Carta IEDI
Um caminho com obstáculos
Como o desempenho do PIB no terceiro trimestre de 2020 confirmou, a economia brasileira encontra-se em rota de recuperação em uma velocidade acima do estimado por muitos no início da pandemia. Nem por isso está livre de revezes, sobretudo, enquanto perdurar a ameaça da Covid-19. Em out/20, além de a retomada seguir incompleta, surgiram alguns sinais de acomodação.
É incompleto o processo de recuperação porque muitas atividades ainda não conseguiram compensar as perdas de mar-abr/20. Enquanto o varejo e a indústria já superaram o choque da Covid-19, ficando 4,9% e 1,4% acima do nível de fev/20, no mês de outubro, o setor de serviços permaneceu 6,1% abaixo deste patamar.
No conjunto de 19 atividades, formado pelos macrossetores industriais e os ramos de varejo e serviços identificados pelo IBGE, praticamente a metade (10) ainda está em níveis inferiores ao pré-Covid-19. Os casos mais graves compreendem nos ramos de serviços mais intensivos em mão de obra, como os serviços prestados às famílias e os serviços profissionais, administrativos e complementares, demandados pelas empresas. É um mau indício para o quadro geral do emprego no país.
Ainda assim, a despeito do atraso da recuperação de muitas atividades, os grandes setores econômicos apresentaram taxas mais modestas de crescimento na passagem de set/20 para out/20. Por isso, é um movimento que não deixa de ter algo de prematuro. Só se saiu melhor quem ainda conta com bases deprimidas de comparação. Foi o caso dos serviços, que registraram +1,7%, já descontados os efeitos sazonais, e ainda assim cresceram menos que nos meses anteriores.
A indústria, com +1,1%, reduziu em mais da metade o dinamismo que vinha apresentando e, pela primeira vez desde mai/20, dois de seus macrossetores não conseguiram crescer: bens intermediários (-0,2%) e bens de consumo semi e não duráveis (-0,1%). Além disso, mais de 40% de seus 26 ramos e de seus 15 parques regionais ficaram no vermelho em out/20.
Por sua vez, o resultado de +0,9% do comércio varejista foi fraco pela segunda vez na série com ajuste sazonal. O varejo só se mostrou mais positivo em seu conceito ampliado (+2,1%), graças às vendas de veículos e autopeças, que permanecem longe dos patamares pré-pandemia (5,2% abaixo de fev/20).
Com isso, o índice IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, teve o resultado mais modesto desde o início da retomada em mai/20, mesmo permanecendo 2,4% aquém do patamar pré-pandemia. Livre de efeitos sazonais, variou +0,9% frente a set/20.
Sinais de acomodação já eram esperados à medida que a reativação econômica avançasse, mas podem estar refletindo outros fatores que a mera recomposição das bases de comparação, como a redução do valor do auxílio emergencial às famílias em um contexto de desemprego recorde. Além disso, a aceleração recente da inflação, atingindo principalmente bens essenciais, como alimentos, também retira poder de compra da população e tende a desaquecer a demanda doméstica.
Elevação recente dos casos de Covid-19 no país, dúvidas a respeito da aquisição e distribuição das vacinas, assim como a possível suspensão dos programas emergenciais na entrada de 2021 ampliam a incerteza e são outros fatores em atuação que dificultam a recuperação. A ruptura de cadeias produtivas com a escassez de alguns insumos e matérias-primas, ainda que passageira, também não ajuda o processo de retomada.
Indústria
Em outubro de 2020, o desempenho da indústria brasileira foi marcado por certa acomodação, registrando variação de apenas +1,1% na série com ajuste sazonal. Esta taxa é metade da anterior. Pode ter contribuído para isso, além de maiores bases de comparação, a redução do auxílio emergencial às famílias que vinha dinamizando o mercado doméstico.
Outros dados vão na mesma direção. Por exemplo, 11 dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE ficaram no vermelho em out/20, isto é, uma proporção não negligenciável de 42% do total. Esta mesma proporção também indica a parcela de ramos que em out/20 permaneceram com um nível de produção inferior ao de fev/20, ou seja, antes do choque da Covid-19.
Entre os macrossetores industriais, bens intermediários, que formam o núcleo do sistema industrial por fornecer insumos a todas as outras atividades, e bens de consumo semi e não duráveis, que são mais afetados pelas mudanças no auxílio emergencial, apresentaram taxas negativas, embora muito próximas da estabilidade (-0,2% e -0,1%, respectivamente).
Além da interrupção do crescimento nestes dois macrossetores, houve também importante desaceleração em bens de consumo duráveis, mesmo ainda não tendo atingido os níveis de produção pré-crise.
Do ponto de vista regional, na passagem de setembro para outubro, já descontados os efeitos sazonais, quase metade dos parques regionais da indústria não conseguiu crescer. Das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 7 ficaram no vermelho ou estagnadas, sendo que 4 destas nem sequer retornaram a níveis de produção pré-crise, a exemplo do Rio de Janeiro e da Bahia.
Ou seja, a desaceleração no mês foi geograficamente disseminada e atingiu quem ainda tinha bases fracas de comparação. Alguns parques industriais mesmo evitando o terreno negativo passaram por acentuada redução do seu ritmo de crescimento, como nos casos de estados do Sul e do Sudeste.
São Paulo, cuja indústria é a mais completa e diversificada do país, ao contar com bases de comparação mais robustas, teve sua taxa de crescimento reduzida em out/20. Ainda assim, superou em 5,3% o nível pré-crise de fev/20 e cresceu +2,1% em comparação com out/19. O preocupante é que se aproximou muito da estabilidade ao registrar apenas +0,5%.
Ramos como automobilístico e vestuário continuam funcionando como grandes freios à indústria paulista. No acumulado de jan-out/20, caem -35,4% e -32,6%, respectivamente, contribuindo muito à retração de -8,2% da indústria do estado como um todo. Estes ramos, assim como outros, têm sinalizado dificuldades na obtenção de insumos e componentes.
Minas Gerais é outro caso de baixo crescimento depois de superado o tombo de mar-abr/20 na Região Sudeste. No Sul do país, resultado fraco foi registrado sobretudo pelo Rio Grande do Sul, que ficou estável. Com isso, o nível de produção da indústria gaúcha pouco superou o pré-crise (apenas 0,3% acima de fev/20). A indústria mineira em out/20 ficou 5,1% acima de fev/20.
A exceção do quadro geral de out/20 ficou a cargo do Nordeste, que conseguiu não só se manter no positivo, como preservou seu patamar de expansão. Registrou +1,3% em set/20 e +1,7% agora em out/20, graças ao desempenho de Pernambuco. Vale ressaltar, porém, que a produção industrial da região mesmo assim ficou 3,1% abaixo do nível de fev/20.
Comércio
Em outubro de 2020, o comércio varejista ampliou vendas pelo sexto mês consecutivo, consolidando uma nova etapa de crescimento, depois de já ter compensado todas as perdas provocadas pela Covid-19. Frente ao mês anterior registrou +0,9%, já descontados os efeitos sazonais, em seu conceito restrito e +2,1% em seu conceito ampliado, que inclui os segmentos de veículos, autopeças e material de construção.
Deste modo, o varejo como um todo já superou o nível de vendas reais de fev/20, isto é, do pré-pandemia, em 4,9% tomado o conceito ampliado (8% acima no conceito restrito). Além disso, também se encontra em patamar superior ao do ano passado, registrando aumento de +6% ante out/19 (+8,3% no conceito restrito).
No último mês, poucos foram os segmentos em condições desfavoráveis. Na passagem de set/20 para out/20, apenas o segmento de móveis e eletrodomésticos não obteve aumento de vendas. Mas esta acomodação não chega a preocupar. Isso porque antecede o período de liquidações do mês de nov/20 e, sobretudo, porque este segmento é um dos que lideram a retomada do varejo, com alta de +21,9% ante out/19 e em nível 19% acima do pré-Covid-19.
Em situação semelhante ficaram as vendas de material de construção, que quase não saíram do lugar em out/20 (apenas +0,2%), mas que também se encontram entre os segmentos que mais reagiram: está 21,5% acima do nível de fev/20 e apresentou alta de +20,9% frente a out/19.
A despeito do virtuoso desempenho, o varejo ainda precisa completar sua reativação em um contexto em que a redução do auxílio emergencial às famílias e demais programas de combate aos efeitos econômicos da pandemia podem não ter renovação com a virada do ano. Vale mencionar que metade dos segmentos permanecem em patamares aquém de fev/20 e ainda acusam declínio na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Quatro ramos estão atrasados no processo de recuperação e ainda restringem a expansão do varejo. É o caso de veículos e autopeças; equipamentos e mat. para escritório, informática e comunicação; tecidos, vestuário e calçados; e combustíveis e lubrificantes. Todos estes três segmentos cresceram mais do que o varejo como um todo em out/20, mas permaneceram abaixo do pré-pandemia e em queda frente a out/19.
As vendas do segmento de veículos e autopeças, a despeito da melhora recente, encontram-se em um ponto 5,2% abaixo daquele de fev/20. A defasagem em comparação com 2019 é ainda mais significativa. Em out/20 registrou declínio de -5,9%.
No caso de combustíveis e lubrificantes e de tecidos, vestuário e calçados, o nível de vendas em relação ao pré-crise é 4,7% e 4,6% inferior, respectivamente, com resultados negativos também em comparação com out/19: -5,4% e -2,6%. Já no caso de equipamentos de escritório e informática estas defasagens são da ordem de -2,1% ante fev/20 e de -10,9% ante out/19.
Mesmo com o atraso de alguns segmentos, o ano de 2020 deve se encerrar muito próximo da estabilização para o varejo, diferentemente de outros setores, como a indústria e os serviços. Em jan-out/20, em seu conceito restrito já existe crescimento de +0,9% das vendas reais. Em termos ampliados, a queda se reduziu muito e agora está em -2,6%.
O resultado de 2020 seria melhor se não fossem a elevação de preços de alimentos e a redução do auxílio emergencial das famílias, que vêm restringindo a expansão do segmento de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, que recentemente acusou quedas e em out/20 cresceu menos que o total do varejo.
Serviços
Em outubro de 2020, o setor de serviços conseguiu crescer mais do que a indústria e o comércio varejista, mas isso porque ainda conta com bases muito deprimidas de comparação. O setor segue atrasado na recuperação das perdas da Covid-19. Já descontados efeitos sazonais, seu faturamento real subiu +1,7% frente a set/20.
Embora na direção correta, não houve avanços adicionais. A recomposição do faturamento do setor deu novamente sinais de desaceleração, mesmo estando longe dos patamares pré-pandemia. Cabe lembrar que, entre os meses de julho e setembro, as taxas de crescimento foram superiores a 2%. A recente perda de ritmo foi influenciada por resultados mais restringidos de serviços prestados às famílias e outros serviços.
Assim, o setor como um todo permaneceu 6,1% abaixo do patamar de faturamento de fev/20, isto é, de antes do surto de coronavírus no país. Em comparação com o ano passado, seu nível de atividade também continua fraco: registrou queda de -7,4% ante out/19, a oitava taxa negativa consecutiva. Esta não é uma boa notícia para o emprego, que continua escasso no país.
As dificuldades de reação dos serviços resultam da própria natureza de suas atividades, que tendem a exigir maior contato físico e cuja demanda se reduz com o isolamento social. Ademais, a adoção de protocolos de segurança sanitária altera o funcionamento das empresas e pode restringir sua capacidade de oferta.
Na passagem de set/20 para out/20, com ajuste sazonal, apenas um ramo de serviços ficou no vermelho. Os outros quatro ramos, segundo a classificação do IBGE, tiveram aumento de faturamento real.
Com uma defasagem de -32,3% em relação a fev/20, a maior entre os ramos do setor, os serviços prestados às famílias assinalaram perda importante de dinamismo, com sua taxa caindo pela metade de set/20 para out/20. A alta de +4,6% foi condicionada pela desaceleração do seu componente “alojamento e alimentação” e pelo declínio de “outros serviços prestados às famílias”.
Já os serviços profissionais, administrativos e complementares, que são demandados pelas empresas, pouco variaram em out/20, embora tenham se saído melhor do que no mês anterior. Seu baixo crescimento, de +0,8%, teve influência da virtual estagnação do componente “serviços administrativos e complementares”, que reúnem atividades de melhor qualificação, geralmente terceirizadas. O segmento como um todo permanece 11,3% aquém de fev/20.
Em out/20, os serviços de transportes repetiram o resultado de set/20, isto é, não houve ganho de vigor em sua recuperação. Transporte aéreo, fortemente atingido pela Covid-19, quase não reagiu, e transporte terrestre, mais associado ao nível geral de atividade econômica do país, desacelerou.
A melhor situação é a do ramo de informação e comunicação, cujos serviços têm sido ainda mais estratégicos em tempos de pandemia. Ganhou mais velocidade de set/20 para out/20 e já superou o nível de faturamento de fev/20 (2,5% acima). Em comparação com 2019, encerrou longa sequência de quedas e ficou estável no mês de outubro.
Por fim, o ramo de outros serviços, que reúne um conjunto diversificado de atividades, sofreu uma acomodação em out/20, como mencionado anteriormente. Neste caso, porém, isso pode ter sido influenciado por bases maiores de comparação, já que seu faturamento ultrapassou em 1,5% o nível de fev/20 e apresenta crescimento em relação a 2019 (+8,7% ante out/19).