Carta IEDI
A recuperação de 2021
O ano de 2021 foi de crescimento, mas poderia ter sido melhor se tivéssemos começado mais cedo a vacinação contra a Covid-19 e se as medidas emergenciais de combate aos efeitos econômicos da pandemia não tivessem sido bruscamente interrompidas. O insuficiente planejamento, que agravou o impacto da crise hídrica, e o recorrente adiamento de reformas importantes para o crescimento de longo prazo, tal como a tributária, também cobraram seu preço.
Ao que tudo indica, a exemplo do índice IBC-Br do Banco Central, o PIB pode ter crescido +4,5% em 2021, o suficiente para sobrepujar o recuo de -3,9% de 2020, embora nem todas as atividades econômicas tenham conseguido dar este passo. Além disso, foi um desempenho longe do necessário para reduzir significativamente a taxa de desemprego, que está em dois dígitos há seis anos, e de assegurar a recomposição do poder de compra da população, corroída pelo aumento da inflação e pela menor qualidade dos postos de trabalho recentemente criados.
A indústria, ainda muito prejudicada pelos gargalos em suas cadeias de suprimentos e pela elevação de seus custos, foi quem menos recuperou as perdas de 2020. Sua produção física, depois de declinar -4,5% em 2020, cresceu +3,9% em 2021.
Frearam o desempenho industrial os bens de consumo duráveis (+1,9% em 2021), mais expostos à falta de insumos, dada sua produção em linhas de montagem que empregam número elevado de partes e componentes, inclusive importados, e também os bens de consumo semi e não duráveis (-0,5%), veículos da aceleração recente da inflação e mais sensíveis ao elevado desemprego.
Em termos regionais, 40% dos parques industriais não viram recuperação em 2021, notadamente no Nordeste (-6,2%), que além do alto desemprego também sofreu mais com a interrupção e posterior redução do auxílio emergencial pago às famílias. Entre os parques que ampliaram produção, 1/3 deles não repôs a queda de 2020, como foi o caso da indústria de São Paulo, que recuou -6,0% em 2020 e cresceu +5,2% em 2021.
Já as vendas do comércio varejista evoluíram mais favoravelmente. Considerado em seu conceito ampliado, que inclui os ramos de veículos, autopeças e material de construção, o setor ampliou suas vendas reais em +4,5%, o suficiente para fazer frente à queda de -1,4% em 2020. Também neste caso, porém, 40% de seus ramos ficaram no vermelho em 2021 e 20% deles (veículos e autopeças e têxteis, vestuário e calçados) não cresceram o suficiente.
Além de parcial, a recuperação da indústria e do varejo tiveram outra semelhança: em ambos os casos, o final de 2021 trouxe importante deterioração de seus resultados. No 4º trim/21 frente ao mesmo período do ano anterior, a produção industrial recuou -5,8% e as vendas do varejo ampliado -4,2%. É um comportamento que explicita o papel das bases de comparação muito baixas de 2020 para as taxas de crescimento do acumulado de 2021.
O setor de serviços também contou com este efeito estatístico, não apenas porque havia liderado as perdas em 2020 (-7,8%) mas também porque praticamente não cresceu em 2015-2020. É um aspecto a levar em consideração ao se avaliar a forte alta de +10,9% em 2021, possível graças ao avanço da vacinação contra a Covid-19 e à contenção do quadro pandêmico no país na segunda metade do ano.
Este desempenho dos serviços é uma boa notícia para o emprego, embora também neste quesito a trajetória tenha permanecido incompleta. Isso porque os ramos de serviços mais intensivos em mão de obra ainda estão longe de reaver o que perderam em 2020. É o caso notadamente dos serviços prestados às famílias, cujo faturamento real cresceu +18,2% em 2021, consistindo na alta mais forte entre todos os ramos de serviços identificados pelo IBGE, mas ficou muito aquém de fazer frente ao tombo de -35,6% de 2020.
Os serviços profissionais, administrativos e complementares estão na mesma situação. Seu faturamento real encolheu -11,4% em 2020, com recuperação apenas parcial em 2021: +7,3%. Isso se deveu sobretudo aos serviços administrativos e complementares (-13,5% e +5,4%, respectivamente), que, em geral, consistem em atividades terceirizadas de menor qualificação. Escritórios reduzidos ou fechados em função da incorporação do teletrabalho na rotina das empresas podem estar atrasando a recuperação deste segmento.
A vantagem dos serviços sobre os demais setores econômicos é que o final de 2021 não trouxe perda de dinamismo, provavelmente pela demanda reprimida ao longo dos piores momentos da pandemia. No 4º trim/21 ante o 4º trim/20, o faturamento real dos serviços cresceu +9,4%, isto é, muito próximo do ritmo do acumulado de 2021 como um todo.
Indústria
A indústria em dezembro passado surpreendeu e registrou seu melhor resultado em 2021, uma alta de +2,9% ante nov/21, já descontados os efeitos sazonais. Os dados do IBGE mostram que este desempenho foi difundido entre seus ramos, embora contribuições importantes tenham se concentrado na produção de veículos e de alimentos, e deveu muito aos parques industriais localizados na região Sudeste do país.
Na passagem de nov/21 para dez/21 ficaram no positivo as quatro grandes categorias econômicas e 20 dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE, isto é, 77% do total, com destaque para veículos automotores, reboques e carrocerias (+12,2%) e produtos alimentícios (+2,9%).Entre os macrossetores industrias, o maior avanço coube a bens de consumo duráveis (+6,9%), seguidos por bens de capital (+4,4%).
Regionalmente, São Paulo conseguiu uma performance superior ao agregado Brasil ao aumentar sua produção industrial em +3,8% ante nov/21 e foi acompanhado de outros estados da região: +4,6% no Espírito Santo e +3,4% em Minas Gerais. No Centro-Oeste, Mato Grosso (+4,6%) e Goiás (+8,8%) também cresceram bem. Já a indústria de Amazonas teve a maior variação desde meados de 2020 na comparação com ajuste sazonal: +14,0%.
Com estas performances mais robustas no encerrar do ano, 60% dos parques regionais da indústria e metade dos seus macrossetores conseguiram superar ou ao menos compensar as perdas com a pandemia. Dos 4 macrossetores, em dez/21, bens de capital tiveram produção 22,7% acima de fev/20 e bens intermediários, 0,6% acima.
Das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 9 ficaram em um nível de produção acima daquele de fev/20, com destaque para Mato Grosso (+12,7%), Paraná (+10,9%), Minas Gerais (+9,6%) e Amazonas (+9,6%). São Paulo também superou fev/20, mas por muito menos: +1,1%.
Para algumas indústrias locais, entretanto, esta compensação de perdas se concentrou sobretudo em certos meses da primeira metade do ano, que amorteceram o menor dinamismo do segundo semestre. A evolução trimestral em comparação com o mesmo período do ano anterior mostra que, findado o efeito estatístico positivo decorrente de bases baixas de comparação, quase todas as indústrias regionais ficaram no vermelho. Raras foram as exceções.
Em relação ao total das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE, 13 delas ou 87% do total tiveram um final de ano pior em 2021 do que em 2020. As perdas no 4º trim/21 frente ao 4º trim/20, que chegaram a -5,8% no agregado da indústria brasileira, foram mais intensas em 7 parques industriais, inclusive em São Paulo (-8,4%), que até então vinha com um desempenho superior ao total Brasil.
As maiores quedas foram verificadas no Nordeste, indicando o revés provocado pela interrupção e depois redução do auxílio emergencial pago às famílias sobre a reativação de sua indústria. Bahia (-11,8% ante 4º trim/20) e Ceará (-13,8%) condicionaram um declínio de dois dígitos na produção industrial nordestina (-10,4%). Pernambuco (-5,7%) amorteceu um pouco o movimento, mas nem por isso escapou do negativo.
A região Sul, por sua vez, que por algum tempo era quem liderava a reação industrial, chegando a apresentar taxas acima de +10% no final de 2020, também não resistiu. Rio Grande do Sul ficou no vermelho tanto no 3º trim/21 (-0,9%) como no 4º trim/21 (-1,4%), quando sua produção encolheu tanto quanto a da indústria do Paraná (-1,6%). Em Santa Catarina o recuo foi mais grave: -8,2% no 4º trim/21.
As únicas exceções ficaram por conta de Rio de Janeiro e Mato Grosso. A indústria fluminense obteve alta de +5,9% no 4º trim/21, puxada notadamente pela produção de derivados de petróleo (+15,7%), mas também por manutenção e reparação de máquinas e equipamentos (+15,8%), farmoquímicos e farmacêuticos (+25%) e outros produtos químicos (+13,4%).
Para Mato Grosso, que foi quem registrou o melhor resultado no 4º trim/21, com +11,8%, foi determinante a expansão de +14,2% de sua produção de alimentos, devido à forte concentração de sua indústria neste ramo, que responde por cerca de 70% do total do setor.
Comércio
Diferentemente da indústria, que surpreendeu positivamente no último mês do ano passado, o comércio varejista seguiu praticamente estagnado em dez/21. Já descontados os efeitos sazonais, variou -0,1% frente ao mês anterior em seu conceito restrito e +0,3% em seu conceito ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e material de construção.
O que o varejo e a indústria tiveram em comum foi que a evolução ao longo de 2021 desfez os progressos obtidos na segunda metade de 2020, levando seu nível de atividade de volta a patamares inferiores ao de fev/20, isto é, logo antes do choque inicial da Covid-19 no Brasil.
Em dez/21, a produção industrial teve uma defasagem de -0,9% e as vendas reais do varejo ficaram 2,3% abaixo deste patamar no conceito restrito e 1,3% inferior no conceito ampliado. Quanto aos diferentes segmentos do varejo, 70% deles também terminaram 2021 abaixo de fev/20, sobretudo, livros, jornais e papelaria (-34,3%), equipamentos de escritório, informática e comunicação (-14,8%), móveis e eletrodomésticos (-12,9%) e combustíveis e lubrificantes (-12,4%).
Em relação ao final de 2020, indústria e varejo também convergiram para um desempenho negativo. No 4º trim/21, as vendas do comércio encolheram -4,5% ante o 4º trim/20. Considerados os segmentos de veículos, autopeças e material de construção, a queda foi -4,2% e o declínio foi bastante disseminado, atingindo 80% dos segmentos do varejo.
O desemprego em níveis muito elevados, a interrupção e posterior redução do auxílio emergencial pago às famílias e a acentuada aceleração da inflação ao longo de 2021 contribuíram para refrear o consumo e restringir as vendas do varejo. A isso se somou a recomposição da parcela dos serviços no orçamento das famílias com o avanço da vacinação.
Além disso, a ampliação das vendas de alguns bens de consumo duráveis e de material de construção em 2020, em função da maior reclusão doméstica da população, arrefeceu a demanda por estes bens em 2021. As maiores quedas no 4º trim/21 couberam justamente a móveis e eletrodomésticos (-20,4%), material de construção (-9,0%) e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-7,7%).
O segmento de supermercados, alimentos bebidas e fumo, que sozinho responde por quase 1/3 do total do varejo ampliado, frente a 2020 não apresentou um trimestre sequer de crescimento. Em parte, se deve a uma base de comparação elevada, já que o consumo de alimentos para consumo em residência aumentou em 2020, mas também reflete a perda de poder de compra da população e elevação de preço de muitos de seus bens.
Outro segmento relevante para o varejo, o de veículos e autopeças, que representa cerca de ¼ do setor, só conseguiu se sair bem nos trimestres em que foi ajudado por bases deprimidas de comparação. Em contrapartida, no 1º trim/21 suas vendas ficaram estagnado (+0,1%) e no 4º trim/21 voltaram ao negativo (-0,6%), o que pondera o significado da alta de +14,9% no acumulado de 2021.
Serviços
Em dez/21, o setor de serviços deu continuidade à recuperação de suas atividades, registrando alta de +1,4% frente a nov/21, já descontados os efeitos sazonais. Em contraste com a indústria e o comércio, em 2021, os serviços tiveram mais meses positivos do que negativos, em grande medida graças à vacinação contra a Covid-19 e a atenuação do quadro pandêmico no país.
Com isso, o setor acumulou alta de +10,9% de janeiro a dezembro do ano passado, a mais forte da série histórica do IBGE iniciada em 2012, compensando integralmente o recuo de -7,8% de 2020. Importante ponderar, contudo, que o faturamento real dos serviços praticamente não crescia desde 2015. O melhor que se obteve no período 2015-2020 foi um resultado de apenas +1% em 2019; todos os demais anos foram de perda ou estagnação.
Mesmo levando em conta este período relativamente longo de adversidades, não se pode ignorar a importância da reação do setor em 2021, que se estendeu inclusive até o último trimestre do ano, enquanto indústria e comércio retornavam ao negativo.
A reação dos serviços é uma boa notícia para o emprego, já que suas atividades são bastante intensivas em mão de obra. Só não é mais positiva porque justamente os seus segmentos mais empregadores ainda têm uma longa jornada para compensar perdas anteriores.
É o caso notadamente dos serviços prestados às famílias, cujo faturamento real cresceu +18,2% em 2021, consistindo na alta mais forte entre todos os ramos de serviços identificados pelo IBGE, mas ficou muito aquém de fazer frente ao tombo de -35,6% de 2020. Cabe observar igualmente que é o segmento mais distante de fev/20, isto é, logo antes do choque da Covid-19 no país: está 11,2% abaixo deste patamar.
Serviços profissionais, administrativos e complementares estão na mesma situação. Seu faturamento real encolheu -11,4% em 2020, com recuperação apenas parcial em 2021: +7,3%. Em dez/21 encontrava-se em um patamar 0,2% inferior ao de fev/20. E isso se deve sobretudo ao seu componente de serviços administrativos e complementares, que, em geral, consiste em atividades de menor qualificação terceirizadas pelas empresas.
Escritórios reduzidos ou fechados em função da incorporação do teletrabalho na rotina das empresas podem estar atrasando a recuperação destes serviços administrativos e complementares. Tal componente se manteve 2,9% abaixo de fev/20 e seu ritmo de crescimento em 2021 (+5,4%) não chegou à metade da intensidade do recuo verificado em 2020 (-13,5%).
Com um quadro mais favorável estão os serviços de informação e comunicação, que avançaram +9,4% em 2021, isto é, muito à frente do necessário para cobrir as perdas de 2020 (-1,6%). Importante lembrar que a pandemia acabou gerando demanda adicional para estes serviços devido aos períodos de restrição à mobilidade, isolamento social e trabalho remoto. No 4º trim/21, o desempenho se manteve consistente: +9,2% ante 4º trim/20.
O mesmo pode ser visto na performance dos serviços de transportes, que após dois anos seguidos de declínio em seu faturamento real (-2,5% em 2019 e -7,6% em 2020), logrou avanço de +15,1% em 2021 como um todo, mantendo o ritmo de expansão também no último trimestre (+12,8% ante 4º trim/20).
Estes dois segmentos já superaram amplamente o nível de faturamento que apresentavam no imediato pré-Covid-19. Em dez/21, serviços de informação e comunicação estavam 12,8% acima de fev/20 e transportes e correios, 9,8% acima, a despeito da defasagem ainda presente no transporte aéreo (-3,3%).