Carta IEDI
Ameaça chinesa e posição brasileira na exportação de produtos dinâmicos
Desde 2009, a China assumiu a posição de principal mercado de destino de exportações brasileiras, além de dividir com os EUA o posto de principal mercado de origem das nossas importações. Contudo, o impacto do crescimento econômico e da competitividade da indústria chinesa sobre a balança comercial brasileira também se dá por canais indiretos.
Um desses canais é o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, que afetou negativamente a indústria brasileira tanto pela invasão de importados chineses em nosso mercado interno, como pelo crescimento das exportações chinesas para as três principais regiões de destino dos embarques brasileiros de bens manufaturados – Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta (Estados Unidos, Canadá e México)
Esta Carta IEDI retoma o tema da concorrência chinesa sobre as exportações brasileiras em seus três principais mercados externos de bens manufaturados, já tratado em Cartas anteriores (n. 590 e n. 769). Agora, foram incluídas as informações para o ano de 2017 (último dado da base COMTRADE), contrastadas com aquelas de 2012 e de 2015.
O resultado geral é positivo, com ampliação do Brasil em mercados de produtos mais dinâmicos e menor ameaça chinesa. Isso certamente está associado ao encolhimento de nosso mercado interno, à permanência da taxa de câmbio em um patamar mais favorável à exportação, bem como à vigência parcial do Reintegra, que consiste em um instrumento de devolução ao exportador de impostos pagos e não ressarcidos no momento da exportação. O maior dinamismo da economia e do comércio mundial também foram fatores essenciais.
O estudo classificou em quatro grupos os produtos exportados por China e Brasil para as regiões em questão segundo seu dinamismo: (i) Oportunidade Aproveitada – produtos com demanda dinâmica no país importador e que também representam uma parcela cada vez maior das exportações de Brasil ou China; (ii) Oportunidade Perdida – produtos com demanda dinâmica no país importador, mas que perdem participação nas exportações de Brasil ou China; (iii) Produto em Declínio – com demanda cadente, mas que apresentam elevação de sua participação nas exportações de Brasil ou China; (iv) Produto em Retrocesso – diz respeito a produtos cuja demanda nos países importadores é cadente, assim como sua participação nas exportações de Brasil ou China.
Em segundo lugar, foi calculada a ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras em três categorias: (i) Ameaça Direta – quando, para um certo produto, há aumento de market-share da China para um determinado país, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share no mesmo país; (ii) Ameaça Indireta – quando o aumento do market-share da China for maior do que o aumento do market-share do Brasil em um mesmo produto para o mesmo país. (iii) Sem Ameaça – produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas.
Alguns dos resultados obtidos são sintetizados a seguir:
• O dinamismo das exportações brasileiras (+13,7%) para Mercosul, Aladi e Nafta foi maior que as da China (+4,5%) entre 2015 e 2017, invertendo o quadro anterior entre 2012 e 2015 (-17% e +14% respectivamente).
• Os produtos mais dinâmicos classificados como Oportunidade Aproveitada avançaram de 25% em 2012 para 40% das exportações brasileiras em 2017 (53% no caso da China). A grande maioria destes produtos, pertencentes a setores como automobilístico, metalurgia básica, outros equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos etc., não enfrenta ameaça das exportações chinesas (ex: veículos de passageiros, hélices, semiacabados de ferro etc.). Outros estão sob Ameaça Indireta, como motocicletas, portas, aplicativos de transmissão de rádio.
• Os produtos classificados como Oportunidades Perdidas, que em sua quase totalidade sofrem Ameaça Direta de exportações chinesas, tiveram sua participação nos embarques brasileiros reduzida de 25% em 2012 para 21% em 2015 e 15% em 2017. Compreendem sobretudo produtos dos setores automobilístico, máquinas e equipamentos, químicos e borracha e plástico, tais como peças e acessórios de veículos de passageiros, partes para motores, compressores, equipamentos de refrigeração, ferro gusa, extratos e essências de café etc.
• Já os produdos classificados como em Declínio caíram de 33% da pauta exportadora brasileira para Mercosul, Aladi e Nafta, em 2012, para 18% em 2015 e para 15% em 2017. Neste grupo são frequentes produtos sob Ameaça Indireta da China, tais como pneus novos de borracha, conjunto de fiação e ignição e calçados com sola de borracha, por exemplo, mas também produtos Sem Ameaça, como óxido de alumínio, tratores rodoviários para semirreboques e petróleo.
• Produtos em Retrocesso, em contrapartida, vem aumentando sua participação na pauta exportadora do Brasil para as regiões em análise: 17% em 2012, 26% em 2015 e 29% em 2017. Aqui, concentram-se produtos dos setores de petróleo, outros equipamentos de transporte e produtos químicos, principalmente sob Ameaça Direta da China (petróleo betuminoso, aviões e polpa de madeira química) e Sem Ameaça (fertilizantes e papel cartão).
O redirecionamento da composição das exportações brasileiras em direção a uma maior participação de produtos Oportunidade Aproveitada, sob menor ameaça chinesa, e uma redução da participação de produtos Oportunidade Perdida, é um aspecto bastante favorável do período 2015-2017, em que houve ampliação das vendas externas para os países do Mercosul, Aladi e Nafta, pois mostra que nos posicionamos melhor nos mercados dinâmicos.
Em contrapartida, é preocupante o aumento do número de produtos classificados na categoria Produto em Retrocesso. Uma especialização nesse tipo de produto, que tem menor demanda relativa, pode comprometer futuramente o dinamismo das exportações brasileiras para as regiões analisadas.
Regionalmente, no Mercosul, além de a Ameaça Direta da China não ter sido observada em 2017, a Ameaça Indireta recuou frente a 2015 e a 2012. Em contrapartida, 69% das exportações que sofreram Ameaça Direta tiveram como destino o Nafta. No caso da Aladi, a Ameaça Indireta recuou, mas a Ameaça Direta aumentou no período analisado. Isso reafirma a importância do Mercosul para o comércio exterior do Brasil.
Os resultados contribuem para o desenho de uma política de comércio exterior voltada a: (i) consolidar a posição do Brasil nos produtos classificados como Oportunidades Aproveitadas; (ii) identificar os produtos atualmente no grupo de Oportunidades Perdidas com menor grau de ameaça das exportações chinesas e adotar ação para aumentar sua participação; (iii) não priorizar produtos classificados nas categorias Produtos em Declínio e em Retrocesso, sobretudo, aqueles sob ameaça chinesa.
Introdução
Desde 2009, a China assumiu a posição de principal mercado de destino de exportações brasileiras, além de dividir com os EUA o posto de principal mercado de origem das nossas importações. Contudo, o impacto do crescimento econômico e da competitividade da indústria chinesa sobre a balança comercial brasileira também se dá por canais indiretos.
Um desses canais é o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, que afetou negativamente a indústria brasileira tanto pela invasão de importados chineses em nosso mercado interno como pelo crescimento das exportações chinesas para as três principais regiões de destino das vendas externas brasileiras de bens manufaturados: Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta (Estados Unidos, Canadá e México).
Como analisado na Carta IEDI n. 590 (20/09/2013), essa segunda forma do “efeito concorrência” das exportações chinesas reforçou-se após a crise financeira e econômica global de 2008/2009, devido à estratégia da China de aumentar sua presença nos países emergentes para compensar a perda de dinamismo das economias centrais. No âmbito dessa estratégia, as exportações chinesas para as três regiões em questão (Mercoul, Aladi e Nafta) superaram as brasileiras em 2012.
A Carta IEDI n. 769 (20/01/2017), por sua vez, ampliou o período considerado de 2008-2012 para 2008-2015. A atualização da análise revelou que o efeito concorrência foi atenuado no triênio 2012-2015 em função de uma conjunção de fatores, dentre os quais: o cenário externo (deflação das cotações das commodities e desaceleração do comércio mundial); a mudança no perfil de crescimento da China, com aumento da importância do mercado interno frente ao externo; e o desempenho da economia brasileira (baixo crescimento do mercado doméstico seguido por recessão e desvalorização cambial).
A presente Carta retoma o tema da pressão concorrencial das exportações chinesas sobre exportações brasileiras em seus três principais mercados de manufaturados (Mercosul, Aladi e Nafta), atualizando as informações para o ano de 2017 (último dado disponível na base de dados da COMTRADE). Inicialmente, apresenta-se um panorama geral dessas exportações e nas duas seções seguintes analisam-se os dados relativos ao dinamismo das exportações dos dois países para as regiões selecionadas e ao grau de ameaça das exportações chinesas às brasileiras entre 2012 e 2017.
Como nas Cartas precedentes, adotamos a seguinte metodologia:
Em primeiro lugar, os produtos exportados por China e Brasil para as três regiões mencionadas foram agrupadas em quatro categorias segundo seu dinamismo:
• Oportunidade Aproveitada – reúne produtos com demanda dinâmica, isto é, que vêm ganhando participação nos mercados de destino, e que, ao mesmo tempo, também representam uma parcela cada vez maior das exportações do Brasil ou da China;
• Oportunidade Perdida – também reúne produtos com demanda dinâmica nos países das regiões em análise, mas que, neste caso, perdem participação nas exportações do Brasil ou da China;
• Produto em Declínio – refere-se a produtos com demanda cadente, de modo que, vêm perdendo participação nos mercados importadores, mas que, em contrapartida, apresentam elevação de sua participação no total das exportações de Brasil ou China;
• Produto em Retrocesso – diz respeito a produtos cuja demanda nos países importadores está cadente, assim como sua participação sua participação nas exportações de Brasil ou China.
Em segundo lugar, foi calculada a ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras nessas três categorias:
• Ameaça Direta – quando, para um certo produto, há aumento de market-share da China para um determinado país, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share no mesmo país;
• Ameaça Indireta – quando o aumento do market-share da China em determinado produto for maior do que o aumento do market-share do Brasil nesse mesmo produto para o mesmo país.
• Sem Ameaça – compreendem os produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas foram classificados como.
Finalmente, o estudo também detalhou essas duas variáveis (categoria de produtos em termos de dinamismo e grau de ameaça) em termos setoriais.
Os resultados contribuem, por um lado, para a compreensão da melhora do desempenho da balança comercial da indústria de transformação entre 2015-2017. Por outro lado, eles também se revelam úteis para a identificação dos produtos e regiões que devem ser priorizados no desenho de uma política de comércio exterior.
Panorama geral do desempenho das exportações chinesas e brasileiras
O saldo total do comércio exterior brasileiro atingiu US$ 67 bilhões em 2017, cifra 240% (3,4 vezes) superior àquela registrada em 2015. Essa melhora expressiva decorreu tanto do aumento das exportações (+14%) como da queda das importações (-12%). O desempenho chinês seguiu trajetória oposta: o superávit comercial recuou 29,4% como reflexo da redução de 0,4% das exportações e avanço de 9,8% das importações.
A decomposição das exportações brasileiras e chinesas por região de destino mostra que a participação das três regiões aqui consideradas (Mercosul, Nafta e Aladi) manteve-se estável no caso do Brasil (em torno de 32% em 2015 e 2017) e apresentou um ligeiro aumento no caso da China (de quase 23% em 2015 para 24% em 2017).
As exportações brasileiras para o agregado das três regiões selecionadas avançaram 14% entre 2015 e 2017, revertendo parte do que foi perdido entre 2012 e 2015 (-17%). Já as exportações chinesas cresceram apenas 4,5% no total das três regiões no período mais recente, isto é, bem menos do que o aumento anterior de 14%. Nos dois países, as vendas externas para o Mercosul (exceto Brasil no caso chinês) e o Nafta aumentaram e para a Aladi recuaram. Contudo, somente a participação do Mercosul no total das vendas externas brasileiras registrou crescimento (de 9,4% em 2015 para 10,4% em 2017) graças à maior taxa de crescimento das nossas exportações para essa região (+26%). Em contrapartida, o Nafta foi a única das três regiões que aumentou sua participação nas exportações chinesas (de 20,8% para 22% entre 2015 e 2017)
As taxas médias de variação das exportações para o agregado das três regiões também evidenciam que, embora a sua participação no total das exportações brasileiras tenha se mantido praticamente constante, elas registraram crescimento entre 2015 e 2017 (+13,9%) em função do desempenho das vendas externas para o Mercosul e o Nafta. Já no caso da China, o pequeno aumento da participação decorreu da redução bem menos intensa das exportações para o conjunto dessas regiões (-0,4%) entre 2015-2017 relativamente à queda registrada para o total das vendas externas chinesas. Assim, houve uma significativa mudança em relação ao desempenho do período anterior, quando as exportações chinesas para os destinos selecionados avançaram 21% contra uma queda de 11% das brasileiras.
O desempenho geral das exportações brasileiras e chinesas resumido acima resultou da interação de fatores externos e internos, cuja importância relativa é de difícil dimensionamento. Esses mesmos fatores, detalhados a seguir, condicionaram os resultados em termos de dinamismo e grau de ameaça analisados nas próximas seções.
A economia mundial acelerou sua taxa de expansão a partir de meados de 2016, atingindo +3,8% em 2017 (contra +3,2% em 2015), o que resultou num maior dinamismo do comércio internacional e contribuiu para a recuperação das cotações das commodities. Esse contexto favoreceu os países exportadores de commodities das três regiões consideradas e, assim, sua demanda externa pelos produtos exportados pelo Brasil e pela China.
Além da demanda e dos preços externos, as exportações também são condicionadas por fatores internos, quais sejam, a taxa de câmbio real efetiva e, no caso de economias com dimensão continental como a brasileira e a chinesa, o comportamento da demanda interna. No caso da China, considerando o período 2015-2017, tanto o câmbio como o crescimento se mantiveram praticamente estáveis. A queda das suas exportações num contexto de maior ritmo de expansão da economia global decorreu, ao que tudo indica, da continuidade da estratégia de aumentar do peso do mercado doméstico como eixo do seu dinamismo econômico.
No caso do Brasil, os dois fatores internos favoreceram o desempenho exportador. Considerando que os contratos de exportações de bens manufaturados são realizados geralmente com antecedência de 6 meses a 1 ano, o desempenho exportador em 2017 refletiu, parcialmente, a situação da demanda interna em 2016, quando a economia brasileira ainda estava em grave recessão. No caso dos contratos de menor período de duração, a recuperação em 2017 foi muito pequena e, assim, insuficiente para estimular o redirecionamento da produção para o mercado interno. Quanto à taxa de câmbio, apenas uma parte da forte depreciação entre 2012 e 2015 (de 38,3%) foi revertida entre 2015 e 2017, quando houve uma apreciação de 17,3%. Em 2017, a moeda brasileira ainda estava num patamar 14,4% mais depreciado em termos reais efetivos do que em 2012.
Dinamismo da Pauta Exportadora do Brasil e da China
No caso do Brasil, o principal destaque positivo em termos de dinamismo foi o aumento significativo (+15 p.p.) da participação relativa dos produtos classificados como Oportunidade Aproveitada de 25% no total das regiões em 2012 para 35% em 2015 e 40% em 2017. Outros resultados favoráveis foram: o declínio da participação dos produtos classificados como Oportunidade Perdida, que representavam 25% da pauta em 2012, 21% em 2015 e 15% em 2017; a redução de participação de produtos classificados como Produto em Declínio, que representavam 33% da pauta exportadora brasileira em 2012, 18% em 2015 e 15% em 2017. Notar que nos três casos a melhora se iniciou no primeiro triênio e teve continuidade no triênio subsequente.
Em contrapartida, é preocupante o aumento do número de produtos classificados na categoria Produto em Retrocesso, que passaram de 17% da pauta em 2012 para 26% em 2017 e finalmente para 29% em 2017. O crescimento da importância desse tipo de produto significou, por um lado, que aumentou a participação na pauta brasileira para as regiões selecionadas de produtos cuja demanda pela região diminuiu e, por outro lado, que cada produto individualmente teve uma redução de participação nessa pauta. Apesar de cada produto individualmente ter perdido participação na pauta, uma especialização nesse tipo de produto, que tem menor demanda relativa, pode comprometer futuramente o dinamismo das exportações brasileiras para as regiões analisadas.
Já no caso da China, a participação nas exportações de produtos com Oportunidade Aproveitada, que já era elevada em 2012 (45%, 20 p.p superior à registrada no caso do Brasil) atingiu 56% em 2015, mas recuou para 53% em 2017, registrando um avanço total de 8 p.p entre 2012 e 2017. O resultado negativo refere-se ao aumento da participação dos Produtos em Declínio, que tinha recuado expressivamente de 2012 a 2015, mas atingiu 47% em 2017, percentual superior ao registrado no início do período analisado (30%). Também chama atenção o desaparecimento das exportações de produtos nas categorias Oportunidades Perdidas e Produtos em Retrocesso em 2017.
Assim, a comparação entre as exportações brasileiras e chinesas entre 2012 e 2017 para os países selecionados revela que a China está se consolidando nas exportações de produtos mais demandados nas três regiões, que responderam por mais de 50% do total das vendas externas desse país em 2017. O Brasil também ganhou espaço nas exportações desses produtos, que passaram a responder por 40% do total das suas exportações em 2017. Vale destacar que, apesar dessa diferença de 10 p.p. da participação desses produtos com Oportunidade Aproveitada a favor da China, o avanço nessa categoria foi bem mais expressivo no caso do Brasil (15 p.p contra 8 p.p entre 2012 e 2017) e persistiu entre 2015 e 2017. Já nos produtos com demanda declinante, a Brasil ocupou espaço naqueles classificados como Produto em Retrocesso. Embora essa última categoria seja a mais desfavorável em termos de dinamismo, sua participação no total das exportações brasileiras atingiu 29% contra o percentual de 47% das exportações chinesas na categoria Produto em Declínio.
A Ameaça das Exportações Chinesas às Exportações Brasileiras
Vários trabalhos debruçaram-se sobre o crescimento das exportações chinesas para a América Latina. Um dos trabalhos seminais sobre o tema foi o de Moreira (2004), que identificou um aumento da competição entre Brasil e China na região no período pré-crise. Hiratuka e Sarti (2009) confirmam esse resultado para o período 2000 e 2006 a partir da análise da ameaça chinesa às exportações brasileiras para todas as regiões aqui analisadas.
Seguindo a classificação de Hiratuka e Sarti (2009), o grau de ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras foi calculado nas quatro categorias classificadas anteriormente. Define-se como Ameaça Direta quando, para um produto, há aumento de market-share da China para um país determinado, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share no mesmo país. Define-se como Ameaça Indireta quando o aumento do market-share da China em determinado produto for maior do que o aumento do market-share do Brasil nesse mesmo produto para o mesmo país. Os produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas são classificados como Sem Ameaça.
As exportações da China para os países selecionados em 2017 representaram uma Ameaça Direta para praticamente a totalidade das exportações brasileiras dos produtos classificados como Oportunidades Perdidas (em que o Brasil perdeu oportunidades de mercado). Esses produtos provavelmente se encontram no grupo de produtos com Oportunidades Aproveitadas pela China, no qual há aumento da demanda da região e das exportações chinesas. O mesmo grau de ameaça direto (próximo a 100%) foi registrado na categoria Produtos em Retrocesso.
Essa ameaça direta é bastante preocupante para as exportações brasileiras para as regiões consideradas, principalmente no caso dos produtos com Oportunidades Perdidas que respondiam por 15% do total em 2017. Também chama atenção nas duas categorias que a redução dessa ameaça entre 2012 e 2015 não somente foi revertida, mas atingiu um percentual superior em 2017 relativamente ao registrado em 2012.
No caso dos produtos com Oportunidades Aproveitadas nos quais as exportações brasileiras aumentaram, destaca-se como resultado positivo a predominância de produtos que não enfrentam a ameaça das exportações chinesa, cuja participação inclusive aumentou em 2017 relativamente à 2012 (88% contra 63,6%), embora tenha recuado frente à 2015. Ou seja, o Brasil está conseguindo consolidar algumas exportações importantes cuja demanda está crescendo nas três regiões e nas quais os produtos chineses não oferecem ameaça direta. Contudo, a ameaça indireta aumentou entre 2015 e 2017, embora tenha recuado frente à 2012.
No caso da categoria Produtos em Declínio (com demanda declinante nas três regiões) - na qual o Brasil tem perdido participação, ao mesmo tempo em que a China tem aumentado suas exportações para a região -, também predominaram produtos sem ameaça, mas a ameaça indireta aumentou significativamente, chegando a representar 29% em 2017 contra 8% em 2012.
Em termos de região de destino das exportações, os resultados foram distintos nas duas regiões (Mercosul e Nafta) que registraram aumento das exportações brasileiras entre 2015 e 2017. No caso do Mercosul, além da ameaça direta não ter sido observada em 2017, a ameaça indireta recuou nesse ano frente a 2015 e 2012. Em contrapartida, 69% das exportações que sofreram ameaça direta tiveram como destino o Nafta e também aumentou a participação dessa região na ameaça indireta. No caso da Aladi, os produtos com ameaça indireta predominaram em 2012, mas sua participação recuou em 2017. Contudo, aumentou a participação dessa região nos produtos de ameaça direta no mesmo período.
No caso das exportações dos produtos Sem Ameaça, vale destacar a melhora no desempenho das exportações brasileiras para o Mercosul (para o qual as exportações brasileiras apresentaram maior taxa de crescimento entre 2015 e 2017 entre as regiões consideradas), que atingiu 38,4% do total em 2017 contra 26,6% em 2012. Já para o segundo mercado de maior aumento das nossas vendas externas, o Nafta, houve uma pequena redução no mesmo período (52,7% para 49%).
Análise Setorial
Oportunidades Aproveitadas
As principais exportações brasileiras de produtos com Oportunidades Aproveitadas pertencem aos setores de veículos automotores, metalurgia básica, outros equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos, produtos químicos e alimentos e bebidas. No caso de veículos automotores, embora sua participação tenha recuado entre 2012 e 2015, houve aumento significativo das exportações para os mercados selecionados entre 2012 e 2017. O segundo destaque foi metalurgia básica, que tinha uma participação pequena em 2012 e passou a ser o segundo setor mais importante nesta categoria em 2017.
Nos produtos com Oportunidades Aproveitadas, os principais produtos exportados pelo Brasil sofreram pouca ameaça das exportações chinesas em 2017. Veículos automotores, que aumentou sua participação nas exportações brasileiras nessa categoria, praticamente não sofreu ameaça das exportações chinesas, enquanto sofria ameaça indireta de 55% em 2012. A metalurgia básica, que se tornou o segundo setor de maior importância em 2017, enfrentou pouca ameaça indireta das exportações chinesas (8,2%). Os demais setores com maior ameaça em 2017, mas também indireta e inferior a 20%, foram máquinas e equipamentos e alimentos e bebidas.
Analisando os produtos mais importantes nesta categoria para o ano de 2017, notamos que veículos de passageiros, hélices e produtos semi-acabados de ferro não sofreram a ameaça das exportações chinesas, e produtos como portas, motocicletas e aplicativos de transmissão de rádio sofreram ameaça indireta.
Assim, o Brasil ganhou espaço e conseguiu ser competitivo em relação à China no grupo de produtos com Oportunidades Aproveitadas em setores tradicionais brasileiros, como o setor de veículos automotores, metalurgia básica e outros equipamentos de transporte.
Oportunidades Perdidas
Os setores que tiveram maior participação no caso dos produtos com Oportunidades Perdidas nas regiões consideradas nos três anos analisados foram veículos automotores, máquinas e equipamentos, produtos químicos e borracha e plástico; em 2017 também aparecem produtos do setor alimentos e bebidas. Embora alguns setores tenham aumento de participação nas exportações com Oportunidades Perdidas, a participação desses produtos nas exportações totais do Brasil diminui.
As exportações brasileiras de todos os produtos com Oportunidades Perdidas sofreram forte ameaça das exportações chinesas em todos os anos analisados. As exportações que perderam oportunidades do setor de veículos automotores, o principal nessa categoria em 2017, estavam totalmente comprometidas pelas exportações chinesas nesse ano. Exemplos de produtos são peças e acessórios de veículos de passageiros e veículos automotores para transporte de mercadorias, partes para motores e partes e acessórios para veículos automotores. Os produtos dos demais setores, que também são setores industriais importantes, enfrentam, igualmente, ameaça significativa das exportações chinesas, como, por exemplo, compressores de equipamentos de refrigeração. Outro produto importante que sofreu ameaça direta das exportações chinesas foi ferro gusa. O Brasil é um importante exportador desses bens manufaturados para os países selecionados e, assim, a ameaça das exportações chinesas nesses mercados pode se traduzir em problemas sérios para as exportações brasileiras.
O setor de alimentos e bebidas, que passa a ter um peso importante no grupo de produtos classificados como Oportunidades Perdidas em 2017, é o setor que sofre menos ameaça direta em relação aos demais, porém esta também foi significativa. Um produto importante deste setor que não sofreu ameaça em 2017 foi manteiga de cacau, enquanto extratos e essências de café sofreram ameaça direta das exportações chinesas.
Produtos em Declínio
No caso dos produtos em declínio, o principal setor em 2017 foi a metalurgia básica (27,3%), que aumentou sua participação na comparação com 2012, mas registrou pequeno declínio frente a 2015. Um setor que desponta com uma participação significativa em 2017 é o de máquinas e equipamentos (13,7%), seguido de produtos químicos (10,6%).
Nesses produtos em declínio, que praticamente não enfrentaram ameaça em 2012 e 2015, houve aumento da ameaça indireta das exportações chinesas em 2017, principalmente o setor de máquinas e equipamentos, outros equipamentos de transporte e papel e celulose. Os produtos mais destacados que sofreram ameaça indireta em 2017 foram pneus novos de borracha, conjunto de fiação e ignição, e calçados com sola de borracha, enquanto produtos como óxido de alumínio, tratores rodoviários para semirreboques e petróleo não sofreram ameaça das exportações chinesas.
Produto em Retrocesso
Os setores com maior participação de Produtos em Retrocesso em 2017 foram extração de petróleo, outros equipamentos de transporte e produtos quimicos (26,9%, 13,1% e 11,3%). Contudo, a evolução das respectivas participações foi diferente. Enquanto esse último setor registrou aumento de participação em 2015 e 2017 na comparação com o ano imediatamente anterior, outros equipamentos de transporte perdeu relevância em 2015, mas voltou a ter uma participação importante em 2017. Já extração de petróleo emergiu em 2015 com uma participação superior à registrada em 2017.
A ameaça direta das exportações chinesas às exportações brasileiras de Produtos em Retrocesso recuou de 2012 para 2015 (com exceção de máquinas e equipamentos), mas essa trajetória foi revertida em 2017 quando essa ameaça atinge percentuais expressivos, superiores aos registrados em 2012. Os setores de extração de petróleo e outros equipamentos de transporte, por exemplo, que não sofriam ameaça em 2015, passaram a sofrer uma ameaça significativa em 2017, principalmente no produto petróleo betuminoso. Outros produtos que sofreram ameaça direta em 2017 foram aviões e polpa de madeira química. Já produtos como fertilizantes e papel e cartão não sofreram a ameaça das exportações chinesas. O resultado preocupante para o aumento de participação destes produtos na pauta brasileira para a região é o fato de o Brasil aumentar a quantidade de produtos em sua pauta que tem demanda declinante e que também são produtos cada vez menos importantes na pauta brasileira para a região.
Bibliografia
Hiratuka, C. e Sarti, F. (2009) Ameaça das Exportações Chinesas nos Principais Mercados de Exportações de Manufaturados do Brasil. Encontro Nacional de Economia Política, São Paulo.
Moreira, M.M. (2004) “Fear of China: Is There a Future for Manufacturing in Latin America?” IADB Discussion Paper.