Carta IEDI
Fundos garantidores e o crédito para pequenas e médias empresas
A pandemia do coronavírus está provocando sérios impactos negativos sobre as empresas de menor porte. A redução nas vendas e a escassez de empréstimos levaram a uma forte queda em seus fluxos de entrada de caixa, sem ser contornada por novos empréstimos. A persistência desses desequilíbrios tende a resultar na generalização de falências e recuperações judiciais. Tal desfecho ainda pode ser impedido.
Os novos Fundos Garantidores, FGO (Fundo Garantidor de Operações) e FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) Emergencial, buscam atuar sobre essa dimensão da crise. Por meio deles, é oferecida uma garantia pública para os empréstimos que os bancos venham a realizar para empresas de menor porte, até o final de 2020.
Desse ponto de vista, se endereçam a um dos problemas centrais da economia no atual momento: a falta de apetite das instituições financeiras para conceder novos créditos para as micro e pequenas empresas (MPEs).
Contudo, persistem duas questões que podem reduzir a efetividade dessas inovações. Em primeiro lugar, no caso do FGO, há dificuldades operacionais, que precisarão ser superadas. Apenas o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Nordeste estão imediatamente capacitados a oferecer créditos com essa garantia. Os demais bancos irão operar essas linhas pela primeira vez e, portanto, precisam previamente promover investimentos em adaptação de sistemas e processos.
Em segundo lugar, no que toca ao FGI-Emergencial, os obstáculos são de outra natureza. A taxa de juros máxima permitida para as carteiras garantidas – que não poderá em média superar 1,25% a.m. – significa um custo anual de 16,1%. Este percentual parece elevado em relação à Selic atual (2,25% a.a.) ou mesmo se comparado a taxa das operações de capital de giro praticadas no mês de maio (15,2% a.a. segundo o Banco Central).
Os dois novos Fundos apresentam, no entanto, uma característica que deve facilitar a rápida adesão dos bancos. Ambos foram desenhados de modo a também serem uma forma implícita de subsídio. Isso porque dificilmente os prêmios cobrados por essas garantias públicas serão suficientes para manter o capital originalmente aportado pelo Tesouro Nacional.
Este benefício, dada a natureza da crise do coronavírus e o público atendido, é, no entanto, socialmente justificável e está em linha com a experiência internacional. Em outros países, os fundos garantidores recém-criados têm até mesmo cláusulas que preveem o perdão de parte dos empréstimos para as empresas que conseguirem honrar determinado percentual do valor tomado originalmente.
Com isso, ajudam a evitar que um problema temporário de liquidez se desdobre em um quadro definitivo de insolvência para diversas empresas, com impactos muito negativos sobre os níveis de renda e emprego.
Assim, esses fundos devem ser avaliados por uma perspectiva que considere o elevado universo das empresas financiadas, as quais eram financeiramente saudáveis antes da crise e que sem o financiamento fechariam suas portas por problemas temporários de descasamento entre recebimentos e suas obrigações.
Essa perspectiva leva ao terceiro e mais importante desafio que será enfrentado pelos dois novos Fundos: conseguir estimular as instituições financeiras a aumentarem os empréstimos para as micro e pequenas empresas.
Se os bancos apenas usarem esses novos mecanismos de garantia para renegociar os créditos já existentes os efeitos positivos serão apenas parciais. O principal benefício para os clientes será o alongamento de seu passivo e uma redução nos custos do capital de giro e, para as instituições financeiras, a transferência de uma parcela do risco dessas operações para o governo.
Neste caso, apenas uma parte das dificuldades de crédito das MPEs estará sendo minimizada e o descompasso financeiro gerado pela interrupção das entradas de caixa das empresas se manterá em grande parte intacto. Melhor será se houver um aumento no estoque de operações de capital de giro, já que a crise impôs uma demanda adicional por novos empréstimos que também precisa ser atendida.
De todo modo, a avaliação preliminar é de que os novos FGO e FGI são mecanismos que vão na direção correta e são estratégicos neste momento para reduzir as chances de termos um sério problema de insolvência de empresas nos próximos meses. A seguir, mais detalhes sobre o tema desenvolvido pelos economistas Ernani Torres, Luiz Macahyba e Norberto Martins.
Introdução
A pandemia do Covid-19 provocou uma forte redução nos níveis de produção em vários setores-chave da indústria e a virtual paralisação da prestação de serviços em diversos segmentos – em particular naqueles consumidos pelas famílias. Esse choque comprometeu as entradas de caixa esperadas pelas empresas e pelas famílias, deixando-as, no entanto, expostas às obrigações de curto prazo. Assim, ao contrário do que ocorreu em 2008, quando o sistema financeiro internacional foi o foco da turbulência, o setor real tem sido um dos epicentros da crise atual.
Apesar dessa diferença de origem, o choque do coronavírus guardou, do ponto de vista financeiro, semelhanças com a crise do subprime de 2008. Em ambos os casos, quando o processo se instalou provocou um princípio de pânico. Empresas e investidores, assustados com um futuro cada vez mais incerto, buscaram aumentar suas reservas em dinheiro. Esse fenômeno se repetiu nos meses de março e abril últimos, tanto no Brasil quanto no exterior, e se mostrou muito intenso.
Foi por esse motivo, que, as primeiras medidas adotadas pelos governos ao redor do mundo tiveram como objetivo a rápida recuperação dos níveis de liquidez de seus respectivos sistemas financeiros. Era essencial para frear o pânico que os mercados tivessem condições de absorver o grande volume de títulos de dívida e ações que estavam sendo postos à venda e, que com isso, não houvesse problemas em sua precificação. Ao que tudo indica, esse primeiro choque da crise do coronavírus – o de liquidez de mercado – foi superado e com sucesso.
Entretanto, outros processos de fragilização financeira ainda estão em curso. Por esse motivo, nos meses seguintes (maio e junho), o foco das políticas econômicas se deslocou da garantia da liquidez para o atendimento às necessidades decorrentes da frustração nas entradas de caixa de empresas e famílias.
Esses agentes enfrentam uma perda grande e inesperada de receitas e precisam de empréstimos para conseguirem retomar suas atividades e evitar a insolvência. Entretanto, encontram dificuldades para tomar novas dívidas em um mercado de crédito que permanece travado.
Uma vez que a crise ainda está em processo, o aumento do risco de crédito faz com que os emprestadores sejam mais prudentes na renegociação das dívidas pré-existentes e conservadores na concessão de novas operações. Nessas circunstâncias, é fundamental que um mix adequado de políticas públicas assegure que os bancos não só tenham recursos para emprestar, como também tenham condições de calcular e aceitar o risco dos seus clientes.
Para isso, é igualmente importante que sejam incorporados ao cardápio de políticas de governo instrumentos de crédito baseados em garantias públicas. Operações que contam com a garantia do governo podem reduzir drasticamente as incertezas quanto à capacidade de as empresas beneficiárias honrarem seus compromissos creditícios. Produzem também descontos na exigibilidade de capital regulatório a que estão sujeitas as instituições bancárias. Os bancos precisam manter em seus balanços níveis de patrimônio e de liquidez que sejam compatíveis com o risco de inadimplência de suas carteiras de crédito.
Na apuração desse cálculo, as operações que possuem garantias de governo são equiparadas à compra de títulos públicos (risco soberano), ou seja, demandam um volume de capital muito mais baixo. Outra vantagem das operações com cobertura de risco pública é a possibilidade de contabilização de níveis de provisão menores, em especial quando a garantia cobre 100% do valor emprestado. Em resumo, as instituições podem ser capazes de originar um volume maior de operações de crédito com um mesmo volume de capital.
Do ponto de vista das contas públicas, os programas são mais eficientes do que o uso de outros mecanismos de direcionamento de crédito, como os subsídios e a provisão de funding.
Essa vantagem decorre, de um lado, da capacidade de alavancagem que as garantias públicas têm de mobilizar um volume de recursos de mercado várias vezes superior ao aporte do Estado. De outro lado, existe a possibilidade de serem cobrados prêmios dos segurados, compensando assim parte das perdas que eventualmente venham a acontecer caso o tomador do empréstimo não venha a honrar sua obrigação.
Por essas razões, ganharam relevância na crise atual os programas que concedem garantias de governo a empréstimos originados pelos bancos, em especial, quando a contraparte for uma pequena ou média empresa (PMEs). O quadro a seguir resume as condições desses programas em alguns países selecionados.
Os dados revelam que algumas características são comuns aos programas de garantias adotados. Em todos os países, as pequenas e médias empresas têm condições mais favoráveis de elegibilidade. As obrigações operacionais são menores e, em geral, as garantias tendem a cobrir um percentual de risco maior da operação de crédito.
Para se candidatarem as empresas não podem estar inadimplentes com o sistema financeiro local em operações originadas antes da pandemia. O acesso é universal, ou seja, todas as pessoas jurídicas são elegíveis, mesmo que não tenham sofrido perdas com a crise da Covid-19. A cobertura é de ao menos 50% do valor do empréstimo (caso da Austrália), e de até 100% em países como Alemanha, Canadá, Suíça e EUA.
Alguns desses programas têm cláusulas de perdão, ou seja, se a empresa conseguir pagar uma parte do empréstimo, o valor remanescente é considerado quitado. Todos os programas têm duração limitada ao ano de 2020, à exceção de uma linha criada pelo Canadá para empresas exportadoras, que estará disponível até o final de 2021. Na maior parte dos países, os recursos públicos aplicados nos programas são administrados na forma de fundos ou por bancos de desenvolvimento.
Em linha com a experiência internacional, o governo brasileiro também anunciou programas de aporte de garantias a créditos para pequenas e médias empresas. Para isso, foram retomados em novas bases dois mecanismos já existentes, que haviam sido criados durante a crise de 2008: o Fundo Garantidor de Operações – FGO; e o Fundo Garantidor de Investimentos – FGI, administrados respectivamente pelo Banco do Brasil e pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O novo Fundo Garantidor de Operações - FGO
O novo FGO (Lei 13.999/20) foi criado em maio último, no âmbito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE). A exemplo do FGO original de 2009 será também administrado pelo Banco do Brasil (BB).
O Fundo operou até o final de 2018, quando interrompeu as concessões de novas outorgas, devido ao iminente atingimento do limite máximo de cobertura de perdas – o chamado stop loss. Pelo regulamento vigente até então, as operações eram integralmente honradas até o limite de 7% do valor total da carteira de cada agente. Os principais cotistas do Fundo eram o BB, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Nordeste.
O novo FGO receberá um aporte do Tesouro de R$ 15,9 bilhões, que poderão atender um volume de crédito próximo a R$ 18,3 bilhões, ou seja, uma alavancagem de 15%. Esses recursos ficarão apartados do patrimônio remanescente e só poderão ser utilizados para garantir operações originadas no âmbito do PRONAMPE desde que protocoladas até o dia 18/11/2020.
O novo Fundo poderá garantir até 100% de cada operação individualmente e até 85% do total da carteira de cada agente financeiro. As primeiras perdas serão de responsabilidade do Fundo, ou seja, ele cobrirá integralmente as operações inadimplentes até o limite de 85% da carteira da instituição. Tais condições são bastante favoráveis aos originadores das operações que, ademais, não precisam realizar nenhum aporte no Fundo para que se tornem elegíveis às honras.
Todas as instituições autorizadas a funcionar e que sejam supervisionadas pelo Banco Central do Brasil poderão acessar os recursos do FGO. Incluem-se neste universo as fintechs e as instituições de pagamento, o que é uma inovação regulatória destinada a ampliar o alcance desta iniciativa. Serão fixados limites operacionais absolutos para cada agente financeiro, a serem definidos com base no histórico de crédito de cada agente.
As instituições públicas que já operavam a carteira do FGO desde sua criação terão um custo menor de adaptação operacional a nova linha e, portanto, devem ser as principais operadoras desse programa.
Apenas as microempresas (faturamento até R$ 360 mil) e as de pequeno porte (faturamento maior que R$ 360 mil e menor que R$ 4,8 milhões) poderão se candidatar às garantias do FGO. Os empréstimos terão que ser feitos com recursos mobilizados pelos próprios agentes financeiros e as operações de crédito terão prazo máximo de 36 meses, sendo 8 de carência. A taxa de juros não poderá exceder a taxa Selic acumulada anualmente, acrescida de 1,25%.
Para que sejam elegíveis, as empresas terão de manter o vínculo empregatício de todos os seus trabalhadores por 60 dias após o recebimento do crédito. Os recursos poderão ser utilizados para todos os fins, menos o pagamento de lucros e dividendos aos sócios. Essa determinação abre espaço para uma ampla renegociação de dívidas já existentes. O proponente deverá apresentar garantias apenas pessoais, em montante que cubra 100% dos valores emprestados acrescido dos encargos.
O FGO não deve ser visto como um fundo garantidor clássico em que o administrador tem a obrigação de garantir a preservação do capital aportado. As condições de cobrança de prêmio sobre os valores garantidos em comparação com o nível de cobertura indicam que sua concepção admite uma perda provável de capital, que seria assim uma forma de subsídio.
O novo FGI Emergencial
O FGI Emergencial foi criado pela Medida Provisória 977/20 no âmbito do Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (PEAC). À semelhança do novo FGO, é uma iniciativa do Governo que visa mitigar o risco de crédito dos bancos e, com isso, estimulá-los a fornecer crédito as empresas durante a pandemia. O FGI original também foi criado em 2009, sob administração do BNDES, em uma conjuntura marcada pelo aumento da aversão a risco dos agentes econômicos.
Para o FGI - Emergencial, o Governo anunciou um aporte total de até R$ 20 bilhões. Esses recursos ficarão apartados do patrimônio atual do Fundo originalmente constituído. O primeiro aporte será de R$ 5 bilhões e os demais só acontecerão caso o limite de cobertura das inadimplências alcance 85 % do patrimônio já integralizado. Os agentes financeiros poderão se habilitar ao novo FGI sem a obrigatoriedade que tiveram no passado de também capitalizarem Fundo.
O novo FGI garantirá até 30% do valor da carteira originada por cada agente financeiro, limite que foi desmembrado por faixa de faturamento das empresas. As de menor porte poderão ocupar até 30% da carteira. As operações com empresas de médio porte só poderão alcançar 20%.
O esquema de primeiras perdas será o de pari passu, ou seja, o Fundo honrará 80% do valor de cada operação inadimplente e os originadores os 20% restantes. Isto significa que o administrador tem a possibilidade de alavancar a carteira em pelo menos 4 vezes, ou seja, que as honras podem alcançar cerca de R$ 80 bilhões.
Cada agente financeiro terá limites absolutos proporcionais às suas carteiras de crédito atuais sendo que o montante máximo de estruturação das maiores instituições habilitadas a operar esta linha será de R$ 12,5 bilhões. De outro lado, nenhum tomador de crédito poderá individualmente ultrapassar R$ 10 milhões em operações garantidas por cada agente financeiro. Serão cobertas as operações que sejam protocoladas até 31/12/2020.
As operações de crédito deverão ter entre 6 e 12 meses de carência. Seus prazos totais não poderão ser inferiores a 12 meses, nem ultrapassar 5 anos. A taxa média de juros máxima da carteira de cada agente será de 1,25 a.m. Poderão ser pré-fixadas, pós-fixadas ou flutuantes (CDI, Selic ou TLP). O quadro anterior resume as condições do PEAC.
São elegíveis todas as modalidades de operações, à exceção de crédito rotativo e arrendamento mercantil, e todas empresas passíveis de apoio do BNDES. Também não poderão contar com a outorga de garantias do FGI as operações que tenham sido estruturadas no âmbito do Programa Emergencial de Suporte a Empregos – PESE. A empresa que se beneficiar do novo FGI não terá compromisso de manutenção do nível de emprego.
O CGPE, uma medida regulatória complementar aos fundos garantidores
Em complementação aos fundos garantidores, o BCB estabeleceu um programa voltado a reduzir o comprometimento do capital dos bancos para novos créditos que tenham PMEs como beneficiárias. Trata-se do Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE). O CGPE é um reforço para as operações que venham a ser contratadas até 31/12/20 e tenham um prazo mínimo de 3 anos e carência de 6 meses.
O desconto regulatório só será concedido caso as operações de crédito obedeçam ao seguinte direcionamento: no mínimo 50% para empresas com faturamento anual de até R$ 100 milhões; até 20% para empresas com faturamento anual entre R$ 100 e 300 milhões; e até 30% para programas com risco compartilhado com o Governo (PRONAMPE, PESE E PEAC).
Observações finais
A pandemia do coronavírus está provocando sérios impactos negativos sobre as empresas de menor porte. A redução nas vendas e a escassez de empréstimos levaram a uma forte queda nas entradas de seus fluxos de caixa, que não tem sido contornada por novos empréstimos. A persistência desses desequilíbrios pode vir a resultar na generalização de falências e recuperações judiciais, mas isso ainda pode ser impedido.
Os novos Fundos Garantidores (FGO e FGI) buscam atuar sobre essa dimensão da crise. Os novos mecanismos oferecem uma garantia pública para os empréstimos que os bancos venham a realizar, até o final de 2020, junto a empresas de menor porte. Desse ponto de vista, se endereçam a um dos problemas centrais da economia nesse momento: a falta de apetite das instituições financeiras para conceder novos créditos para as PMEs.
Caso os bancos aceitem as condições em que esses seguros de crédito estão sendo oferecidos, haverá um forte incentivo para que negociem ou renegociem suas operações de crédito com essas empresas, mesmo em um ambiente ainda dominado por incertezas.
Há, entretanto, duas questões que podem reduzir a efetividade dessas inovações. Em primeiro lugar, no caso do FGO, há dificuldades operacionais, que precisarão ser superadas. Apenas o BB, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Nordeste estão imediatamente capacitados a oferecer créditos com essa garantia. Os demais bancos irão operar essas linhas pela primeira vez e, portanto, precisam previamente promover investimentos em adaptação de sistemas e processos.
Em segundo lugar, no que toca ao FGI-Emergencial, os obstáculos são de outra natureza. A taxa de juros máxima permitida para as carteiras garantidas – que não poderá em média superar 1,25 a.m. – significa um custo anual de 16,1%. Este percentual parece elevado em relação à Selic atual (2,25% a.a.) ou mesmo se comparado a taxa das operações de capital de giro praticadas no mês de maio (15,2% segundo o Banco Central para operações tradicionais, ou seja, sem a cobertura de garantias).
Os dois novos Fundos apresentam, no entanto, uma característica que deve facilitar a rápida adesão dos bancos. Ambos foram desenhados de modo a também serem uma forma implícita de subsídio. Isso porque dificilmente os prêmios cobrados por essas garantias públicas serão suficientes para manter o capital originalmente aportado pelo Tesouro Nacional.
Esse benefício, dada a natureza da crise do coronavírus e o público atendido, é, no entanto, socialmente justificável e está em linha com a experiência internacional. É por esse motivo que, em alguns outros países, os Fundos Garantidores recém-criados têm até mesmo cláusulas que preveem o perdão de parte dos empréstimos para as empresas que consigam honrar um determinado percentual do valor tomado originalmente.
Com isso, ajudam a evitar que um problema temporário de iliquidez se desdobre em um quadro definitivo de insolvência para diversas empresas, com impactos muito negativos sobre os níveis de renda e emprego. Por conseguinte, o resultado dessas iniciativas, que são naturalmente temporárias, não deve ser avaliado negativamente caso os recursos aportados pelo Tesouro Nacional sejam consumidos integral ou parcialmente na cobertura de operações inadimplentes.
Ao contrário, esses fundos devem ser avaliados por uma perspectiva que considere o elevado universo das empresas financiadas, as quais eram financeiramente saudáveis antes da crise e que, sem o financiamento de seus passivos creditícios, fechariam suas portas por problemas temporários de descasamento de recebimentos e obrigações.
Essa perspectiva leva ao terceiro e mais importante desafio que será enfrentado pelos dois novos Fundos: conseguir estimular as instituições financeiras a aumentarem suas carteiras de empréstimos para PMEs. Se os bancos apenas usarem esses novos mecanismos de garantia para renegociar os créditos já existentes, o principal benefício será, para os clientes, uma redução nos custos do capital de giro e, para as instituições financeiras, a transferência de uma parcela do risco dessas operações para o governo.
Entretanto, com esse resultado, apenas uma parte da dificuldade de crédito das PMEs estará sendo minimizada. Se em sua maioria o crédito se direcionar para o pagamento de dívidas já existentes, o efeito benéfico dos programas se limitará à redução dos juros e à extensão dos empréstimos antigos. O descompasso financeiro gerado pela interrupção das entradas de caixa das empresas, mesmo assim, se manterá em grande parte intacto.
Para que isso não ocorra, é necessário que, do ponto de vista macroeconômico, ocorra também um aumento no estoque de operações de capital de giro para as pessoas jurídicas de menor porte. A crise impôs uma demanda por novos empréstimos – adicional ao estoque de crédito já existente – que também precisa ser atendida.
O elevado porte financeiro dos mecanismos recém-criados é um passo importante, mas talvez seja insuficiente, para promover uma expansão do crédito. No limite de suas respectivas alavancagens, os dois Fundos poderão em conjunto cobrir algo próximo a 27% do estoque atual das operações de capital de giro, o que é significativo.
Assim, uma avaliação preliminar é de que os novos FGO e FGI estão na direção correta. Em ambos os casos, o objetivo principal é reduzir o risco de crédito dos agentes financeiros estimulando os financiadores atender as empresas que, estejam vivenciando problemas para enfrentar suas obrigações de curto prazo. Com isso, estaremos reduzindo um sério problema de insolvência nos próximos meses.