Carta IEDI
Ano de crescimento, mas com inflexão à vista
Em 2024, todos os grandes setores econômicos se expandiram e a um ritmo superior ao de 2023. A indústria foi quem mais progrediu de um ano para outro, embora tenha sido o comércio varejista ampliado, que inclui veículos, autopeças, material de construção e atacarejo, aquele que mais cresceu no ano passado.
A produção industrial saiu de uma mera estabilidade em 2023, quando registrou +0,1%, para um crescimento de +3,1% em 2024. Foi a primeira vez nos últimos dez anos em que o setor se expandiu sobre uma base não fortemente deprimida. O faturamento real dos serviços praticamente repetiu seu resultado (+2,9% em 2023 e +3,1% em 2024), enquanto as vendas do varejo aceleraram de +2,3% em 2023 para +4,1% em 2024.
Foram bons resultados bastante difundidos no interior de cada setor. Na indústria, todos os quatro macrossetores avançaram, inclusive bens de capital (+9,1%), após dois anos seguidos de queda. A liderança coube a bens de consumo duráveis (+10,6%). O placar foi igualmente favorável entre os ramos, com 80% deles no azul, e entre os parques regionais, em que dos 18 acompanhados pelo IBGE apenas 1 não cresceu (Espírito Santo).
No varejo, que foi outro setor a ganhar vigor em 2024, 78% de seus ramos ampliaram vendas, com destaque para veículos e autopeças (+11,7%) e artigos farmacêuticos, de perfumaria e cosméticos (+14,2%). Nos serviços, foram 80% dos segmentos em alta em jan-dez/24, com destaque para informação e comunicação (+6,2%) e serviços profissionais, administrativos e complementares (+6,2%).
O problema é que uma inflexão destas trajetórias já se avizinha, como resultado do aumento da taxa básica de juros, a Selic, que desde set/24 subiu 2,75 pontos percentuais, atingindo 13,25% ao ano em jan/25. O repasse desta alta para as taxas de empréstimo costuma demorar alguns meses, mas as últimas estatísticas do Banco Central indicam que este processo já se iniciou, como discutimos na Carta IEDI n. 1303.
Quanto ao nível de atividade, os efeitos disso já começam a aparecer. Na comparação com o mês imediatamente anterior, descontados os efeitos sazonais, a indústria recuou nos três últimos meses de 2024, acumulando perda de -1,2% no período, o varejo e os serviços, por sua vez, recuaram em nov/24 e dez/24, somando quedas de -2,6% e -1,9%, respectivamente.
Como resultado desta perda de fôlego, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, caiu -0,9% desde set/24. Com isso, o dinamismo que sinalizava nos primeiros trimestres do ano (+1,7% no 1º trim/24 e +1% nos dois trimestres seguintes) deu lugar à estabilidade (0%) na passagem do 3º para o 4º trim/24, descontados os efeitos sazonais.
Entre outros indicadores que apontam para um esmorecimento na virada do ano está a confiança dos agentes econômicos. Segundo as pesquisas da FGV, a confiança do consumidor recuou -3,1% em dez/24, -5,1% em jan/25 e -2,6% em fev/24, para o menor nível desde ago/22. Já a confiança empresarial, considerados indústria, comércio, serviços e construção, caiu -0,5% em nov/24, -0,3% em dez/24 e -1,8% em jan/25.
Indústria
Em 2024, a produção física da indústria brasileira cresceu +3,1%. Foi a primeira vez nos últimos dez anos em que se expande sobre uma base não fortemente deprimida e houve expansão na maioria de seus ramos e em praticamente todos os seus parques regionais.
Apesar disso, os sinais de curto prazo são negativos, apontando para uma precoce desaceleração, sob efeito de eventos climáticos adversos, da elevação das taxas de juros, aumento das incertezas e da volatilidade do câmbio.
Analisemos primeiro esta evolução adversa de curto prazo. A produção da indústria geral ficou no negativo nos últimos três meses na comparação com o período imediatamente anterior: -0,2% em out/24; -0,7% em nov/24 e -0,3% em dez/24, já descontados os efeitos sazonais. Com isso, eliminou o crescimento que havia registrado em ago-set/24. Na passagem do 3º para o 4º trim/24, descontados os efeitos sazonais, a indústria nacional registrou -0,1%.
A parcela de ramos no vermelho ficou maior nestes últimos meses. Ainda na série com ajuste sazonal, passou de 24% dos ramos identificados pelo IBGE em out/24 para 60% em dez/24, depois de ter atingido 80% em nov/24. Entre os macrossetores, 3 dos 4 perderam produção. A exceção coube a bens intermediários, que registraram +0,6%, o que serviu apenas para compensar a perda anterior (-0,6%, com ajuste).
Setorialmente, 47% dos parques industriais ficaram no vermelho entre nov/24 e dez/24 e 53% deles perderam produção no 4º trim/24 frente ao 3º trim/24, descontados os efeitos sazonais. São Paulo, que tem o maior e mais diversificado parque industrial do país, caiu -5,2% em nov/24 e -0,2% em dez/24.
Embora esta evolução prenuncie dias mais difíceis para a indústria, ela não conseguiu comprometer o desempenho de 2024 como todo, que como dito anteriormente foi positivo para a indústria nacional.
Todos os macrossetores ampliaram produção, inclusive bens de capital (+9,1%), que vinham de dois anos seguidos de declínio. A liderança, contudo, ficou a cargo de bens de consumo duráveis (+10,6%), em muito devido à produção de veículos. Bens intermediários e bens de consumo semi e não duráveis tiveram altas menos expressivas e muito próximas entre si: +2,5% e +2,4%, respectivamente.
Da perspectiva regional, dos 18 parques industriais acompanhados pelo IBGE, somente o do Espírito Santo ficou no vermelho no acumulado jan-dez/24: -1,6% frente ao mesmo período do ano anterior, devido a uma queda de -3,1% do ramo extrativo, que representa algo como 60% de seu parque industrial.
Todos os demais parques regionais cresceram, cabendo dois destaques: São Paulo e o Nordeste, para quem 2024 trouxe uma mudança de rota importante. A indústria paulista praticamente não cresceu em 2022-2023 e, pior ainda, a produção industrial do Nordeste como um todo não se expandia desde 2013.
Para São Paulo, o resultado de 2024 foi de +3,1%, o mesmo do agregado Brasil, mas no caso paulista isso significou uma melhora mais significativa, já que havia caído -1,8% em 2023 e ficado virtualmente estagnado em 2022 (+0,2%). No agregado nacional, 2023 já foi de estabilidade. Ademais, vale observar que São Paulo foi uma exceção no Sudeste, onde os demais parques se saíram pior em 2024 do que em 2023.
Entre os ramos da indústria paulista, 83% acusou aumento de produção no ano passado, sendo que as taxas de crescimento mais robustas ficaram a cargo de outros equipamentos de transporte (+14,9%); máquinas, aparelhos e materiais elétricos (+14,5%); veículos automotores (+8,8%) e minerais não metálicos (+7,9%).
Todos estes ramos são, direta ou indiretamente, sensíveis às condições de crédito e juros da economia, por serem bens duráveis, seja para investimento, seja para consumo, ou então insumo para a construção civil, como um último caso.
Quanto ao Nordeste, à exceção de 2014 e 2018, quando registrou variação de +0,2%, isto é, quando ficou em virtual estabilidade, os demais anos foram de recuo. Agora em 2024, sua produção industrial reagiu, crescendo +2,5%, puxada principalmente por Pernambuco (+4,6%), Ceará (+6,9%) e Rio Grande do Norte (+7,4%).
Setorialmente, a reação do Nordeste foi liderada pela fabricação de produtos de metal (+17,6%), borracha e plástico (+11,3%) e veículos (+8,8%). Também se saíram bem têxteis (+6,7%), bebidas (+6,3%) e vestuário (+5,4%).
Nas demais regiões do país, os parques industriais do Sul deixaram o sinal negativo de 2023 e voltaram a crescer em 2024, com destaque para Santa Catarina, que registrou +7,7%, após dois anos de queda. A indústria gaúcha fechou o ano mais próxima da estabilidade (+0,6%). Os parques do Centro Oeste apresentaram resiliência, em geral, desacelerando pouco em relação ao desempenho de 2023.
No Norte do país, por sua vez, tanto Amazonas como o Pará já tinham expandido suas produções industriais em 2023 e agora em 2024 lograram reforçar um pouco mais seus resultados: de +2,1% para +3,6% no primeiro caso e de +5,4% para +5,7% no segundo caso.
Comércio
Os sinais de desaceleração marcam não apenas a indústria, mas também o comércio varejista, como mostram os últimos dados divulgados pelo IBGE. Em dez/24, a queda foi ainda mais intensa no varejo do que nos outros grandes setores da economia e se mostrou bastante difundida entre seus ramos.
Do total de ramos, 70% perderam vendas em dez/24, sendo que equipamentos de informática e comunicação foi quem mais caiu, registrando -5,0%, seguido por farmacêuticos, perfumaria e cosméticos (-3,3%), combustíveis e lubrificantes (-3,1%) e material de construção (-2,8%).
Frente ao mesmo período do ano anterior, o último bimestre de 2024 trouxe importante desaceleração. As vendas do varejo ampliado saíram de um ritmo de crescimento em torno de 5% na entrada do semestre para apenas +1,9% em nov-dez/24.
Assim, embora o varejo tenha se saído bem em 2024 como um todo, apresentando expansão de +4,1% em seu conceito ampliado (ante +2,3% em 2023), o final do ano indica um dinamismo que é metade disto.
Muito desta perda de fôlego deveu-se ao ramo de veículos e autopeças, cujas bases de comparação do final de 2023 foram reforçadas pelo crescimento das vendas impulsionadas pela redução de impostos no período e pela aprovação do novo marco de garantias e expansão do financiamento de veículos. Assim, no bimestre nov-dez/24 cresceu +5,4% ante +11,7% no acumulado jan-dez/24.
Outro ramo que perdeu fôlego, embora de forma bem menos acentuada, foi o de supermercados, alimentos e bebidas, cujo resultado de +2,0% em nov-dez/24 frente ao mesmo período do ano anterior é metade da variação acumulada em jan-dez/24 (+4,6%) e 1/3 do desempenho do primeiro semestre do ano (+6,0%).
Material de construção também teve uma trajetória semelhante, crescendo +2,8% em nov-dez/24 ante +4,7% no acumulado de 2024 como um todo.
Além destes, três ramos ficaram no vermelho no final do ano: atacarejo alimentício (-9,8% ante nov-dez/23), livros, jornais, revistas e papelaria (-6,9%) e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-3,2%). Os dois primeiros também acumularam queda em jan-dez/24 (-7,1% e -7,7%, respectivamente) e o último aproximou-se da estabilidade (+0,7%).
À exceção de livros, jornais e papelaria, para quem a digitalização tem provocado mudanças estruturais, praticamente todos estes ramos que funcionaram como travas nestes últimos meses de 2024 estiveram sob efeito ou da inflação de alimentos, como no caso de supermercados e do atacarejo, ou da elevação das taxas de juros do país, como material de construção, veículos e informática e comunicação.
Serviços
Além da indústria e do varejo, os serviços também apresentaram sinais de desaceleração, embora neste caso tenham sido mais incipientes. O faturamento real do setor encolheu -1,4% em nov/24 e -0,5% em dez/24, já descontados os efeitos sazonais.
Isso pode ser visto como um indicativo de que a política monetária contracionista (aumentos da taxa Selic) vigente está obtendo seu objetivo de desaquecer o nível de atividade econômica. Vale lembrar que após ter sido um fator de alta da inflação em 2023, a inflação de serviços desacelerou em 2024, ainda que não o suficiente para compensar a pressão advinda dos preços de alimentos, devido a choques de oferta por razões climáticas.
A queda de faturamento de dez/24 foi menos intensa do que a de nov/24, mas se mostrou mais difundida entre os ramos de serviços: foi de 40% para 60% destes. No último mês do ano, os serviços profissionais, administrativos e complementares reincidiram no sinal negativo e registraram -0,7%, o mesmo patamar de queda do ramo de informação e comunicação, que tem apresentado uma trajetória oscilante desde jul/24.
Quem mais perdeu, porém, foi o ramo de outros serviços, que congrega um conjunto diversificado de atividades, ao registrar -4,2%, anulando a alta de +1% de nov/24. Com isso, este ramo não cresce desde ago/24.
Como consequência, os resultados positivos na comparação frente ao mesmo período do ano anterior ficaram mais dependentes do efeito estatístico derivado das bases de comparação. O bimestre nov-dez/24 interrompeu a trajetória de aceleração do setor.
As maiores perdas de dinamismo no último bimestre de 2024 vieram de serviços profissionais, administrativos e complementares demandados pelas empresas, que depois de registrar +6,7% em set-out/24 recuou para somente +1,2% em nov-dez/24, sempre em relação ao mesmo período do ano anterior, e de outros serviços, que saiu de +2,7% para -3,9%, respectivamente.
Serviços prestados às famílias (+4,7% em set-out/24 e +3,5% em nov-dez/24) e informação e comunicação (+8,0% e +5,8%, respectivamente) também arrefeceram no final do ano passado, mas bem menos do que os ramos acima mencionados. Os transportes, por sua vez, apresentaram maior resiliência (+2,9% e +2,3% nos dois últimos bimestres).
Apesar destas provas de acomodação no encerrar do ano, 2024 foi de crescimento para o setor de serviços como um todo (+3,1%) e para a grande maioria de seus ramos. Seguiu o padrão de dinamismo de 2023 (+2,9%), mais baixo do que nos dois anos que sucederam o choque da Covid-19 (+10,9% em 2021 e +8,3% em 2022), quando os ramos de transporte e de serviços prestados às famílias ganharam impulso baseado no consumo reprimido pelos meses de isolamento e menor mobilidade.
Dos 5 ramos acompanhados pelo IBGE, apenas 1 ficou no vermelho no acumulado de jan-dez/24: transportes e seus auxiliares, com -0,7%. Mas, como vimos acima, este ramo voltou a crescer nos últimos meses do ano. Entre os demais, os serviços prestados às famílias foram os únicos a desacelerarem, passando de +5,0% em 2023 para +4,4% em 2024.
Os 3 outros ramos, isto é, 60% do total, ganharam velocidade, sobretudo outros serviços, que reverteram a queda de -1,8% em 2023 em expansão de +1,1% em 2024. O ramo de informação e comunicação avançou de +3,6% para +6,2% de um ano para outro e o de serviços profissionais, administrativos e complementares manteve-se próximo do mesmo patamar de crescimento: +5,9% em 2023 e +6,2% em 2024.