Carta IEDI
Sinalizações para 2021
A virada de 2020 para 2021 foi marcada por redução do nível de atividade econômica, sob influência do comércio varejista e dos serviços, negativamente afetados pelo maior número de casos de Covid-19, pela redução do auxílio emergencial às famílias e pela perspectiva do fim do pacote de políticas contra a crise econômica. A indústria, em contraste, manteve-se resiliente e o aumento de produção conseguiu atingir um número maior de ramos.
O resultado da indústria em dez/20 foi de +0,9% ante nov/20, já livre de efeitos sazonais, em linha com os meses anteriores, enquanto o varejo teve perda recorde para um mês de dezembro, de -6,1% (e -3,7% no conceito ampliado) e o faturamento real dos serviços, ao registrar -0,2%, voltou ao vermelho pela primeira vez desde jun/20.
A sinalização do comércio e dos serviços é de uma perda de dinamismo do consumo das famílias, o que mais cedo ou mais tarde pode impactar também a indústria. Em outros termos, embora tenha se saído bem no final de 2020, o desempenho da indústria nos meses seguintes continua sob pressão, dado o retrocesso do varejo, que consiste em um canal importante de escoamento da produção industrial.
O Indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB do Brasil, vem refletindo este quadro geral, apontando desaceleração no último quarto do ano passado, ao passar de +1,76% em set/20 para +0,64% em dez/20, com ajuste sazonal. Para o ano como um todo, o recuo acumulado é da ordem de -4% na comparação com 2019.
Vale notar que não foi apenas em dezembro que a indústria apresentou evolução superior. O setor também contribuiu para que o 4º trim/20 não fosse mais fraco. Frente ao mesmo período do ano anterior, a produção industrial deixou para trás as quedas e registrou +3,4%, fazendo de out-dez/20 seu único trimestre positivo do ano.
Este reforço do resultado foi sentido na maior parte da indústria, fazendo com que 17 dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE (65% do total) e 3 dos seus 4 macrossetores (75% do total) ficassem no azul, especialmente bens de capital (+14,8% ante 4º trim/19), que tinham sido muito prejudicados pela forte incerteza nos piores momentos da pandemia, e bens intermediários (+4,9%).
Regionalmente, a aceleração do crescimento indústria no final do ano passado contou com expansão de dois dígitos nos estados do Sul do país e com bons resultados em parte do Sudeste, inclusive em São Paulo, com +6,6%, e também no Amazonas. No Nordeste, o recuo industrial restringiu-se ao 2º trim/20, voltando a crescer na segunda metade do ano, sob influência do auxílio emergencial.
Esta evolução no final de 2020 contribuiu para reduzir, mas não eliminar a perda de produção da indústria no ano como um todo, que foi de -4,5%. Com isso, desde 2014 o setor cresceu em apenas dois anos (2017-2018). Nos outros cinco anos do período a indústria encolheu: em 2014-2016 em uma das crises mais profundas por que já passou e depois em 2019-2020.
Já o comércio varejista, favorecido de forma mais imediata pelo auxílio emergencial e pela possibilidade de vendas online, logrou crescer +1,2% no acumulado de 2020, em seu conceito restrito. Porém, se forem incluídas as vendas de material de construção e de veículos e autopeças, o setor não passou ileso à pandemia: -1,5% ante 2019.
Apesar disso, no final do ano, diferentemente da indústria, ocorreram sinais de perda de dinamismo no varejo. Em seu conceito restrito, a alta de +6,3% no 3º trim/20 refluiu para +4,1% no 4º trim/20, tendo chegado a apenas +2,3% no bimestre nov-dez/20 frente ao mesmo período do ano anterior. Em seu conceito ampliado, este movimento foi atenuado pela melhora relativa do ramo de veículos e autopeças, fortemente atingido pela pandemia: +4,2% nos dois últimos trimestres e +3,3% em nov-dez/20.
No caso dos serviços, como o IEDI vem enfatizando, sua reação permanece bloqueada pela Covid-19, que ainda demanda distanciamento físico, isolamento social e baixa mobilidade das pessoas. Se é verdade que a vacinação em massa é importante para a completa normalização de todas as atividades econômicas, ela é ainda mais fundamental para os serviços.
O faturamento real do setor encolheu -7,8% em 2020 como um todo, mas foi muito pior para alguns de seus segmentos, sobretudo, serviços prestados às famílias (-35,6%), transporte aéreo (-36,9%) e serviços administrativos e complementares (-13,5%), compreendendo aquelas atividades de menor qualificação geralmente terceirizadas pelas empresas.
O 4º trim/20, por sua vez, trouxe pouca amenização de suas perdas, já que o resultado frente ao mesmo período do ano anterior foi de -5,2%. O único ramo a reagir foi o de outros serviços, que reúne um conjunto diversificado de atividades, devido a serviços financeiros. Registrou +8,2% no 4º trim/20. Serviços de informação e comunicação também ficaram no azul, mas muito próximos da estabilidade (+0,9% ante 4º trim/19). Em todos os outros ramos as perdas continuaram graves. Esta é uma má notícia para o emprego na entrada de 2021.
Indústria
Em 2020, a indústria amargou mais um ano de retração da produção física, acumulando -4,5% de janeiro a dezembro, em comparação com o ano anterior, embora tenha conseguido manter resultados positivos até o final do ano (+0,9% em dez/20 ante nov/20, com ajuste). Segundo os dados do IBGE para o ano todo, foram poucos os poupados dos efeitos negativos da Covid-19: 77% dos ramos industriais e 80% de seus parques regionais ficaram no vermelho.
Todos os macrossetores da indústria registraram perda de produção no acumulado de 2020, notadamente bens de consumo duráveis, com -19,8%, e bens de capital, -9,8%, cujos mercados foram particularmente prejudicados pela profunda incerteza decorrente da pandemia. Bens de consumo semi e não duráveis registraram -5,9% e bens intermediários, -1,1%.
Regionalmente, das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, apenas 3 conseguiram evitar o terreno negativo, sendo que em dois casos o que houve foi uma virtual estabilidade. As quedas mais intensas foram registradas por Espírito Santo (-13,9%), Ceará (-6,1%), São Paulo (-5,7%), Amazonas (-5,5%) e Rio Grande do Sul (-5,4%).
As únicas variações positivas couberam a Pernambuco (+3,7%), devido a alimentos, bebidas, borracha e plástico; Rio de Janeiro (+0,2), em função do ramo extrativo e metalurgia; e Goiás (+0,1%), devido à produção de alimentos.
Assim como ocorreu para o agregado da indústria nacional, os sinais do final de 2020 foram positivos para a maioria do setor. A indústria como um todo registrou alta de +3,4% no 4º trim/20, assim como 3 dos 4 macrossetores e 10 dos 15 parques regionais. Isso aponta para um processo de recuperação bastante difundido, após o choque de mar-abr/20.
O resultado positivo no 4º trim/20 foi puxado sobretudo pela produção de bens de capital (+14,8% ante 4º trim/19), com destaque para os bens de capital para da agricultura (+36,4%), mas também reagiram bem aqueles para a construção (+26,5%) e para a própria indústria (+14,9%). Bens de consumo duráveis, por sua vez, cresceram +1,3%, em função de móveis e eletrodomésticos. A produção de automóveis, contudo, continuou em queda no último trimestre do ano (-8,4%).
Bens intermediários tiveram alta no 4º trim/20 de +4,9%, puxada por intermediários de têxteis, de metalurgia básica e insumos para construção civil. Já bens de consumo semi e não duráveis foram o único macrossetor a registrar retrocesso (-1,1%), devido a combustíveis, laticínios e vestuário e têxteis. Esta fração da indústria é quem tende a estar mais exposta aos efeitos adversos da redução do auxílio emergencial às famílias e à aceleração da inflação, muito concentrada em alimentos e também em combustíveis na segunda metade do ano.
Regionalmente, os estados da região Sul foram os que melhor se saíram no 4º trim/20. Todos eles conseguiram crescer a taxas de dois dígitos: +11,8% tanto no Paraná com em Santa Catarina e +10,1% no Rio Grande do Sul.
Contribuíram para isso ramos de bens de capital, como a indústria gaúcha de máquinas e equipamentos (+26,9% ante 4º trim/19), produtos de metal e metalurgia (+29,4% em SC), ramos da indústria química, borracha e plástico e produtos alimentícios (+10,6% no PR), entre outros.
Na região Sudeste, os resultados foram mais divergentes. A indústria de São Paulo, com +6,6%, cresceu muito à frente do que o total Brasil no 4º trim/20. Por se tratar do parque mais completo e diversificado do país, ganha especial significado o fato de que 78% de seus ramos terem aumentado produção no final de 2020. O destaque cabe a máquinas e equipamentos mecânicos e elétricos, metalurgia, minerais não metálicos e derivados de petróleo.
Minas Gerais também cresceu no 4º trim/20, mas foi ajudado pelas bases de comparação baixas do final de 2019. Já o Espirito Santo e o Rio de Janeiro terminaram 2020 no vermelho, com o desempenho restringido por quedas importantes principalmente em seus ramos extrativos em out-dez/20.
Na região Nordeste, não só o último quarto do ano foi de crescimento como o desempenho já vinha positivo desde antes. As perdas da indústria nordestina devido à Covid-19 foram mais bem circunscritas ao 2º trim/20, dado os efeitos dinamizadores das medidas emergenciais do governo, em especial do auxílio às famílias.
No Norte, estruturas produtivas mais especializadas também evoluíram positivamente, o Pará apoiado no ramo extrativo e o Amazonas em bebidas e equipamentos de informática. Em contraste, os estados do Centro-Oeste tiveram resultados desfavoráveis no 4º trim/20. As quedas de -10,3% no Mato Grosso e de -6,2% em Goiás foram difundidas entre todos os seus ramos industriais.
Comércio
Diferentemente da indústria que mostrou resiliência no final de 2020, as vendas do comércio varejista encerraram o ano com novas perdas e, pior do que isso, em uma intensidade recorde para o mês de dezembro. Registraram -6,1% frente a nov/20, descontada a inflação e com ajuste sazonal. Em seu conceito ampliado, que incluem as vendas de veículos, autopeças e material de construção, o setor ficou igualmente no vermelho: -3,7%. Vale lembrar que nov/20 o desempenho já havia sido ruim.
Na origem desta evolução estão a deterioração do quadro sanitário no final do ano passado, a redução do auxílio emergencial pago às famílias e a perspectiva de seu fim em 2021 e a aceleração da inflação, que atingiu sobretudo os produtos alimentícios. Nada disso traz bons sinais para a indústria, já que o varejo é um importante canal de escoamento da produção nacional.
Com tamanha perda de tração, a performance bastante positiva, estimulada pelo auxílio emergencial, refluiu em direção à estabilidade na comparação com 2019, passando de +8,6% em out/20 para +3,6% em nov/20 e finalmente para apenas +1,2% em dez/20 (+6,1%; +4,2% e +2,6% no caso do varejo ampliado).
Apesar disso, o 4º trim/20 foi de expansão nas vendas. No varejo restrito houve alguma desaceleração (+6,3% no 3º trim/20 para +4,1%), mas no varejo ampliado o quadro foi de resiliência (+4,2% tanto no 3º trim/20 como no 4º trim/20), em boa medida devido à reação das vendas de veículos.
Mesmo com as evidências mais recentes de menor dinamismo, as perdas do comércio com a Covid-19 ficaram muito restringidas ao 2º trim/20, quando existiam restrições mais rígidas de mobilidade e ainda não estavam presentes plenamente as medidas emergenciais. Assim, em contraste com a indústria, o desempenho do varejo foi positivo no acumulado de 2020: +1,2% frente a jan-dez/19.
Nem todos os seus segmentos, porém, conseguiram este feito, daí o varejo ampliado ter acumulado -1,5% no ano. Dos 10 ramos acompanhados pelo IBGE, 5 apresentaram declínio das vendas reais em 2020, sendo que nenhum deles conseguiu voltar ao azul no quarto trimestre, mesmo que para alguns tenha ocorrido certa amenização das quedas.
Todos estes que não se salvaram do quadro pandêmico ou estão diretamente relacionados à mobilidade e vida social e/ou seus mercados demandam confiança em relação ao futuro, pois as vendas geralmente exigem endividamento dos seus consumidores. Combustíveis e veículos e autopeças recuaram -9,7% e -13,7%, respectivamente. Equipamentos de escritório, informática e comunicação registrou -16,2%. Destes, apenas o segmento de veículos voltou a crescer nos últimos meses do ano, levando a apenas -1,1% a queda no 4º trim/20.
Tecidos, vestuário e calçados, cuja experiência de compra ainda coloca desafios às vendas online e com demanda já muito desmotivada pelo isolamento social, recuou -22,7% em jan-dez/20. No 4º trim/20, o nível de queda continuou expressivo (-6,2%). Por fim, livros, jornais, revista e papelaria é um ramo que tem passado por fortes transformações devido à digitalização, levando sua contração para -30,6% em 2020, sem nenhuma melhora no final do ano.
Entre aqueles que reagiram estão segmentos que vendem produtos essenciais, como artigos farmacêuticos, médicos, perfumaria e cosméticos, com alta de +8,3% em 2020, e supermercados, alimentos, bebidas e fumo, com avanço de +4,8% no acumulado do ano passado.
Ambos foram favorecidos pelo auxílio emergencial, já que pesam mais na cesta de consumo da população de baixa renda. No último caso, porém, a aceleração da inflação trouxe acomodação no final de 2020, registrando apenas +1% em nov-dez/20 frente ao mesmo período do ano anterior.
Além destes, também aumentaram suas vendas em 2020 os segmentos com produtos voltados ao ambiente doméstico, uma consequência do isolamento social. Material de construção cresceu +10,8% no ano, avançando ainda mais no 4º trim/20 (+18,9%). O mesmo ocorreu com móveis e eletrodomésticos: +10,6% em jan-dez/20 e +13,2% no 4º trim/20. Nestes casos, os níveis baixos de juros também funcionam como alavanca das vendas.
Por fim, artigos de uso pessoal e doméstico foi outro segmento a ter aumento de vendas em 2020, de +2,5%, com reforço no último trimestre (+10,9%). Contudo, dez/20 não trouxe bons indícios ao registrar apenas +1,2% ante dez/19 e -13,8% em relação a nov/20, com ajuste sazonal.
Serviços
Sem nunca ter conseguido compensar as perdas do choque da Covid-19 de mar-abr/20 como a indústria e o comércio, o setor de serviços voltou ao vermelho no último mês do ano passado, interrompendo uma sequência de seis meses de crescimento na série com ajuste sazonal. O resultado foi de -0,2% frente a nov/20, mantendo o setor 3,8% abaixo de fev/20.
Ainda que a normalização do quadro sanitário por meio da vacinação em massa seja fundamental para a superação da crise em todos os setores da economia, é ainda mais importante no caso de serviços, dado que muitas de suas atividades exigem presença física, mobilidade das pessoas e sociabilidade. Sem isso, sua reação permanece bloqueada e programas emergenciais continuam cruciais para a preservação de empresas e manutenção de empregos.
Na passagem de nov/20 para dez/20, o retrocesso veio dos ramos de serviços prestados às famílias e transportes, com -3,6% e -0,7%, já livre de efeitos sazonais, respectivamente. Ambos foram afetados pelo aumento de casos de Covid-19 no final de 2020. Serviços de informação e comunicação (+0,3%) e os profissionais e administrativos (-0,1%) evitaram o terreno negativo mas perderam muito de seu dinamismo.
Deste modo, a despeito da fraca reação em meses anteriores, 2020 como um todo foi um ano de perdas recordes para os serviços (-7,8%), com variações negativas marcando todos os trimestres do ano. Vale lembrar que, desde 2015 o faturamento real do setor só foi positivo em 2019, em um avanço modesto que foi totalmente perdido agora em 2020. Não surpreende que o emprego no país esteja há tanto tempo em um quadro dramático.
No acumulado de 2020, a pior situação foi a dos serviços prestados às famílias, cujo faturamento real encolheu -35,7% em relação ao ano anterior, devido tanto a alojamento e alimentação (-36,9%), como a outros serviços pessoais (-29%). Para este segmento, o 4º trim/20 trouxe pouca redução das perdas: -27,1% ante o 4º trim/19.
O segundo pior caso foi o de serviços profissionais, administrativos e complementares, com -11,4% em 2020, marcado por forte simetria entre seus componentes. Os serviços administrativos e complementares, que geralmente reúnem mão de obra menos qualificada em funções terceirizadas, foi quem mais caiu: -13,5%. Já o faturamento do componente técnico-administrativo, de maior qualificação, variou -5,4% no ano e -3,2% no 4º trim/20.
A seu turno, refletindo a redução do nível geral de atividade econômica no ano passado, transportes, seus auxiliares e correios apresentaram a terceira maior queda: -7,7%. Contribuiu muito para isso o recuo de -11,5% dos transportes terrestres, mas o quadro da aviação foi muito mais grave, com -36,9% no ano e -34,8% no 4º trim/20. De fato, o último trimestre trouxe pouca amenização também para o segmento como um todo (-5,1%).
Os dois outros segmentos dos serviços mostraram uma resiliência maior. O faturamento real dos serviços de informação e comunicação registrou o menor declínio no agregado de 2020 (-1,6%) e no 4º trim/20 voltou a se expandir (+0,9%). Já o segmento de outros serviços, que reúne um conjunto diversificado de atividades, foi o único a ter aumento de faturamento no ano passado: +6,7%, devido, sobretudo, a serviços financeiros.