Carta IEDI
Compensação gradual
Em julho de 2020, demos mais um passo para reaver as perdas econômicas provocadas pela Covid-19. O choque negativo de final de março e abril vem sendo gradualmente compensado desde maio, mas para os grandes setores da economia este ainda é um processo incompleto. A recuperação, por ora, é parcial.
Na passagem de junho para julho, já descontados os efeitos sazonais, a indústria foi quem mais cresceu, registrando +8%. Em seguida, vieram o comércio varejista com +7,2%, se também consideradas as vendas de veículos e material de construção, e o setor de serviços com apenas +2,6%.
Com isso, o Banco Central estima, por meio de seu indicador IBC-Br, que funciona como uma proxy do PIB, que o nível de atividade econômica na entrada da segunda metade do ano tenha crescido +2,1%, livre de sazonalidades.
A continuidade da evolução positiva neste último mês ensejou expectativas menos negativas para o acumulado de 2020 como um todo. Segundo o Boletim Focus do BCB, a retração esperada do PIB refluiu de -5,5% em meados de agosto para -5,1% na primeira quinzena de setembro, após a divulgação dos dados oficiais do IBGE para o mês de julho.
Novas projeções da OCDE, divulgadas em 16/09/20, também apontam melhoras para o Brasil. Espera-se uma queda de -6,5% para o PIB brasileiro em 2020, isto é, menos grave que a estimativa de -7,4% de jun/20. Esta revisão de +0,9 ponto percentual para o Brasil ficou, entretanto, abaixo daquela para o total da economia mundial (+1,5 p.p. para -4,5%).
Por ora, entretanto, permanece aberta a lacuna criada pela Covid-19. O setor de serviços, além de ter crescido bem menos do que em jun/20 e do que as demais atividades em jul/20, é quem mais longe está de recuperar as perdas da pandemia: -12,5% na comparação de jul/20 com fev/20, com ajuste sazonal.
Os segmentos de serviços com maior defasagem em relação à pré pandemia são os serviços prestados às famílias, com -56,6% em relação a fev/20, que, ademais, ficaram no negativo na passagem de junho para julho (-3,9%). Estas são atividades ainda muito afetadas pelo isolamento social e pelos necessários protocolos de segurança sanitária. Em segundo lugar estão os serviços de transportes (-14,4%), sobretudo devido à aviação, embora venham se mantendo no positivo nos últimos meses (+2,3% em jul/20).
A indústria, por sua vez, está 6% abaixo do nível de produção de fev/20, isto é, antes do choque da Covid-19. Mais um mês de crescimento semelhante ao que temos visto e será coberto o vale produzido no bimestre mar-abr/20.
Para alguns segmentos e certos parques regionais da indústria, o retorno ao nível de produção pré-pandemia está bem mais distante. Em jul/20, bens de capital e sobretudo bens de consumo duráveis apresentaram expansão considerável, de +15% e +42%, mas mesmo assim permaneceram 15,8% e 15,2% abaixo do patamar de fev/20, respectivamente.
A Região Sul concentra os casos com maior distância em relação a fev/20: -11,2% no Rio Grande do Sul, -10,8% no Paraná e -9,5% em Santa Catarina. Na passagem de junho para julho, a indústria paranaense nem cresceu (-0,3% com ajuste) e a gaúcha (+7%) ficou aquém do total Brasil. Parques industriais importantes do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm avançado mais, fechando mais rapidamente o vale criado pela Covid-19 (-6% e -3,4%, respectivamente, ante fev/20).
O comércio varejista, por sua vez, tem crescido mais firmemente, impulsionado pelas medidas emergenciais do governo, sobretudo pelo auxílio aos informais e famílias de menor renda, e pelo progressivo relaxamento do isolamento social. Em jul/20, em seu conceito ampliado, estava apenas 2% abaixo do nível de fev/20, mas isso devido apenas às vendas de veículos. Tomado em seu conceito restrito, o varejo já superou em 5,3% do patamar de vendas pré-pandemia.
Dos 10 segmentos do varejo acompanhados pelo IBGE, 4 já operavam em nível superior a fev/20: móveis e eletrodomésticos, material de construção, supermercados, alimentos e bebidas e fumo e artigos farmacêuticos, cosméticos e perfumaria.
Em contrapartida, a defasagem permanecia muito grande no varejo de veículos (-19,7%), livros, jornais e revistas (-26,2%) e vestuário e calçados (-32,7%). Todos estes três segmentos em pior situação passaram por importante desaceleração de jun/20 para jul/20.
Indústria
Em julho de 2020, a indústria se manteve no caminho da superação do impacto inicial da Covid-19. A alta na entrada da segunda metade do ano foi de +8% na série com ajuste sazonal. Este desempenho positivo, contudo, conseguiu recompor apenas uma parte das perdas provocadas pela Covid-19.
O nível de produção do setor continua 6% abaixo daquele de fev/20, isto é, antes dos efeitos da pandemia no país. Mais um mês de crescimento semelhante ao que temos visto e será coberto o vale produzido no bimestre mar-abr/20.
Para alguns segmentos da indústria, o retorno ao nível de produção pré-pandemia está mais distante. Em jul/20, bens de capital e sobretudo bens de consumo duráveis apresentaram expansão considerável, de +15% e +42%, mas mesmo assim permaneceram 15,8% e 15,2% abaixo do patamar de fev/20, respectivamente.
Bens intermediários e bens de consumo semi e não duráveis, que cresceram +8,4% e +4,7% na passagem de junho para julho, já descontados os efeitos sazonais, ainda estão 1,1% e 4,8% abaixo do nível anterior à Covid-19.
Em julho, o avanço da indústria geral foi partilhado pela grande maioria dos seus ramos e dos seus parques regionais. Dos 26 ramos industriais identificados pelo IBGE, praticamente todos cresceram na passagem de junho para julho, já descontados os efeitos sazonais. A única exceção foi o ramo de impressão e reprodução de gravações. Entre eles, cerca de 1/3 já superaram o nível de produção pré pandemia.
Regionalmente, houve aumento de produção em 12 das 15 indústrias regionais, já descontados os efeitos sazonais. Entre as três localidades no vermelho, duas ficaram praticamente estagnadas: Paraná e Goiás, que variaram -0,3%. Mato Grosso foi a outra localidade com perda de produção, com -4,2%, retirando apenas parcialmente a alta dos meses anteriores.
Este panorama, ao mostrar grande difusão de resultados positivos, traz uma boa sinalização para o setor industrial, embora não esteja claro o perfil de crescimento que será posto em marcha após os compensação das perdas imediatas da Covid-19. Isso porque pode levar algum tempo para certos efeitos serem mitigados, como o aumento do endividamento do setor público e do setor privado e os altos níveis de desemprego.
Em jul/20, importantes parques regionais obtiveram avanços, como São Paulo (+8,6% ante jun/20), Rio de Janeiro (+7,6%), Minas Gerais (+9,2%) e Rio Grande do Sul (+7,0%). Alguns casos registraram inclusive aceleração.
Apesar das altas recentes, a grande maioria dos polos industriais ainda não conseguiu voltar ao nível de produção anterior ao choque da Covid-19. Das 15 localidades, 11 estão no negativo na comparação de jul/20 com fev/20, já descontados os efeitos sazonais. Ou seja, 73% do total.
As maiores defasagens estão na Bahia e no Rio Grande do Sul, para quem o nível de produção de jul/20 com relação a fev/20, resulta em variações de -12,2% e -11,2%, respectivamente. São Paulo e Rio de Janeiro também estão em níveis inferiores ao pré pandemia. No primeiro caso, encontra-se 6% abaixo de fev/20, tal como o total Brasil. No segundo caso, a diferença é de -3,4%.
A região Nordeste, em muito devido à indústria baiana, está igualmente no vermelho em relação a fev/20: -7,5%, embora tenha apresentado importante reforço de seu resultado em julho, ao passar de +7,4% em jun/20 para +17,5%, na série livre de efeitos sazonais.
As quatro localidades cujos avanços dos últimos meses já foram capazes de colocá-las em patamares superiores a fev/20 foram: Pernambuco (4% acima), Amazonas (3,8% superior), Minas Gerais (3,4% superior) e Goiás (3% acima).
Comércio
O comércio varejista, assim como a indústria, conseguiu em julho de 2020 obter seu terceiro mês consecutivo de recuperação do choque da Covid-19. A diferença entre estes dois setores é que o varejo está mais próximo de voltar a um nível de atividade pré-pandemia.
Na passagem de junho para julho deste ano, já descontados os efeitos sazonais, o varejo ampliou vendas reais em +5,2%. Por sua vez, o varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e material de construção, cresceu +7,2%.
Tal avanço levou o varejo restrito a superar o tombo recente das vendas provocado pela Covid-19. É o que mostra a comparação entre jul/20 e fev/20: +5,3%. Já em seu conceito ampliado, devido ao segmento de veículos, o patamar atual de vendas permanece abaixo do pré-pandemia, registrando uma defasagem de -2%. Mesmo assim, é bastante inferior à defasagem de -6% que ainda existe na indústria.
O avanço em julho foi acompanhado por todos os diferentes segmentos do varejo e 40% deles já superaram o nível de vendas de fev/20. Quem pior se saiu foi o ramo de supermercados, alimentos, bebidas e fumo que, de todo modo, evitou o terreno negativo, ficando estável (0%) em jul/20 quando comparado ao mês anterior, sem efeitos sazonais.
Quatro segmentos, os de veículos e autopeças (+13,2%), de equipamentos de informática e comunicação (+11,4% ante jun/20), de vestuário e calçados (+25,2%) e de livros, jornais e revistas (+26,1%), cresceram a taxas de dois dígitos.
Todos estes quatro segmentos com dinamismo mais expressivo em jul/20 são justamente aqueles que mais distantes estão do nível pré-pandemia. Ou seja, têm mais necessidade de apresentar taxas elevadas de crescimento. O pior caso é o de tecidos, vestuário e calçados, cujas vendas reais em jul/20 encontravam-se 32,7% abaixo do nível de fev/20.
Nos demais casos, livros, jornais e revistas apresentavam patamar de vendas 26,2% inferior ao de fev/20, para veículos e autopeças era 19,7% inferior e para equipamentos de informática e comunicação, 6% inferior. Também com defasagem está o ramo de combustíveis e lubrificantes, com vendas 9,6% abaixo do pré-pandemia.
Em julho, dois segmentos que vinham apresentando forte reação das vendas passaram por importante desaceleração: móveis e eletrodomésticos e material de construção. Ambos os casos, contudo, já superaram o tombo da Covid-19, em +16,9% e +13,9%, respectivamente, e por isso é natural que passem por alguma acomodação.
O mesmo pode-se dizer do segmento de supermercados, alimentos e bebidas (+8,9% ante fev/20), embora neste caso a desaceleração já tivesse sido registrada em jun/20, renovando-se agora em jul/20, de modo a provocar um mês de estagnação das vendas, como mencionado anteriormente. Outros artigos de uso pessoal e doméstico também estão em estágio semelhante, mas com diferença de -0,2% em relação a fev/20.
Serviços
Os dados divulgados hoje pelo IBGE mostram que o setor de serviços é aquele com reação mais restringida entre os grandes setores econômicos. Em julho de 2020, enquanto a indústria registrou alta de +8% e o varejo ampliado, de +7,2%, o faturamento real dos serviços cresceu apenas +2,6% frente ao mês anterior, já descontados os efeitos sazonais.
Há outros sinais de uma trajetória mais modesta nos serviços. O choque principal da Covid-19, no mês de abril, foi apenas o momento mais agudo de uma sequência de quatro meses de queda iniciada já em fev/20. Enquanto indústria e varejo acumulam três meses de recuperação, os serviços contam com apenas dois: junho e julho.
Embora no positivo, a alta de jul/20 na série com ajuste sazonal foi a metade daquela de jun/20, sinalizando precoce acomodação. Nesta entrada do segundo semestre, todos os macrossetores industriais e todos os ramos do varejo conseguiram crescer; nos serviços aqueles prestados às famílias voltou ao vermelho: -3,9% frente ao mês anterior.
Todos estes sinais sugerem que a flexibilização do isolamento social pode não ser suficiente para assegurar um dinamismo consistente dos serviços. Isso porque sem vacina ou tratamento eficazes, o distanciamento social e o medo de contágio das pessoas são obstáculos importantes à normalização dos hábitos de consumo, especialmente de serviços cujo contato ou presença física tendem a ser difíceis de serem evitados.
Além disso, os serviços estão mais distantes da integral compensação das perdas da Covid-19. A comparação entre jul/20 e fev/20, isto é, antes da pandemia atingir o país, indica uma defasagem de -12,5%. Na indústria, esta diferença é de -6% e no varejo ampliado de -2%.
Nenhum dos segmentos de serviços retomaram níveis de faturamento real pré-pandemia, mas alguns deles lograram uma performance melhor do que o agregado do setor.
Transportes e correios é um destes segmentos com desempenho mais favorável. Já são três meses seguidos de alta, embora ainda exista uma lacuna de 14,4% para chegar ao nível de faturamento real pré-pandemia. Os transportes terrestres, que é um componente importante destes serviços, aceleraram de +3,7% para +5,8% de jun/20 para jul/20. O maior problema está no transporte aéreo, mas ao menos vem crescendo a taxas de dois dígitos (+17,1% em jul/20).
Outro destaque positivo é o segmento de outros serviços, que reúne conjunto diversificado de atividades, como serviços financeiros, agrícolas, imobiliários etc. Neste caso, a alta de jul/20 (+3% ante jun/20) foi superior ao do total do serviços e encontra-se apenas 2,6% abaixo do nível de faturamento do pré-pandemia. Mais um mês de crescimento semelhante ao que tem apresentado e o segmento fecha esta lacuna. O mesmo pode ser dito dos serviços de informação e comunicação.
Serviços profissionais e administrativos, por sua vez, mantiveram-se no azul e no mesmo ritmo de crescimento (+1,9% em jun/20 e +2,0% em jul/20). Aqui, porém, seu componente de serviços administrativos e complementares, que compreende atividades de baixa qualificação tercerizadas pelas empresas, tem funcionado como uma trava: não cresceu entre out/19 e mai/20, reagiu pouco em jun/20 e ficou virtualmente estagnado em jul/20 (+0,4% com ajuste). Com o avanço do trabalho remoto é possível que este fraco dinamismo se mantenha.
Por fim, os serviços prestados às famílias, em grande medida devido a alimentação e alojamento, voltaram a cair em jul/20, como mencionado anteriormente. Ainda que dificuldades não surpreendam, este é um resultado frustrante porque é o segmento que mais longe está do pré Covid-19: nada menos do que 56,6% abaixo do nível de faturamento real de fev/20.