Carta IEDI
Uma crise para todos os setores
Depois de perdas históricas no mês de abril, muitas atividades voltaram ao positivo em maio de 2020, compensando apenas parcialmente o retrocesso anterior. Foi o caso da indústria, que adotou protocolos sanitários, possibilitando o religamento de linhas e unidades produtivas, e do comércio varejista, que além de ramos considerados essenciais, também pôde contar com canais digitais de vendas. Os serviços, a seu turno, continuaram no vermelho.
Em mai/20 frente ao mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, a produção industrial aumentou +7% e as vendas reais do varejo avançaram +19,6% em seu conceito ampliado, ou seja, incluindo os ramos de veículos, autopeças e material de construção. O setor de serviços registrou nova queda em seu faturamento real, de -0,9%, ainda que menos intensa do que a de abril. São resultados que, juntos, podem garantir um mês positivo para o PIB em maio.
Nada disso, entretanto, sinaliza para uma saída da crise de Covid-19. Em primeiro lugar, porque a pandemia ainda não foi plenamente controlada, seguindo seu caminho em direção ao interior do país, e há riscos de novos surtos decorrentes de medidas de flexibilização do isolamento social. Em segundo lugar, porque, a despeito dos resultados de maio, as perdas continuam expressivas e se acumulam àquelas da crise de 2015/16, fazendo da recuperação um processo desafiador.
Em relação a um ano atrás, todos os três grandes setores da economia permaneceram no vermelho. A indústria caiu -21,9%, o setor de serviços, -19,5% e o varejo ampliado, -14,9%. Cabe lembrar que os serviços foram o último setor a sair da crise de 2015/16 e seu primeiro ano de crescimento foi 2019, quando registrou alta de mero 1% no acumulado em jan-dez. Por ser muito intensivo em mão de obra este é um desempenho que limita a reação do emprego no país.
Por sua vez, a comparação do nível de atividade de mai/20 com a de fev/20, isto é, antes do impacto negativo da Covid-19, dá a dimensão do declínio recente: -21,2% na indústria, -18,8% nos serviços e -15,1% no varejo ampliado. Isso mostra também que a pandemia tem efeitos intensos e disseminados, atingindo todos os setores, aqueles mais diretamente afetados pelo isolamento ou não.
Entre os mais afetados, a liderança é disputada com muita proximidade entre ramos da indústria, do varejo e dos serviços. A partir dos dados do IBGE, a maior queda em mai/20 frente a fev/20, na série livre de efeitos sazonais, foi registrada pelo transporte aéreo: -78,6%, indicando que as operações deste ramo de serviços foram praticamente paralisadas pela pandemia.
Em segundo lugar, está a produção da indústria de bens de consumo duráveis, com uma retração de -69,5% nesta mesma comparação. Nestes ramos, os problemas já vinham antes mesmo de março, quando se decretou o isolamento social em muitas cidades brasileiras, devido a rupturas no acesso a insumos, partes e componentes importados. Com o agravamento do quadro sanitário no Brasil, o medo do desemprego e da perda de renda e a piora nas condições de financiamento deprimiram a demanda por estes bens.
Em seguida, vêm o agregado especial de serviços turísticos, com -66%, e as vendas reais do comércio varejista de tecidos, vestuário e calçados, com -64,1%, cujas lojas foram fechadas e as vendas online tendem a sofrer restrições pelo hábito corrente de consumo que demanda presença física. Os artigos comercializados por este segmento também integram o conjunto de bens cujo consumo pelas famílias costuma ser rapidamente interrompido em momentos de incerteza e medo do desemprego.
Além destas inúmeras outras atividades registraram quedas expressivas, de dois dígitos, a exemplo de transporte terrestre (-24,1%), da indústria de bens de capital (-36,1%), do varejo de veículos e autopeças (-38,7%) e de serviços de alojamento e alimentação (-62,2%).
Em contraste, apenas um ramo conseguiu ficar no azul. Foi o do varejo de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, dado o caráter essencial destes bens, o estímulo à sua demanda provocado pelo isolamento social, bem como o desenvolvimento de canais digitais de venda. Deste modo, em mai/20 encontrava-se em um nível de receita real 8% acima daquele de fev/20. Ao menos para este ramo a crise ainda não chegou.
Indústria
Em maio de 2020, a indústria cresceu e compensou parte das perdas que sofreu no bimestre anterior. Depois de definir e adotar protocolos de segurança sanitária e reorganizar seus processos internos, o setor conseguiu religar unidades e linhas de produção que tinham sido paralisadas no final de março e em abril.
Na passagem de abril para maio, já descontados os efeitos sazonais, a produção da indústria no total Brasil cresceu +7%, favorecida pela baixa base de comparação, compensando, assim, parte do declínio dos meses anteriores. Tal movimento foi verificado em 12 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, isto é, por 80% dos parques regionais, e em 20 dos 26 ramos industriais, ou seja, por 77% do total.
A despeito desta reação, em maio a indústria total permaneceu 21% abaixo do nível de produção de fev/20, sendo que a situação é ainda mais dramática para bens de capital (-36%) e para bens de consumo duráveis (-69%). Do ponto de vista regional, por sua vez, 47% dos parques industriais ficaram em níveis ainda mais baixos que o total nacional.
Os casos em que a pandemia se mostrou mais deletéria, segundo a comparação de mai/20 com fev/20, envolvendo portanto os meses de crise do coronavírus, foram Ceará e Amazonas, cujos níveis de produção reduziram-se quase pela metade (-48,3% e -44%, respectivamente), seguidos por Espírito Santo (-30,9%) e Rio Grande do Sul (-28,2%). São Paulo registrou -19,6% nesta comparação.
Em relação a um ano atrás, quando a indústria no total Brasil, apresentou queda de -21,9%, isto é, em linha com as perdas de abril, que provavelmente será o pior mês da crise do coronavírus, 22 dos 26 ramos da indústria e 14 das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE ficaram no vermelho.
Na maioria das localidades, houve alguma amenização das quedas em maio em comparação com aquelas de abril, tal como no total Brasil, mas ainda assim a magnitude das perdas continuou das mais severas da série histórica. Resultados particularmente ruins foram registrados no Sul do país, em estados do Sudeste e na região Norte.
A indústria do Amazonas, que havia liderado o declínio em abril, voltou a ocupar esta inglória posição de destaque. Caiu nada menos do que -47,3% frente a mai/19, em boa medida devido a outros equipamentos de transporte (-87,9%), mas também a bebidas (-53,3%) e derivados de petróleo (-67%).
Na região Sul, os piores resultados ficaram a cargo de Santa Catarina (-28,6% ante mai/19) e Rio Grande do Sul (-27,3%). No primeiro caso, exerceram importante influência negativa os ramos de confecção e de máquinas e aparelhos elétricos que, juntos, respondem por cerca de ¼ da indústria do estado. No segundo caso, devido a veículos, produtos químicos e couros e calçados, além de outros ramos.
No Sudeste, o resultado que se destaca é o da indústria paulista, uma das maiores e mais diversificadas do país. A queda em maio último chegou a -23,4% frente ao mesmo período do ano anterior, implicando amenização razoável frente ao declínio de -32,3% em abril. Isso, contudo, deveu-se muito ao ramo automobilístico, cuja produção de veículos havia praticamente parado, caindo -91,5% em abr/20, e agora registrando -56,8% em mai/20.
A realidade foi diferente para o restante da indústria de São Paulo. Metade de seus ramos industriais caíram mais em maio do que em abril ou mantiveram o mesmo nível de queda. Setores de bens de capital e de bens de consumo duráveis são os mais prejudicados, como máquinas e equipamentos elétricos (-35,5%) e mecânicos (-41,2%) e eletrônicos e informática (-32,3%), além de veículos. As perdas dos ramos de têxteis (-65,3%) e confecções (-70,1%) também estão entre as mais agudas na indústria paulista.
Comércio
Segundo a Pesquisa Mensal do Comércio divulgada pelo IBGE, as vendas reais do varejo registraram expressivo resultado positivo na passagem de abril para maio, já descontados os eventuais efeitos sazonais: +13,9% em seu conceito restrito e +19,6% em seu conceito ampliado, que inclui os segmentos de material de construção e veículos e autopeças. Todos os ramos do varejo ficaram no azul.
Este desempenho está muito provavelmente refletindo a base extraordinariamente baixa de comparação derivada das quedas de meses anteriores, em função da quase suspensão do consumo das famílias, temerosas pelo efeito da pandemia sobre seu emprego e renda, mas também pelo fechamento das lojas do setor.
Assim, a alta de maio compensou apenas parcialmente o declínio do bimestre mar-abr/20, resultando ainda em um saldo negativo para todos os segmentos do varejo, à exceção das vendas de alimentos e bebidas. O nível de vendas reais em mai/20 permaneceu 7,3% abaixo daquele de fev/20, isto é, antes do choque da crise de Covid-19. Em seu conceito ampliado, esta variação é de -15,1%.
As vendas em níveis historicamente baixos contribuíram para ramos do varejo com os melhores resultados em maio. São os casos, notadamente, de tecidos, vestuário e calçados; móveis e eletrodomésticos; artigos de uso pessoal e doméstico; e veículos e autopeças.
De acordo com o IBGE, porém, o comércio ainda vende menos do que há um ano: -7,2% no conceito restrito e -14,9% no conceito ampliado. A comparação de mai/20 com mai/19 também produz variações negativas para todos os segmentos do varejo, exceto para supermercados, alimentos e bebidas, cujas vendas foram impulsionadas pela mudança de hábitos de consumo decorrente do isolamento social.
Embora no negativo, o desempenho frente a maio do ano passado também aponta para um quadro menos adverso do que o de abril. A taxa de declínio das vendas se reduziu bastante, segundo a pesquisa do IBGE. Isso ficou muito evidente em alguns ramos do setor.
Foi o caso de móveis de eletrodomésticos, cujas vendas apresentaram quedas de dois dígitos tanto em março como em abril e agora em maio variou -7,1%, um nível de declínio quase cinco vezes menor do que o registrado no mês anterior. Material de construção, que já acumula quatro meses consecutivos de resultados negativos, reduziu sua perda de -21,1% em abril para -5,2%.
Também passou por uma amenização importante, embora continue caindo muito, o segmento de outros artigos de uso pessoal e doméstico, que inclui as vendas das lojas de departamento. Neste caso, a intensidade da queda saiu de -45,2% em abr/20 para -18,9% em mai/20, sempre em relação ao mesmo período do ano anterior.
Todos os outros ramos seguiram a mesma tendência de quedas menores, ainda que reincidentes. Para alguns, entretanto, isso trouxe pouco consolo: tecidos, vestuário e calçados tiveram vendas 62,5% menores do que em mai/19 e livros, jornais e papelaria 67,1% menores.
Outros resultados ainda muito ruins nesta comparação, além dos já citados, incluem: veículos e autopeças com -39,1%; equipamento de escritório e informática com -38,2% e combustíveis e lubrificantes com -21,5%.
Serviços
Diferentemente da indústria e do comércio varejista, que conseguiram voltar ao positivo depois do tombo de abril, o setor de serviços permaneceu no vermelho em maio de 2020, registrando -0,9% frente ao mês anterior, já descontados os efeitos sazonais.
Os dados do IBGE mostram ainda outra importante distinção em relação aos demais setores: o desempenho agregado dos serviços foi produzido por resultados assimétricos entre seus segmentos, com três deles reincidindo em quedas e outros dois voltando a crescer.
Embora mai/20 não tenha sido tão ruim quanto abr/20, a trajetória recente dos serviços já vinha pontuada de fragilidades, que foram intensamente agravadas pela pandemia de Covid-19. Vale lembrar que o setor foi o último a dar sinais de recuperação depois da crise de 2015/2016 e, à exceção de jan/20, apresenta uma sequência de variações negativas desde nov/19.
Ou seja, a pandemia do coronavírus levou a uma crise sem precedentes, mas não inaugurou a fase adversa do setor. Isto é ainda mais evidente em alguns segmentos, como o de informação e comunicação, cujo faturamento real, com dados dessazonalizados, não cresce desde nov/19, e o de serviços profissionais, administrativos e complementares, que está no vermelho desde out/19. Ambos caíram em mai/20 (-2,5% e -3,6%), juntamente com o ramo de outros serviços (-4,6%).
Deste modo, a perda provocada pela pandemia ao setor de serviços como um todo somava -18,8% até mai/20, levando seu faturamento a um nível ainda mais distante de seu pico anterior à crise de 2015/2016, atingido em nov/14: -27,9%. Em relação ao ano passado, os dados do IBGE também mostram que o setor permanece tão ruim quanto em abril.
Frente a mai/19, o declínio do faturamento real do setor de serviços foi de -19,5%, condicionado por todos os seus ramos. Três deles se saíram ainda pior. Foi notadamente o caso de serviços prestados às famílias (-61,5%), diretamente impactados pelo isolamento social. Já são três meses seguidos de quedas muito pesadas, tanto no componente alimentação e alojamento, como nos demais serviços pessoais.
Transportes (-20,8%), ainda que a locomoção de mercadorias continue ocorrendo, e serviços profissionais, administrativos e complementares (-21,7%), embora muitos deles possam ser feitos remotamente, também caíram mais do que o agregado do setor, sob influência da redução geral do nível de atividade econômica.
Já o ramo de informação e comunicação (-9%), cujos serviços passaram a ser mais demandados na pandemia, perdeu menos que outros ramos, mas ainda assim não escapou do negativo e quase dobrou a intensidade de sua queda em comparação com a de abril. O ramo de outros serviços (-7,3%), por sua vez, que vinha mantendo crescimento frente ao mesmo período de 2019, dada a grande diversidade de atividades que reúne, ficou igualmente no vermelho.
Por fim, um comentário sobre o agregado especial de atividades turísticas. Na passagem de abril para maio conseguiu crescer, mas apenas +6,6% com ajuste sazonal, isto é, nada comparável à queda de -68,1% registrada em abril. Em relação a mai/19, perdeu faturamento real pela terceira vez consecutiva e de modo muito intenso: -65,6%, devido principalmente a transporte aéreo e rodoviário, restaurantes e hotéis. Ou seja, o setor continua parado.