Carta IEDI
Economia em reativação desigual
Os dados do IBGE para o mês de junho, ao completarem o desempenho da economia no segundo trimestre de 2020, dão sinais de que o pior momento da crise de Covid-19 para o Brasil já passou. A reação, depois do choque de abril, tem se mostrado, entretanto, bastante parcial e desigual entre os principais setores da economia.
Na passagem de maio para junho, o crescimento foi unânime: +12,6% no comércio ampliado, +8,9% na indústria, +5,0% nos serviços, já descontados os efeitos sazonais. Como consequência, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, apontou avanço de +4,9% do nível geral de atividade econômica neste mês.
Este desempenho favorável tem sido influenciado pelo amortecimento da retração da demanda agregada da economia devido ao auxílio emergencial, pela implementação de protocolos de segurança sanitária nas empresas e pela progressiva flexibilização do isolamento social promovida em diversas partes do país a partir de junho. Outro fator que não pode ser esquecido é a base muito baixa de comparação depois do tombo ocorrido sobretudo em abr/20.
Apesar da rota ascendente em todos os setores, a indústria registrou relativa estabilidade em seu ritmo de crescimento em comparação com maio, os serviços aceleraram, apresentando sua primeira alta, depois de uma fase de adversidades desde final do ano passado, enquanto as vendas do varejo passaram por uma acomodação, reduzindo sua velocidade de recuperação.
A desaceleração do comércio varejista verificada na série com ajuste sazonal não impediu que o setor praticamente anulasse o choque negativo da Covid-19. É o que mostra a comparação de jun/20 com fev/20, isto é, antes de a pandemia atingir o Brasil, que para o varejo restrito resulta em variação de +0,1%. Em seu conceito ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e material de construção, ainda há o que ser compensado: -4,7%.
As famílias não atingidas pelo desemprego nem por perda considerável de renda devido à pandemia também podem ter compensado sua redução de consumo de serviços pessoais devido ao isolamento social com a compra de bens no varejo. Este aspecto associado a juros menores ajudam as vendas de móveis, eletrodomésticos, informática, material de construção, veículos e, em alguma medida, também roupas e calçados, que estiveram entre os ramos com maior alta em junho.
Diferentemente do varejo, indústria e serviços reforçaram seu desempenho, mas a despeito disso mantiveram-se muito longe de compensar todas as perdas provocadas pela Covid-19. O nível da produção industrial em jun/20 estava a 13,5% abaixo daquele de fev/20. Já para o faturamento do setor de serviços a defasagem era de 14,5%.
Na indústria, bens de capital (-27,1%) e principalmente bens de consumo duráveis (-40,1%) são os macrossetores mais distantes do nível de produção anterior à crise (fev/20), mesmo tendo sido aqueles que mais avançaram na passagem de maio para junho (+13,1% e +82,2%, com ajuste, respectivamente).
Regionalmente, houve expansão da produção em quase todos os parques industriais (93% do total), mas em 73% deles continuou havendo uma defasagem de dois dígitos em relação a fev/20, incluindo parques importantes para a indústria nacional, como São Paulo (-14,4%), Rio de Janeiro (-11,3%) e Rio Grande do Sul (-17,3%). Aqueles que mais têm o que recuperar foram Espírito Santo (-30,3%), Ceará (-26,6%) e Bahia (-22,4%).
Nos serviços, o sinal positivo também foi bastante disseminado, atingindo a integralidade dos cinco ramos identificados pelo IBGE, além do agregado especial de atividades turísticas. As maiores altas ficaram a cargo dos serviços prestados às famílias (+14,2% ante mai/20 com ajuste) e os de transportes, seus auxiliares e correios (+6,9%), com a flexibilização do isolamento social em muitos centros urbanos do país.
Estes mesmos segmentos, mais intensivos em mão de obra ou associados à mobilidade das pessoas, são os que mais longe estão do nível de faturamento de fev/20. No caso de serviços prestados às famílias, a defasagem chega a -51,3%, em função do componente alojamento e alimentação e também dos demais serviços pessoais. Em transportes e correios, a diferença é de -16,3%, sendo o setor aéreo, paralisado devido à pandemia, a principal razão disso (-63,7%).
A assimetria do quadro de diferentes setores econômicos e entre seus ramos resulta da maior ou menor vulnerabilidade da atividade ao isolamento social e ao encolhimento dos mercados decorrente do surto de Covid-19, bem como da possibilidade de adaptação a este contexto (por meio de vendas online e trabalho remoto, por exemplo) e dos diferentes estágios de reabertura dos negócios.
Indústria
A indústria vem conseguindo recompor parcialmente seu nível de produção anterior ao choque da pandemia de Covid-19. Seguindo um processo gradual, cresceu +8,9% em junho de 2020, já descontados os efeitos sazonais, de modo bastante disseminado do ponto de vista setorial e também do ponto de vista regional.
Na passagem de maio para junho deste ano, todos os macrossetores industriais tiveram aumento de produção, com reação mais forte naqueles que tinham liderado as perdas em meses anteriores: bens de consumo duráveis (+82,2% ante mai/20 com ajuste) e bens de capital (+13,1%). Quanto aos diferentes ramos da indústria, 92% deles ficaram no azul (24 dos 26 acompanhados pelo IBGE).
Regionalmente, 14 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE registraram aumento de produção, isto é, uma fração de 93% do total. Apesar disso, ao menos três trajetórias distintas podem ser verificadas nestes parques, muito provavelmente devido a estágios diferentes da pandemia e ao perfil específico de cada indústria local.
Este desempenho favorável da indústria tem sido influenciado pelo amortecimento da retração da demanda agregada da economia devido ao auxílio emergencial, pela implementação de protocolos de segurança sanitária dentro das empresas e pela progressiva flexibilização do isolamento social promovida em diversas partes do país a partir de junho.
Outro fator que não pode ser esquecido é a base muito baixa de comparação depois do tombo ocorrido sobretudo em abr/20. Tanto é que a indústria na grande maioria das localidades ainda se encontra muito longe do nível anterior à crise de Covid-19. Comparando jun/20 com fev/20, o diferencial do nível de produção é de -13,5% para o total Brasil, mas chega a -30,3% no Espírito Santo, -21,3% no Nordeste e -17,3% no Rio Grande do Sul.
São Paulo, que possui o parque industrial mais diversificado do país, também permanece com uma defasagem superior ao total Brasil nesta comparação de jun/20 com fev/20, de -14,4%, embora não só tenha crescido na passagem de maio para junho, como também apontou um reforço de seu resultado: +8,9% em maio e +10,2% agora em junho.
Poucos estados, porém, seguiram esta trajetória de aceleração que a indústria paulista apresentou. Foram apenas mais três parques: Amazonas (+17,7% em mai/20 e +65,7% em jun/20, com ajuste), Santa Catarina (+6,1% e +9,1%) e Ceará (+2,3% e +39,2%, respectivamente). Registrar ganho de ritmo é importante pois garante superar a crise de Covid-19 mais rapidamente, reduzindo a possibilidade de transformar em permanente os impactos adversos (falências de empresas, desemprego de longa duração, perda de produtividade etc.).
As indústrias de outros três estados, a despeito de acentuado recuo na produção no mês de abril, pouco deram continuidade à reação de mai/20 e registraram uma taxa de crescimento muito próxima da estabilidade em jun/20. Foram os casos de Espírito Santo (+0,4% ante maio com ajuste), Bahia (+0,6%) e Rio de Janeiro (+0,7%). Goiás também pouco cresceu (+0,7%).
O quadro em outras cinco localidades foi de expansão industrial mais substancial que este último grupo, mas registraram ritmo mais fraco. Entre elas, destacam-se o Nordeste como um todo, que saiu de +12,8% em maio para +8% em junho, Pernambuco, de +21,8% para +3,5%, e Paraná, de +24,5% para +5,2%. Completam a lista Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Trajetórias mais específicas foram registradas pelo Pará e pelo Mato Grosso, cujos parques industriais são compostos basicamente pelo ramo extrativo e pela indústria agroalimentar, respectivamente. No primeiro caso houve alta de +2,8% em jun/20, depois de variar -0,3% em mai/20, e o segundo caso foi o única localidade a ficar no vermelho em jun/20 (-0,4% com ajuste).
Comércio
Assim como a indústria, o comércio varejista voltou a crescer em junho de 2020. O que diferencia os dois setores é que no caso do varejo, embora tenha havido importante perda de ritmo em relação ao resultado de maio, o último bimestre foi capaz de compensar quase integralmente o choque negativo da Covid-19.
Na passagem de maio para junho, já descontados os efeitos sazonais, as vendas reais do varejo registraram +8,0%, abaixo da alta de +14,4% do mês anterior. Em seu conceito ampliado, que considera também as vendas de veículos, autopeças e material de construção, o resultado de jun/20 foi de +12,6% ante +19,2% de mai/20.
Embora mais fraco, a expansão recente foi suficiente para levar o nível de vendas de volta ao patamar anterior à disseminação do coronavírus no Brasil, ao menos no conceito restrito do varejo. É o que indica a comparação de jun/20 com fev/20, que resulta em variação de +0,1%, livre de efeitos sazonais. No varejo ampliado, ainda há defasagem, mas de apenas -4,7%.
Este desempenho bastante favorável, sobretudo se comparado ao diferencial de -13,5% entre jun/20 e fev/20 no caso da indústria, deve-se à concessão do auxílio emergencial pelo governo e à flexibilização das regras de isolamento social em muitas localidades, mas também à possibilidade de se manter parte das vendas do varejo pela internet e à redução dos juros de algumas modalidades de crédito às famílias, ainda que em ritmo inferior à redução da taxa básica de juros (Selic).
Famílias não atingidas pelo desemprego nem por perda considerável de renda devido à pandemia também podem ter compensado sua redução de consumo de serviços pessoais devido ao isolamento social com a compra de bens no varejo. Este aspecto, que tende a ocorrer em famílias de maior renda, associado a juros menores, ajudam a explicar o desempenho positivo de ramos de bens duráveis e semiduráveis do comércio.
Os segmentos cujo mercado implica algum financiamento por parte do consumidor, como móveis, eletrodomésticos, informática, material de construção, veículos e, em alguma medida, também roupas e calçados, estiveram entre os ramos com maior alta em junho.
Em três ramos do varejo as vendas reais já superaram em jun/20 o nível de fev/20, isto é, aquele anterior ao choque de Covid-19. Um deles é o de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, para quem praticamente não houve crise, devido à natureza essencial de seus bens e ao aumento da demanda para consumo em domicílio: +8,9% nesta comparação.
Os outros dois foram: móveis e eletrodomésticos, com alta de +12,9%, e material de construção, com +15,6%, que tendem a responder ao quadro de juros e crédito e cujos planos de consumo interrompidos pelo fechamento do comércio e isolamento social podem estar sendo retomados agora.
Já os segmentos que mais cresceram em jun/20, ainda têm muito a recuperar para voltar ao patamar pré pandemia. Foram os casos de tecidos, vestuário e calçados, que ainda estão 45,8% abaixo do nível de vendas de fev/20; livros, jornais, revistas e papelaria, com uma defasagem de -42,2%; e veículos, motos e autopeças, cujas vendas estão 24,8% abaixo das de fev/20.
Outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as lojas de departamento, e o segmento de material de escritório, informática e comunicação também tiveram taxas robustas de crescimento das vendas na passagem de maio para junho, com ajuste sazonal, mas ainda estão aquém do patamar anterior à pandemia (-5,3% e -10,8%, respectivamente).
No mês de junho, dois segmentos refrearam o desempenho do varejo, contribuindo para a desaceleração frente à alta de mai/20: supermercados, alimentos, bebidas e fumo, cujas vendas reais variaram apenas +0,7%, e combustíveis e lubrificantes, que registraram o segundo menor crescimento na série com ajuste (+5,6%). Em ambos os casos, houve aumento de preços neste mês.
Serviços
Depois de uma fase adversa, anterior mesmo à pandemia de Covid-19, em que desde novembro do ano passado só havia registrado avanço em apenas um único mês, o setor de serviços reagiu em junho de 2020, apresentando alta de +5% de seu faturamento real em relação a maio, com eventuais efeitos sazonais já corrigidos.
Além disso, o sinal positivo foi bastante disseminado setorial e regionalmente. Atingiu a integralidade dos cinco ramos de serviços identificados pelo IBGE, além do agregado especial de atividades turísticas, e 77% das vinte e sete unidades da federação, sendo que em 40% delas o avanço foi mais forte do que o agregado nacional.
Apesar deste desempenho, tal como também ocorre no caso da indústria, os serviços ainda estão longe de superar o choque do coronavirus. Em jun/20, o setor precisava recuperar 14,5% de seu faturamento real para voltar ao nível de fev/20, quando o país não havia sido atingido pela pandemia.
Os ramos mais intensivos em mão de obra, em que o distanciamento social é mais difícil de ser assegurado, ou associados à mobilidade das pessoas são os que acumulam perdas mais intensas e também estão entre aquelas atividades cuja normalização poderá demandar mais tempo.
É notadamente o caso de serviços prestados às famílias, que a despeito de terem apresentado avanços substanciais tanto em maio (+13,8% com ajuste) como agora em junho (+14,2%), ainda estão 51,3% abaixo do nível de faturamento de fev/20, em função do componente alojamento e alimentação (-53,1%) e também dos demais serviços pessoais (-43,1%).
A segunda maior defasagem em relação a fev/20 refere-se aos serviços de transportes e correios: -16,3%, mesmo tendo apresentado o segundo maior avanço na passagem de maio para junho, já descontados os efeitos sazonais. O setor aéreo, paralisado devido à pandemia, é a principal razão disso: permanece 63,7% abaixo do patamar de faturamento de fev/20.
Os serviços profissionais, administrativos e complementares, por sua vez, estão a 15% de distância do faturamento de fev/20, em boa medida, devido ao componente de serviços administrativos e complementares (-16,4%), que reúne muitas daquelas atividades auxiliares normalmente terceirizadas pelas empresas. O segmento como um todo registrou a primeira alta na série com ajuste sazonal (+2,7%) em jun/20, depois de oito meses seguidos de declínio.
A completa reação destes dois últimos ramos pode ocorrer mais lentamente que a dos demais se algumas das mudanças provocadas pelo isolamento social vierem para ficar passada a pandemia, como por exemplo, o recurso ao teletrabalho, que tende a impactar negativamente a demanda de serviços terceirizados de limpeza, segurança etc., ou a maior frequência de reuniões e encontros de negócios online, estreitando o mercado de viagens aéreas corporativas.
Entre os menos impactos pela Covid-19 e já de retorno ao azul no mês de jun/20 estão os serviços de informação e comunicação e o segmento de outros serviços, que reúne um conjunto diversificado de atividades, como serviços financeiros, imobiliários, urbanos etc. No primeiro caso, a alta de +3,3% em junho reduziu sua defasagem em relação ao nível pré coronavírus para apenas -3,7%. No segundo caso, houve avanço de +6,4% em jun/20 e a diferença ante fev/20 é de -6,3%.