Carta IEDI
Caminhos para uma Educação de Qualidade no Brasil
Embora seja amplamente conhecido que avanços no nível educacional da população são fundamentais para a melhoria da produtividade dos países e para sua capacidade de inovar, no Brasil a qualidade do ensino ainda deixa muito a desejar, a despeito de progressos nas últimas décadas.
Reconhecendo o papel transformador da educação, tanto do ponto de vista social como do ponto de vista econômico e produtivo, o IEDI promoveu, no início de outubro de 2020, um fórum sobre a situação atual e estratégias futuras para o aumento da qualidade da educação no Brasil.
O Webinar contou com a presença de Priscila Cruz, Presidente-executiva do “Todos pela Educação”, e Walter Schalka, membro do Conselho do “Parceiros da Educação” e Presidente da Suzano, que integra o IEDI. Suas experiências e análises são relatadas nesta Carta IEDI.
Priscila Cruz analisou o quadro da educação básica no Brasil na última década até o surto de Covid-19 atingir o país em 2020, provocando grave desorganização na gestão educacional e suspendendo aulas presenciais mesmo em localidades pouco atingidas pelo novo coronavirus.
Entre 2007 e 2017, é inegável a existência de alguns avanços, como por exemplo a proporção crescente de alunos com aprendizagem mínima adequada em disciplinas elementares, como Língua Portuguesa e Matemática.
Como mostra Priscila Cruz, nestes dez anos aumentamos de 28% para 60% a fração de alunos do quinto ano do Ensino Fundamental com aprendizagem adequada de português e de 24% para 49% no caso de matemática. Dados ainda em análise para 2019 mostram a continuidade desta evolução: a média do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da rede pública nos municípios aumentou 0,12 ponto em relação a 2017.
Contudo, muito deste progresso nas etapas iniciais de formação se perde ao longo do percurso escolar. Sinal disso é que ainda hoje de 100 estudantes que entram no Ensino Fundamental, somente 64 terminam o Ensino Médio. E destes com certificado de conclusão somente 29,1% têm aprendizagem mínima em Português e meros 9% em Matemática, o que significa dizer que não conseguem sequer calcular juros simples sobre uma compra a prestação ou um empréstimo bancário.
Além disso, em 2.350 municípios o IDEB ficou estagnado ou apresentou queda em 2019, o que representa quase metade do total de municípios (43%), indicando uma forte concentração da melhora recente em poucos casos.
Diante disso, Priscila Cruz enfatiza que dois dos desafios a serem enfrentados pelo país são: estender a melhoria do Ensino Básico até o final do Ensino Médio e difundir para um número maior de municípios os resultados positivos dos indicadores educacionais.
E, segundo ela, já temos experiências que nos apontam alguns caminhos: conhecemos o poder do ensino em tempo integral, da colaboração entre estados e municípios para avançar a alfabetização, da implementação correta da Base Nacional Comum Curricular, da formação de professores que tenha como foco a sala de aula. O esforço do Todos pela Educação é fazer as boas experiências se expandirem sob forma de política pública, inclusive do próprio Ministério da Educação, que possui importantes mecanismos de indução.
Outro desafio é aumentar a atratividade da carreira docente e melhor selecionar os futuros professores. Cerca de 70% dos alunos que entram em Pedagogia no Brasil apresentam nota muito abaixo da média do Enem, ou seja, mal dominam o necessário para poder obter o certificado de Ensino Médio. Ademais, cerca de 80% desses professores fizeram um curso superior privado de péssima qualidade.
Nossas deficiências, segundo Priscila Cruz, não se restringem à rede pública e à parcela mais desfavorecida da população. O PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) mostra que os alunos de mais alta de renda no Brasil apresentam um desempenho inferior ao aluno médio de menor renda no Vietnã e em linha com os resultados destes alunos na Coreia do Sul. Ou seja, nem mesmo a elite brasileira escapa da situação precária da educação no país.
Mudar esta realidade acarretará em mais crescimento econômico e mais desenvolvimento socioeconômico. No Brasil, um adicional de 100 pontos do PISA nos levaria a um aumento de 2 pontos percentuais no PIB per capita e a uma elevação de 26% do salário médio dos brasileiros, segundo Priscila Cruz.
Por isso, o Todos pela Educação articula diferentes iniciativas da sociedade civil em prol da educação, buscando identificar sinergias e estabelecer diálogo permanente com diferentes esferas de governo. Trabalhando como uma coalisão, contribuiu, por exemplo, para a aprovação da PEC do Fundeb em ago/20, que elevou o investimento mínimo por aluno no Brasil de R$ 3.700 para R$ 5.700 por ano.
Embora não seja desprovida de recursos, a área da educação precisa melhor distribuí-los e adotar políticas públicas mais efetivas, com base em experiências de sucesso, para o que aperfeiçoamentos na gestão são fundamentais. O Todos pela Educação contribui para isso e também vem mapeando o papel que as novas tecnologias e a digitalização podem desempenhar.
Walter Schalka enfatizou em sua exposição justamente a contribuição que as tecnologias digitais podem dar à melhoria da educação, tomando como exemplo sua experiência no âmbito do Parceiros da Educação.
A digitalização do ensino, com acesso pelos alunos a computadores, tablets ou smartphones e o desenvolvimento de softwares educativos, tende a ter dois efeitos de profunda transformação do quadro atual: pode tornar o processo de ensino mais lúdico e atraente para os alunos, tornando-o mais eficaz, e pode contornar parte do problema da má qualidade do corpo docente ao disponibilizar amplamente à rede de ensino aulas virtuais com os melhores professores do país.
Os investimentos para esta estratégia seriam, segundo Schalka, menores do que muitos imaginam, dada a progressiva redução de custos dos equipamentos eletrônicos e à possibilidade de se firmar parcerias com o setor privado. Estima que para o Estado de São Paulo, custaria algo como R$ 1,5 bilhão em investimentos, representando uma fatia pequena do orçamento total da Secretaria de Educação.
Há, porém, a questão de acesso à rede de internet. Entretanto, existem estudos que indicam que uma parte significativa da população já tem acesso a ela. Seria necessário, então, avaliar quanto faltaria e qual seria esse custo marginal para a população sem acesso.
Walter Schalka menciona ainda outro aspecto que se mostra muito eficaz para melhorar os indicadores de qualidade da educação: implantação da escola em período integral, cuja correlação com maiores notas no IDEB ou no Saresp é expressiva. Experiências pioneiras nesta direção ocorreram no Ceará, seguido por Espírito Santo, Pernambuco, Goiás e agora São Paulo. Em todos eles tem ocorrido progresso considerável nas notas dos alunos.
Priscila Cruz
Os efeitos da Covid-19 na Educação. Antes de adentrar exatamente no tema da situação da educação brasileira, não dá para não comentar o que está acontecendo neste período de pandemia na educação pública brasileira. Nós do Todos pela Educação estamos fazendo um esforço gigantesco para nivelar minimamente a capacidade de gestão das secretarias estaduais e municipais de educação no Brasil todo, a fim de que possam responder a este desafio que é inédito não só para as empresas, mas também para a gestão educacional.
Embora não tenhamos um monitoramento nacional, mas apenas algumas informações desencontradas, sabemos que o efeito da pandemia de Covid-19 é brutal sobre a área da educação. O Brasil caminha para ser o país com mais tempo de suspensão das aulas presenciais do mundo e isso vai nos cobrar um preço muito elevado. A última pesquisa com jovens brasileiros de Ensino Médio mostrou que 30% dos jovens pensam em não voltar à escola no ano que vem.
Como tem sido veiculado pela imprensa, o Todos pela Educação entrou nesse esforço de começar a provocar os gestores públicos, governadores e prefeitos para a retomada das aulas presenciais. Especialmente para os alunos mais vulneráveis, pois a evasão potencial é uma bomba social, não só econômica. Isso porque a evasão escolar está associada muito fortemente às taxas de homicídio, compromete o crescimento econômico, devido à falta de aprendizagem e à perda de oportunidades.
Enfim, precisamos realmente nos unis para criar uma demanda mais forte junto aos governos para planejarem o retorno das aulas presenciais. Por conta deste ano eleitoral, muitas prefeituras, principalmente, já anunciaram que a volta só acontecerá no próximo ano. Isso tem desmobilizado a gestão pública em relação aos procedimentos e às providências que precisam ser tomados para essa volta, quando isso for possível.
O que já sabemos a partir da experiência internacional, é que a volta às aulas não traz um agravamento da pandemia quando o patamar de contágio está abaixo de cinco casos por 100 mil habitantes. Já temos regiões e municípios no Brasil que estão neste patamar, o que autorizaria a retomada das aulas.
Como a pandemia tem um comportamento desigual no território brasileiro, seria possível retornarmos às aulas em muitos desses municípios, mas os pais estão com medo e a sociedade que não confia nos governos. Há uma omissão absurda do governo federal no campo educacional durante a pandemia. Enfim, estamos vivendo uma “tempestade perfeita” que pode agravar as desigualdades sociais do país, sobretudo na aprendizagem. O Brasil corre o risco de assumir liderança negativa no ranking dos países com mais tempo de suspensão das aulas presenciais.
É necessário fazer este primeiro disclaimer porque tudo o que vou discutir a seguir, por conta do sistema de coleta de dados que temos no país, são dados pré-pandemia, então é preciso considerar esses dados a seguir serão piores nos próximos anos. Precisamos ter consciência disso, porque o esforço a ser feito nos próximos anos para recuperar a educação brasileira e fazê-la avançar terá que ser ainda mais intenso.
O quadro da educação brasileira. Todos querem, um dia, ler manchetes como estas: “O Brasil acelera em crescimento com forte redução das desigualdades”; “Queda vertiginosa dos índices de violência coloca Brasil entre os países mais seguros”; “Brasil lidera produção científica de ponta e muda sua matriz econômica”.
Mas, para isso, temos que ler outra manchete antes: “Brasil é o país que mais cresce no PISA (Programme for International Student Assessment) na última década e encosta na elite da educação mundial”. Essa é a visão de que precisamos. É muito difícil conseguirmos as outras manchetes se não conquistarmos esta em primeiro lugar.
É com esta visão que trabalhamos no Todos pela Educação – todos pela educação de todos. Essa ideia parece “normal”, mas ela é muito poderosa: não é a educação dos nossos filhos, ou das crianças que conhecemos, ou ainda as da cidade onde vamos passar nossas férias, aqui, o que defendemos, é a educação de todas as crianças e jovens do Brasil.
Quando começarmos a realmente nos importar com a educação da menina negra, pobre, rural, do interior do Piauí, para que ela tenha educação de qualidade, estaremos falando de um outro país. Senão, não estamos falando desse conceito. Então, é importante ter essa ideia de escala e de inclusão de todos mesmo.
O Todos pela Educação é amplamente conhecido, então, só gostaria de frisar o seguinte aspecto: nós acreditamos fortemente na política pública educacional e trabalhamos para melhorá-la. Esse é um setor que tem um investimento de mais de R$ 200 bilhões no país, é um investimento de grande monta e que vem crescendo nos últimos anos quando considerado por aluno.
Agora em 2020, nos dedicamos nos últimos meses na aprovação do novo Fundeb, não apenas ajudando em seu novo desenho, mas também na articulação com o Congresso Nacional para que ele fosse aprovado. Com a efetiva aprovação do novo Fundeb, saímos de um investimento mínimo por aluno no Brasil de R$ 3.700 por ano, para R$ 5.700. E isso é o patamar mínimo. Não é que teve mais investimento colocado no Fundeb, mas ele se distribui melhor agora.
Então, municípios e estados que têm uma capacidade de investimento por aluno maior, por conta da sua arrecadação de impostos, redistribuem e dividem essa arrecadação com municípios mais pobres. O que é absolutamente justo, pois o que vemos é que acima de um determinado patamar, próximo de R$ 8 mil por ano, o resultado positivo já não tem mais relação com os recursos alocados. Então essa redistribuição para os entes federativos mais pobres é de grande importante para a melhoria da educação no país todo.
Então, o Todos pela Educação trabalha desde 2006 com política pública e congrega institutos, organizações etc. que apoiam a educação. É um trabalho importante da sociedade civil brasileira para impulsionar a qualidade da educação pública e tem tido bom resultado. Vejam: no 5º ano do Ensino Fundamental saímos de 28% das crianças com a aprendizagem mínima adequada em Língua Portuguesa para 60% em 2017. Nós ainda estamos analisando os números de 2019, mas vai haver um crescimento ainda maior, a contar pelos dados do IDEB já calculados.
Quando a Natura aposta na alfabetização, quando falamos de ter metas, de dividir os recursos e melhorar a gestão, é este o resultado. Então, vale a pena. Em Matemática, também tivemos um avanço considerável, de quase 24% para quase 49% dos alunos no 5º ano com aprendizagem adequada da disciplina.
Apesar disso tudo, o quadro geral ainda é ruim, como mostram os dados da figura abaixo.
Nós precisamos transformar essa melhora dos resultados no Fundamental I em avanços também nas outras etapas. Hoje, quando analisamos Fundamental II e Ensino Médio vai se perdendo essa trajetória de bons resultados. Contudo, no último IDEB houve progresso no Ensino Médio, muito por conta do investimento em tempo integral.
O fato é que temos uma pirâmide invertida, um triângulo apontando para baixo: dos 100 estudantes que entram no Ensino Fundamental, só 64 terminam o Ensino Médio, e dos que terminam, somente 9% obtêm aprendizagem mínima em Matemática e 29,1% em Português. Então, no final, é como se ganhássemos o primeiro tempo do jogo, mas no segundo tempo perdêssemos de goleada. Por isso, precisamos manter a evolução positiva no Fundamental I melhorar os resultados até o Ensino Médio. Este é o grande desafio que temos pela frente.
A figura acima traz dados novos, que ainda não saíram na imprensa, e funcionam como um retrato da educação brasileira. Analisamos mais a fundo estes dados do IDEB e quero chamar a atenção de vocês para alguns aspectos.
Dos municípios brasileiros, 2350 tiveram estagnação o redução do IDEB nos últimos 2 anos. Então, o pequeno crescimento da média não significa que todos os municípios estão melhorando de forma homogênea. A verdade é que há uma massa enorme de municípios que estão com queda de resultado, enquanto outros têm uma subida, e o resultado é que se neutralizam e a média pouco cresce.
O que temos feito no Todos pela Educação é entender esse efeito e, sobretudo, o que faz alguns municípios crescerem tanto, porque são os fatores críticos de seu sucesso que precisam ser expandidos por todo o país, sob forma de política pública. E inclusive do próprio Ministério da Educação, com seus mecanismos de indução para que essas políticas avancem em todo território.
Nós já conhecemos o poder do ensino em tempo integral, da colaboração de estados e municípios para avançar a alfabetização, da implementação correta da Base Nacional Comum Curricular, de uma formação de professores que tenha como foco a sala de aula. Embora já tenhamos estes conhecimentos, ainda precisamos fazer essas boas experiências se expandirem.
Nos últimos anos, saímos de uma situação em que tínhamos algumas “ilhas de excelência” e agora já temos alguns “arquipélagos de excelência” no país. É, por exemplo, o caso do Ceará, que é bastante conhecido: das 100 melhores escolas do Brasil, 81 estão no Ceará. É um estado que apresenta renda média per capita inferior à média brasileira, mas que tem conseguido resultados positivos por conta do foco nas políticas que importam, de uma boa alocação de recursos, de políticas bem formuladas, bem implementadas e continuamente aprimoradas. Esse é o segredo da boa gestão e precisamos ampliar esses exemplos todos.
Eu gostaria de chamar a atenção para o tamanho do retrocesso que acontece no país mais recentemente. Não é apenas que estamos avançando pouco, é que temos também “arquipélagos” que estão retrocedendo. Por esta razão, precisamos atuar mais intensamente para estancar esta involução e fazer com que esses municípios voltem a progredir.
Uma evidência mais clara da nossa pauta e dos desafios a serem enfrentados é que só 9% dos alunos sabem o mínimo de Matemática no final do Ensino Médio. Considerando a matriz de avaliação brasileira, o que ocorre é que 9 de cada 10 alunos, ou seja, 90% dos alunos ao final do Ensino Médio, não conseguem calcular juros sobre uma compra a prestação ou de um empréstimo bancário. E estamos falando de juros simples, não de juros compostos. Então, realmente, há um problema enorme no aprendizado de Matemática no Brasil.
Nossa atual dificuldade de debate, de tolerância, de conseguir combater Fake News, de combater essa onda de ódio e mentira que está assolando o país, está relacionada ao fato de que 7 em cada 10 alunos do Ensino Médio não conseguem diferenciar fato de opinião. Então, quando eles recebem um “meme”, uma piada, eles acham que aquilo é um fato. Essa diferenciação é uma deficiência gigantesca entre os alunos brasileiros.
A posição do Brasil vis-à-vis o restante do mundo. Outro dado sugestivo vem do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que mostra que os alunos que estão no decil mais alto de renda no Brasil apresentam um desempenho inferior ao aluno do decil de menor renda no Vietnã e em linha com os resultados destes alunos na Coreia do Sul.
Então, isso significa que nem mesmo a elite brasileira escapa dessa situação de patamar baixo da qualidade da educação no país. Ou seja, não temos uma elite preparada para os desafios educacionais, sobretudo agora, pós-pandemia, com tudo o que precisamos reconstruir no país. Isso mostra a magnitude de nossos problemas.
Qual é a consequência de uma educação de baixa qualidade?
O economista Eric Alan Hanushek, da Universidade de Stanford, relaciona desempenho escolar e crescimento econômico. Segundo este exercício, no caso brasileiro, se subíssemos 50 pontos no PISA, teríamos um ponto percentual no crescimento econômico (no PIB), de forma permanente e acumulada. Cem pontos no PISA nos levariam a um crescimento de 2 pontos percentuais.
O fato de o Brasil estar há tanto tempo nas últimas posições do PISA e não conseguir garantir educação de qualidade para todos e, como acabamos de ver, que nem mesmo para sua elite, é como se houvesse um teto baixo, que limitasse nosso desenvolvimento econômico o tempo todo.
Efeitos sobre o crescimento econômico e a desigualdade social. Há ainda outro aspecto em torno do argumento anterior, que é em relação à distribuição de renda. Com esses mesmos 100 pontos do PISA, que nos levariam a um aumento de 2 pontos percentuais no PIB, também obteríamos a um aumento de 26% do salário médio dos brasileiros. Então, um crescimento econômico com avanço da educação promove distribuição de renda, que é justamente o que precisamos.
O crescimento pela via da educação eleva as oportunidades, a capacidade e produtividade dos trabalhadores, e os salários também aumentam, então temos um efeito distributivo muito forte.
Por falar em oportunidades, 1 a cada 4 alunos de classe média triunfa, isto é, consegue uma vaga na universidade. Já entre os mais pobres, é 1 a cada 600 alunos, o que explica porque temos somente 50% dos alunos que concluem Ensino Médio fazendo o Enem.
Pergunta-se: “Por que não fazem o Enem? Tem bolsa, aluno de escola pública não paga.” Porque esse jovem está rodeado de outros alunos, mais velhos, que fizeram Enem e nada aconteceu em suas vidas: eles não conseguem a pontuação, não passam e, então, eles desistem.
A qualidade do corpo docente. Cabe ainda uma observação da maior relevância. A menor pontuação que temos no Enem é daqueles que vão cursar Pedagogia, ou seja, que serão os futuros professores do país. Esta é uma realidade assustadora no Brasil.
O Todos pela Educação possui, inclusive, uma proposta sobre este tema. Já conversamos com o Rodrigo Maia e estamos trabalhando na frente parlamentar mista de educação. Trata-se de uma experiência inspirada no Chile, de ter essa nota mínima mais alta para entrada em Pedagogia e licenciatura, para começarmos a ter travas, pois é impossível possuir professores de qualidade atraindo os piores alunos do Ensino Médio.
Entretanto, é exatamente isso o que fazemos: 70% dos que entram em Pedagogia no Brasil têm uma nota abaixo de 450 no Enem (bem abaixo da média). Essa era a nota mínima, quando era obrigatório, para obter o diploma de Ensino Médio. Então, 70% dos futuros professores não aprenderam na escola nem o necessário para poder obter o certificado de Ensino Médio, e esses são os nossos futuros professores. São estes alunos que estão nas faculdades de Pedagogia e licenciaturas, muitas delas oferecendo uma formação de péssima qualidade. Quase 80% desses professores fazem um curso privado de péssima qualidade – os públicos também não são uma maravilha, mas os privados são ainda piores.
Enfim, temos um desafio enorme com a formação de professores, mas o Todos pela Educação está com uma forte atuação nesse sentido. Inclusive, o Conselho Nacional de Educação aprovou a reforma do currículo de formação de professores, que foi um trabalho que fizemos nos últimos anos.
Uma agenda de atuação. Não temos mais desculpas para não fazer um trabalho muito forte pela educação brasileira. Precisamos fazer mais do que já estamos fazendo. O Brasil é um dos países que mais avalia a educação: possui censo escolar, avaliação a cada dois anos. Por isso, não nos falta diagnóstico.
Além disso, também contamos com políticas de base mais ou menos reguladas. Foram aprovadas em sua maioria nos últimos 15 anos, a Base Nacional Comum Curricular, as avaliações, o novo Fundeb, o IDEB, a reforma do Ensino Médio.
Temos também experiências de sucesso que continuamos estudando, mas que já trazem muitas lições. É possível rapidamente avançar no país se colocarmos isso como uma agenda forte do país todo.
Além disso, temos os recursos, pois a educação não é uma área desprovida de recursos. Obviamente, com essa pandemia, teremos uma queda na arrecadação e, portanto, uma queda no orçamento público e no orçamento da educação. Fizemos um estudo recente mostrando que os municípios podem ter uma queda geral de até R$ 31 bilhões e os estados de até R$ 28 bilhões. É muito dinheiro, mas isso deve se normalizar daqui a uns dois anos. Como há recursos vinculados à educação, não há razão para não termos um resultado melhor.
O Todos pela Educação fez o mapeamento de todas as políticas nacionais que precisam avançar no Brasil para conseguirmos subir 50 pontos no PISA. De trás para frente, quais são as políticas que precisamos implementar para isso? A figura a seguir sumariza a agenda.
Nós trabalhamos com uma coalisão de organizações que estão implementando políticas desta natureza no país todo, aprovando as leis no Congresso. Acabamos de aprovar a PEC do Fundeb, agora temos o sistema nacional de educação, que é a próxima legislação impactante, que também estamos trabalhando junto ao Legislativo.
Também finalizamos um estudo com Stanford e Columbia, com as alavancas em que as novas tecnologias e a digitalização da educação podem acelerar todas essas políticas.
Walter Schalka
Farei uma apresentação sobre o que aprendi nestes últimos anos. Primeiro ponto que gostaria de enfatizar é algo que todo mundo já sabe: não existe sociedade que se transformou sem passar pela educação. Há uma correlação de 100% entre estas variáveis. Não há sociedade que conseguiu se transformar e evoluir sem melhorar sua educação.
A transformação vem por uma questão fundamental, que a Priscila bem colocou, que é a desigualdade das oportunidades. Nascer no CEP menos privilegiado é a pior desigualdade que se pode ter no Brasil. E esta desigualdade vem da educação. Como já foi mencionado, na classe média, 1 para 4 dá certo, mas se nasceu no CEP menos privilegiado, a chance é de 1 para 600.
Geralmente aparecem aqueles exemplos das pessoas que vieram de meios modestos e que deram certo, e a sociedade fica endeusando essas pessoas. A verdade é que isso é exceção, e nossa responsabilidade, como sociedade, é transformar a exceção em regra.
Eu aprendi isso há muito tempo. Tive acesso à educação pública de qualidade, fui aluno do ITA, e depois de um certo tempo, ficou claro que a única forma de transformar a sociedade é pela educação. Há cerca de 9 anos eu entrei no Parceiros da Educação, e vou compartilhar um pouco minha experiência.
Na época, eu decidi entrar no Parceiros da Educação como pessoa física, adotando uma escola, com a qual eu já estou há 9 anos. Era pior escola de Ensino Fundamental I da lista. A escola fica no meio de uma favela, em Diadema; são 1.450 crianças nessa escola. Um turnover elevado dos alunos, porque os pais se mudam com frequência. Há um turnover elevado também de professores. Para se ter uma ideia, há dois anos havia 24 professores e em pouco tempo 21 foram embora, porque optaram por ir para escolas melhores.
Em relação à nota da escola, conseguimos sair de 2,9 para 6,4. E, uma boa notícia: com pouca injeção de recursos durante esse período.
Agora, um aspecto importante e caro ao IEDI, que lidera essa discussão de ganhos de produtividade na economia brasileira: como, com os mesmos recursos, ou até com menos, podemos dar um salto de qualidade na educação do Brasil? Porque o ganho de produtividade derivado disso pode ser enorme.
No Parceiros da Educação, adota-se uma escola e há uma biblioteca de ações que se pode adotar. Isso serve como laboratório: aplica-se na escola em que você está e, se der certo, o projeto é levado para a Secretaria de Educação, propõem-se soluções e a Secretaria vai escalonando.
Há duas soluções transformacionais sobre as quais eu gostaria de falar. Uma delas, que adotei em minha escola, e deu super certo, é a implantação da escola em período integral. Há uma comprovação total e uma correlação fortíssima entre escola de período integral e maiores notas no IDEB ou no Saresp.
Então, precisamos aumentar o número de escolas integrais no Brasil. Quem começou isso foi o Ceará, depois o Espírito Santo, Pernambuco, Goiás, agora São Paulo, e todos os estados que estão fazendo este movimento têm apresentado uma evolução considerável nas notas de seus alunos.
A segunda solução, que em minha opinião é um major game changer, é a digitalização.
No Brasil haverá um grande problema, que é a redução das receitas públicas, levando a menores recursos para a educação. Como mudamos esse jogo? Vou exemplificar a partir de um laboratório pequeno, que é a minha escola.
Eu levei para a escola um mega programa de digitalização, que ainda pode ser ampliado. A escola foi dotada de computadores e 100% dos alunos receberam algum tipo de tablet ou computador em suas casas. Na época, foi feito um acordo com a Multilaser para comprar tablets mais baratos. Para os alunos que não tinham condições, nós financiamos metade do valor.
Em seguida, fomos em busca de softwares. Há um software israelense para Matemática que foi instalado nos computadores para que as crianças, no contraturno, o jogassem. Porque elas gostam de “gamificação” e o software é um game educativo.
Então, as crianças vão passando pelas etapas dos jogos e, ao mesmo tempo, pelas etapas da Matemática. Se elas estão aprendendo sobre fração e erram muitas vezes no mesmo processo, não conseguem passar de fase. Então, devem recorrer ao professor para perguntar como resolver. Mas essa é uma pequena parte da solução.
Eu estudei o caso da China, que é bastante interessante, além de outros países que já adotaram este tipo de estratégia digital. Penso o seguinte: a qualidade do professor brasileiro, como a Priscila colocou, é baixa e será baixa durante muitos anos, porque o nível da Pedagogia no Brasil é muito ruim. Então, a minha tese é que nós temos que colocar os melhores professores do Brasil para gravar aulas específicas sobre teses específicas.
A aula de fração, por exemplo, será dada pelo melhor professor de didática de fração do Brasil. Ele grava as aulas sobre fração em diversos estágios de aprendizagem. Nós teremos cinco ou dez mil aulas gravadas em questão de meses. Minha sugestão, acompanhada de inteligência artificial, é fazer a criança assistir ao vídeo, exercitar em sala de aula aquela matéria, depois recorrer à “gamificação”. Se a criança não passa de fase, ela volta por meio da inteligência artificial para aquela aula de fração dada pelo grande professor com alta didática.
Isso vai acelerar muito o aprendizado. Eu pude testemunhar algo assim em pequena escala, em uma escola com 1.450 crianças, mas isso pode ser feito em escala nacional muito rapidamente. O custo é baixíssimo e sua potencialidade é monstruosa.
O que acontece é que o custo dos aparelhos na base da digitalização, como notebooks, tablets, celulares ou computadores, tem caído muito rapidamente. Então, segundo minha estimativa do significaria para o Estado de São Paulo, por exemplo, que tem hoje 3,6 milhões de alunos, cerca de 1,8 milhão de alunos não teriam acesso a estes equipamentos. Prover este acesso não é caro.
Para se ter uma ideia, a Secretaria de Educação de São Paulo tem atualmente um orçamento anual de R$ 29 bilhões. Estamos falando de um investimento ao longo de 18 meses, de algo como R$ 1,5 bilhão. Portanto, acho que é perfeitamente possível o Estado de São Paulo conseguir este montante. Eu não fiz a análise para outros estados.
Em relação à questão de acesso à rede de internet, há estudos que indicam que uma parte significativa da população já tem acesso a ela. Precisaríamos avaliar quanto faltaria e qual seria esse custo marginal para a população que não tem acesso à rede.
Eu comentei anteriormente sobre a evasão de 21 dos 24 professores da escola em que atuo. Se a visitarem vão chorar, pois a qualidade dos professores é muito ruim, mal preparados. Eu treinei todos eles, mas agora eles foram embora, porque no sistema de São Paulo, quando a escola passa a ter notas melhores, os professores passam a ter a opção de ir para escolas melhores, então eles migraram para outras escolas do estado, em geral mais próximas de suas residências.
Esse é um sistema que enxuga gelo, nós vamos treinar professores e não sairemos do lugar. Por isso, defendo dar um salto de qualidade nesse processo, investir para fazer a digitalização que, combinada com o período integral, vai melhorar muito a qualidade.
Enquanto falamos em pequenas evoluções são muito positivas, principalmente, as do Fundamental I. Ainda precisamos dar um salto de qualidade no Fundamental II e no Ensino Médio. Todas estas etapas podem fazer parte desse processo de digitalização e escola de período integral, porque isso muda a história.
As escolas privadas acabaram de fazer essas aulas de que eu falei, em sistema digital, para poder envolver seus alunos durante a pandemia. Podemos, então, fazer um convênio com escolas privadas, para ter acesso a essas aulas, ao trabalho que já foi feito.
Imagine oferecer para 100% dos alunos brasileiros a possibilidade de ter acesso a algum tipo de mecanismo de acesso à informação, seja tablet, notebook ou computador, com acesso à rede web de baixo custo para oferecer acesso a toda essa população.
E oferecer isso a quase 99% da população, porque algumas áreas rurais não têm acesso a isso, de assistir a uma aula de altíssima qualidade, que depois o professor local, que já não tem tanta qualidade, pode só exercitar e corrigir os ajustes que precisam ser feitos com os alunos, com processos de digitalização e “gamificação” adequados. Isso vai mudar a história deste país.
Então, não dá para ficarmos discutindo como vamos fazer pequenas evoluções. Temos que continuar esse trabalho, mas podemos ter uma oportunidade de dar um salto, de sermos os alavancadores dessa transformação. É necessário um baixo investimento para fazer isso acontecer.
Para se ter uma ideia, quando cheguei na minha escola, no meio da favela, 53% dos alunos já possuíam acesso a algum tipo de equipamento – tablet, notebook ou computador –, e precisávamos ter acesso à web. Provemos isso também. Isso muda a história da educação e acelera demais o desenvolvimento.
Nós estamos muito atrás da Coreia, do Vietnã, da Finlândia e de países muito desenvolvidos, mas podemos resolver esse gap com velocidade e aumentar nosso PIB e a qualificação das pessoas, dos colaboradores e do futuro do país de uma forma completamente diferente.
Eu não tenho todas as soluções, mas acredito que esta solução, de combinar a digitalização com a escola de período integral, é um game changer que podemos fazer na história da educação brasileira.