IEDI na Imprensa - Baixa tecnologia ‘segura’ indústria em 2022
Valor Econômico
Queda no ano só não foi maior porque segmento de média-baixa intensidade foi o único a crescer
Marcelo Osakabe
A contração de 0,3% da indústria de transformação em 2022 esconde outro fato negativo. Ela só não foi maior devido ao desempenho do segmento de menor concentração tecnológica. É o que mostra uma análise do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (IEDI).
Usando a classificação sugerida pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que divide o setor em quatro segmentos, ele mostra que apenas o de média-baixa intensidade tecnológica registrou avanço no ano passado, de 3,3%.
Esse resultado ocorreu principalmente nos ramos de alimentos e bebidas e derivados de petróleo, ambos foram favorecidos pela alta dos preços das commodities e aumento das exportações. Os demais ficaram no vermelho, com destaque para produtos de metais (-9,5%) e têxteis, vestuário e calçados (-7,0%).
A classificação da OCDE ajuda a olhar o desempenho da indústria de transformação do ponto de vista qualitativo, diz o economista do IEDI, Rafael Cagnin.
“Quem gerou essa quase estabilidade foram as atividades de intensidade mais baixa. São ramos de cadeias mais curtas, com poucos elos dentro do país, ou seja, com possibilidade menor de dissipar crescimento”, diz. O segmento responde por 48,8% da produção manufatureira no Brasil.
Os demais grupos apresentaram estabilidade ou contração. O pior resultado ficou com o de intensidade média (-5,4%), que tem fatia de 16,6% na manufatura. A contração foi disseminada, com três dos cinco ramos amargando resultados piores que o de 2020, auge da crise da covid: borracha e plástico, minerais não metálicos e fabricação de bens diversos.
Neste caso, diz Cagnin, o mau resultado está associado à desaceleração econômica e da construção, que chegou a ficar negativa no último trimestre (com ajuste sazonal).
Já o segmento de alta tecnologia, que é apenas 5,8% da produção nacional, registrou estabilidade em 2023, elevando a sequência de anos sem crescimento a quatro. No segmento de média-alta intensidade, com participação de 28,7%, o avanço foi marginal, de 0,3%.
As perdas neste segmento se concentraram em ramos associados a bens de capital e, consequentemente, ao investimento: máquinas e aparelhos elétricos (-10,7%) e máquinas e equipamentos (-2,3%). Na outra ponta, a indústria automobilística saltou 10,2%, mas ajudada por uma base de comparação muito fraca.
“Esse comportamento destoa do observado no restante do mundo. No agregado da indústria mundial, são justamente setores de alta e média alta que puxam a produção, impulsionadas por toda essa transformação causada pela covid-19”, diz Cagnin.
Ele nota que esses segmentos registram, em média, crescimento de 5% na comparação anual desde o terceiro trimestre de 2021. Já no Brasil, o segmento de alta intensidade emendou o quarto ano sem altas em 2022.
Os dados comprovam ainda que nenhum segmento da indústria brasileira se encontra acima do período pré-covid, mesmo o de baixa-intensidade. “Não demos segmento ao processo de expansão que se ensaiou na imediata saída da crise da covid. E as perspectivas para 2023 não são das melhores”, diz.
“Este ano tende a complicado para a indústria de alta intensidade, dado que o crédito mais salgado tira atratividade dos bens duráveis. Ao mesmo tempo, torna mais difícil a renegociação das dívidas das famílias, o que deve manter o consumo em baixa”, diz. “Não por acaso, o segmento de melhor desempenho ano passado foi o de menor dependência do financiamento. São os chamados bens-salário ou de consumo rotineiro, como vestuário e alimentos.”
Cagnin ressalta que algumas ações do governo podem moderar esse cenário mais pessimista. Entre eles, ele cita o programa de renegociação de dívidas por pessoas físicas, o Desenrola, e a apresentação e aprovação da nova regra fiscal e reforma tributária. “Não são coisas que darão efeito imediato, mas ajudam a apontar a economia na direção correta e, com isso, destravar investimentos.”