Carta IEDI
Brasil precisa de uma agenda
Esta edição da Carta IEDI divulga artigo do seu presidente, Dan Ioschpe, publicado na edição de hoje do jornal Valor Econômico.
O tema é decisivo para que mudemos a trajetória da economia, marcada nos últimos anos pelo baixo dinamismo, quando não pela recessão, definindo as ações que devem ser rapidamente adotadas.
A seguir, a íntegra do artigo.
Brasil precisa de uma agenda
A notícia recente do fim das atividades produtivas da Ford no Brasil colocou sob holofote as dificuldades enfrentadas pela indústria brasileira nos últimos anos e a gravidade das distorções do ambiente econômico no qual o setor opera no país.
A despeito de suas motivações particulares, as quais não nos cabe avaliar, a decisão tomada pela empresa, assim como por tantas outras, é um indicativo do quanto o Brasil está defasado em termos de competitividade, produtividade e sofisticação tecnológica em relação ao restante do mundo. E mais do que isso, reflete a ausência de comprometimento, expresso não apenas no plano das ideias e intenções, mas também em decisões concretas, de que as causas do atraso serão corrigidas sem demora. Uma agenda!
Vem ficando cada vez mais claro que estamos diante de uma encruzilhada, dadas as profundas transformações tecnológicas em andamento e que devem ser aceleradas no pós-pandemia, com o reforço das estratégias industriais das principais potências globais. Ou enfrentamos definitivamente nossos problemas ou a perda de competências industriais irá se acelerar, comprometendo ainda mais o desempenho econômico do país.
O IEDI, que desde sua fundação busca se distanciar dos interesses de setores específicos e de soluções provisórias, fomentando o diálogo sobre as orientações necessárias ao avanço da nossa estrutura produtiva e ao desenvolvimento econômico e social do Brasil, vem insistindo há algum tempo em um conjunto de temas que deveriam ser prioridade no debate nacional. São pilares para uma economia mais eficiente, uma sociedade mais justa e um país mais responsável em termos ambientais.
É fundamental que continuemos perseguindo o equilíbrio macroeconômico, a despeito dos desafios adicionais trazidos pela pandemia, de modo a reduzir a volatilidade cambial e a escalada da inflação, assegurando níveis de taxas de juros consonantes com os padrões internacionais. O resultado será uma evolução mais vigorosa dos investimentos, tão necessários para a modernização de nosso parque produtivo.
Para que este primeiro pilar seja obtido, o país deve ser capaz de estabelecer uma trajetória favorável das contas públicas, promover a tranquilidade institucional, a redução da desigualdade social e a preservação do meio ambiente.
São estas as precondições para os demais ajustes igualmente imprescindíveis, que devem estar centrados na promoção da competitividade e da produtividade e que ataque pela raiz as causas do chamado “Custo Brasil”, a começar pela disfuncionalidade de nosso sistema tributário.
Nessa área precisamos inicialmente substituir os impostos incidentes sobre o consumo de bens e serviços por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), com cobrança no destino e alíquotas isonômicas, que reduza a complexidade e a insegurança jurídica, elimine a cumulatividade, assegure a rápida devolução dos créditos gerados no sistema e desonere as exportações. Já existem projetos de lei em debate, devemos partir para a ação.
Precisamos também avançar com a reforma administrativa, focada na melhoria da prestação dos serviços pelo poder público, na digitalização, desburocratização e na redução do custo da prestação destes serviços ao longo do tempo. E avançar rapidamente na ampliação e modernização da nossa infraestrutura a partir das concessões em todos os setores, em especial no saneamento, estradas, ferrovias, portos, aeroportos e conectividade. E com a participação efetiva do Estado, preferencialmente através de parcerias público privadas, naqueles projetos não viáveis do ponto de vista econômico, mas desejáveis sob a ótica do desenvolvimento social. Será necessário seguir aperfeiçoando as relações trabalhistas, por conta da modernização nas formas de trabalho, assim como reduzir a insegurança jurídica em todos os campos.
Esta agenda envolve ainda a aceleração da pesquisa, desenvolvimento e inovação em nosso país, tornando mais simples, horizontais e eficientes os mecanismos de fomento, com imediata revisão da Lei do Bem e alocação continuada, sem contingenciamento, de recursos a entidades meritórias como a Embrapa e os Institutos de Ciência e Tecnologia. Desta forma poderemos avançar com a modernização do parque produtivo através de instrumentos abrangentes, não setoriais e com o desenvolvimento e difusão das tecnologias digitais e ambientalmente responsáveis, possibilitando a maior participação nas cadeias internacionais de valor dos setores de produtos manufaturados de maior intensidade tecnológica.
Para isso, será importante o aprofundamento da participação do BNDES na aceleração da infraestrutura, no fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação e no avanço no comercio exterior, áreas em que a capacidade de aporte do Banco é realmente diferenciada.
Ao mesmo tempo, é imprescindível promover uma maior integração do Brasil com a economia mundial, preferencialmente por meio de acordos comerciais, que confiram transparência, horizontalidade e gradualismo ao processo. Neste sentido, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia é um divisor de águas, pois possibilitaria a adoção rápida de acordos análogos com os principais polos comerciais do mundo. Diga-se de passagem, foi esta a estratégia de integração ao mundo praticada pela maior parte dos países. Obviamente a não conclusão deste acordo será um grande retrocesso nesta agenda.
Paralelamente, devemos promover a adoção dos devidos mecanismos de proteção, usados ao redor do mundo e difundidos pela OMC, em especial a aplicação dos mecanismos de antidumping, quando justificados tecnicamente. O ingresso na OCDE também é importante, pois promoveria a adoção por aqui de padrões de sucesso em diferentes pontos do nosso ordenamento.
O IEDI acredita, que a correção das distorções do quadro econômico deveria vir acompanhada do desenvolvimento social, da redução da desigualdade e da promoção da sustentabilidade ambiental, partes indissociáveis do desenvolvimento de uma nação.
O enorme contingente de brasileiros sem as condições mínimas de renda e de acesso à moradia, à educação de qualidade, à segurança e ao saneamento aclara a necessidade de adotarmos políticas públicas no campo social que promovam a redução da desigualdade, em especial através do aumento da mobilidade social.
Um país com baixa mobilidade social está condenado a ser menos competitivo e pouco inovador. O avanço no quadro social do país tem a capacidade de tornar o mercado consumidor ainda mais pujante e de elevar a produtividade do trabalho, o que fortaleceria a indústria, assim como todos os demais setores da economia. O reforço do nosso compromisso com o meio ambiente evitará que nos isolemos ainda mais do mundo e garantirá o direito de gerações futuras às nossas riquezas naturais.
Temos a obrigação de construir um futuro mais justo para os brasileiros e mais produtivo e eficiente para os nossos empreendedores. Sem uma agenda clara e exequível, dificilmente chegaremos lá.
Dan Ioschpe é presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).