentos, chamo a atenção para um grande movimento direcionado para o aprimoramento de produtos já existentes. Por exemplo, a aplicação de nanopartículas e nanocápsulas em agroquímicos e fertilizantes permite um aumento na eficiência dos produtos pela liberação mais lenta desses produtos no solo, resultando em menor utilização de moléculas, menor ameaça ao meio ambiente e maior resultado nos seus objetivos. Da mesma forma, na área de equipamentos há uma enorme demanda por estações meteorológicas, sensores e sistemas, etc.
Os consumidores, tanto no Brasil, como no resto do mundo, têm hoje uma relação ambiciosa e complexa com os produtos de sua cesta de consumo e com as companhias que os fabricam. As pessoas dão cada vez mais importância àqueles bens que se associam à saúde e ao bem-estar, simplificam a vida, permitem uma conexão humana e também possibilitem novas experiências. Além disso, elas têm uma relação cada vez maior com o meio ambiente e com a ideia da sustentabilidade. Finalmente, esperam que as companhias falem honestamente e que, portanto, a rotulagem dos produtos seja absolutamente correta, expressando claramente as qualidades acima mencionadas.
Esse cenário abre grandes possibilidades para produtos alimentares com relação aos quais a integração agricultura/indústria/serviços será da maior relevância.
Observe-se aqui apenas um exemplo: o caso do café. Este é um produto bastante tradicional, mas que vem experimentando uma revolução na cadeia de valor, que vai da lavoura à cafeteria. Antes de tudo, pela produção e comercialização de produtos de melhor qualidade, como o café verde de origem controlada, no qual as características de uma dada região são destacadas, de forma similar ao que já acontece com produtos como vinhos, queijos e outros, especialmente no exterior.
A técnica de produção destes bens deve ser amigável com o meio ambiente e a rastreabilidade tem que ser assegurada. Novos canais de venda foram criados e estão consolidados, como as cafeterias e as lojas especializadas. Novas empresas entram para disputar o setor. Finalmente, após relevantes inovações tecnológicas, as cápsulas representam a atual fronteira de consumo do produto.
Apenas para avaliar a amplitude desta inovação, vale dizer que um quilo de café torrado e moído no varejo custa algo como R$ 20, enquanto o mesmo peso nas cápsulas custa R$ 290 e este benefício é distribuído na cadeia como um todo. O melhor é que este ganho pode ser capturado por grupos de produtores: uma fábrica em Ribeirão Preto produz lotes pequenos para cafeicultores e cooperativas, que podem assim acessar diretamente consumidores urbanos. Ao mesmo tempo, Montes Claros (MG) já tem quatro fábricas de cápsulas de apenas dois fabricantes.
Outros atributos também são incorporados a determinados bens, como orgânicos, produtos nutracêuticos (que apresentam características nutritivas e medicinais, naturais ou resultados de pesquisas), funcionais, com certas especificidades (sem glúten, sem lactose, etc.).
Analogamente, muitos outros produtos vivem ou viverão o que vem acontecendo com o café. Esta é uma fronteira a ser mais explorada por este e outros alimentos, aqui e lá fora, na próxima década.
Assim, além do mercado interno, a pauta de exportações deverá ser mais sofisticada pela incorporação destes novos produtos.
Conclusões
Agronegócio e indústria têm muito a se beneficiar num contexto de maior abertura e progresso técnico.
1 - O agronegócio brasileiro tem um modelo de crescimento solidamente estabelecido em torno da elevação da produtividade e da competitividade no mercado global, sem subsídios relevantes, e isto é algo único que tem que ser preservado. Por isso, o setor cresceu durante a maior crise econômica dos últimos tempos.
2 - Esta rota de expansão ainda vai durar por muito tempo, especialmente se o país avançar na melhora da logística e na redução dos custos.
3 - No plano da produção, a agricultura de precisão é a mudança mais relevante. Este caminho implica em maior integração de agricultura, indústria e serviços. Implica também em utilização de sistemas digitais integrados e na montagem de uma infraestrutura de informação. É fundamental que haja acesso relativamente fácil à compra de certos equipamentos e acessórios a preços razoáveis, ainda que num primeiro momento sejam importados.
4 - Como em todas as áreas, o processo de pesquisa e geração de conhecimentos, que desemboque em novos produtos e sistemas, tem que ser mais robusto ainda. Incubadoras e novas empresas (startups) deverão continuar a criar e desenvolver soluções inovadoras, especialmente em conexão a indústrias produtoras de insumos e equipamentos.
5 - Sustentabilidade e baixo carbono continuarão a jogar papel fundamental na pesquisa, desenvolvimento e difusão de inovações na área.
6 - Insumos e equipamentos devem continuar a serem aprimorados e outros tipos criados. A indústria tem um papel importante nesse processo.
7 - Um grande mundo está se abrindo na criação de valor, tanto no desenvolvimento de novos produtos como no redesenho e rejuvenescimento de setores maduros, como no caso do café.
8 - Existe espaço para crescimento na área de biocombustíveis e na bioeletricidade.
9 - Entretanto, o maior potencial de crescimento está na área de materiais adequados às exigências do mundo moderno, como compósitos e outros produtos da química verde.
10 - As condições de custo e qualidade das matérias primas permitem que, com a adequada tecnologia, sejam produzidos bens muito competitivos globalmente.
11 - Alavancar manufaturas a partir de nossas vantagens comparativas e de novas tecnologias é uma rota totalmente viável. Naturalmente, isso não resolve o problema industrial brasileiro, mas pode tornar mais jovem, competitivo e dinâmico parte significativa do setor manufatureiro.
12 - Além das políticas tecnológicas, e da possibilidade de desenvolver projetos com instituições e empresas no exterior, é preciso que a política comercial externa seja parceira desses movimentos, o que não será difícil dada a qualidade de nossa diplomacia.
13 - Olhado desta forma, são totalmente equivocadas as proposições de taxar exportações agrícolas para proteger setores estagnados e envelhecidos.
As relações entre o agronegócio e a indústria são muito mais intensas, profundas e diversificadas do que se imagina. Elas deverão se aprofundar ainda mais.
Alavancar o progresso a partir de vantagens comparativas naturais e construídas parece uma rota capaz de trazer grande sucesso para esta cadeia produtiva, cada vez mais longa e complexa.