Carta IEDI
Covid-19 e a Indústria por Intensidade Tecnológica
No primeiro trimestre de 2020, os primeiros efeitos da crise da covid-19 já marcaram o desempenho da indústria brasileira. Primeiro, pelo rompimento de algumas cadeias de fornecimento, sobretudo de importados, em seguida pelas necessárias medidas de isolamento social adotadas no final de março. A incerteza também tem sido um obstáculo crescente para o desempenho industrial.
Esta Carta IEDI analisa o resultado da indústria no acumulado de janeiro-março de 2020 a partir da classificação de seus setores em função da intensidade tecnológica. A metodologia adotada pela OCDE foi atualizada e incorporada nesta edição. Com isso, a indústria foi agregada em quatro faixas: alta, média-alta, média e média-baixa tecnologia. A atividade extrativa pertence apenas a esta última faixa, enquanto a indústria de transformação possui ramos em todas elas.
Em grande medida devido à queda verificada em mar/20 (-9,1% ante fev/20 e -3,8% ante mar/19), a produção física da indústria geral (indústria de transformação e a indústria extrativa) recuou -1,7% no 1º trim/20 frente ao mesmo período do ano anterior. A indústria de transformação registrou -1,1% e o ramo extrativo -5,8% no trimestre.
Os piores desempenhos concentraram-se nos grupos de maior intensidade tecnológica, cuja produção se insere em cadeias produtivas mais longas e demandam insumos, partes e componentes importados, tornando-os mais vulneráveis aos efeitos da pandemia.
A produção do grupo de alta intensidade tecnológica recuou -2,9% no 1º trim/20, sob influência da estabilidade do ramo de farmoquímicos e farmacêuticos e da queda de -4,0% em equipamentos de rádio, TV e comunicação. Além dos problemas com fornecedores, o ramo de eletrônicos tende a ver seu mercado encolher diante do medo do desemprego e da perda de renda das famílias, bem como da dificuldade de obtenção de crédito em um contexto de alta incerteza.
Na média-alta tecnologia, a perda foi ainda mais acentuada: -3,4%, em muito devido à produção de veículos, que chegou a declinar -9,0% no 1º trim/20. O dado de março (-16,2%), porém, sugere que o avançar da pandemia impactará ainda mais a indústria automobilística. Máquinas e equipamentos (-0,2% ante 1º trim/19) e instrumentos e máquinas de uso médico e odontológico (-4,8%) também caíram e os demais ramos ficaram praticamente estáveis.
No grupo de média intensidade tecnológica, o resultado também foi de -3,4%, derivado de variações negativas em 80% dos ramos industriais que o compõem. As perdas mais intensas ficaram por conta de manutenção e reparação de máquinas e equipamentos (-11,2%), minerais não metálicos (-4,8%) e metalurgia (-2,2%).
Já a indústria de média-baixa tecnologia, só ficou no vermelho (-0,3%) no 1º trim/20 por causa do retrocesso do ramo extrativo. Considerada apenas sua parcela referente à indústria de transformação o resultado é de +1,3%, sendo a única faixa com crescimento. Embora a indústria alimentícia não tenha prejudicado (+0,1%), quem assegurou a alta foi a produção de derivados de petróleo, coque e biocombustíveis (+11,3%).
Um panorama da indústria geral e da indústria de transformação
Com a pandemia da covid-19 assolando o mundo, o mês de março foi, para o Brasil, o primeiro mês de impacto sobre a produção em termos de paralisações por conta de medidas de distanciamento social. Antes a produção no Brasil já vinha sendo afetada, porém em decorrência da situação na Ásia, em especial na China, ocasionando problemas no fornecimento de insumos para várias atividades produtivas, como a indústria, mormente a indústria de transformação. O aumento da incerteza, com origens epidemiológica, econômica e política, no caso do Brasil, agravam ainda mais o quadro, bloqueando decisões de investimento e de consumo, notadamente de bens duráveis.
A produção física da indústria geral (indústria de transformação e a indústria extrativa) caiu em março tanto frente ao mês imediatamente anterior, queda de 9,1% pela série dessazonalizada, quanto em relação a março de 2019, recuo de 3,8%. Tais números concorreram para o declínio de 1,7% na comparação entre o primeiro trimestre do ano vis-à-vis igual período de 2019 e o retrocesso de 1,0% em doze meses. Como agravante, em 2019, o setor já vinha andando de lado.
As mencionadas variações no desempenho da indústria geral foram em muito decorrentes da indústria de transformação. Na passagem de fevereiro para março, segundo os dados livres de sazonalidade, a indústria de transformação sofreu retração de 9,9%, enquanto no contraste entre meses de março de 2020 e de 2019, a queda foi de 4,2%. Na comparação entre primeiros trimestres desses dois anos, sua produção diminuiu 1,1%. Ainda assim, em doze meses, ficou estável, taxa de 0,2%, por conta da base comparativa muito baixa.
Já a extração mineral produziu 1,6% menos em março relativamente a fevereiro pela série livre de influências sazonais. Contrapondo meses de março, a queda foi de 0,4%. No contraste entre primeiros trimestres de 2020 e de 2019, a indústria extrativa produziu 5,8% menos, enquanto, em doze meses, a retração foi de 9,5%.
A indústria geral por intensidade tecnológica
A OCDE tem empregado há algum tempo uma taxonomia para a indústria de transformação, classificando diferentes ramos desse setor por intensidade tecnológica, baseada em gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Tal esforço foi aprimorado em estudo de 1997 de Hatzichronoglou, publicado pela própria OCDE. Esse material serviu de base para que o IEDI estruturasse os dados da indústria de transformação, constantes da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF), de sorte a obter a produção por faixas de intensidade tecnológica, a saber, alta, média-alta, média-baixa e baixa.
Mais recentemente, em 2016, Galindo-Rueda e Verger, ampliaram o alcance dessa classificação, passando a abarcar todas as atividades econômicas, sistematizadas na Classificação Industrial Internacional Uniforme (CIIU), já em sua revisão 4. A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), adotada no Brasil, inclusive na própria PIM-PF, segue a CIIU. Nesse esforço e com a atualização de indicadores de P&D realizada por esses autores, foram definidas cinco faixas de intensidade tecnológica, ao invés de quatro: alta, média-alta, média, média-baixa e baixa.
A PIM-PF encampa duas das quatro seções que conformam o setor industrial: a indústria extrativa e a indústria de transformação. Ambas as atividades compõem chamada indústria geral. Pela nova taxonomia proposta, nenhum dos ramos cobertos pela PIM-PF faz parte da faixa de baixa intensidade tecnológica. Esta é composta pela agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura; pelas duas outras atividades industriais (produção e distribuição de eletricidade, gás, água e limpeza urbana; e construção); além de um conjunto amplo de serviços (alguns serviços compõem as faixas de alta, de média-alta e de média-baixa intensidade tecnológica).
Assim os diversos ramos da indústria de transformação se encontram classificados nas faixas de alta, média-alta, média e média-baixa intensidade tecnológica, enquanto toda a indústria extrativa (extração mineral) está dentro do segmento de média-baixa intensidade.
A tabulação a seguir traz uma síntese dos dados por intensidade tecnológica para o mês de março, considerando tanto a indústria geral como a de transformação por intensidade tecnológica.
Todos os quatro segmentos da indústria geral por intensidade tecnológica experimentaram declínio em março frente ao mesmo mês de 2019, bem como no comparativo entre primeiros trimestres de 2020 e de 2019. No acumulado em doze meses encerrados em março último perante o acumulado anterior, apenas o segmento de média-alta teve variação positiva, 0,2%. Frisa-se que a faixa de média-baixa intensidade apresentou queda nas três bases comparativas por conta da extração mineral: tomando-se apenas os ramos da indústria de transformação de média-baixa intensidade, lograria aumento na produção no trimestre e em doze meses.
A faixa de alta intensidade registrou queda de 3,7% na comparação entre meses de março, puxada pela indústria farmacêutica. Esse resultado de março concorreu para o declínio da produção dessa faixa no primeiro trimestre de 2020, sendo que, nesse comparativo, o complexo eletrônico respondeu pela queda. Em doze meses, o recuo foi de 0,8%, puxado pelo ramo farmacêutico.
O segmento de média-alta intensidade produziu 5,9% menos no confronto entre meses de março, levando a uma retração de 3,4% no primeiro trimestre. Em ambas as comparações, a indústria automotiva puxou tal desempenho. Os ramos de máquinas e equipamentos e o de material elétrico também concorreram para o retrocesso de março. Já o declínio no acumulado do ano contou com a queda na produção de instrumentos e materiais de uso médico e odontológico e artigos óticos. Em doze meses, a faixa de média-alta ficou praticamente estável, variação de 0,2%, a mesma performance da fabricação de automóveis, reboques e carrocerias.
A indústria de média intensidade retrocedeu 6,7% em março, puxando para baixo o primeiro trimestre, queda de 3,4%, e o desempenho em doze meses, recuo de 2,7%. No comparativo entre meses de março, as maiores quedas foram na produção de bens minerais não-metálicos, na fabricação de produtos de borracha e material plástico e na metalurgia. Esses três ramos também tiveram queda na produção nas outras duas bases de comparação.
O segmento de média-baixa intensidade também sofreu declínio nas três bases de comparação, com a retração de 2,0% de março puxando a queda de 0,3% no primeiro trimestre e de 1,1% em doze meses. O conjunto dos ramos da indústria de transformação dessa faixa se retraíram 2,4% em março, com uma queda bastante aguda do ramo têxtil, de vestuário, calçados e artigos de couro, além de retração naqueles mais intensivos em recursos naturais, como a indústria de alimentos, bebidas e fumo. Notar que no primeiro trimestre e em doze meses, o conjunto dos ramos da indústria de transformação dessa faixa ainda logrou expansão, devido aos números ainda positivos da indústria de alimentos, bebidas e fumo e principalmente do bom desempenho da fabricação de coque, produtos derivados de petróleo e biocombustíveis. Ou seja, o declínio nessas duas bases de comparação foi puxado pela extração mineral.
Indústria de transformação de alta intensidade tecnológica
Em março de 2019, a faixa de alta intensidade tecnológica teve retração de 3,7%, para a qual, segundo o IBGE, a fabricação de aviões concorreu. No primeiro trimestre, frente ao mesmo período de 2019, a queda dessa faixa foi de 2,9%, também com queda na produção de aeronaves. Tais performances concorreram para a retração de 0,8% em doze meses. Conforme o IBGE, a diminuição na produção de aviões está entre os destaques negativos do resultado anual.
A indústria farmacêutica liderou a retração de março, taxa de -4,3%. Ainda assim, a produção no trimestre ficou estável, 0,1%, vis-à-vis janeiro-março. No entanto, em doze meses, a produção de farmoquímicos e farmacêuticos declinou 1,1%.
Quanto ao complexo eletrônico, logrou expansão de 1,2% em março, mas sem conseguir uma taxa positiva no acumulado do ano, queda de 1,7%. Mesmo com o recuo no trimestre, em doze meses esse conjunto de cresceu 2,5%. Desse modo, apresentou sinais contrários aos da indústria farmacêutica.
Dentro do complexo eletrônico, a produção de equipamentos de áudio, vídeo e comunicação, que inclui a fabricação de componentes eletrônicos, muitos dos quais usados noutros segmentos, foi o ramo de pior desempenho. Em março, sua retração foi de 3%, enquanto, na comparação entre primeiros trimestres, a queda foi ainda maior, de 4,0%. Mesmo com esses resultados adversos, em doze meses cresceu 1,3%.
Os dois outros ramos do complexo eletrônico produziram mais nas três bases comparativas, conseguindo inclusive propiciar incremento no desempenho de março para o complexo como um todo. A fabricação de material de escritório e informática foi o ramo que mais cresceu em março dentro todos os expostos: 13,9%. Tal expansão contribuiu para o incremento de 3,8% no acumulado do ano até março e de 5,3% em doze meses. Quanto à fabricação de equipamentos médico-hospitalares, instrumentos de precisão e material ótico, sua produção aumentou 3,9% em março, puxando a performance no primeiro trimestre, 3,6%, e contribuindo para o resultado em doze meses, 4,3%.
Indústria de transformação de média-alta intensidade tecnológica
A faixa de média-alta intensidade tecnológica se retraiu em 5,9% em 2020, contribuindo para a queda de 3,4% no primeiro trimestre e arrefecendo o desempenho em doze meses, taxa de 0,2%. Ressalte-se que o segmento já havia se retraído na comparação entre trimestre e igual período do ano anterior em julho-setembro de 2019 e outubro-dezembro de 2019. O desempenho no mês de dezembro, declínio de 2,3%, concorreu para o resultado negativo do quarto trimestre.
A fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias, a seu turno, puxou a retração da indústria de transformação de média-alta intensidade, com expressivas quedas em março e no primeiro trimestre, recuos de 16,2% e de 9,0%, respectivamente. No confronto entre trimestre e mesmo período do ano anterior, a retração interrompeu quatro trimestres seguidos sem taxas negativas. Mesmo com essas agudas reduções, em doze meses a produção ficou praticamente estável, 0,2%.
Os ramos mais associados à indústria de bens de capital, fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e fabricação de máquinas e máquinas e equipamentos (M&E), sofreram queda em março: de 1,6% e de 1,8%, respectivamente. No caso da produção de máquinas e aparelhos elétricos, o mesmo com o declínio o ramo conseguiu crescer no acumulado até março, 0,8%, e em doze meses, 1,6%. Já a fabricação de M&E registrou variação de -0,2% em janeiro-março frente ao período equivalente do ano passado. Em que pese tanto, ainda assim logrou expansão de 1,2% em doze meses.
Dentro da faixa, a indústria química (exclusive produtos farmacêuticos) foi o único ramo dessa faixa observar variação positiva tanto na comparação entre meses de março, 1,6%, quanto no contraponto entre primeiros trimestres, 0,3%. Cumpre frisar que na comparação entre trimestre e igual período do ano anterior, o ramo se retraiu em julho-setembro de 2019 e em outubro-dezembro de 2019. Ainda assim, a fabricação de produtos químicos retrocedeu 1,2% em doze meses.
A fabricação de instrumentos e materiais (I&M) de uso médico e odontológico e artigos óticos também logrou incremento na produção em março, 1,1%, em linha com a necessidade de resposta à chegada da pandemia no país. Todavia, ainda assim, sofreu redução de 4,8% na comparação entre primeiros trimestres. Por outro lado, em doze meses, esse ramo cresceu 2,0%.
Indústria de transformação de média intensidade tecnológica
A produção física da faixa de média intensidade sofreu a maior retração na comparação entre meses de março dentre os quatro segmentos por intensidade tecnológica que abarcam atividades da indústria de transformação: queda de 6,7%. Consequentemente, seja no primeiro trimestre, seja no acumulado em doze meses terminados em março, a indústria de transformação de média intensidade experimentou recuos de 3,4% e de 2,7%, respectivamente. E quase todos os seus ramos viram sua produção cair nas três bases de comparação.
As duas maiores quedas na comparação entre meses de março aconteceram em dois ramos que utilizam intensivamente recursos naturais: a fabricação de produtos minerais não metálicos, variação de -10,6%, e a metalurgia, taxa de -5,8%. A metalurgia, com peso relevante no perfil setorial brasileiro, produziu 2,2% menos em janeiro-março frente ao mesmo trimestre de 2019 e 3,0% menos em doze meses. A fabricação de produtos minerais não metálicos experimentou recuo de 4,8% no primeiro trimestre e de 0,6% em doze meses.
O ramo de manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos declinou 5,3%. Como agravante, experimentou retrações de dois dígitos nas outras duas bases comparativas: queda de 11,2% no acumulado do ano e de 10,0% em doze meses. Quanto à fabricação de borracha e produtos plásticos, em março, sua produção caiu 5,0%, culminando nos decréscimos de 1,2% no primeiro trimestre e de 0,8% em doze meses.
A fabricação de bens diversos (exclusive I&M de uso médico e odontológico e artigos óticos), embora tenha se retraído em 5,1% na comparação entre meses de março, foi o único ramo dessa faixa a lograr incremento nas duas outras bases comparativas: 0,4% no primeiro trimestre e 1,7% em doze meses.
Indústria de transformação de média-baixa intensidade tecnológica
O conjunto de atividades da indústria de transformação de média-baixa intensidade tecnológica teve queda de 2,4% no contraponto entre meses de março, o menor recuo dentre as quatro faixas de intensidade de tecnológica. Dessa maneira, foi o único dos quatro segmentos a lograr incremento quer no confronto entre primeiros trimestres, 1,3%, quer em doze meses, 1,3%.
O agrupamento mais expressivo dentre os ramos dessa faixa, o das indústrias de alimentos, bebidas e de fumo, enfrentou retrocesso de 2,1% em março, em decorrência da forte redução, de dois dígitos, na produção de bebidas e fumo, enquanto a produção industrial de alimentos cresceu. Apesar do resultado de março, a fabricação de produtos alimentícios, bebidas e fumo ficou estável no primeiro trimestre, 0,1%, e registrou incremento de 2,0%.
A fabricação de produtos de metal (exceto M&E e equipamentos bélicos, armas e munições) passou por retração maior no contraponto entre meses de março, de 4,6%, levando a uma queda de 2,1% no comparativo entre primeiros trimestres. Embora com tais retrocessos, o ramo ainda conseguiu crescer 2,7% em doze meses.
O outro ramo dessa faixa caracterizado por ser relativamente intensivo em recursos naturais, a produção do conjunto dos ramos madeireiro, de papel e celulose, gráficas e afins, registrou produção menor nas três bases de comparação: queda de 3,1% em março, concorrendo para a retração de 2,2% no acumulado do ano e de 2,7% em doze meses. Em contraste a esses desempenhos, a fabricação de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis cresceu 8,1% em março, com expansão ainda maior no primeiro trimestre, 11,3%, além de incremento de 3,3% em doze meses.
As maiores retrações nas comparações entre meses de março e entre primeiros trimestres coube ao conjunto de atividades da indústria de transformação dessa faixa que usa mais intensivamente recursos humanos, as indústrias de têxteis, artigos de vestuário, couro e calçados: queda de 22,1% em março e de 7,7% no acumulado do ano. Em doze meses, sua retração foi de 0,9%.