Carta IEDI
Perdas renovadas
Para a indústria, a trajetória de desaceleração que vinha se desenhando nos últimos meses, na esteira da piora do quadro sanitário, da redução e posterior extinção dos programas emergenciais e do elevado desemprego, se converteu em nova queda da produção em fev/21.
O resultado foi de -0,7% ante o mês anterior, já com ajuste sazonal. Desde o momento mais agudo do choque da Covid-19, em abril do ano passado, que a produção industrial não registrava variação negativa nesta comparação.
A inflexão recente teve perfil disseminado de taxas negativas do ponto de vista tanto setorial como regional. Atingiu 14 dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE, ou seja, 54% do total, com destaque para têxteis, veículos e couro e calçados, e 10 dos 15 parques regionais, isto é, 67% das localidades identificadas pela pesquisa, inclusive São Paulo e a região Sul, que vinham funcionando como motores da recuperação industrial.
Em consequência, a confiança dos empresários da indústria vem se enfraquecendo e o componente que indica a avaliação da situação presente do setor já resvalou para território pessimista em mar/21. Segundo o indicador da CNI, esta avaliação ficou abaixo de 50 pontos pela primeira vez desde ago/20, sugerindo a continuidade de um quadro desafiador para a expansão industrial nos próximos meses.
Os estoques permaneceram baixos, sobretudo em alguns ramos, como produtos de metal e de madeira, couros e equipamentos de transporte, mantendo vulnerabilidades nas cadeias produtivas. Entretanto, no agregado da indústria os estoques têm se aproximado da linha de estabilidade, retirando progressivamente estímulos da produção com o objetivo de recompor níveis considerados adequados.
Em fev/21, o declínio geral foi condicionado principalmente pelos bens de consumo duráveis, cuja produção recuou -4,6% ante jan/21, com ajuste sazonal, mas o sinal negativo também atingiu outros dois macrossetores: bens de capital, com -1,5% e bens de consumo semi e não duráveis, com -0,3%. A única exceção foi bens intermediários (+0,6%), que vem apresentando oscilação entre altas e baixas.
Bens de consumo duráveis foi o macrossetor com pior resultado também na comparação com fev/20 (-8,6%), seguido por bens de consumo semi e não duráveis (-1,6%). Em ambos os casos as quedas foram reincidentes, não trazendo bons sinais para este início de 2021.
Ao que parece, a perda de dinamismo recente da indústria vem sendo condicionada pelos ramos cujos mercados dependem do consumo das famílias, que tem sido freado não apenas pelo medo e isolamento decorrente diretamente da Covid-19, mas também pelo desemprego e pelo fim do auxílio pago às famílias.
No 1º bim/21, bens de consumo duráveis registraram -6,3%, devido a automóveis, mas também à deterioração de eletrodomésticos e outros equipamentos de transporte. Bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, caíram -1,1%, em linha com o 4º trim/20, em função de ramos de alimentos, como carnes, laticínios e bebidas, além de combustíveis.
Bens de capital, que cresceram +16,1% ante fev/20, ajudados por bases baixas de comparação, conseguiram manter a intensidade da alta do 4º trim/20 (+14,7%) também no 1º bim/21 (+16,6%), graças a bens de capital à agricultura e à construção. Os bens de capital para a própria indústria desaceleraram.
Por fim, bens intermediários podem vir a ter seu terceiro trimestre seguido de expansão agora no início de 2021, mas provavelmente passarão por alguma acomodação, a contar pelo 1º bimestre: +4,9% no 4º trim/20 e +1,7% em jan-fev/21 ante o mesmo período do ano anterior. Intermediários de alimentos e de derivados de petróleo voltaram ao vermelho e os da indústria automobilística agravaram suas perdas (-12,4% ante 1º bim/20).
Resultados da Indústria
Em fevereiro de 2021, a produção industrial declinou -0,7% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais. É a primeira taxa negativa desde que o choque da Covid-19 em abr/20 nesta comparação. Ainda assim, entretanto, o setor permanece em um nível de produção acima do pré-pandemia (+2,8%).
Com a redução e posterior extinção do auxílio emergencial pago às famílias e com a nova aceleração do número de casos de Covi-19, a recuperação industrial vinha dando sinais de desaceleração desde a virada do ano. Depois de manter crescimento em torno de +1% ao mês, com ajuste sazonal, em out-nov/20, registrou +0,8% em dez/20 e +0,4% em jan/21 antes de voltar a cair agora em fev/21, como mencionado anteriormente.
A indústria, porém, ainda conseguiu evitar o terreno negativo na comparação com o mesmo período do ano anterior, ao registrar variação de +0,4% em fev/21. Vale mencionar que, em 2021, o mês de fevereiro teve o mesmo número de dias úteis do que em 2020 (18 dias). Esta foi a sexta vez consecutiva que a produção industrial não caiu nesta comparação no contexto na pandemia, embora tenha se aproximado muito da estabilidade.
Em relação aos macrossetores, na comparação de fev/21 com jan/21, descontados os efeitos sazonais, houve crescimento em apenas um dos quatro macrossetores acompanhados pelo IBGE. Somente bens intermediários ficaram no azul com +0,6%, mas isso após queda de -1% em jan/21. A retração mais intensa coube a bens de consumo duráveis, com -4,6%. Este foi o segundo mês consecutivo em que o macrossetor ficou no negativo. Bens de capital registraram -1,5% e bens de consumo semi e não duráveis, -0,3%.
Na comparação de fev/21 com fev/20, houve variação positiva em dois dos quatro macrossetores industriais. Enquanto o total da indústria cresceu apenas +0,4% nesta comparação, bens de capital apresentaram dinamismo muito superior: +16,1%. Bens intermediários também ampliaram produção, em +0,5%, enquanto bens de consumo duráveis caíram -8,4% e bens de consumo semi e não duráveis, -1,6%. Foi o segundo mês consecutivo de desempenho desfavorável para bens de consumo.
O macrossetor de bens de capital foi quem melhor se saiu na comparação com fev/20, registrando alta de +16,1%, devido ao aumento da produção de: bens de capital para equipamentos de transporte (+9,1%) e agrícolas (+46,8%), bens de capital para fins industriais (+8,6%), de uso misto (+14,8%) e para construção (+31,2%). O único impacto negativo foi assinalado pelo subsetor de bens de capital para energia elétrica (-8,0%).
O aumento interanual de +0,5% na produção de bens intermediários derivou, sobretudo, do crescimento associado às atividades de outros produtos químicos (+8,3%), minerais não-metálicos (+9,9%), metalurgia (+5,1%), produtos de metal (+9,1%), borracha e material plástico (+7,1%), máquinas e equipamentos (12,7%) e celulose, papel e produtos de papel (+6,1%), entre outros, enquanto pressões negativas foram registradas por indústrias extrativas (-6,7%), veículos automotores, reboques e carrocerias (-15,3%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-4,0%) e produtos alimentícios (-4,6%).
Já bens de consumo semi e não duráveis, cujo resultado foi de -1,6% ante fev/20, receberam contribuição negativa sobretudo do grupamento de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (-3,3%) e de carburantes (-3,1). Por outro lado, os subsetores de não-duráveis (+1,2%) e de semiduráveis (+0,2%) conseguiram crescer.
Por fim, quanto a bens de consumo duráveis, sua produção recuou -8,4% em fev/21, em grande parte, devido aos retrocessos na fabricação de automóveis (-15,4%), eletrodomésticos da “linha marrom” (-11,5%) e motocicletas (-38,8%). Já os impactos positivos vieram da maior fabricação de eletrodomésticos da “linha branca” (+6,8%) e dos grupamentos de móveis (+9,6%) e de outros eletrodomésticos (+27,8%).
Por dentro da Indústria de Transformação
O declínio de -0,7% da produção industrial geral em fev/21 ante jan/21, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhado de variação de -0,2% na indústria de transformação e de -4,7% do ramo extrativo. Nesta comparação a indústria de transformação está virtualmente estagnada desde o início de 2021.
Em relação a fev/20, tal como a indústria geral (+0,4%), o desempenho da indústria de transformação voltou a ficar positivo, +1,2%. No caso do ramo extrativo, porém, houve variação de -6,7%, retomando a série de perdas interrompida momentaneamente em jan/21.
Frente a jan/21, na série com ajuste sazonal, o decréscimo de -0,7% da indústria geral foi acompanhado por 14 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências negativas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-7,2%), produtos têxteis (-9,0%), produtos de metal (-4,1%), couro, artigos para viagem e calçados (-5,9%), entre outros, além das indústrias extrativas (-4,7%). Por outro lado, entre as 12 atividades em alta, outros produtos químicos (+3,3%) e máquinas e equipamentos (+2,8%) apontaram os principais impactos positivos em fev/21.
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou variação de +0,4% na produção em fev/21, variações positivas marcaram o desempenho de 17 dos 26 ramos, 52 dos 79 grupos e 56,4% dos 805 produtos pesquisados. Vale citar que fevereiro de 2021 teve o mesmo número de dias úteis do que igual mês do ano anterior (18 dias).
As maiores influências positivas nesta comparação interanual vieram de: máquinas e equipamentos (+18,5%), outros produtos químicos (+8,1%), produtos de metal (+10,6%) e produtos de minerais não-metálicos (+9,7%). Em contraste, entre as nove atividades em queda, além das indústrias extrativas (-6,7%), estão: veículos automotores, reboques e carrocerias (-6,7%), produtos alimentícios (-4,4%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,8%).
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de fev/21 decresceu -6,3%. Desde a segunda metade de 2019, os resultados têm sido majoritariamente negativos, em função das adversidades do comércio mundial provocadas pelos conflitos entre EUA e China, crise argentina e, posteriormente, pela pandemia de Covid-19. Entretanto, a partir de out/20 houve amenização deste quadro. Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria avançaram +22,3% na comparação com fev/20. Foi a quarta alta depois de meses de recuos sucessivos.
Assim, no primeiro bimestre de 2021, as exportações industriais registraram recuo de -5,3% frente a igual período do ano anterior, sinalizando um patamar de declínio menos intenso do que em jan-fev/20 (-16,6%). Quanto às importações de matérias-primas para o setor, apresentaram alta expressiva de +17,4% em 2021 em comparação à virtual estabilização de jan-fev/20 (+0,3%).
Utilização de Capacidade
A utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, manteve-se em níveis muito próximos entre jan/21 (79,9%) e fev/21 (79,1%), mas em mar/21 recuou para 78,3%.
Cabe observar que o nível de utilização voltou a ficar abaixo da média histórica anterior à Covid-19, que é de 79,5%, e ainda mais do patamar imediatamente anterior à crise de 2014-2016. No 1º trim/14, a utilização da capacidade estava em 82,6%.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, o indicador da evolução dos estoques de produtos finais da indústria em fev/21 variou +0,6 ponto em relação a jan/21, para 48,9 pontos, o patamar mais elevado desde mar/20 (50 pontos). Por ainda se encontrar aquém da marca de 50 pontos, o indicador continua sugerindo estoques em queda. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 48,8 pontos (+0,5 ponto frente a jan/21) e na indústria extrativa ficou em 54,7 pontos (+6,1 pontos).
Este quadro dos estoques na entrada de 2021 ainda aponta para a vulnerabilidade das cadeias produtivas a repiques inesperados de comandas, gerando gargalos em diversos elos e, consequentemente, aumento de preços em alguns insumos. Em compensação, gera incentivo para que a produção continue evoluindo positivamente, de modo a normalizar a situação dos estoques.
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral ficaram, mais uma vez, abaixo do nível planejado (50 pontos), com um indicador de satisfação em 47,0 pontos em fev/21, isto é, patamar melhor do que em dez/20 (+1,8 ponto), mas redução de -0,3 ponto ante jan/21 e de -2,6 pontos em relação ao pré-crise (fev/20).
No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 52,5 pontos e 46,9 pontos, respectivamente, isto é, acima do nível de equilíbrio (50 pontos) no primeiro caso e abaixo dele no segundo caso. Apesar disso, a insuficiência de estoques na indústria de transformação tem se amenizado, depois de atingir a pior avaliação no bimestre set-out/20 (43,1 pontos).
No grupo da indústria de transformação, a situação dos estoques até pode ter se tornado mais amena no início de 2021, mas o problema continua difundido para um amplo conjunto de ramos. Depois de praticamente todos os ramos industriais acompanhados pela CNI apresentaram estoques menores do que o planejado (50 pontos) em dez/20 (96% do total), em jan/21 três ramos (ou 11% do total) conseguiram superar ou se manter na linha de 50 pontos, número que subiu para cinco (ou 19%) em fev/21, mostrando recomposição de estoque.
Estes cinco ramos acima de 50 pontos foram: manutenção e reparação (50 pontos), alimentos (50,4 pontos), químicos (50,8 pontos), calçados (56 pontos) e bebidas (56,4 pontos). Estão mais distantes do equilíbrio os seguintes ramos: couros (37 pontos), outros equipamentos de transporte (37,5 pontos), produtos de metal (37,7 pontos) e madeira (39,3 pontos).
Confiança e Expectativas
O Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI, que deu sinais de melhora entre jun/20 e dez/20, tem evoluído negativamente desde jan/21. Entre fev/21 e mar/21, passou de 60,4 pontos para 53,5 pontos. Embora tenha permanecido na região de otimismo (acima de 50 pontos), isso aponta para uma acomodação da evolução industrial na entrada de 2021.
Além da elevação do número de casos da Covid-19 e da disseminação pelo país da nova variante do vírus originada na região Norte, isso pode ter sido influenciado também pelo fim dos programas emergenciais do governo com o início de 2021.
A deterioração relativa do estado da confiança na passagem de fev/21 a mar/21 resultou tanto de seu componente de expectativas em relação ao futuro, que passou de 63,6 pontos para 56,4 pontos, como da percepção dos empresários quanto à evolução presente dos negócios. Este componente do indicador de confiança recuou, de acordo com a CNI, de 54 pontos em fev/21 para 47,8 pontos em mar/21, atingindo pela primeira vez um nível inferior a 50 pontos desde ago/20.
Já o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, passou por um movimento semelhante. Encontrava-se em 114,9 pontos em dez/20, recuando progressivamente para 107,9 pontos em fev/21 e então para 104,2 pontos em mar/21, já descontados os efeitos sazonais. Como manteve-se acima da linha dos 100 pontos, ainda indica que os empresários industriais estão confiantes, mas menos do que estavam no final do ano passado.
Tal resultado em mar/21, foi influenciado tanto pelas avaliações da situação atual como pelas expectativas em relação ao futuro. A avaliação em relação ao futuro passou de 100,9 pontos em fev/21 para 97,1 pontos em mar/21. Este nível é o mais baixo desde ago/20, quando também ficou aquém da marca dos 100 pontos. A avaliação presente, a seu turno, declinou 114,9 pontos para 111,4 pontos no mesmo período.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Este indicador está acima dos 50 pontos desde jun/20, apontando melhora das condições de negócio neste período. Em mar/21, depois de quatro meses de deterioração, passou ao nível de 52,8 pontos, isto é, -5,6 pontos ante fev/21 e -8,7 pontos ante dez/20. Isso reforça os sinais de acomodação da atividade industrial verificados até agora.