Carta IEDI
Investimento, Modernização e Digitalização no Brasil
A pandemia de Covid-19 afetou a economia dos países por meio de diversos canais, sendo um deles o recrudescimento da incerteza, com origem tanto no comportamento epidemiológico do novo coronavírus como no caráter inédito da crise. Como consequência, os investimentos devem registrar um importante retrocesso em 2020, dada sua sensibilidade ao estado de confiança dos agentes e às suas expectativas em relação ao futuro.
O Brasil não deve ser exceção neste contexto, embora os dados do PIB do primeiro trimestre de 2020, por refletirem apenas parcialmente o impacto pela Covid-19, tenham registrado continuidade da trajetória positiva do investimento verificada nos últimos dois anos.
A Carta IEDI de hoje, baseada no estudo realizado, a pedido do Instituto, pelo economista e professor do Ibmec/RJ Thiago Moreira analisa em detalhe o perfil de recuperação do investimento no Brasil entre 2017 e 2019. A versão completa do trabalho está disponível no site do IEDI, mas sintetizamos a seguir seus principais resultados.
Qual era o quadro do investimento no Brasil antes da pandemia? A resposta para esta questão não deixa margem para muito otimismo: encontrava-se em suas piores marcas e vinha dando sinais de desaceleração.
Em 2019, a taxa de investimento era de apenas 15,4% do PIB, isto é, não muito distante de seu piso histórico atingido em 2017 e abaixo do patamar anterior à crise de 2015/16. O ritmo de crescimento da formação bruta de capital fixo havia recuado de +5,4% no 2º trim/19 para -0,4% no 4º trim/19 na comparação com o ano anterior e, no mesmo período, de +2,5% para -2,7% na série com ajuste sazonal. A volta ao terreno positivo, ensaiado no 1º trim/20, dificilmente resistirá à crise do coronavírus.
Este desempenho faz parte de uma das mais fracas e incompletas recuperações do investimento, segundo Moreira. O autor argumenta que dos três últimos episódios de crise do investimento, em 1981-84, 1989-92 e 2014-17, a intensidade das quedas e a duração da fase descendente foram semelhantes. A diferença maior está no ritmo de reação. Nos dois primeiros anos de recuperação, a expansão recente foi cerca de 3 a 5 vezes mais lenta que nos episódios anteriores.
Moreira aponta alguns aspectos que particularizam a recuperação do investimento antes da pandemia e que explicam sua fraqueza. O primeiro deles é sua incompletude, já que o investimento público como porcentagem do PIB está muito abaixo do que estava na saída das recessões anteriores.
O segundo aspecto é a permanência de elevada ociosidade no parque produtivo. No caso da indústria o indicador de utilização da capacidade instalada média em 2017-2019 ficou mais de 6% abaixo de sua média histórica antes da crise de 2015/2016. E o terceiro aspecto é o setor de construção, cujo peso nos investimentos era de 50% em 2017, que continua sem recuperação, a despeito de sinais positivos no segmento residencial, sobretudo em 2019.
De todo modo, mesmo que vagarosamente, é inegável que o investimento vinha se recompondo nos últimos anos, o que teve pouco a ver com ampliação de capacidade produtiva, dados os níveis de ociosidade. Qual tipo investimento, então, estaria assegurando este dinamismo? O estudo de Moreira reúne evidências de que projetos de modernização e atualização tecnológica contribuíram para a expansão recente do investimento.
O Relatório de Anúncios de Investimentos (RENAI), divulgado pelo Ministério da Economia, indica que 34% dos projetos anunciados em 2016-19 estavam voltados para modernização, parcela 10 p.p. acima daquela de 2011-15 e quase o triplo daquela de 2004-10.
Além da busca por produtividade e competitividade, os investimentos em modernização também estão associados ao avanço da digitalização no mundo, que as empresas sabem precisar acompanhar, a despeito da conjuntura de baixo crescimento econômico do Brasil. No caso da indústria, sondagens feitas pela CNI em 2017 e pela Fiesp em 2019 já apontavam que entre 1/5 e ¼ das empresas pesquisadas intentavam incorporar tecnologias 4.0 nos anos seguintes.
Com a última atualização metodológica das Contas Nacionais (referência 2010), Moreira consegue identificar o desempenho da parcela do investimento vinculado a novas tecnologias e digitalização, buscando estimá-lo para os anos mais recentes. A formação bruta de capital fixo na nova metodologia passou a incorporar produtos de propriedade intelectual, que incluem investimentos em P&D e serviços digitais ou de tecnologia da informação (softwares e banco de dados).
Em 2017, os investimentos em serviços digitais e em desenvolvimento de sistemas foram 124,1% maiores do que em 2010 e as inversões em P&D 26,1% maiores. Estimativas de Moreira apontam para um avanço adicional de 21% dos serviços digitais entre 2017 e 2019, elevando a sua participação nos investimentos totais de 4,3% em 2010 para 7,8% em 2019.
Um movimento de modernização tendo na digitalização um eixo importante também pode ser aferido a partir do desempenho dos investimentos em bens de capital, isto é, a grosso modo de máquinas e equipamentos, a despeito de sua queda de participação no investimento total na última década (39% em 2010 para 35,6% em 2017).
Moreira argumenta que inversões em equipamentos para informação, comunicação e telecomunicações (ICT) e, em alguma medida, em máquinas e equipamentos elétricos podem ser associadas a um processo de modernização digital por constituírem a infraestrutura física (hardware) vinculada aos serviços digitais.
Entre 2010 e 2017, foram os equipamentos eletrônicos e elétricos que ganharam espaço na demanda pelos bens de capital, passando de 19,8% para 26% deste tipo de investimento. Moreira estima uma evolução positiva para estes equipamentos no biênio 2018 e 2019, mas fundamentalmente calcada em importações: +8,4% para os equipamentos de ICT e +15,1% para os elétricos. Já sua produção doméstica registrou resultados de -0,8% e -3,5%, respectivamente neste período.
Esta relativa desconexão entre as inversões em serviços digitais e a produção nacional do hardware necessário reduz a potencialidade de benefícios deste processo de modernização digital. Isso porque pode dar uma contribuição importante para a melhoria das condições de oferta de nossa economia, ajudando no aumento de produtividade e competitividade, mas, ao dinamizar de modo limitado a produção nacional, não acelera o crescimento da economia no curto prazo tanto como poderia.
Em países líderes da transformação digital, tais como EUA, Japão, Alemanha e China, denota-se, por sua vez, a busca de uma relação simbiótica entre suas indústrias de bens de capital e os serviços de tecnologia da informação, as quais se expandiram conjuntamente nos últimos anos, ao menos até o choque da pandemia de Covid-19.
Introdução
Embora em termos relativos não seja o componente do PIB mais relevante, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, popularmente conhecida como investimento) é provavelmente o item da demanda agregada que recebe a maior atenção na análise macroeconômica. Isto se deve a características intrínsecas e exclusivas deste tipo de gasto.
No campo teórico, alguns autores destacaram o que se convencionou denominar de “efeito dual” do investimento. Grosso modo, este efeito decorre do fato de o investimento cumprir um papel de estímulo à demanda no curto prazo e, numa perspectiva dinâmica de mais longo prazo, viabilizar um incremento no estoque de capital e, consequentemente, da capacidade produtiva de uma economia.
Portanto, nesta lógica, o investimento seria determinante para a sustentabilidade de uma trajetória expansiva do PIB, evitando a ocorrência de limites físicos a uma expansão contínua da produção.
Outra especificidade do investimento, e que atrai a atenção tanto de teóricos como de analistas de mercado, diz respeito à elevada instabilidade potencial à qual este tipo de gasto está sujeito.
Isso porque o processo decisório em torno do investimento, que geralmente envolve o dispêndio de elevados valores monetários, está necessariamente associado a alguma visão prospectiva, considerando tanto o período de construção/maturação quanto de vida útil do ativo de capital. Mudanças nas expectativas futuras dos empresários afetam significativamente a disposição dos mesmos em investir.
Dessa forma, nos momentos de aumento da incerteza e/ou da percepção de risco dos agentes econômicos, a exemplo do caso recente da pandemia de Covid-19, o componente da demanda a sofrer os primeiros e mais relevantes impactos contracionistas tende a ser o investimento. Por outro lado, em momentos de maior otimismo, tende a apresentar as maiores taxas de crescimento.
No caso brasileiro, antes do impacto da crise do coronavírus em 2020, os fluxos de investimento registraram uma de suas piores crises da história econômica do país em 2014-2017. Neste período, o investimento registrou queda acumulada de 26,3%, sendo de longe o item de demanda final com a maior retração, conforme indicado pelas séries das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE.
Entre os demais componentes da demanda agregada, a segunda maior queda em 2014-2017 ocorreu no consumo das famílias, cuja retração foi bem menos aguda, de 5,1%. Já a contração acumulada do PIB agregado chegou a 5,5% neste mesmo período.
A retomada no crescimento do investimento observada em 2018/2019 (de 6,2% em termos reais acumulados) deve então ser ponderada pela baixa base de comparação, uma vez que a queda no período anterior foi de magnitude muito acentuada.
No caso do consumo das famílias, embora a expansão acumulada nos últimos dois anos tenha sido inferior (3,9%), a disparidade entre as taxas de contração e retomada é de magnitude muito menor quando comparada à dos investimentos, o que nos permite concluir que o consumo vem apresentando uma trajetória de recuperação mais consistente do que a apresentada pelo investimento.
Dito isto, o objetivo deste trabalho é aprofundar a análise da trajetória recente do investimento na economia brasileira, dando maior enfoque às transformações ocorridas nos últimos anos, observadas tanto em termos agregados quanto setoriais.
Na próxima seção, será discutida as razões principais para a lenta recuperação do investimento observada no biênio 2018/19, destacando diferenças importantes em relação aos processos de retomada nos choques anteriores. Na seção seguinte, o objetivo é abordar as mudanças na composição setorial do investimento no Brasil, chamando atenção tanto para alterações oriundas de mudanças metodológicas quanto de dinâmicas distintas dos principais componentes do investimento.
Na terceira seção, será feita uma análise mais específica sobre a dinâmica dos bens de capital desde 2010, ressaltando a participação dos equipamentos importados e o papel da indústria brasileira. Por fim, na quinta seção será apresentada uma breve comparação internacional da situação brasileira, destacando alguns investimentos específicos nos EUA e União Europeia, bem como a evolução da taxa de investimento de uma amostra de países.
A fraca recuperação do investimento em 2018/2019
No biênio 2018/19, observou-se uma reversão na trajetória de queda dos investimentos dos anos anteriores, mas em uma intensidade muito modesta frente ao declínio dos anos anteriores. Assim, a despeito do aumento recente, a taxa de investimento ainda se encontra em nível muito inferior ao observado nas últimas décadas.
Embora as últimas crises econômicas enfrentadas pelo país tenham apresentado duração e magnitudes semelhantes, a velocidade de recuperação do choque 2014-2017 se mostrou muito baixa quando comparada aos choques anteriores. É este um dos principais traços que caracterizam o período recente e que explicam a fraca recuperação do PIB que ocorria até o choque de Covid-19.
Em todas as vezes, os ciclos abrangendo o início da queda nos investimentos e sua respectiva reversão duraram cerca de 3 anos. O primeiro foi de 1981 a 1984, o segundo de 1989 a 1992 e o terceiro de 2014 a 2017. Neste último período de crise o declínio do investimento foi o mais severo (-26,3%), mas não chegou a apresentar uma ordem de grandeza muito diferente dos episódios anteriores: -22,2% em 1981-1984 e -20,7% em 1989-1992.
A distinção cabe mesmo à velocidade da reação. Na crise da primeira metade dos anos 80, após atingir um valor mínimo em 1984, nos dois anos subsequentes os investimentos apresentaram uma vertiginosa recuperação, com crescimento acumulado de 33,3%. Já na crise iniciada no início dos anos 90, após os investimentos atingirem o “fundo do poço” em 1992, no biênio 1993/94 a expansão acumulada foi de 21,5%.
Estas taxas são muito superiores aos 6,2% de variação acumulada dos investimentos no biênio 2018/2019, que deve muito provavelmente ser interrompida em 2020 em função dos efeitos negativos da pandemia de coronavírus.
Há dois fatores fundamentais que ajudam a esclarecer os motivos da lenta retomada em 2018/2019.
O primeiro deles diz respeito ao comportamento do investimento público. Com base na série já citada do “Observatório de Política Fiscal”, verifica-se uma clara tendência de redução na participação do investimento das esferas governamentais no PIB (taxa de investimento público), interrompida apenas no período 2007/2010, no qual prevaleceram os investimentos públicos no âmbito do chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Nos primeiros dois choques, os investimentos públicos ainda se situavam em patamares muito mais expressivos quando comparado ao registrados nos últimos anos. Nas recuperação de 1985/86 e 1993/94, os investimentos públicos ainda representavam algo entre 4,5% e 5,5% do PIB, diferentemente do observado em 2018/19, quando os investimentos públicos estacionaram em patamares próximos de 2% do PIB, ou seja, nos níveis mínimos da série histórica.
O segundo fator a ser destacado emerge da análise comparativa entre os períodos do Nível de Utilização da Capacidade Instalada da Indústria (NUCI), estimado pela FGV. Na medida em que o objetivo primordial da realização do investimento é justamente a ampliação de capacidade produtiva, espera-se que uma dinâmica de recuperação de investimento venha acompanhada de aumentos no nível de utilização de capacidade produtiva.
Em geral, utiliza-se a média histórica do NUCI como a referência de um patamar considerado “normal” ou desejado pela indústria. Logo, valores abaixo da média sinalizariam a existência de capacidade ociosa acima da planejada e valores acima da média um indicativo de maior aquecimento da atividade econômica.
O gráfico abaixo deixa claro que as trajetórias mais consistentes de recuperação do investimento na economia brasileira (1985/86 e 1993/94) foram impulsionadas por vertiginosos crescimentos do NUCI, o que de fato ainda não foi observado no biênio 2018/19.
Considerando que um NUCI desejado pelos empresários seria em torno da média de 80%, uma retomada mais consistente dos investimentos dependerá do fechamento da lacuna (aproximadamente de 5%) existente entre o NUCI atual (75,1% em dez/19) e o referido patamar de referência. O quadro se agravou com a pandemia, que levou o indicador para o patamar de 66,6% no final da primeira metade de 2020, em função das medidas de isolamento social e da contração da demanda agregada.
Sinais em direção à digitalização e atualização tecnológica
Mesmo reagindo pouco, seja para recuperar o que foi perdido na crise 2015/2016 seja para retomar os níveis da taxa de investimento dos anos 1990 e 2000, é fato que as inversões voltaram ao terreno positivo a partir do final de 2017, ao menos até o choque do coronavírus em 2020.
Dados os patamares ainda muito elevados de ociosidade da economia brasileira, cabe buscar identificar o perfil desta recuperação dos investimentos. Há sinais de que vinha desempenhando um papel positivo a busca por modernização das plantas produtivas e acompanhamento da tendência mundial de digitalização.
O processo de transformação digital dos processos produtivos (do “chão de fábrica” ao administrativo) tem provocado mudanças estruturais do investimento no Brasil. Trata-se de um fenômeno global, no qual as empresas buscam ganhos de produtividade a partir do melhor aproveitamento de dados com objetivo de agilizar e automatizar processos.
Conceitos como “Internet das Coisas”, “Inteligência artificial”, “Manufatura Avançada”, “Machine Learning”, “Cloud Computing”, “Big Data”, “Analytics”, “Robotic Process Automation” (RPA), entre outros, pertencem ao que podemos denominar de “Revolução Digital”, que muitas vezes também aparecem na literatura identificados com a chamada “indústria 4.0”.
A despeito de o Brasil estar ainda muito distante da fronteira das tecnologias digitais (na qual se encontram EUA, Alemanha e China, entre outros países), a concorrência externa e a busca por produtividade têm estimulado diversos segmentos da economia brasileira a buscarem uma maior atualização tecnológica no sentido da digitalização.
Sondagens industriais realizadas pela Federação da Indústria do Estado de São Paulo (FIESP) em 2019 revelaram que 23% das empresas consultadas estavam buscando ações em direção à indústria 4.0, e apenas 4% delas já teriam atingido o patamar mais elevado da indústria 4.0 até o ano passado.
De todo modo, em levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2017, no âmbito do projeto “Indústria 2027 (I2027)”, o percentual de empresas no estágio mais avançado da indústria 4.0 era ainda menor, de 1,6%. Segundo este mesmo estudo, esperava-se que em 2027, 21,8% das empresas industriais brasileiras tivessem incorporado tecnologias mais avançadas da indústria 4.0.
Outra pesquisa que também aponta para mudanças importantes no perfil do investimento da economia brasileira, com aumento da importância da incorporação de novas tecnologias, diz respeito ao “Relatório de Anúncios de Investimentos” (RENAI), divulgado atualmente pelo Ministério da Economia.
Embora não correspondam a investimentos efetivamente realizados, estes relatórios servem como “termômetro” das intenções de investimento das empresas do país. É fornecido um amplo conjunto de dados, contemplando informações sobre a empresa anunciante e a atividade econômica a qual pertence, origem do capital, valor, previsão de início e conclusão do investimento, localidade do investimento, tipo de investimento, entre outros, coletados entre 2004 a 2019.
Neste trabalho foram utilizados apenas o ano em que o anúncio foi feito, o valor anunciado agregado por atividade econômica e o tipo do investimento. Com relação a este último critério, o RENAI classifica os investimentos em 3 diferentes modalidades: expansão, implantação e modernização.
O gráfico abaixo traz a evolução do percentual referente ao valor dos investimentos relacionados à modernização em relação ao total dos anúncios abrangendo um mesmo conjunto de atividades econômicas, as quais contemplam segmentos agropecuário, industriais e de serviços.
Dentre as principais atividades responsáveis pelos anúncios dos investimentos no país, destaque para os incrementos dos investimentos pretendidos na modernização do estoque de capital anunciados pelas empresas da “Indústria de Transformação”, da “Indústria extrativa” e das produtoras de “Eletricidade e distribuição de gás”.
Com relação à indústria de transformação, houve salto de 9,8% (2004-2010) para 34,9% (2016-2019) na participação da modalidade associada à modernização no valor total anunciado. No caso da indústria extrativa, este mesmo percentual passou de 15,2% para 27,9% na comparação dos dois intervalos mencionados. Contudo, o maior incremento na participação destes investimentos ocorreu nos anúncios feitos pelo setor de “Eletricidade e distribuição de gás”, cuja participação dos investimentos em modernização saltou de 4,2% para 35,7%.
Uma das conclusões importantes a partir da análise da base do RENAI é a de que a modernização se consolidou como um dos principais motivadores dos investimentos nos últimos anos, o que é compatível com a ampla ociosidade existente na economia brasileira, a partir da qual os investimentos em expansão de capacidade produtiva perdem relevância.
Outra informação interessante que pode ser extraída do referido relatório diz respeito à emergência da atividade prestadora de serviços “Informação e Comunicação” (a qual contempla os serviços digitais ou de tecnologia da informação) como a terceira mais relevante no anúncio de investimentos voltados à modernização, ultrapassando o valor anunciado pela “Indústria Extrativa” no período 2016-2019.
O forte aumento do peso relativo dos investimentos em modernização combinada à maior importância da atividade de “Informação e Comunicação” nas intenções deste tipo de investimento apontam para o fortalecimento do processo de digitalização.
Em suma, as pesquisas mais recentes apontam para um longo caminho para que a indústria nacional se insira no universo digital, ao mesmo tempo em que evidenciam que as empresas não estão paradas, ou seja, está em curso um processo de atualização tecnológica impulsionado pela digitalização. A próxima seção mostrará que estes esforços não são restritos aos últimos anos e teriam muito a ganhar se o contexto de baixo crescimento da economia brasileira não fosse um obstáculo de processo de modernização.
Mudanças na composição do investimento
Do ponto de vista do Sistema de Contas Nacionais brasileiro, elaborado pelo IBGE, responsável pela mensuração dos agregados macroeconômicos (entre eles o investimento), algumas atualizações metodológicas foram efetuadas de modo a captar as transformações tecnológicas mencionadas na seção anterior nas estatísticas oficiais.
Em 2015, houve a divulgação da chamada nova referência das Contas Nacionais (referência 2010 em substituição à referência 2000). Uma das principais mudanças introduzidas pela nova referência recaiu justamente sobre a Formação Bruta de Capital Fixo, isto é, sobre os investimentos.
Seguindo recomendações internacionais, estabelecido na última versão do Manual de Contas Nacionais (SNA 2008), o IBGE passou a incorporar os chamados “produtos de propriedade intelectual” (PPI) no cálculo da Formação Bruta de Capital Fixo. Entre estes produtos, destacam-se: “pesquisa e desenvolvimento (P&D)”, “exploração e avaliação de recursos minerais” e “banco de dados e software”, produtos que até então não eram contemplados na metodologia utilizada pelo IBGE.
Neste sentido, houve uma ampliação de escopo do conceito de investimento nas Contas Nacionais. Na antiga referência 2000, a formação bruta de capital fixo era quase que integralmente composta por “máquinas e equipamentos” (ou bens de capital) e “construção civil”..
A nova metodologia trouxe alterações importantes que modificaram os pesos relativos destes componentes mais tradicionais da formação bruta de capital fixo total. Na referência 2000 (que vigorou até o fim de 2011), a participação das máquinas e equipamentos flutuava no final dos anos 2000 em torno de 55%, enquanto que a construção civil representava algo próximo de 40%. Os 5% restantes eram compostos por “produtos agropecuários” e “serviços prestados às empresas”.
Já na nova metodologia, logo na estimativa para o primeiro ano da nova referência (2010), o peso da construção civil no investimento saltou para um percentual próximo de 50%, enquanto as máquinas e equipamentos perderam bastante participação relativa, tendo seu peso reduzido para 39% do total investido já em 2010.
Quanto aos novos produtos de propriedade intelectual incorporados ao investimento brasileiro, em 2010 tínhamos o seguinte panorama:
i) os gastos com exploração mineral computados foram aqueles vinculados ao setor de extração de petróleo e gás, os quais representavam 1% do investimento total,
ii) os gastos com P&D passaram a representar 4,1% do total; e, por fim,
iii) os gastos com softwares e banco de dados (serviços de tecnologia da informação), que passaram a ser identificados na Contas Nacionais com o nome de “Desenvolvimento de sistemas e outros serviços de informação”, apresentavam participação similar à do P&D, de 4,3% do total investido na economia brasileiro no início da última década.
A aceleração do mencionado processo de digitalização de fato ocorreu de forma mais pronunciada ao longo da década de 2010. Não por acaso, transformações importantes ocorreram na composição setorial do investimento no país desde então.
Entre os referidos produtos de propriedade intelectual, o grande destaque foi, sem dúvida, o crescimento da importância dos gastos com serviços de tecnologia de informação (TI) ou serviços digitais.
Os dados oficiais mais atuais que permitem a desagregação setorial do investimento, isto é, a Tabela de Recursos e Usos (TRU) do IBGE, são referentes a 2017, dada a defasagem temporal de 2 anos em sua divulgação (no fim de 2019 foi divulgada a TRU para 2017).
Assim, segundo estes dados, o crescimento nominal acumulado dos gastos de investimento em “desenvolvimento de sistemas e outros serviços de informação”, de 2010 a 2017, foi de 124,1% (ritmo médio de 12,2% ao ano). Quanto aos demais produtos, os gastos em P&D cresceram, também em termos acumulados nominais, 26,1% neste mesmo período. Já os investimentos em exploração mineral sofreram decréscimo nominal de 86,1%.
Vale ainda destacar que a expansão nominal da formação bruta de capital fixo total entre 2010 e 2017 foi de apenas 20,2%. Logo, a participação relativa dos serviços digitais saltou de 4,3% para 8% em 2017. Quanto aos produtos tradicionais do investimento, em 2017 a construção civil mantinha uma participação próxima de 50% do total. Já no caso das máquinas e equipamentos houve nova perda de importância relativa, sendo responsável por 35,6% do valor investido em 2017.
Ainda não estão disponíveis os dados mais desagregados do investimento para os últimos 2 anos, 2018-2019, justamente no período em que ocorreu a reversão da trajetória de queda dos investimentos. No entanto, outras pesquisas setoriais, de menor defasagem temporal de divulgação, tanto voltadas ao setor industrial quanto de serviços, encontram-se disponíveis.
Por meio destas é possível acompanhar a evolução dos principais segmentos que compõem o investimento e estimar os valores destinados à “construção”, “bens de capital” e “serviços de tecnologia da informação (TI)”.
Para a evolução dos investimentos nos bens de capital e construção, utilizamos o Indicador Mensal de FBCF elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Grosso modo, para o índice referente à construção, a metodologia faz uso de dados da Pesquisa Mensal da Indústria (PIM/IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), também do IBGE.
Quanto ao índice de “máquinas e equipamentos”, a metodologia do IPEA se baseia no cálculo do consumo aparente (produção – exportações + importações) dos bens de capital, também utilizando dados da PIM, da Pesquisa Anual da Indústria (PIA) do IBGE, bem como os índices de volume dos fluxos de comércio exterior da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (FUNCEX).
Com relação aos serviços digitais, foi feito uso dos dados setoriais da Pesquisa Mensal dos Serviços (PMS/IBGE), na qual extraímos a informação referente ao volume da prestação de serviços de tecnologia da informação. Uma possibilidade de estimação é utilizar o desempenho relativo à oferta do segmento de TI como indicativo do investimento na aquisição dos serviços tecnológicos, apenas para a atualização dos dados setoriais de investimento relativos a 2018 e 2019.
Vale apresentar o gráfico com a evolução dos indicadores mencionados acima desde a eclosão do último grande choque nos investimentos:
Conforme pode ser visualizado, os serviços de tecnologia de informação mostraram forte resiliência ao longo da última grande crise, ao contrário da produção dos bens de capital e construção civil, que registraram forte retração.
Os dados sugerem que o aumento já mencionado de importância relativa dos serviços tecnológicos no investimento total até 2017 foi influenciado pela queda observada nos demais itens dos investimentos. Já entre 2017 e 2019, os serviços de tecnologia de informação registraram crescimento real acumulado de 20,5%.
É interessante notar que as receitas do setor de tecnologia de informação, também divulgadas na PMS, apresentaram ritmo de expansão bastante semelhante entre 2017 e 2019, com expansão de 20,8%.
Isto significa que os preços de venda destes serviços apresentaram relativa estabilidade no período e que o forte crescimento no período se deve efetivamente ao crescimento no volume comercializado pelas empresas de TI.
Na falta de estimativa oficial, aplicamos este crescimento da receita nominal dos serviços de TI sobre valor observado do investimento nos serviços digitais em 2017, o que resultou numa estimativa de R$ 93 bilhões para os investimentos na aquisição de serviços digitais em 2019.
Com relação aos bens de capital, embora tenham apresentado a contração mais significativa na última crise, também apresentaram uma trajetória de recuperação nos últimos dois anos. Entre 2017 e 2019, a expansão real acumulada dos investimentos na aquisição dos bens de capital foi de 19%.
Já os investimentos direcionado à construção civil, os quais ganharam importância na revisão da composição setorial do investimento, seguem muito deprimidos. Neste mesmo período, tais investimentos seguiram em contração, de -2,9% em termos reais acumulados.
Para a estimativas dos valores nominais foi necessário assumir alguma premissa para a evolução dos preços. No caso da construção civil, foi utilizado a variação do próprio deflator implícito nos últimos 2 anos (-3,6%). Para a premissa de preços dos bens de capital foi utilizada a variação no deflator implícito da formação bruta de capital fixo (9,4%), ambas calculadas com base nas séries das Contas Nacionais Trimestrais.
O gráfico abaixo traz a evolução da composição setorial dos principais itens do investimento na última década, os quais representaram mais de 90% do investimento total ao longo de todo o período.
Em suma, pode-se concluir que as mudanças metodológicas que alteraram a composição setorial do investimento contribuíram para a lenta recuperação dos investimentos. O principal componente da FBCF passou a ser a construção civil que, por sua vez, ainda segue em contração. Caso o peso relativo das máquinas e equipamentos no investimento total estivesse em níveis mais próximos do que era usualmente observado na metodologia anterior, a recuperação do investimento total se daria em um ritmo um pouco mais forte.
Ademais, a queda dos investimentos na construção civil após 2015 seria ainda maior se não fosse a construção residencial, que representa praticamente 50% do investimento total em construção.
Segundo as tabelas sinóticas do IBGE (disponíveis apenas até 2017), no período mais agudo da última crise, a queda da construção residencial foi bem inferior à contração verificada na construção não residencial, identificada como “Outros edifícios e estruturas”, as quais contemplam os investimentos públicos e os privados das empresas.
Entre 2014 e 2017, a queda no valor nominal do investimento na construção residencial foi de 13,6%, quase a metade da contração no valor do investimento na parcela não residencial da construção, que foi de 25,8%.
Embora não tenhamos disponíveis os dados oficiais para os últimos anos, diversas notícias foram veiculadas, principalmente ao longo de 2019, destacando o aquecimento do mercado imobiliário, sobretudo em grandes centros, como São Paulo.
A base de dados construída pela Associação Brasileira de Incorporadas Imobiliárias (ABRAINC), em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e (FIPE) sinaliza um crescimento de aproximadamente 30% no número de lançamento de unidades imobiliárias entre 2017 e 2019, considerando na amostra as 20 incorporadoras afiliadas à associação.
Por outro lado, quanto aos investimentos privados e públicos em construção, os indícios continuam sendo de estagnação/retração, haja vista a ampla ociosidade e a redução drástica dos valores investidos pelo setor público.
Em outras palavras, os componentes do investimento que vêm apresentando melhor desempenho nos últimos anos não deram tração suficiente para impulsionar o investimento agregado, tampouco o crescimento do PIB.
Vale, por fim, investigar a natureza da recuperação mais recente dos investimentos na aquisição dos bens de capital, bem como em que medida se relaciona com o avanço dos investimentos nos serviços digitais.
Os investimentos em bens de capital no biênio 2018/19
A expansão de quase 20% dos investimentos nos bens de capital nos últimos 2 anos, simultaneamente a um contexto de ampla ociosidade e lenta recuperação do crescimento do PIB (crescimento médio real próximo de 1%), requer uma análise mais aprofundada.
Neste sentido, dois aspectos são fundamentais: as mudanças estruturais na composição dos investimentos nos próprios bens de capital e a dinâmica do valor importado na demanda por estes mesmos bens.
Na nova metodologia adotada pelo IBGE, seguindo a recomendações internacionais, os bens de capital aparecem desagregados em 3 grandes grupos: equipamentos para informação, comunicação e telecomunicações (ICT), equipamentos de transporte (automóveis, caminhões, ônibus, aeronaves) e outras máquinas e equipamentos (predominantemente materiais elétricos e, principalmente, mecânicos).
A necessidade de agrupamento e acompanhamento dos bens de capital ICT também é consequência direta do já mencionado processo de digitalização. Grosso modo, os investimentos nestes equipamentos estão vinculados à consolidação do hardware (infraestrutura física) para o desenvolvimento do processo de digitalização, enquanto os serviços de tecnologia da informação correspondem, em grande medida, ao desenvolvimento dos softwares.
Pode-se dizer ainda que a demanda por máquinas e equipamentos elétricos também tende a acompanhar o processo de modernização tecnológica da digitalização e merece ser destacada. Na medida em que os dados desagregados das Tabelas de Recursos e Usos (TRU) do IBGE permite a identificação dos equipamentos elétricos, a análise será feita com base em 4 categorias de bens de capital. Dessa forma, a categoria “outras máquinas e equipamentos” foi desmembrada em “maquinas e equipamentos elétricos” e “demais máquinas e equipamentos” (na qual os equipamentos mecânicos representam cerca de 75%).
É importante destacar que ao longo dos anos 2000 e no início da década de 2010, os bens de capital que prevaleceram no investimento foram os equipamentos mecânicos e os equipamentos de transporte.
A demanda pelas máquinas mecânicas teve como principais drivers de crescimento os investimentos agropecuários, da extrativa mineral (estimulados pelo forte crescimento nos preços das commodities) e da construção civil. Já os investimentos nos equipamentos de transporte foram fortemente impactados por políticas públicas específicas, adotadas em particular a partir da segunda metade dos anos 2000.
Uma das ações importantes neste contexto diz respeito à política industrial de conteúdo local direcionada ao setor de petróleo e gás. Esta política induziu uma reativação e expansão dos estaleiros no Brasil, responsáveis pela construção de diversas plataformas de petróleo, as quais também são contabilizadas como equipamentos de transporte.
Outro conjunto de política que merece destaque se deu no âmbito da atuação anticíclica do governo brasileiro após a eclosão da crise financeira internacional em 2008. Um dos setores mais estimulados a partir de isenções fiscais e concessão de melhores condições de crédito foi justamente a produção de automóveis e caminhões, também contabilizados como investimento em equipamentos de transporte quando adquiridos como ativo de capital. No caso específico dos caminhões, vale destacar as taxas subsidiadas do BNDES para a aquisição destes bens.
No entanto, ao longo da década de 2010 até o “fundo do poço” do investimento em 2017, foram os equipamentos eletrônicos e elétricos que ganharam espaço na demanda pelos bens de capital, o que também pode ser entendido como outra evidência da busca de atualização/modernização tecnológica pelas atividades econômicas.
O gráfico abaixo traz a evolução da composição dos investimentos nos bens de capital com base nos dados oficiais do IBGE, disponíveis somente até 2017.
Uma das diferenças marcantes entre as diferentes categorias refere-se ao conteúdo importado na demanda por estes bens de capital. Os equipamentos de transporte correspondem à categoria com maior percentual de produção nacional ou menor conteúdo importado na demanda total pelos ativos. Com base nos parâmetros da MIP de 2015, o gráfico a seguir mostra as parcelas relativas do valor das importações nas quatro categorias dos bens de capital:
Em outras palavras, os dados apontam para uma presença crescente de equipamentos importados nos investimentos, o que tem levado a um processo de desnacionalização da demanda pelos bens de capital na economia brasileira. Esta conclusão é reforçada quando se analisa a trajetória da produção doméstica dos bens de capital.
Segundo dados de produção física dos ativos de capital segmentados por atividade econômica divulgados pela PIM, na comparação entre 2012 a 2017, as quedas mais expressivas na indústria brasileira de bens de capital ocorreram justamente nos equipamentos eletrônicos (-26,8%) e elétricos (-28,5%). As estimativas para as quedas no volume de produção das demais máquinas e equipamentos e dos equipamentos de transporte também foram elevadas, porém de menor magnitude (de -21,8% e -19,3%, respectivamente).
De fato, a recuperação na demanda pelos bens de capital no biênio 2018/19 ocorreu calcada fundamentalmente na retomada das importações, que se deu de forma generalizada. A produção doméstica dos bens de capital, por sua vez, registrou desempenhos muito tímidos, com alguns poucos segmentos registrando alguma recuperação mais expressiva.
Para a produção, foram utilizados os já mencionados dados de produção da PIM relativos aos bens de capital segmentados por CNAE, enquanto para importações/exportações dos bens de capital foram utilizados os dados da FUNCEX (deflacionados com base no índice de preços internacionais), também desagregados por CNAE.
O gráfico a seguir traz o comportamento destes fluxos que compõem o consumo aparente (proxy para a demanda por investimento) para as categorias dos bens de capital nos últimos dois anos.
A estimativa do consumo aparente das categorias de bens de capital para 2017 e 2019 a partir de parâmetros da MIP de 2015, indica que a expansão dos investimentos na aquisição de bens de capital nos últimos dois anos não foi impulsionada pelos ativos eletrônicos e/ou elétricos. Estes tiveram tímida expansão, de 2,7% e 2,1%.
A recuperação dos investimentos nos bens de capital esteve fundamentalmente calcada nos ativos mais tradicionais, quais sejam, nas demais máquinas e equipamentos (destaque para os mecânicos) e equipamentos de transporte, os quais registraram expansão real no consumo aparente de 16,6% e 28,5%. Contudo, conforme pode ser observado no gráfico acima, as importações tiveram um papel muito mais relevante no crescimento da demanda por todos os subgrupos dos ativos de capital.
A expansão na produção local de máquinas e equipamentos se deu de forma localizada em poucos segmentos, com destaque para os equipamentos de transporte. Nesta categoria, as atividades que apresentaram os melhores desempenhos foram de longe a produção dos “caminhões e ônibus” e de “cabines, carrocerias e reboques”, com taxas reais acumuladas de 40,6% e 80,2% entre 2017 e 2019, respectivamente.
A despeito da expansão na produção de novos caminhões, o crescimento muito superior na fabricação de compartimentos específicos do caminhão aponta para uma dinâmica de troca e reposição de partes do veículo, mantendo o sistema mecânico do ativo existente em uso.
Quanto às exportações, vale salientar que o crescimento real ocorreu em função especificamente de uma expansão significativa do valor exportado da rubrica “outros equipamentos de transporte” (41,7%), porém mais do que compensado pela forte retração nas exportações dos “veículos automotores (-31,8%), os quais representam 80% dos investimentos totais direcionados aos equipamentos de transporte. Esta última queda se deve principalmente à recessão da vizinha Argentina, um dos principais destinos dos veículos produzidos no Brasil.
Alguns outros estímulos, ainda que mais modestos, podem ser identificados em ativos que compõem as “demais máquinas e equipamentos”, nos quais prevalecem a produção de bens mecânicos. A PIM também traz uma segmentação dos bens de capital (o chamado Índice Especial de produção dos Bens de Capital) que nos permite identificar a evolução de tipos específicos de equipamento, entre eles alguns equipamentos mecânicos importantes na indústria brasileira de bens de capital. É possível identificar dois grupos de bens de capitais que se destacaram.
O primeiro deles é demandado pela atividade agrícola e o segundo abrange os bens de capital utilizados na extrativa mineral e construção. Com base nos dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) também do IBGE, estes dois segmentos somados representam cerca de 40% da categoria em questão.
No caso dos bens aplicados à atividade agrícola, o referido índice especial traz uma segmentação na qual separa a série dos bens de capital (tratores, máquinas para colheita, irrigação etc.) da série das partes e peças destas mesmas máquinas. É interessante observar que enquanto as peças registraram um crescimento real de 12,6%, os bens de capital agrícolas propriamente ditos tiveram retração real de -3,3%, ambos no biênio 2018/19. Trata-se de outras evidências da importância da dinâmica de reposição de peças depreciadas em ativos já existentes.
Quanto às máquinas utilizadas pela construção e extrativa mineral, os indícios são de uma recuperação mais consistente, com crescimento no volume de produção de 26,3%. Vale ressaltar, ainda, que no setor da construção, os dados sugerem que a retomada esteja centrada sobretudo na recuperação da construção residencial.
No caso da extrativa mineral, o principal destaque está na expansão nos investimentos do setor “Petróleo e Gás”, em particular da Petrobras, que vem concentrando seus esforços na exploração e produção de petróleo cru. Somente em 2019, quatro novas plataformas de petróleo, dedicadas à produção de petróleo e gás nos campos do pré-sal, entraram em operação.
A despeito da flexibilização nas políticas de conteúdo local, alguns equipamentos submarinos produzidos no país ainda são competitivos em relação ao produto estrangeiro, sobretudo quando a taxa de câmbio se encontra em níveis mais depreciados, como ocorrido nos últimos dois anos.
Já a produção local daqueles ativos que ganharam participação relativa na estrutura dos investimentos em bens de capital, isto é, eletrônicos e elétricos, continuou em queda no último biênio. No caso dos equipamentos eletrônicos, o desempenho da produção (-0,8%) seria ainda pior não fosse alguma recuperação nas exportações, beneficiada pelo câmbio mais depreciado.
No entanto, o valor exportado de bens de capital ICT em 2019 (aproximadamente R$ 3 bilhões) é insuficiente para alavancar a atividade, uma vez que representa cerca de 5% do valor da produção deste tipo de bem de capital. A dinâmica da indústria produtora das máquinas e equipamentos elétricos neste período foi semelhante ao ocorrido com os eletrônicos, com crescimento nas exportações (que também correspondem a uma parcela pequena da produção, em torno de 8%), e retração na produção nacional.
Com relação às importações, chama atenção o crescimento em todas as categorias, a despeito da forte desvalorização da taxa de câmbio no período. A retomada no crescimento nas importações dos bens de ICT e elétricos segue apontando para o fato de que a modernização tecnológica em curso continuou apoiada essencialmente na aquisição de hardware estrangeiro.
No caso das “demais máquinas e equipamentos”, o principal destaque também foi o forte crescimento na aquisição de ativos estrangeiros utilizados pela extrativa mineral, em particular para a produção de petróleo e gás. Como já mencionado, a flexibilização das regras de conteúdo local para o setor “Petróleo e Gás” vem favorecendo uma maior expansão das importações no atendimento da demanda por este tipo de equipamento.
De todo modo, o maior destaque foi realmente a expansão nas importações dos “equipamentos de transporte”. Convém, no entanto, mencionar que a expansão de mais de 25% foi bastante influenciada por aspectos meramente contábeis. A razão principal corresponde às mudanças regulatórias no setor de Petróleo e Gás (lei do REPETRO).
Sem entrar nos detalhes das alterações na regulação, o importante é destacar que elas motivaram a repatriação de diversos ativos (plataformas de petróleo) nos últimos dois anos, os quais estavam alocados no balanço de empresas subsidiárias estrangeiras da Petrobras. A repatriação das plataformas de uma empresa do exterior para uma que opera no Brasil exige o registro da importação.
Os dados da FUNCEX evidenciam um aumento significativo do fluxo de importações de bens de capital sob a rubrica de “Construção de embarcações”, a qual contempla justamente as plataformas. O fluxo médio anual de importações deste produto entre 2010 e 2017 foi de US$ 458,7 milhões. Em 2018, este valor saltou para US$ 9,8 bilhões e em 2019 foi de US$ 7,2 bilhões. Considerando apenas as importações dos veículos automotores, também houve crescimento, no entanto em magnitude muito menor, de 2,4% em termos acumulados nos últimos dois anos.
Enfim, ainda que se levem em conta as distorções geradas pelos aspectos contábeis no caso da repatriação das plataformas e forte queda das exportações, pode-se dizer que houve uma recuperação na demanda interna impulsionada pelos equipamentos de transporte.
Este movimento está provavelmente associado a uma renovação de frota de veículos automotores (automóveis e, principalmente, caminhões), o que é esperado frente à queda observada no período anterior, bem como à curva de depreciação destes ativos. Vale também lembrar que a redução nas taxas de juros nos últimos dois anos propiciou melhores condições de crédito para a aquisição deste tipo de bem no país.
Com relação às demais categorias, os efeitos positivos sobre a produção local ou foram inexistentes ou muito mais tímidos e localizados, com forte predominância das importações. Quanto à demanda pelos equipamentos eletrônicos e elétricos, embora tenha seguido em franca expansão na economia brasileira, também reforçou o aprofundamento da desconexão da indústria brasileira com o processo de digitalização. Neste sentido, pode-se dizer que a aceleração no ritmo de crescimento na incorporação dos softwares e banco de dados (serviços de tecnologia da informação) em 2018/19 continuou não conseguindo alavancar a indústria nacional de equipamentos eletroeletrônicos.