Carta IEDI
Estratégia industrial é regra e não exceção no mundo
Enquanto no Brasil ainda se discute a pertinência ou não de desenvolvermos uma estratégia industrial para o país, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em documento recente, catalogou nada menos do que 101 países distribuídos em todas as regiões do globo que adotam políticas abrangentes para este setor, infraestrutura e serviços adjacentes.
Além destas há ainda outras ações que não foram consideradas por apresentarem propósitos específicos, tais como, estratégias voltadas apenas às pequenas e médias empresas (PME), ao empreendedorismo ou ao desenvolvimento digital. Políticas focando apenas um setor isoladamente ou somente infraestrutura de serviços também não foram tratadas pelo estudo.
Desde a crise financeira global, o número de países que adotaram estratégias nacionais de desenvolvimento industrial cresceu dramaticamente, segundo o World Investiment Report 2018 da Unctad, cujo capítulo “Investimento e Novas Políticas Industriais” é analisado nesta Carta IEDI. O levantamento identificou 114 estratégias industriais formais, sendo que três quartos dessas estratégias (84) foram adotadas nos últimos 5 anos.
O estudo argumenta que os países em todos os níveis de desenvolvimento estão lançando mão dessas políticas, não somente para propósitos de transformação estrutural, mas também para responder a uma variedade de desafios, tais como a criação de empregos e redução da pobreza, participação na revolução tecnológica em curso, integração nas cadeias globais de valor (GVC), promoção de eficiência e energia limpa e economia verde etc.
Todavia, a nova geração difere significativamente em método e em escopo das intervenções passadas. Em contraste com as antigas políticas industriais centralizadoras, que tendiam a proteger indústrias específicas, as atuais são mais ágeis, interativas, inclusivas, flexíveis e integradas com outras áreas de política e estão mais atentas a desafios abrangentes. Nas novas políticas, ações verticais e horizontais continuam sendo combinadas em 40% da amostra da Unctad, sendo que em 1/3 delas há ênfase em medidas horizontais.
Na visão da entidade, no modelo moderno há a combinação de ações interativas e intervenções top-down e bottom-up. Os pacotes de políticas se caracterizam por múltiplas camadas, com impacto no nível da empresa, dos setores e do sistema industrial. Esse último vai além da indústria de transformação e inclui infraestrutura e serviços complementares que são essenciais para a criação de capacidade produtiva.
Medidas de política para aperfeiçoar o cenário macroeconômico, social e ambiental no qual a indústria se desenvolve constituem a base das novas estratégias. Modelos multicamadas e multidimensionais têm surgido em resposta à necessidade de flexibilidade e de seletividade no desenho desses pacotes de políticas.
Além disso, o investimento direto estrangeiro (IDE) e as operações das empresas multinacionais tornaram-se parte integral, explícita ou implicitamente, das políticas industriais contemporâneas. Muitas iniciativas incluem incentivos sob a forma de redução de impostos e tarifas ou de apoio financeiro mediante empréstimos e recursos concessionais em setores-alvo, bem como redução de exigências burocráticas, criação de zonas econômicas especiais, cluster, incubadoras, parques tecnológicos etc.
Com base em critérios como os graus de especificidade setorial das políticas, de intervenção governamental, de abertura à competição externa e de orientação às exportações, a Unctad propõe uma taxonomia de modelos de política industrial, agrupando as estratégias em três amplas categorias:
1. Modelo de construção da base industrial (build-up). Estratégias deste tipo tendem a enfatizar a melhoria da infraestrutura física (portos, energia, telecomunicação etc.) como parte da estratégia industrial. Representam 40% da amostra analisada. Priorizando o desenvolvimento de setores industriais específicos, essas estratégias impulsionam o desenvolvimento das empresas e visam melhorar o acesso das pequenas e médias empresas ao financiamento.
2. Modelo de catch-up. As estratégias de catch-up priorizam a formação de competências e habilidades, o apoio às PMEs e a promoção de exportação. Correspondem a 36% da amostra. Neste caso, as compras governamentais são instrumento importante de promoção das empresas domésticas.
3. Modelo baseado na nova revolução industrial (indústria 4.0). Representando 24% da amostra, estas estratégias enfatizam o fortalecimento dos ecossistemas industriais, com Parcerias Público-Privadas orientadas à inovação, instituições de P&D e elementos comuns de infraestrutura.
Esses três modelos amplos de estratégias industriais não são mutuamente exclusivos e estão longe de serem modelos fechados. O estudo traz ainda uma série de recomendações para o design das modernas políticas industriais e de investimento, as quais, independentemente do modelo preponderante, devem incorporar, abertura relativa, sustentabilidade, prontidão para a nova revolução industrial, inclusão, coerência, flexibilidade e efetividade.
A Política Industrial e Seus Novos Temas
De acordo com World Investiment Report 2018 elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), nos últimos dez anos, a política industrial recuperou popularidade entre os policy makers, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Somente nos últimos cinco anos, pelo menos 84 países, que respondem por 90% do PIB mundial, anunciaram política industrial ou adotaram planos políticos explícitos de desenvolvimento industrial.
Embora o conceito de política industrial varie na literatura econômica, existe consenso de que política industrial inclui políticas governamentais que afetam diretamente a estrutura da economia. Com essa definição, o escopo da política industrial é vasto, cobrindo um conjunto de ações que buscam ajudar o país a alcançar seus objetivos estratégicos mediante o fortalecimento das capacidades produtivas e da competitividade internacional. Isso inclui políticas verticais, focadas em indústrias específicas, bem como políticas horizontais que visam melhorar as condições operacionais e capacidades em vários setores.
Entre as razões para a proliferação de abordagens de política industrial através do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, o estudo destaca:
• A pressão para reduzir o desemprego e estimular o crescimento após a crise financeira global;
• A intensificação da concorrência no comércio, investimento e tecnologia a partir do sucesso das economias de rápido crescimento do Leste e Sudeste da Ásia;
• O temor de desindustrialização prematura nas economias de renda média e de “perder o barco” nas economias de baixa renda;
• A importância das cadeias globais de valor, que exige fortalecimento das capacidades do setor industrial e concomitantes políticas de apoio aos serviços relacionados e os regimes regulatórios e de facilitação;
• As metas de desenvolvimento sustentável e de crescimento inclusivo que exigem ações proativas dos governos.
Países em todos os estágios de desenvolvimento estão fazendo uso da política industrial. Entre os países em desenvolvimento, a principal motivação reside no fato de que são raros os casos daqueles que conseguiram se desenvolver sem se apoiar no setor industrial, explorando circunstâncias especiais, como recursos naturais abundantes, localização privilegiada e um ambiente fiscal favorável para serviços financeiros.
Já os países desenvolvidos estão atualmente totalmente engajados em políticas industriais com o objetivo de interromper o declínio de sua atividade industrial, experimentado durante o período de rápida globalização nos anos 1990 e 2000 e durante a crise financeira global. Esses países têm adotado crescentemente ações voltadas à reconstrução de suas bases industriais – por meio de incentivos, subsídios e investimentos públicos – e ao posicionamento estratégico em áreas tecnológicas avançadas.
Em contraste com as políticas industriais centralizadoras do passado, que tendiam a proteger indústrias específicas, as políticas industriais atuais são mais ágeis, interativas, inclusivas, flexíveis e integradas com outras áreas de política e atentas a desafios abrangentes, como o desenvolvimento sustentável. Além disso, o investimento direto estrangeiro (IDE) e as operações das empresas multinacionais tornaram-se parte integral, explícita ou implicitamente, das políticas contemporâneas em muitos países, em diferentes estágios de desenvolvimento.
Como pode ser verificado na tabela abaixo, as políticas industriais contemporâneas são cada vez mais diversas e complexas, enfocando novos temas e incluindo um conjunto amplo de objetivos, que vão além do desenvolvimento industrial convencional e da transformação estrutural, tais como: integração nas cadeias globais de valor (GVC), modernização, desenvolvimento de economia do conhecimento, construção de setores vinculados às metas de desenvolvimento sustentável e posicionamento competitivo para a nova revolução industrial (NRI).
O desenvolvimento digital, a melhoria nas infraestruturas de conectividade da internet e a ampla adoção pelas empresas das tecnologias de informação e comunicação (ICT) também são alvo importante das políticas industriais recentes. As tecnologias de informação propiciaram oportunidade para aumentar a produtividade nos diversos setores e para a criação de novos setores de atividade econômica. Isso ampliou o escopo da política industrial do foco único na indústria de transformação para incluir serviços adjacentes ao setor industrial. Países como Costa Rica, Índia e Filipinas ampliaram com sucesso suas participações nas GVC mediante operações terceirizadas baseadas em ICT.
Nos últimos cinco anos, segundo a Unctad, a transformação digital e o desenvolvimento tecnológico operacional da indústria manufatureira tornaram-se o motor tecnológico das políticas industriais. Um crescente número de países está adotando políticas explicitamente vinculadas à nova revolução industrial: aplicação de novas tecnologias digitais, robótica avançada, impressão 3D, big data e internet das coisas nas cadeias de fornecimento da indústria de transformação. Tais políticas enfatizam a promoção da capacidade industrial nas novas áreas tecnológicas, a proteção de desenvolvimento tecnológico ou a mitigação dos efeitos negativos das tecnologias disruptivas. Essas últimas formas de política industrial estão proliferando especialmente entre países anteriormente avessos à política industrial, como é o caso do Reino Unido.
Os objetivos da política industrial também começaram a incorporar preocupações com o desenvolvimento sustentável, as quais se expressam no quadro regulatório no qual as empresas industriais operam e nas preferências setoriais e políticas seletivas de apoio. Alguns países têm explicitamente incluído metas de desenvolvimento de setores específicos com foco em novas indústrias de energia limpa. As políticas voltadas à NRI incluem preocupações com seu próprio desenvolvimento sustentável, relacionadas ao crescimento inclusivo e aos impactos sobre o emprego das tecnologias industriais avançadas.
O resultado dessa evolução é maior complexidade das políticas industriais. As abordagens tradicionais de escolha do vencedor e os instrumentos clássicos de política de proteção seletiva e de substituição de importação, há muito tempo, deram lugar a métodos mais sofisticados para facilitar a inovação tecnológica e eliminar gaps de produtividade, construindo sistemas e mecanismo de coordenação para promover atividades interconectadas com impacto horizontal.
As políticas industriais mais recentes utilizam de forma significativa em um amplo leque de instrumentos e medidas de suporte que visam aprimorar infraestrutura, educação, treinamento, desenvolvimento empresarial, construção de cluster e vínculos, empreendedorismo, inovação, acesso a financiamento e políticas sociais.
Em razão dessa complexidade, na avaliação da Unctad, a política industrial moderna deve ser vista como a combinação de medidas e estratégias interativas e intervenções de cima para baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up). Os pacotes de políticas se caracterizam por múltiplas camadas, com impacto no nível da empresa, da indústria e do sistema industrial. Esse último vai além da indústria de transformação e inclui infraestrutura e serviços complementares que são essenciais para a criação de capacidade produtiva. Medidas de política para aperfeiçoar o cenário macroeconômico, social e ambiental no qual a indústria se desenvolve constituem a base do pacote geral da política industrial. Modelos multicamadas e multidimensionais têm surgido em resposta à necessidade de flexibilidade e de seletividade no desenho desses pacotes, como será visto a seguir.
Modelos recentes de política industrial
A Unctad realizou um levantamento das políticas industriais e estratégias de desenvolvimento industrial. Foram consideradas apenas estratégias abrangentes formalmente adotadas pelos governos desde 2008, com objetivos específicos de desenvolvimento industrial, com foco na indústria de transformação, setores de serviços adjacentes e infraestrutura industrial habilitadora. Foram deixadas de lado, estratégias com temas específicos (PME, empreendedorismo, desenvolvimento digital), estratégias específicas para industriais individuais ou estratégias focando somente infraestrutura de serviços.
Com base nesses critérios, foram incluídas 114 políticas formais de 101 economias. A amostra cobre economias em todas as regiões e inclui 30 estratégias formuladas por economias desenvolvidas e 84 estratégias emitidas por economias em transição e em desenvolvimento, dentre os quais os países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e 24 países menos desenvolvidos (LDCs, na sigla em inglês). Mais de três quartos das estratégias da amostra (84) foram adotados nos últimos cinco anos.
Segundo o estudo, alguns dos países possuem mais de uma política industrial. Esses países podem ter uma política industrial nacional com foco em manufatura avançada e no posicionamento para a NRI, mas também mantêm a política industrial precedente com foco no fortalecimento da competitividade geral da indústria e no estímulo de setores manufatureiros específicos, casos, por exemplos da Hungria e da Argentina. Alguns países integraram seus planos de desenvolvimento industrial em estratégias amplas de desenvolvimento econômico.
Na amostra de estratégias analisadas, são inúmeros os objetivos das políticas industriais. A maioria delas compartilha os objetivos de fortalecer a competitividade, criar empregos e promover o crescimento e o desenvolvimento econômico. Cerca de metade das estratégias visa desenvolver indústrias específicas, incluindo novas ou indústrias infantes. Quase metade enfatiza o desenvolvimento sustentável. Um quinto das estratégias menciona outras metas como diversificação econômica, redução da pobreza e proteção da segurança nacional.
A vasta maioria das estratégias pesquisadas contém políticas horizontais para o desenvolvimento industrial abrangente, construção de capacidade industrial, modernização tecnológica e reforço das competências e habilidades. Nenhuma delas foca exclusivamente no desenvolvimento de indústrias específicas. Cerca de 40% das estratégias combinam medidas de política horizontal com medidas para promover a constituição de setores industriais específicos, em particular em indústrias baseadas em recursos naturais ou indústrias leves. Um pouco mais de um terço foca principalmente em políticas horizontais, em alguns casos adicionando objetivos de catch-up em indústrias de alta tecnologia (por exemplo, indústria de engenharia). Um quarto das estratégias analisadas, em particular, nos países desenvolvidos, tem foco específico no desenvolvimento das indústrias de manufatura avançada, impulsionado pela NRI.
Elementos da política industrial tradicional ainda são comuns entre os grupos de países que necessitam construir capacidades produtivas básicas. Porém, esses agora são combinados com elementos de outros modelos de política industrial, especialmente aqueles que fortalecem a produtividade horizontal. E enquanto estratégias industriais explícitas focando a NRI são atualmente adotadas, sobretudo, pelos países desenvolvidos e por algumas poucas economias emergentes, inúmeras políticas industriais nos países em desenvolvimento estão implicitamente lidando com as consequências da adoção de tecnologias avançadas nas cadeias suprimento da indústria de transformação.
Cerca de 70% das estratégias incluem referência a instrumentos de promoção de exportação. Instrumentos clássicos de política industrial também continuam integrando o kit de ferramenta das modernas políticas industriais. Por exemplo, 27 estratégias fazem referência à substituição de importação como um possível meio para o desenvolvimento de capacidade produtiva doméstica. Todavia, apenas 10% das estratégias definem explicitamente medidas de proteção do mercado doméstico (suporte de incubação para indústria nascente e tarifas temporárias).
Mais de 90% das estratégias estabelecem a intenção de gasto governamental no apoio do desenvolvimento industrial para viabilizar infraestrutura industrial, zonas industriais ou parques de alta tecnologia ou programas de pesquisa e de qualificação. Parceiras Público-Privadas (PPP) constam de mais de dois terços das recentes políticas industriais. PPP são utilizadas para estimular atividades em áreas nas quais o setor privado sozinho é mais relutante para investir.
De acordo com o estudo, nas modernas políticas de desenvolvimento industrial, os países tendam a adotar uma abordagem pragmática, utilizando um conjunto de medidas que combinam substituição de importação com promoção de exportação e medidas de apoio a indústrias específicas com elementos de políticas horizontais de facilitação dos negócios e construção de capacidades. Todavia, é possível identificar amplas categorias de política industrial com base em alguns poucos critérios fundamentais, tais como os graus de especificidade setorial das políticas, de intervenção governamental, de abertura à competição externa e de orientação às exportações.
Um critério taxonômico adicional pode ser o modelo de governança e o grau de abrangência e detalhamento das estratégias de desenvolvimento industrial. Inúmeras estratégias adotam amplas abordagens centralizadas, cobrindo todos os aspectos do desenvolvimento industrial e estabelecendo metas explícitas de desenvolvimento bem como as linhas de ações pelas quais as metas serão alcançadas (exemplos, estratégias das economias do Leste da Ásia, bem como do Brasil, índia e África do Sul).
Com base nesses critérios, a Unctad propõe uma taxonomia de modelos de política industrial, agrupando as estratégias de desenvolvimento industriais em três amplas categorias:
• Construção da base industrial (build-up). As estratégias de construção da base industrial, que representam 40% da amostra analisada, tendem a enfatizar a melhoria da infraestrutura física (portos, rodovias, aeroportos, energia e telecomunicação) como parte integrante da política industrial. Em adição, priorizando o desenvolvimento de um conjunto de setores industriais específicos, essas estratégias frequentemente impulsionam o desenvolvimento das empresas e visam melhorar o acesso das PMEs ao financiamento.
• Catch-up. As estratégias de catch-up, que correspondem a 36% da amostra, priorizam o desenvolvimento de competências e habilidades, o apoio às PMEs e à constituição de vínculo, a promoção de exportação. As compras governamentais estratégicas são instrumento de promoção importante do desenvolvimento das empresas domésticas.
• Baseado na NRI. Representando 24% da amostra, as estratégias baseadas na NRI enfatizam o fortalecimento dos ecossistemas industriais, com PPP orientadas à inovação, instituições de P&D e elementos comuns de infraestrutura leve.
Essas três amplas categorias de modelos de estratégias de desenvolvimento industrial correspondem, em alguma medida, a estágios de desenvolvimento, mas não são mutuamente exclusivas. As políticas impulsionadas pela NRI são claramente restritas a países de renda alta e de renda média-alta. Porém, esses países podem também incluir elementos de catch-up em suas políticas industriais, como é o caso da estratégia industrial recente do Reino Unido.
Já a distribuição por grupo de nível de renda das políticas de construção da base industrial e de catch-up é bem menos linear. Uma razão-chave para isso reside no fato de que várias economias emergentes (renda média-alta) combinam elaboradas políticas de catch-up com políticas de constituição de indústrias específicas formuladas separadamente. A distinção entre as duas categorias se dá pela ênfase relativa em políticas verticais versus políticas horizontais e nos instrumentos empregados.
Esses três modelos de política estão longe de serem modelos fechados. Todas as políticas do modelo de construção da base industrial contêm medidas horizontais para ampliação a competitividade, os modelos de catch-up promovem inovação e a adoção de novas tecnologias e os modelos impulsionados pela NRI utilizam mecanismos de build-up para novas industriais.
Como será visto no próximo item, os pacotes de política de investimento nesses três modelos também utilizam instrumentos similares, embora com diferentes foco e intensidade.
Política de Investimento como Instrumento do Desenvolvimento Industrial
As políticas nacionais de investimento estrangeiro, ou seja, políticas para atrair, ancorar, aprimorar e regular o investimento direto estrangeiro (IDE), são parte integrante e essencial das políticas industriais. Mais do que um fluxo de capital que pode estimular o crescimento econômico, o IDE é um pacote de ativos que inclui capital de longo prazo, tecnologia, acesso a mercado, habilidade e know-how, os quais são cruciais para o desenvolvimento industrial. Porém, como muitos dos benefícios potenciais dos investimentos estrangeiros não se materializam automaticamente, políticas para maximizar os transbordamentos positivos para o desenvolvimento industrial doméstico são uma característica comum da política industrial.
Ao longo do tempo, como as políticas industriais atravessaram diferentes fases e modelos, o kit de ferramentas utilizados nas políticas de investimento também evoluiu. As antigas políticas industriais, primariamente relacionadas à substituição de importações, fizeram uso extensivo das restrições ao capital estrangeiro e dos requerimentos de desempenho. As políticas industriais orientadas às exportações acarretaram um expressivo aumento no uso de instrumentos de promoção seletiva do investimento e de medidas para potencializar os transbordamentos positivos. Mais recentemente, medidas horizontais de facilitação dos investimentos e foco em investidores estratégicos tornaram-se mais proeminentes.
De acordo com a Unctad, a política de investimento não é, todavia, um pacote discreto no arcabouço geral da política industrial. Ela permeia a maioria das estratégias e medidas que constituem a política industrial. A política de investimento pode focar em fatores-chave do lado da oferta, da promoção do investimento em infraestrutura a políticas de estímulo a interação entre os investidores estrangeiros e as PMEs locais para construir habilidades e difundir tecnologias. Pode igualmente focar todos os níveis, de incentivos a empresas individuais a medidas abrangentes de facilitação do investimento para suporte do sistema industrial.
Medidas de estímulo à demanda doméstica, como políticas de compras governamentais, também estão estreitamente vinculadas às políticas de investimento (especialmente quando tais políticas discriminam os investidores estrangeiros). Finalmente, estratégias de promoção das exportações e aumento da participação ou apoio a modernização na GVC também são parte integrante da política de investimento.
Diferenças na formatação da política industrial resultam em significativa variação na política de investimento e no arcabouço regulatório entre os países. A política de investimento é guiada pelas estratégias de desenvolvimento industrial. Nos países menos desenvolvidos, o arcabouço regulatório tende a se concentrar na proteção dos investidores, de modo a superar deficiências estruturais na atração do IDE. As economias emergentes tendem a ter um sistema regulatório de investimento construído no âmbito dos modelos tradicionais de política industrial, os quais foram sendo gradualmente modificados para incluir tanto focos em setores específicos como um sistema mais orientado de políticas horizontais. Já as economias desenvolvidas, que evitaram por muito tempo políticas seletivas de investimento, também estão adotando regulações mais seletivas e mecanismos de triagem de IDE.
A maioria dos pacotes recentes de política industrial, senão todos eles, têm componentes de política de investimento dirigidos ao sistema industrial (indústria de transformação, serviços complementares e infraestrutura industrial). A grande maioria é transversal e apenas 10% foca em indústrias manufatureiras específicas. Muitos países adotam estratégias explicitas de investimento estrangeiro (China, Índia, Quênia). Em outros, o IDE constitui um importante elemento da estratégia industrial (exemplo, Reino Unido que na sua recente estratégia industrial sublinhou a importância de atrair IDE e de direcionar o IDE existente para atividades de alto valor adicionado).
Em linha com os modelos de política industrial, as medidas mais frequentes estão relacionadas com incentivos ao investimento sob a forma de redução de impostos e tarifas ou apoio financeiro, mediante empréstimos e recursos concessionais nos setores-alvo, requerimentos de desempenho, zonas econômicas especiais (incluindo, cluster, incubadoras e parques tecnológicos), facilitação de investimento, investidor-alvo e procedimentos de triagem e monitoramento. Outros instrumentos, em particular a proteção dos investimentos e as regras de resolução de controvérsias não diretamente servem às políticas industriais, mas podem afetá-las indiretamente.
O estudo destaca que os instrumentos-chave para a política industrial integram uma política de investimento mais ampla, que compreende iniciativas e atividades que são menos facilmente categorizáveis. Sobretudo porque, em geral, não se traduzem em leis ou medidas de políticas, como as atividades das agências de promoção de investimento, os programas de criação de vínculo entre as empresas, os programas de capacitação envolvendo as multinacionais e seus fornecedores ou parcerias de pesquisa entre empresas e instituições públicas. Essas políticas amplas desempenham, contudo, um papel central na transformação estrutural e na modernização industrial.
Todos os três modelos abrangentes de desenvolvimento industrial utilizam similares categorias de instrumentos de política de investimento. Como pode ser observado na tabela abaixo, as principais diferenças entre esses modelos e entre os países em distintos níveis de desenvolvimento residem em ênfases no uso dos instrumentos em um nível mais granular. Os incentivos podem ter como alvo diferentes setores prioritários e assumir diferentes formas. Podem também ser combinados com diferentes requerimentos de desempenho. As zonas especiais podem ter como foco desenvolvimento de atividade industrial geral para geração de emprego ou especificamente se centrar na participação de GVCs ou em setores de alta tecnologia, enquanto os procedimentos de triagem ou limitação à entrada de IDE podem se aplicar a diferentes indústrias ou assumir diferentes graus de intensidade.
As estratégias de criação de base industrial focam em incentivos para atrair investimentos em indústrias de infraestrutura industrial básica e em setores industriais leves, que são frequentemente um primeiro passo para o desenvolvimento industrial. As estratégias de catch-up visam atrair atividades de alto valor agregado em GVCs por meio de incentivos dirigidos a setores e atividades para promoção da modernização tecnológica. Podem incluir promoção de investimento dirigido com foco na construção de clusters e redes regionais de produção. Já as estratégias baseadas na NIR se concentram muito menos no desenvolvimento de infraestrutura e mais no desenvolvimento de tecnologia, inclusive por meio de vários tipos de colaboração público-privada.
Os incentivos fiscais permanecem como o instrumento mais comumente usado para a política industrial. Eles são utilizados em praticamente todos os pacotes de política e em cada um dos estágios de desenvolvimento. Eles são comuns nos países desenvolvidos, onde os pacotes de incentivos têm, no decorrer do tempo, sido projetados para projetos de investimento específicos, em concorrência com os locais vizinhos (inclusive entre países da UE ou entre os estados nos EUA). Seu uso também é bastante difundido entre os países em desenvolvimento: três quartos dos países em desenvolvimento usam incentivos fiscais, como isenções fiscais, alíquotas preferenciais ou impostos.
Medidas específicas de liberalização ou restrição do IDE são relativamente mais comuns nos países em desenvolvimento e nos LDC. As economias maduras são mais abertas ao IDE e aos investimentos no setor industrial. A recente introdução de novas medidas de triagem do IDE no setor industrial nas economias desenvolvidas não está contemplada nas declarações de política industrial nacional. Os requerimentos de desempenho são largamente confinados aos LDC. Esses requerimentos também ocorrem nos países em desenvolvimento vinculado a incentivos.
Dentre as medidas de política de investimento servindo ao propósito de política industrial, adotadas no período 2010-2017, mais de um quarto referem a incentivos, seguido por liberalização ou restrição de IDE e facilitação de investimento. Os mecanismos de triagem de investimento em indústrias estratégicas ou por razão de segurança nacional respondem, respectivamente, por 13% e 4% (Gráfico abaixo).
A pesquisa realizada pela Unctad indica que incentivos ao investimento introduzidos a partir de 2015 por países membros e não membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), beneficiando o setor manufatureiro, cobrem três tipos de esquema: horizontal, setor específico e indústria específica. Dois terços dos esquemas de incentivos se aplicam a setores da indústria de transformação (80 esquemas em 50 países), com destaque para as indústrias automotiva, eletrônica e alimentar. Porém, esquemas horizontais, que se aplicam a todos os setores, tendem a focar em atividades específicas como o P&D e outras contribuições ao desenvolvimento industrial.
Os incentivos fiscais predominam, embora incentivos financeiros sejam usados para setores prioritários. Nos esquemas que beneficiam o setor manufatureiro, os incentivos fiscais representam mais de 70% dos incentivos. Como pode ser visto na Tabela abaixo, a redução ou isenção do imposto de renda corporativo representa 26%, seguido por redução ou isenção de taxas aduaneiras (20%).
Requerimentos de desempenho, em geral vinculados aos incentivos, são também amplamente utilizados para maximizar a contribuição das multinacionais ao desenvolvimento industrial, mas muito da sua funcionalidade pode ser alcançada por meio de mecanismos de incentivo baseados em custo, melhor desenhados. O levantamento realizado pela Unctad confirma que cerca de 80% dos esquemas de incentivos fazem uso de requerimentos de desempenho.
Na indústria de transformação, o requerimento mais frequente é o mínimo de capital investido, seguido por contribuições ao P&D e inovação tecnológica e criação de emprego. Entre os países em desenvolvimento, os requerimentos de P&D estão se tornando cada vez menos frequente, dado o reconhecimento de que as empresas dificilmente estabelecem atividades de P&D na ausência de competências técnicas e capacidade local para absorver, adaptar e desenvolver tecnologias e know-how. Similarmente, exigências de transferência de tecnologia estão se tornando menos comum. Nesse caso, a principal razão é a extrema dificuldade de fazer cumprir e monitorar tais requerimentos. Requerimentos de conteúdo local e de exportações são menos comuns, porque, na maioria dos países, conflita com regras da OMC, em particular com o acordo TRIM. Porém, em 30% dos países são encontradas esses tipo de exigências. Exigências de joint ventures são atualmente raras no setor manufatureiro e nos setores de serviços adjacentes.
As zonas econômicas especiais (SEZs, na sigla em inglês) são também importante instrumento de desenvolvimento industrial em inúmeros países. As SEZs assumem várias formas dependendo da estrutura industrial, do ambiente institucional e dos objetivos gerais de política, e continuam a se diversificar. Segundo a Unctad, existem atualmente 4.500 SEZs em todo o mundo, inclusive em países desenvolvidos, como Estados Unidos, Irlanda e Nova Zelândia. Inúmeras medidas recente de política de investimento fazem referência às zonas especiais, incluindo a criação de novas zonas ou modificando os esquemas de incentivos a elas vinculados.
As modernas políticas industriais têm, segundo a Unctad, reforçado as iniciativas de facilitação dos investimentos que até recentemente desempenhavam um papel secundário no arcabouço das políticas de investimento. Muitos países em desenvolvimento têm utilizado a facilitação de investimento como uma das medidas horizontais chave de suas estratégias de desenvolvimento, dado que os obstáculos administrativos são frequentemente apontados pelos investidores como um importante impedimento para os negócios. De acordo com Unctad, entre 2010 e 2017, ao menos 261 políticas de promoção e facilitação de novos investimentos foram introduzidas à escala mundial.
No que se refere à entrada e instalação do capital estrangeiro, a Unctad destaca que os setores da indústria de transformação raramente são afetados pela restrição absoluta à propriedade estrangeira. Essas restrições permanecem comuns, todavia, em áreas do setor de infraestrutura relevantes para o desenvolvimento industrial, como utilidades públicas, transporte. Porém, medidas adotadas ao longo da última década removeram ou relaxaram restrições formais à propriedade estrangeira.
Cerca de 80% das políticas de IDE adotadas desde 2010 aboliram ou relaxaram os limites de propriedade estrangeira. Todavia, regras de entrada e procedimentos têm se tornaram um pouco mais duras com a adoção de mecanismo de triagem, inclusive em países desenvolvidos que adotam o modelo de política industrial baseado na NRI, os quais na prática podem bloquear tais investimentos. Embora esse instrumento tenha emergido incialmente por considerações de segurança nacional, seu uso foi sendo estendido para a defesa de interesses nacionais amplos, incluindo proteção de indústrias estratégicas, infraestrutura crítica e tecnologias-chave.
Investimentos realizados por empresas estatais estrangeiras em indústrias estratégicas são particularmente sensíveis. Nos EUA, o Ato de Investimento Estrangeiro e Segurança Nacional exige uma investigação obrigatória em caso de investimento controlado por governo estrangeiro. Também na Rússia, empresas estatais estrangeiras são proibidas de adquirir participação majoritária em empresas domésticas com importância estratégica para a defesa nacional e segurança do Estado.
De acordo com a Unctad, o exame de procedimentos adotados em uma amostra de 17 países que possuem mecanismos formais de triagem revela que cinco explicitamente aplicam triagem para setores manufatureiros específicos, casos de Índia, Japão, Lituânia, Rússia e Reino Unido. Dois outros países utilizam esses mecanismos de seleção e triagem de IDE em tecnologias-chave de alto valor econômico, casos da China e Coreia do Sul.
A tendência de utilização de mecanismo de triagem está se fortalecendo, sobretudo nos países desenvolvidos. A principal razão é manter o controle sobre a aquisição planejada de empresas estratégicas, infraestrutura crítica e tecnologias-chave por investidores estrangeiros, especialmente quando tais tecnologias são consideradas cruciais para a competividade em longo prazo da economia doméstica.
Endurecimentos adicionais nos arcabouços regulatórios estão em discussão em diversos países, em particular nas economias que adotam modelos de política baseada na NRI. Na União Europeia, por exemplo, foi proposta a adoção formal de um arcabouço regulatório de triagem, como reação ao crescente envolvimento de empresas estatais estrangeiras na região e suas buscas por tecnologias de ponta, bem como respostas as barreiras ao IDE existentes em seus mercados domésticos. Na França, o governo está efetuando uma revisão aprofundada dos mecanismos de controle de aquisição estrangeira em setores estratégicos, com inclusão de tecnologia de comunicação e informação, inteligência artificial, nanotecnologia, robótica, espaço, armazenamento de dados e infraestrutura financeira.
Os Impactos da NRI na Política de Investimento Industrial
Na avaliação dos pesquisadores da Unctad, a nova revolução industrial, baseada em tecnologias digitais e em cadeias de suprimento de manufatura avançada, coloca novos desafios para o desenho da política de investimento como parte das estratégias de desenvolvimento industrial. A NRI está mudando o processo de planejamento dos investimentos das empresas multinacionais, com importantes implicações para os padrões de investimentos transfronteiriços.
A NRI afeta decisões-chaves das multinacionais:
• Investir. Mais empresas estão escolhendo servir os mercados externos mediante modos de operação sem aporte de capital e comércio de serviço ao invés de capacidade industrial doméstica. Investimentos reversos e relocalização estão aumentando. Igualmente, novas tecnologias como comunicação M2M e impressão 3D conferem às empresas flexibilidade significativa para modificar a localização de suas operações mais frequentemente do que no passado.
• Em qual configuração. Novas tecnologias são projetadas para provocar mudanças fundamentais nas redes internacionais de produção, por exemplo, de centros regionais de produção de massa a produção distribuída.
• Aonde investir. Decisões locacionais das empresas multinacionais se baseiam crescentemente em diferentes critérios, no que se refere aos fatores de produção (do custo da mão de obra às habilidades e de infraestrutura física à infraestrutura digital) e ao ambiente de política (da proteção de ativos físicos a ativos intangíveis).
A NIR também acarreta mudanças no comportamento dos investidores estrangeiros nos países anfitriões. As transformações tecnológicas em curso afetam a rapidez com que as empresas multinacionais se engajam em joint ventures, para compartilhar tecnologias e dados, para treinar funcionários locais, bem como a relativa flexibilidade das operações.
Segundo a Unctad, tais mudanças têm profunda implicação para o desenho da política de investimento no contexto das estratégias de desenvolvimento industrial em economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Como os determinantes do investimento evoluem, as vantagens competitivas dos países na atração do IDE mudam. Como a NRI está erodindo a importância das vantagens locacionais, a concorrência entre as SEZ deve aumentar ainda mais.
Os pacotes de política de promoção, facilitação do investimento e foco em investidor estratégico precisam levar em consideração essas mudanças. As regulações e as restrições ao investimento precisam seguir o ritmo das mudanças no comportamento do investidor e com o panorama em constante mudança dos investidores da alta tecnologia, da manufatura avançada e digitais.
Formuladores de políticas em economias maduras estão olhando de perto regulações e restrições ao investimento que não integraram, por décadas, os prévios modelos de desenvolvimento industrial. Os formuladores de políticas das economias emergentes estão crescentemente considerando políticas de investimento direto no exterior como parte integrante de suas estratégias de desenvolvimento industrial. Nas economias em desenvolvimento, os formuladores de política examinam as consequências da menor importância do baixo custo do trabalho e o aumento do peso das bases de suprimento local sofisticadas como elemento de atração do investimento estrangeiro.
O impacto da NRI no IDE é também relevante não somente para os países que apoiam explicitamente a indústria manufatureira. Robôs inteligentes podem afetar, por exemplo, o IDE nos setores de serviços, tais como os call-centres ou atividade de back-office, os quais se tornaram pilares significativos de crescimento em inúmeros países em desenvolvimento.
A NRI também traz oportunidades para o desenvolvimento industrial dos países em desenvolvimento. Ainda que o impacto atual da NRI na maioria dos países em desenvolvimento seja comparativamente baixo, alguns desses países podem se tornar pioneiros e saltar para níveis competitivos mundiais com produtos e serviços de alta tecnologia desenvolvidos ou adaptados localmente. Produção distribuída para mercados locais ou regionais podem criar novas oportunidades para atrair investimentos em mercados de produtos, os quais eram previamente importadores. Cadeias de suprimento reconfiguradas para a manufatura avançada pode resultar em novas oportunidades de conexão às GVCs.
Recomendação para o Design das Modernas Políticas Industriais e de Investimento
De acordo com a Unctad, as modernas políticas industriais, independente da variedade do modelo, tendem a seguir um conjunto de princípios ou critérios na busca dos objetivos de desenvolvimento dos países: abertura relativa, sustentabilidade, prontidão para a NRI, inclusão, coerência, flexibilidade e efetividade. As escolhas das políticas de investimento industrial precisam ser igualmente guiadas por esses critérios.
As políticas industriais são atualmente muito mais voltadas à competitividade internacional. Portanto, são desenhadas para maximizar os benefícios de atrair know-how e tecnologia para melhorar a capacidade produtiva doméstica, promovendo setores que podem ajudar a elevar a participação em GVCs para a economia como um todo.
O desenvolvimento sustentável é hoje um imperativo para todos os pacotes de política industrial. Mais e mais políticas industriais abrangentes, enfatizam o impacto ambiental e a inclusão social, incentivam o uso de energia renovável ou promovem indústrias específicas que respondem ao desafio da mudança climática. Muitos países desenharam estratégias nacionais dedicadas aos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS).
Os modelos de política industrial voltado à construção da base industrial e ao catch-up não podem mais ignorar as consequências da nova revolução industrial em curso. Isso é particularmente importante na esfera da política de investimento, onde os padrões da produção internacional e os investimentos transfronteiriços já estão formatados pelo impacto das tecnologias avançadas nas cadeias mundiais de suprimento e nas decisões de localização.
Um objetivo central da política industrial é, em geral, a criação de empregos. A razão da busca da transformação estrutural por meio da indústria é que essa gera amplas oportunidades de emprego. As modernas políticas industriais perseguem um delicado equilíbrio entre os objetivos de elevação da produtividade e a criação de empregos. A NIR pode, em particular, acarretar a substituição de empregos por tecnologias. Também amplia o risco de exacerbar o impacto comércio exterior no deslocamento de empregos e investimento. Modernas políticas industriais contêm medidas de mitigação e frequentemente especificam iniciativas direcionadas a regiões e populações vulneráveis. Adicionalmente, algumas incluem provisões para encorajar um melhor equilíbrio de gênero.
Por natureza, a política industrial abrange intervenções entre os fatores de produção, desde infraestrutura e finanças a competências e tecnologias, que afetam empresas, setores e sistema industrial, e compreendem ainda questões de comércio e de investimento, nacional e internacional. As medidas em cada uma dessas áreas são interdependentes. Um número cada vez maior de países constata que abordagens descentralizadas orientadas a medidas e iniciativas, adotadas por níveis inferiores de governo, agências e associações industriais, ocasionam uma miríade de problemas de coordenação. Por essa razão, de forma crescente, veem sendo adotadas políticas industriais nacionais abrangentes para melhorar a coerência e a consistência na execução.
Muitos países, inclusive aqueles que até recentemente rejeitavam a ideia de política industrial, estão adotando planos nacionais de desenvolvimento industrial para fortalecer a coordenação. Na maioria dos casos, esses planos não substituem capacidade de implementação descentralizada por sistemas rígidos. Muitas dessas novas políticas industriais definem uma direção estratégica, deixando espaço para iniciativas em múltiplos níveis. Os pacotes de políticas industriais podem incluir dezenas de pacotes de escopo mais restrito focados em setores específicos, fatores de produção ou camadas do sistema industrial. A flexibilidade que essa governança de baixo para cima pode oferecer é ainda mais importante no contexto da NIR, devido às direções incertas da mudança tecnológica.
Na avalição da Unctad, as práticas da política de investimento nos principais domínios de incentivo ligados à política industrial precisam evoluir à luz do desenvolvimento da política industrial moderna e da NRI. A efetiva interação entre política industrial e política de investimento implica escolher os instrumentos “corretos” de política de investimento para propósitos específicos de política industrial e criar sinergias entre eles. Também significa monitorar o sucesso da política de investimento em busca da política industrial e a prontidão para corrigir interações ineficazes de políticas.
Os incentivos ao investimento devem permanecer como um importante instrumento de política nessa nova era de políticas industriais. A Unctad considera que as políticas precisam ser mais bem enquadradas por meio da utilização de mecanismos de incentivos mais inteligentes, como os incentivos fiscais baseados em custo. Igualmente, além do monitoramento da efetividade dos incentivos, é importante que as medidas sejam aplicadas com um horizonte temporal limitado e com mecanismo de eliminação progressiva.
A NRI também está aumentando a competição entre os países por investimentos de alto valor agregado e de alta tecnologia. Porém, para a Unctad, a proliferação de incentivos fiscais deve ser evitada para minimizar o risco de concorrência fiscal prejudicial entre os países. Os países também precisam evitar o risco de violar as disposições dos Acordos da OMC.
No que se refere aos mecanismos de triagem ou revisão de IDE, o estudo defende que é necessário encontrar um equilíbrio regulatório entre os interesses legítimos do país anfitrião em monitorar a entrada da IDE, por um lado, e um grau de previsibilidade e transparência para os investidores, por outro. Seria desejável que as revisões em função da segurança nacional fossem limitadas a defesa e segurança, deixando o investimento nos demais setores sujeito a procedimentos separados de triagem relacionados à política industrial, com critérios claros e transparentes publicamente disponíveis.
Na avaliação da Unctad, o sucesso de estratégia de desenvolvimento sustentável requer, além da interação efetiva das políticas industriais com as políticas de investimento, que os governos adotem uma abordagem holística e integral para criar sinergias e reforçar mutuamente os diferentes conjuntos de políticas (macroeconômica, industrial, de comércio e investimento, sociais e ambientais). Tal abordagem evitaria efeitos de inconsistência e de compensação.