Carta IEDI
Indústria e Sustentabilidade no Pós-Pandemia
Os efeitos negativos da pandemia de Covid-19 sobre o bem-estar das populações e o dinamismo das economias em inúmeros países vêm dando um caráter cada vez mais incontornável à obtenção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos no âmbito das Nações Unidas em 2015.
Estes objetivos visavam orientar as políticas nacionais ao cumprimento de metas a serem atingidas até 2030 em áreas como erradicação da pobreza, saúde, educação, água e saneamento, padrões sustentáveis de consumo, dentre outros.
Recentemente, a UNIDO divulgou documento intitulado “Industrialização como um guia para a prosperidade sustentável” (Industrialization as the driver of sustained prosperity), em que trata das interconexões entre a industrialização e o atingimento das metas socioeconômicas e ambientais relacionados aos objetivos das Nações Unidas. A Carta IEDI de hoje traz os principais argumentos e conclusões da UNIDO neste documento.
Segundo o documento o impacto da industrialização sobre o desenvolvimento socioeconômico se dá, sobretudo, indiretamente devido a seu papel como “motor do crescimento econômico”. Há também efeitos mais diretos, em particular, derivados da relação entre a indústria e o progresso tecnológico.
Os nexos entre industrialização e os ODS apontados pela UNIDO podem ser sumarizados nos seguintes pontos:
Indústria e produtividade. Há evidências empíricas de que a produtividade do trabalho da indústria manufatureira é maior do que a do restante da economia. Em países de renda média-alta, grupo no qual o Brasil se encontra, o diferencial de produtividade entre o setor manufatureiro e o restante da economia é de 14%, chegando a 55% em países de baixa renda, segundo a UNIDO.
Com isso, países com menor nível de renda tendem a se beneficiar do processo de industrialização a partir do “bônus de mudança estrutural”, isto é, do aumento continuado da participação da manufatura no PIB. Historicamente, este movimento se deu com a transferência de empregos da agropecuária para a indústria.
Indústria, saúde e bem-estar. A UNIDO encontrou correlação negativa da participação da indústria e serviços no PIB com a taxa de mortalidade infantil, por exemplo. O oposto ocorre com a agropecuária. O vínculo entre indústria e saúde e bem-estar passa pelo progresso tecnológico, que tem na manufatura seu principal núcleo gerador, e pelo aumento da renda per capital, que permite o desenvolvimento dos serviços, inclusive aqueles associados à saúde.
Indústria e emprego. Evidências encontradas pela UNIDO indicam que quanto maior a participação da manufatura no PIB de um país, menor é a proporção de jovens que não trabalham e não estudam. Isto é, favorece a inserção profissional das novas gerações.
Além disso, a UNIDO encontra que, embora exista um grande potencial de formalização do emprego, dado que a relação de trabalho na indústria é majoritariamente formal, há um crescimento modesto do emprego manufatureiro em países em desenvolvimento, o que enfraquece correlação positiva. Pode-se pensar que isto se deve, entre outros fatores, à desindustrialização prematura que acomete muitos destes países, e também ao avanço da automação.
Indústria e educação de qualidade. Para a UNIDO, há uma relação positiva entre a intensidade da manufatura e a educação e treinamento, já que a indústria apresenta maior requisito de qualificação de mão de obra. No entanto, não há nenhuma evidência estatística clara entre parcela da manufatura no PIB e aumento da educação e treinamento. Isso porque as políticas educacionais jogam um papel fundamental nesta relação, segundo a UNIDO.
Indústria e erradicação da pobreza. Segundo a análise da UNIDO, quanto mais o crescimento econômico for impulsionado pelo setor industrial, mais rápida é a redução da pobreza em um país. Isto é, o impacto do crescimento do valor agregado da manufatura é positivo e significativo sobre as condições de vida da população. O importante, porém, é de que este crescimento impulsionado pela manufatura seja intensivo em produtividade.
Indústria e desigualdade social. O estudo mostra que há uma relação positiva entre o aumento da participação da manufatura e o aumento do consumo da parcela mais pobre da população e também entre a manufatura e a redução das desigualdades de renda, já que o setor oferece empregos relativamente mais bem pagos àqueles que possuem baixa e média qualificação.
Indústria e meio ambiente. A UNIDO argumenta que o desenvolvimento da manufatura reduz a intensidade energética e o consumo de matéria-prima, gerando um efeito positivo direto da industrialização sobre a energia acessível e limpa e no consumo e produção responsáveis. Por esta razão, encontram-se, por exemplo, evidências de que um aumento da participação da manufatura no PIB está negativamente relacionado à emissão de CO2 por unidade de valor adicionado na manufatura.
Assim, expansão do setor manufatureiro não precisa ocorrer às custas do aumento das emissões de dióxido de carbono nos países em desenvolvimento, porque a intensidade das emissões normalmente diminui à medida que os países se industrializam. Isso evidencia uma desvinculação do desenvolvimento econômico do aumento das emissões de CO2.
Introdução
O documento da UNIDO intitulado “Industrialização como um guia para a prosperidade sustentável” (Industrialization as the driver of sustained prosperity) trata, entre outros temas, das interconexões entre a industrialização e as metas socioeconômicas e ambientais relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
Estes objetivos, estabelecidos em agosto de 2015, visam orientar as políticas nacionais para o período que vai até o ano de 2030 e envolvem temas diversos como erradicação da pobreza, saúde, educação, água e saneamento, padrões ambientalmente sustentáveis de consumo, dentre outros. A Carta IEDI de hoje traz os principais argumentos e conclusões da UNIDO apresentados neste documento.
A UNIDO enfatiza, antes de tudo, a relação entre crescimento do PIB e o desenvolvimento socioeconômico. Lembra, em primeiro lugar, que existe consenso de que não há um modelo de desenvolvimento único e, em segundo lugar, de que um conjunto de políticas públicas e instituições são indispensáveis para que se tenha um processo sustentado de crescimento econômico.
Recentemente, vem ocorrendo uma redescoberta em muitos países de insights de economistas famosos, como Albert Hirschman, Paul Rosenstein-Rodan e Arthur Lewis, que argumentaram de maneira favorável à centralidade do setor manufatureiro na transformação de uma economia rural e com alta informalidade para uma economia moderna, urbana e formalizada.
Segundo a UNIDO, nos últimos 25 anos, mais de um bilhão de pessoas escaparam da pobreza e houve queda substancial na taxa de mortalidade materna e infantil. No entanto, mais de 10% da população global ainda vive com menos de US$ 1,90 por dia, sendo que mais da metade desta população reside no continente africano. Ademais, o número de pessoas que sofrem com a fome ainda permanece em elevação. Isso mostra a necessidade do crescimento econômico mais robusto em muitas partes do mundo e da importância da indústria como principal eixo dinamizador.
No entanto, a UNIDO enfatiza que o crescimento econômico, medido apenas em termos de aumento de nível médio de renda, não é capaz de garantir sozinho o desenvolvimento dos países.
De maneira geral, a industrialização é um aliado no avanço das metas socioeconômicas e uma alavanca do desenvolvimento, pois permite a mudança estrutural dos países, redirecionando seu sistema produtivo em direção de atividades com maior produtividade – historicamente da agricultura para a manufatura. Segundo o documento o impacto da industrialização sobre o desenvolvimento socioeconômico surge indiretamente de seu papel como “motor do crescimento econômico”.
Há também efeitos mais diretos, em particular, devido a relação entre a indústria e o progresso tecnológico, que é fundamental para o alcance das metas ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura). Mas, é fator igualmente importantes para a realização de outros objetivos como emprego digno e crescimento econômico (ODS 8), a erradicação da pobreza (ODS 1), boa saúde e bem estar (ODS 3), educação de qualidade (ODS 4) e redução das desigualdades (ODS 10).
Além disso, a UNIDO ressalta que escolhas de política pública também desempenham um papel importante. Uma vez que, em geral, os aspectos socioeconômicos abrangidos pelos ODSs são moldados e influenciados pelas escolhas de políticas apropriadas.
Produtividade e Indústria Manufatureira
Segundo a UNIDO, a indústria manufatureira possui uma vantagem de produtividade sobre os demais setores, particularmente em países em desenvolvimento. Utilizando dados da produtividade real do trabalho, ponderada pela participação de cada setor (agrícola, manufatura e serviços) no valor adicionado real em cada grupo de renda (baixa, média-baixa, média-alta e alta), a UNIDO mostra que o diferencial de produtividade entre o setor manufatureiro e o restante da economia foi de 55% em países de baixa renda, no período 1991-2017.
Países de baixa renda são aqueles com o PIB per capita menor do que US$ 1.026, os de média-baixa renda, US$ 1.026 – US$ 3.955; os de média-alta renda, US$ 3.995 – 12.375; e os de alta renda, por um PIB per capita maior do que US$ 12.375. Em países de média-alta renda, grupo no qual o Brasil se encontra, o diferencial de produtividade entre o setor manufatureiro e o restante da economia foi de 14%.
A diferença da produtividade real do trabalho da manufatura em relação ao setor agrícola é particularmente elevada. Isto mostra o potencial do “bônus da mudança estrutural”, isto é, a mudança da participação dos setores no PIB em que o setor manufatureiro adquire maior importância em relação ao setor primário agrícola.
O setor manufatureiro, segundo a UNIDO, é o “motor do crescimento” da economia e essa afirmação é particularmente mais importante para países em desenvolvimento.
Quando se considera a taxa de crescimento da produtividade real do trabalho por setor da economia, esta taxa é maior no setor manufatureiro do que no restante da economia, mesmo em países desenvolvidos.
Nestes países de alta renda, que possuem maior peso do setor de serviços em suas economias, o crescimento da produtividade no setor manufatureiro apresenta um diferencial de 2,63 pontos percentuais em relação aos demais setores. Já nos países de média-alta renda, esse diferencial é de 1,28 ponto percentual e, nos de baixa renda, a diferença é de 1,85 ponto percentual.
O relatório mostra que, no período 1970-2017, a participação da manufatura no PIB de países de alta renda, de 14,33%, foi menor do que no de países de renda média-alta, 16%. Esta participação menor é explicada, em parte, pelas atividades de deslocalização industrial (offshoring) de empresas multinacionais, isto é, a realocação das atividades de produção para destinos de salários mais baixos.
Já em países de baixa e baixa-média renda, cuja participação da manufatura no PIB é de, respectivamente, 10,71%, e 14,29%, a UNIDO manifesta a preocupação com a desindustrialização prematura, que é a situação em que países começam a experimentar uma redução da participação da manufatura no PIB antes de alcançar um patamar de renda per capita elevado.
O valor agregado da manufatura sobre o PIB global, por sua vez, não mudou muito nos últimos 40 anos. Isto sugere que a desindustrialização prematura é também explicada pelo aumento da concentração de atividades manufatureiras em alguns países, sobretudo localizados na China e em outros países da Ásia.
A indústria e o alcance geral dos ODS
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão estruturados em 169 metas que vão desde o fim da pobreza extrema até o aumento da urbanização inclusiva e sustentável, passando pela promoção do Estado de Direito e o fim de epidemias como AIDS, tuberculose e malária.
A UNIDO analisa se a industrialização (ODS n. 9) pode contribuir para o progresso socioeconômico com base em 9 dos 17 ODS. A saber: ODS n. 1 para erradicação da pobreza, n. 3 para saúde e bem-estar, n. 4 para educação de qualidade, n. 6 para água potável e saneamento, n. 7 para energia acessível e limpa, n. 8 para trabalho decente e crescimento econômico, n. 10 para redução das desigualdades e n. 12 para consumo e produção responsáveis e n. 13 ação climática.
Utilizando métodos econométricos, a UNIDO procura estabelecer:
(i) a relação entre PIB per capita dos países (divididos em alta, média-alta, média-baixa e baixa renda) e o índice ODS, que procura medir o avanço dos países nestes indicadores supracitados; e
(ii) a relação entre a intensidade da manufatura, medida em valor adicionado da manufatura (VAM) per capita, e o índice ODS – que mede o desempenho do país nos ODS.
O Índice ODS varia de 0 a 100, correspondendo ao pior e ao melhor resultado, respectivamente. Como exemplo, a posição da Dinamarca em 2019, com 85 pontos indica que, em média, ela está a 85% do caminho para o melhor resultado possível entre os 17 ODS.
Em relação ao PIB per capita dos países e o índice ODS, a UNIDO mostra que pontuações as mais altas dos países estão significativamente associadas ao seu maior nível de renda. Isso porque muitos ODS estão relacionados a desafios socioeconômicos, que são mais presentes em economias menos desenvolvidas: pobreza, desnutrição, acesso a instalações sanitárias ou doenças infecciosas, por exemplo. Ou seja, há uma relação positiva entre o PIB per capita e o índice ODS.
Em relação à intensidade da manufatura e o índice ODS, a UNIDO encontra pontuações mais altas dos ODS à medida que aumenta a intensidade da manufatura. Isso sugere que a o avanço da participação da indústria em termos de valor adicionado em um país está estatisticamente associado ao progresso dos países em alcançar seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na ONU.
A manufatura e a inovação constituem pedra angular do ODS número 9 (indústria, inovação e infraestrutura) e são requisitos importantes para a obtenção de outros objetivos, como o crescimento econômico (ODS 8), a erradicação da pobreza (ODS 1), a saúde e bem-estar (ODS 3), a educação de qualidade (ODS 4), o trabalho decente (ODS 8) e a redução das desigualdades (ODS 10). A figura a seguir mostra a interação entre estes efeitos.
O papel da industrialização (ODS 9) é fundamental para o alcance de uma diversidade de outras metas. Um processo de desenvolvimento bem-sucedido requer que altas taxas de crescimento sejam sustentadas por um longo período. Segundo a UNIDO, uma trajetória de catching-up demanda médias de crescimento do PIB de 5% ao ano, ou mais, por pelo menos duas décadas e essa taxa de crescimento deve ter uma volatilidade tão baixa quanto possível.
Industrialização e metas socioeconômicas
Saúde e bem-estar (ODS 3). Em relação ao indicador de boa saúde e bem-estar (ODS 3), a UNIDO investigou a correlação entre as taxas de mortalidade infantil (a cada mil nascidos) e as participações setoriais (serviços, agricultura e indústria) no valor agregado da economia.
Os resultados encontrados mostram uma correlação positiva entre a taxa de participação do setor agrícola no PIB e a mortalidade infantil. Já no setor de serviços e indústria, a correlação é negativa. Isto é, em média, países que possuem maior participação do setor agrícola no PIB possuem, em média, uma maior taxa de mortalidade infantil; sendo o oposto em países com maior participação da manufatura e de serviços.
A relação entre a indústria e a melhoria dos indicadores associados à saúde está mediada pelo progresso tecnológico. A indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares é responsável por avanços dos medicamentos (antibióticos, por exemplo), dos aparelhos médicos (raios-x) e das técnicas de operação (laparoscopia).
Além destes, outros avanços tecnológicos que permitiram a melhora em itens de higiene pessoal, por exemplo, legaram progressos significativos em termos de expectativa de vida, menores taxas de mortalidade infantil e materna e diminuição de mortes infecciosas e tuberculose.
A maior participação da indústria e dos serviços, portanto, reflete avanços na produtividade do trabalho em uma economia, que, por sua vez, alimenta o crescimento econômico. Esse crescimento econômico permite o fornecimento de todos os tipos de serviços, nos quais se encontram, inclusive, os cuidados básicos de saúde.
Emprego digno e crescimento econômico (ODS 8). A respeito das condições de emprego digno (ODS 8), a UNIDO investigou dois aspectos. O primeiro está relacionado aos jovens, que possuem maior dificuldade em encontrar emprego em todos os países e níveis de renda.
O segundo aspecto está relacionado ao emprego informal, que impacta o crescimento econômico do ponto de vista da produtividade e cuja modalidade implica, geralmente, em piores condições relacionadas à segurança do trabalho e de proteção social (como no caso de doenças e acidentes que impossibilitam as pessoas de trabalharem e as deixam sem renda).
Quanto aos jovens, o documento mostra a relação entre a proporção de jovens (população dos 15 aos 24 anos), que não trabalham e não estudam (os chamados nem-nem), com as participações dos setores (agricultura, manufatura e serviços) na economia. O resultado encontrado é que, em média, quanto maior o nível do valor adicionado per capita da manufatura e dos serviços, menor a proporção de jovens que não trabalham e não estudam.
No caso do emprego formal, não há evidências significativas de que uma mudança em direção à uma maior participação da manufatura ou do setor de serviços no PIB, terá como implicação uma queda nas taxas de emprego informal (nas partes não agrícolas da economia).
Embora exista um grande potencial de geração de empregos formais, dado que a relação de trabalho na indústria é majoritariamente formal, há um crescimento modesto do emprego manufatureiro em países em desenvolvimento, o que prejudica inferir uma correlação positiva. Isso pode ter origem, entre outros fatores, na desindustrialização prematura que acomete muitos destes países, à automação etc.
Em suma, a maior participação da indústria no PIN dos países é capaz de ajudar no indicador ODS 8, uma vez que no setor manufatureiro a maior parcela do trabalho é formal e que a sua expansão permite, direta e indiretamente, uma maior oferta de empregos para os jovens.
Educação de qualidade (ODS 4). A UNIDO analisou a relação entre a intensidade da manufatura, isto é, o nível do valor adicionado per capita da manufatura, e a educação e o treinamento (participação de jovens e adultos na educação formal e não formal e em treinamento nos últimos 12 meses). O resultado é que há uma relação positiva entre a intensidade da manufatura e a educação e treinamento.
A demanda por habilidades na manufatura impacta os objetivos educacionais (ODS 4). Quando comparada ao setor agrícola e a alguns ramos dos serviços, a indústria apresenta maior requisito tanto de capital como de qualificação de mão de obra.
No entanto, não há nenhuma associação clara entre parcela da manufatura no PIB e aumento da educação e treinamento. Isto é, a mudança estrutural, que envolve passar de uma economia baseada na agricultura para a indústria e cada vez mais para serviços, nem sempre é acompanhada por uma melhora no indicador que mede o acesso das pessoas à educação.
Este resultado pode estar relacionado a duas questões, segundo a UNIDO. O primeiro é que políticas educacionais possuem maior relação com prioridades políticas e não são frutos automáticos de mudanças da estrutura econômica. O segundo aspecto é que os dados analisados demonstram certa limitação, uma vez que este exercício esteve praticamente restrito ao conjunto dos países de renda mais alta.
Erradicação da pobreza (ODS 1). Para analisar a relação entre a pobreza e a participação do setor industrial, a UNIDO analisou os dados de 40 países, no período de 2000 a 2015. Neste período, encontrou dois resultados: (i) à medida que o PIB aumenta, as taxas de pobreza caem; (ii) quando as taxas de crescimento superam 5% ao ano, a velocidade da redução da pobreza acelera.
Há, porém, casos particulares. Romênia e Ruanda, por exemplo, tiveram taxas de crescimento bastante elevadas no período analisado, mas isso não se traduziu em expressiva redução da pobreza. No caso do Brasil, entre 2000 e 2015, um crescimento de pouco menos de 2% do PIB resultou uma redução da pobreza em torno de 8%.
Segundo a análise estatística feita pela UNIDO, quanto mais o crescimento for impulsionado pelo setor industrial, mais elevada a taxa de redução da pobreza em um país. Isto é, o impacto do crescimento do valor agregado na manufatura é positivo e significativo sobre as condições de vida da população. O importante, porém, é de que esse crescimento impulsionado pela manufatura deve ser intensivo em produtividade.
Redução das desigualdades (ODS 10). A UNIDO analisa a relação entre a participação da manufatura no valor adicionado da economia e o efeito sobre o crescimento da renda dos 40% mais pobres. O resultado é que há uma relação positiva entre o aumento da participação da manufatura e o aumento do consumo da parcela mais pobre da população.
O documento se concentra em um dos aspectos da desigualdade, o de resultados (renda, salários ou riqueza), embora reconheça outras dimensões, como as desigualdades de oportunidades. Neste aspecto, o setor manufatureiro tem um papel relevante, uma vez que oferece empregos relativamente mais bem pagos para aqueles trabalhadores que possuem baixa e média qualificação.
Com isso, o que a UNIDO mostra o potencial que uma mudança estrutural possui em reduzir a desigualdade, uma vez que os salários da manufatura são menos desigualmente distribuídos e, em muitos lugares, são a principal fonte de renda das famílias.
Industrialização e meio ambiente
A UNIDO discute o papel da indústria nos objetivos relacionados ao meio ambiente, que é um novo desafio quando comparado às metas sociais vistas anteriormente. Especial destaque é dado à capacidade de a indústria prover tecnologias que permitam reduzir a intensidade da utilização de recursos nocivos ao meio ambiente.
No entanto, o relatório destaca as limitações enfrentadas por alguns países em adquirir estas tecnologias, o que está relacionado, basicamente, aos custos mais elevados que elas possuem. De maneira geral, há um potencial positivo de a manufatura, desde que em bases mais sustentáveis, reduzir os efeitos negativos da mudança climática.
Água limpa e saneamento (ODS 6). A relação entre desenvolvimento econômico e a eficiência hídrica, que compreende o ODS 6, é medida pela correlação entre a eficiência do uso da água (US$ por metro cúbico) em relação ao PIB per capita e a participação da manufatura no PIB, nos diferentes grupos de renda, no período 2000-2017.
O resultado encontrado é que os países capazes de utilizar menos recursos por dólar produzido são, normalmente, os de renda mais alta. Isto é, quanto mais rico é o país, em termos de PIB per capita, mais eficiente no uso da água. Já em relação à participação da manufatura, a UNIDO não encontrou uma relação clara, uma vez que a parcela da indústria no PIB não aumenta linearmente com a renda. Isto é, os países de maior renda não são necessariamente aqueles com maior participação da indústria na economia.
Energia acessível e limpa (ODS 7). Para analisar a relação entre indústria e o objetivo 7, a UNIDO correlacionou o nível de intensidade energética primária (megajoules por PIB PPC a preços constantes de 2011) com o PIB per capita e a participação da manufatura no PIB, nos diferentes grupos de renda, no período 2000-2017.
Países com maior eficiência energética, isto é, aqueles que conseguem produzir mais utilizando menos energia, são normalmente os países do grupo de renda mais alta. Já em relação à participação da manufatura no PIB, observou-se que uma expansão da manufatura para cada grupo de renda acarreta em uma melhora na eficiência energética.
Consumo e produção responsáveis (ODS 12). O objetivo 12 e sua relação com a manufatura é analisado por meio da correlação entre o consumo de matéria-prima por unidade do PIB (kg por US$ constantes de 2010) e o PIB per capita e a participação da manufatura no PIB, nos diferentes grupos de renda, no período 2000-2017.
Há uma relação negativa entre consumo de matéria-prima e renda, que é mais intensa em países de renda mais alta. Isto é, quanto mais rico é o país, menor o seu consumo interno de matéria-prima por unidade de produção, em termos de valor – isto é, a quantidade em quilos necessária para se produzir um dólar americano de produto.
Já na relação entre o consumo de matéria-prima e a participação da manufatura no PIB, a UNIDO verificou que um aumento na participação da manufatura no PIB em países de baixa renda diminui o consumo interno de matéria-prima por unidade de produção.
Além disso, em média, quanto mais rico um país, menor o consumo doméstico de matéria-prima por unidade de produção. Isso é a evidência de que a expansão da manufatura em um país de baixa-renda pode ser benéfica no objetivo de diminuir o consumo doméstico de matéria-prima.
Indústria, inovação e infraestrutura (ODS 9). No âmbito do objetivo 9, a UNIDO analisou a relação entre o dióxido de carbono (CO2) emitido por unidade de valor adicionado da manufatura (VAM) em relação ao PIB per capita e a participação na manufatura no PIB, nos diferentes grupos de renda, no período 2000-2016.
Quanto maior o PIB per capita, menor o número de emissões de CO2 por unidade de valor adicionado da manufatura. No entanto, isto pode implicar uma terceirização de emissões para países de renda mais baixa e não necessariamente resultado do progresso tecnológico, ou mesmo de uma nova disposição em relação ao meio ambiente por parte dos países de renda mais alta.
Por outro lado, também é possível relacionar este resultado, ao menos parcialmente, à diminuição da contribuição da manufatura para o PIB em países de renda mais alta, que passaram por um processo de desindustrialização (menor participação da manufatura vis-à-vis maior participação dos serviços).
Já um aumento da participação da manufatura no PIB está negativamente relacionado à emissão de CO2 por unidade de valor adicionado na manufatura. Essa relação é mais pronunciada em países de alta renda – quanto mais rico um país, à medida que a participação no PIB cai, maior sua redução na emissão de CO2.
Estes resultados mais complexos estão relacionados, basicamente, ao aumento na eficiência das matérias-primas incorporadas na produção e a intensidade das emissões (mitigação). Se um país for bem sucedido em aplicar tecnologias de mitigação (por exemplo, captura e armazenamento de carbono), ele pode observar uma redução de CO2 por unidade de valor adicionado na manufatura.
Isto é, pode haver um aumento da participação da indústria no valor adicionado com redução da emissão de CO2 na atmosfera, desde que medidas de mitigação apropriadas sejam implementadas.