Carta IEDI
Moderação na Retomada Industrial
A indústria vem dando continuidade ao seu processo de recuperação, depois de a Covid-19 ter paralisado muitas unidades produtivas no final de março e em abril de 2020. Já são quatro meses consecutivos de crescimento. Em agosto, porém, houve importante desaceleração, antes de compensar integralmente as perdas da pandemia e antes também da redução do auxílio emergencial, que vem dinamizando os mercados.
Na passagem de julho para agosto, já descontados os efeitos sazonais, a produção industrial cresceu +3,2%, isto é, menos da metade da taxa obtida no mês anterior (+8,3%). Com isso, o setor permaneceu 2,6% abaixo do nível de produção de fev/20, que precedeu o surto do novo coronavirus no Brasil.
Esta acomodação reflete bases maiores de comparação, mas também vários outros fatores que continuam presentes e afetam negativamente o setor, como demanda fraca, necessidade de protocolos de segurança sanitária, dificuldade de obtenção de insumos em certos setores, incertezas elevadas com a continuidade de programas emergenciais etc.
Dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE, 10 deles (38% do total) não conseguiram crescer em ago/20, proporção maior do que nos meses anteriores e 16 ramos (ou 62% do total) ainda não retomaram patamares anteriores à crise.
Dentre os macrossetores, apenas bens intermediários estão acima do nível de fev/20, embora todos tenham obtido avanços na produção na passagem de julho para agosto. Os destaques foram bens de consumo duráveis, único a se manter com um ritmo de crescimento de dois dígitos (+18,5%) e bens de capital (+2,4%), a despeito de grande perda de dinamismo em comparação com o mês anterior (+16%).
A conferir se esta evolução de bens de capital é sintoma de que o investimento em máquinas e equipamentos na economia brasileira, após alguns meses de recuperação, volta a ter baixo dinamismo. Se for assim, a decorrência será um crescimento menor da economia.
Bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, ficaram praticamente estáveis, ao registrar +0,6% frente a jul/20, com ajuste sazonal, sob influência da queda dos ramos de bebidas e de produtos de limpeza, higiene pessoal e cosméticos e do baixo crescimento em alimentos. Bens intermediários cresceram apenas +2,3%, devido ao mau desempenho das indústrias de farmoquímicos e farmacêuticos e de outros produtos químicos.
Ainda que o desempenho mais fraco do mês de agosto acenda uma luz amarela em relação ao padrão de crescimento industrial no pós-pandemia, existem alguns sinais favoráveis recentes. É o caso dos baixos níveis de estoques na grande maioria dos ramos industriais (88% do total, segundo a CNI).
Este quadro dos estoques pode estar momentaneamente reforçando o aumento dos custos de produção, ensejado sobretudo pela desvalorização da taxa de câmbio, mas também abre caminho para a continuidade da ampliação da produção, para atender a demanda e para recompor estoques.
Outro sinal favorável é a melhora das expectativas dos empresários industriais, que no mês de setembro fez com que diferentes indicadores de confiança entrassem na região de otimismo, inclusive seus componentes de avaliação da situação corrente.
Isto é resultado do desempenho da economia não tão negativo quanto se esperava no início da crise de Covid-19. Para a produção industrial, as projeções coletadas pelo Boletim Focus do Banco Central chegaram a apontar queda de -9% em 2020 como um todo no início de jul/20, mas agora em outubro sinalizam para recuo de -6,3%. Ou seja, espera-se outro ano tão ruim quanto 2016 (-6,4%), que fez parte de uma das mais graves crises da indústria brasileira.
Para que estas expectativas se concretizem, entretanto, é preciso que a indústria permaneça na rota de crescimento, pois, até o mês de agosto, 2020 acumula perdas de -8,6%. De todo modo, 2020 irá concluir esta década de modo bastante sintomático, já que nos últimos dez anos seis foram de declínio da produção e um de virtual estagnação. Crescimento de fato, acima de 2%, ocorreu somente em dois anos (2013 e 2017).
Resultados da Indústria
Em agosto de 2020, a produção industrial cresceu +3,2% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, dando continuidade à trajetória positiva iniciada no mês de maio, mas registrando importante desaceleração em comparação com as altas anteriores. Assim, o setor continuou 2,6% abaixo do nível de produção de fev/20, isto é, antes dos primeiros efeitos da pandemia e 18,4% aquém no último pico histórico atingido em mai/11.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior foi mais uma vez negativo, embora menos intenso do que nos meses anteriores: -2,7%. Vale mencionar que ago/20 (21 dias) teve um dia útil a menos do que ago/19 (22 dias).
Deste modo, o saldo geral no acumulado de janeiro a agosto de 2020 não escapou do vermelho: -8,6%. A maior parte desta retração está concentrada no segundo trimestre do ano. Já no acumulado dos últimos doze meses findos em ago/20, a indústria registrou -5,7%, em uma trajetória desfavorável em que não apresenta uma variação positiva desde mar/19.
Em relação aos macrossetores, na comparação de agosto com julho de 2020, descontados os efeitos sazonais, houve recomposição das perdas passadas em todos os quatro macrossetores acompanhados pelo IBGE. A reação mais intensa coube a bens de consumo duráveis, com +18,5%, sendo seguidos por bens de capital (+2,4%) e bens intermediários (+2,3%). Bens semi e não duráveis foram o macrossetor que menos cresceu em agosto, registrando apenas +0,6% na série com ajuste. Em todos os casos, houve expressiva redução do ritmo de recuperação.
Na comparação de agosto de 2020 com agosto de 2019, por sua vez, variações negativas marcaram o desempenho de quase todos os macrossetores industriais, acompanhando o total da indústria (-2,7%). O resultado mais adverso foi verificado em bens de capital, com -16,9%; foi seu sétimo mês consecutivo de declínio da produção. Em seguida, vieram os bens de consumo duráveis, com recuo de -7,7% e bens de consumo semi e não duráveis, com -7,0%. Bens intermediários foram o único macrossetor em alta: +1,9%.
O declínio interanual de -16,9% em bens de capital derivou, sobretudo, do encolhimento da fabricação de bens de capital para equipamentos de transporte (-31,3%), para fins industriais (-6,3%), para energia elétrica (-17,4%), para construção (-14,6%) e de uso misto (-3,4%). O único impacto positivo foi obtido pelo grupamento de bens de capital agrícolas (+9,4%).
O macrossetor de bens de consumo duráveis, por sua vez, cuja produção recuou -7,7% frente a ago/19, foi muito influenciado pela queda de automóveis (-21,3%) e motocicletas (-13,2%). Por outro lado, os impactos positivos vieram de eletrodomésticos da “linha branca” (+22,6%) e da “linha marrom” (+16,9%), além dos grupamentos de móveis (+16,5%) e outros eletrodomésticos (+7,9%).
Já bens de consumo semi e não-duráveis, que recuaram -7,0%, tiveram seu resultado condicionado por quedas nos grupamentos semiduráveis (-16,7%), carburantes (-13,1%) e não-duráveis (-9,3%). Em sentido oposto, o grupamento de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (+0,3%) apontou variação positiva, mas muito próxima da estabilidade.
Quanto a bens intermediários, cuja produção cresceu +1,9% ante ago/19, receberam influência positiva de produtos associados às atividades de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+17,0%), produtos alimentícios (+15,1%), produtos de borracha e de material plástico (+3,8%), outros produtos químicos (+2,1%) e produtos de minerais não-metálicos (+3,1%), entre outros. Influências negativas foram registradas pelos segmentos de veículos automotores, reboques e carrocerias (-27,1%), metalurgia (-7,9%), indústrias extrativas (-2,0%) e máquinas e equipamentos (-4,7%).
No acumulado de janeiro-agosto de 2020, frente a igual período do ano anterior, os bens de consumo duráveis foram novamente os que pior se saíram: -30,1%. Bens de capital apresentaram a segunda maior queda, com -20,2%, seguidos por bens de consumo semi e não duráveis (-9,0%) e bens intermediários (-4,2%). Todos tiveram perdas muito concentradas no 2º trim/20, que esteve integralmente sob efeito da pandemia de Covid-19.
Por dentro da Indústria de Transformação
O aumento de +3,2% da produção industrial geral em agosto de 2020 ante jul/20, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhado de variação de +3,5% na indústria de transformação e de +2,6% do ramo extrativo.
Em relação a agosto de 2019, o desempenho da indústria de transformação, entretanto, continuou negativo em -2,7%, assim como o ramo extrativo, que registrou variação de -2,0%, depois de ter interrompido momentaneamente sua sequência de resultados negativos no mês de jul/20 (+1,3%).
Frente a jul/20, na série com ajuste sazonal, o acréscimo de +3,2% da indústria geral foi acompanhado por 16 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências positivas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (+19,2%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+3,9%), borracha e de material plástico (+5,8%), couro, artigos para viagem e calçados (+14,9%), minerais não-metálicos (+4,9%) e produtos alimentícios (+1,0%), entre outros, além das indústrias extrativas (+2,6%).
Em sentido oposto, entre os dez ramos que apontaram redução na produção estão farmoquímicos e farmacêuticos (-9,7%), perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (-9,7%), outros produtos químicos (-1,8%) e bebidas (-2,5%).
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou recuo de -2,7% na produção em jul/20, variações negativas marcaram o desempenho de 12 dos 26 ramos, 45 dos 79 grupos e 53,3% dos 805 produtos pesquisados. Vale lembrar que agosto de 2020 (21 dias) teve um dia útil a menos do que igual mês do ano anterior (22 dias).
As maiores influências negativas nesta comparação interanual vieram de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-25,7%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-23,8%), impressão e reprodução de gravações (-57,9%), couro, artigos para viagem e calçados (-23,6%), metalurgia (-7,9%), outros equipamentos de transporte (-29,9%) e máquinas e equipamentos (-7,0%), entre outros. Já as contribuições positivas ante ago/19 ficaram a cargo principalmente de: produtos alimentícios (+5,7%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+6,0%) e bebidas (+11,7%), entre outros.
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de agosto de 2020 declinou -11,9%. Desde a segunda metade do ano passado, os resultados têm sido majoritariamente negativos, mas o desempenho recente trouxe um aprofundamento expressivo das perdas. No acumulado dos oito primeiros meses de 2020 há queda de -17,1%
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria caíram -16,7% na comparação com agosto de 2019, na esteira do forte retrocesso da demanda interna, em função da pandemia. Com isso, as importações acumuladas em 2020, que deixaram o terreno positivo no mês de maio, registraram recuo de -6,9% em janeiro-agosto.
Utilização de Capacidade
Depois de o nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, ter despencado com a paralisação de muitas unidades produtivas, para 57,3% em abril de 2020, o desenho de protocolos de segurança sanitária nas empresas, o recurso a programas emergenciais do governo e, mais recentemente, a progressiva flexibilização do isolamento social vêm possibilitando a retomada de alguma atividade, elevando a utilização da capacidade instalada para 75,3% em agosto. A despeito desta melhora, que teve continuidade em ritmo mais modesto no mês de setembro (78,2%), o nível de utilização permanece abaixo da média histórica anterior à Covid-19, que é de 79,5%.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, o indicador da evolução dos estoques de produtos finais da indústria em agosto de 2020 subiu 0,8 ponto em relação a julho, para 46,3 pontos. Por ter continuado abaixo da marca de 50 pontos, voltou a indicar queda de estoques. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 46,4 pontos (+1 ponto frente a jul/20) e na indústria extrativa ficou em 48 pontos (+1,1 ponto).
Ou seja, frente à paralisação de unidades e à forte redução da produção em meses anteriores com uma reativação não integral das atividades, parte da demanda das empresas foi suprida por seus estoques sem que fossem restaurados totalmente. Além disso, a necessidade de fazer caixa também concorre para a redução de estoques para níveis inferiores aos normais.
Entretanto, é importante notar que estoques menores em uma etapa de retomada mais rápida que o esperado no início da crise da Covid-19 têm significado para alguns setores restrição no acesso a determinados insumos.
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral ficaram, mais um vez, abaixo do nível planejado (50 pontos), com um indicador de satisfação em 45,2 pontos em ago/20, isto é, redução de -0,8 ponto ante o patamar de julho. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 51,2 pontos e 45,0 pontos, respectivamente, isto é, acima do planejado no primeiro caso e abaixo do nível de equilíbrio (50 pontos) no segundo caso.
No grupo da indústria de transformação, 23 dos 26 ramos acompanhados pela CNI, isto é, 88% do total, tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em agosto de 2020. Esta proporção é a mais elevada do ano, indicando o espalhamento do processo de redução de estoques.
Dentre os ramos abaixo de 50 pontos, estão os ramos de outros equipamentos de transporte (33,3 pontos), máquinas e materiais elétricos (39,5 pontos), produtos de metal (39,7 pontos), têxteis (40,2 pontos) e minerais não metálicos (41,7 pontos), entre outros. Em contraste, os únicos que ficaram com estoques efetivos acima do planejado foram: calçados (58,1 pontos), biocombustíveis (52,1 pontos) e farmacêuticos (51,2 pontos).
Confiança e Expectativas
O Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI), depois de recuar intensamente em abril, para 34,3 pontos, vem dando sinais de melhora desde junho. Em agosto ultrapassou a marca dos 50 pontos, entrando na zona de otimismo ao registrar 57,5 pontos. Em setembro avançou ainda mais, para 62,6 pontos.
O estado da confiança em setembro de 2020 resultou basicamente de seu componente de expectativas em relação ao futuro, que progrediu de 62,7 pontos em agosto para 66,1 pontos. Ou seja, há esperança de dias melhores nos próximos seis meses. A percepção da realidade presente também registrou progressos consideráveis. É o que mostram as avaliações das condições atuais, cujo indicador superou a marca de 50 pontos, refletindo otimismo dos empresários, pela primeira vez desde mar/20. Ficou em 55,5 pontos.
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, que recuou para apenas 58,2 pontos em abr/20, passou a apresentar alguma recomposição a partir de maio. Agora em setembro, registrou 106,7 pontos. Para este indicador é a marca de 100 pontos que indica neutralidade, sendo que abaixo dela temos a região de pessimismo e acima dela, de otimismo. Assim, os empresários industriais voltaram ao estado de otimismo pela primeira vez depois de fev/20.
Tal resultado foi influenciado tanto por seus dois componentes, mas o progresso mais substancial neste último mês veio das avaliações da situação atual, como reflexo da retomada mais rápida do que o previsto no início da crise de Covid-19. Este componente passou de 97,8 pontos em agosto para 107,3 pontos em setembro, dando sinalização favorável para a evolução da produção industrial neste mês. Já as expectativas sobre o futuro também voltaram para a região de otimismo, ao passar de 99,6 pontos em agosto para 105,9 pontos em setembro.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Este indicador, que declinou para um nível inferior a 40 pontos em abr-mai/20, voltou a ficar acima dos 50 pontos desde então, indicando melhora das condições de negócio nestes últimos meses. Em setembro, registrou 64,9 pontos, praticamente o mesmo patamar do mês anterior. É o quarto mês seguido acima da marca de 50 pontos e, por isso, o quadro geral apontado pelo indicador sugere reação na segunda metade do ano.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)