Carta IEDI
Princípios Para a Reforma do Sistema Tributário Brasileiro
Esta Carta IEDI relaciona um conjunto de princípios a serem observados para uma reforma tributária no Brasil, que pode ser realizada ao longo do tempo, em etapas, desde que siga uma trajetória concatenada para que os esforços realizados sejam sinérgicos e construtivos entre si e não percam sua eficácia.
Para isso, o IEDI realizou estudos sobre diversos temas tributários, contrastando as características e tendências de nosso sistema de impostos à experiência internacional, especialmente à dos países da OCDE.
Nosso objetivo é contribuir com o esforço de reflexão e elaboração de propostas para uma ampla reforma no país, que enfrente os principais problemas do nosso sistema tributário para além das distorções dos impostos sobre bens e serviços, e que também seja coerente com as tendências internacionais.
Trata-se de uma tentativa de construir convergências entre aquilo que a sociedade brasileira e seu setor produtivo almejam, como maior eficiência e justiça social, o que os especialistas consideram mais adequado tecnicamente e o que parece ser possível do ponto de vista político.
A partir da identificação das necessidades e possibilidades de mudança do nosso sistema tributário e avaliadas as semelhanças e diferenças com a experiência internacional, a qual permite uma discussão mais rica e profunda sobre as distorções de nosso sistema tributário, foram sistematizados os seguintes itens:
1. Promover o ajustamento das contas públicas também por meio da arrecadação e não apenas com a necessária racionalização das despesas do Estado. Isso deve ser obtido com o saneamento de nosso sistema tributário e não por meio da simples elevação de impostos já existentes e, assim, do aumento da carga tributária total, já muito alta no Brasil. Segundo estudo do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), uma reforma tributária como a prevista na PEC-45 levaria a um aumento do PIB potencial do Brasil de 20,2% até 2035 e este crescimento, por sua vez, ensejaria uma ampliação da arrecadação tributária anual de União, Estados e Municípios da ordem de R$ 750 bilhões neste período.
2. Combater a fragmentação da base de arrecadação sobre bens e serviços do Brasil entre vários impostos administrados autonomamente pelas diversas unidades dos três entes federados por meio da adoção de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) nacional, a exemplo da quase totalidade dos países da OCDE. Enquanto na OCDE os IVAs e impostos seletivos totalizam 86% da arrecadação sobre bens e serviços, no Brasil a soma de quase-IVAs (ICMS e o IPI) com impostos seletivos não chega a 56% do total. Em compensação, cerca de 31% da arrecadação brasileira se dá por impostos sobre vendas de caráter cumulativo (como ISS e em parte PIS/Cofins), que alcançam 4,1% do PIB, sem qualquer paralelo entre os países da OCDE.
3. Assegurar ao IVA brasileiro as seguintes propriedades: (i) simplificação do sistema tributário com a redução do custo de prestação dos tributos e da insegurança jurídica, (ii) eliminação da cumulatividade de impostos e do acúmulo de créditos dos contribuintes, por meio da sua pronta devolução, (iii) desoneração completa das exportações e (iv) através da tributação no destino, de forma abrangente e com alíquotas horizontais, eliminação de incentivos disfuncionais a formas de realização das atividades que acabam adicionando custos sistêmicos.
4. Substituir a desoneração da cesta básica e de outros produtos e serviços por um mecanismo de devolução do IVA para as camadas de menor renda da população e estabelecer uma faixa de valor não atingida pelo IVA para habitação e serviços como saúde, educação e transporte público, ampliando o acesso da população de menor renda. Estudos da OCDE recomendam cuidado com políticas distributivas por diferenciação de alíquotas, pois não costumam alcançar os efeitos progressivos desejados. Tal conclusão guiou um conjunto de reformas que limitaram o uso das alíquotas especiais em muitos países nos anos 2015-2017, embora não se trate de uma tendência generalizada.
5. Prever Impostos Seletivos (IS) no processo de adoção do IVA brasileiro, com finalidade extrafiscal ou regulatória. Na OCDE é crescente o interesse na última década em torno do uso de IS para influenciar o comportamento do consumidor e impulsionar a sustentabilidade ambiental e a eficiência do sistema de saúde pública, entre outros objetivos relacionados ao desenvolvimento econômico e social.
6. Buscar ampliar a base de incidência do IVA sobre negócios digitais, tal como ocorre nos países da OCDE. A experiência internacional indica que um IVA de base ampla e cobrado no destino é perfeitamente adequado para a tributação de bens e serviços intangíveis e oferta digital de não residentes. Muitos países implementaram sistemas simplificados de registro e recolhimento do IVA para a oferta destes bens e serviços.
7. Melhorar a distribuição da arrecadação nas diferentes bases de tributação, possibilitando ao longo do tempo reduzir a carga sobre a venda de bens e serviços. Em comparação à OCDE, o Brasil sobretaxa bens e serviços e tributa pouco a renda. O peso dos impostos sobre bens e serviços na arrecadação total do Brasil é 1/4 superior à média da OCDE e o do imposto de renda 1/3 inferior.
8. Promover maior alinhamento das alíquotas tributárias aplicáveis sobre as distintas formas de renda, tanto do capital quanto do trabalho, não só por razões de equidade, mas também de eficiência econômica. Ajudaria, por exemplo, a combater o fenômeno de “pejotização”, isto é, a transfiguração da renda do trabalho em renda do capital em função da combinação de regimes simplificados (Simples e Lucro Presumido) de tributação das pequenas e microempresas (que reduzem o IRPJ) com a isenção dos dividendos distribuídos no nível da pessoa física (ver seções 8 e 9).
9. Equilibrar melhor a tributação de lucros e dividendos entre pessoa jurídica e pessoa física. Este é um caminho para reduzir a tributação sobre as empresas. A alíquota combinada de lucros e dividendos para pessoa física chega a apenas 6,8% no Brasil ante 18,2% na média da OCDE e para pessoa jurídica pode atingir 34% ante 23,8%, respectivamente. Um maior equilíbrio pode ser obtido com a tributação de dividendos ao nível das pessoas físicas no Brasil, com mecanismo de atenuação da dupla tributação e/ou integração com a tributação sobre a pessoa jurídica, a exemplo do que faz a maioria dos países da OCDE. Isso também combateria estratégias de planejamento tributário e evasão, menos acessíveis no nível das pessoas físicas.
10. Acompanhar a tendência mundial de redução do imposto de renda das empresas, que no Brasil inclui o IRPJ propriamente dito e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Nos países da OCDE, ao longo de uma década, a arrecadação média do IRPJ recuou de 3,6% do PIB em 2006 para 2,9% em 2016. Com isso, as empresas passaram a responder por 1/3 da arrecadação total de imposto de renda, enquanto a tributação da renda das pessoas físicas passou a corresponder por 2/3 do total.
11. Garantir que a tributação, no Brasil, dos lucros das empresas multinacionais brasileiras no exterior se assemelhe aos padrões internacionais de IRPJ, mesmo que por meio da manutenção da redução de 9 pontos percentuais, como aplicado atualmente. Na OCDE, a alíquota estatutária média sobre lucro das empresas é de 23,8%, enquanto no Brasil chega a 34% (IRPJ+CSLL) e as empresas brasileiras com operações no exterior devem recolher à Receita Federal o diferencial de alíquota sobre seus lucros externos, o que prejudica sua competitividade (ver seção 8).
12. Rever as deduções e isenções do IRPF, que tendem a favorecer as faixas mais elevadas de renda da população brasileira, evitando abordagens pontuais e priorizando uma reforma mais ampla que busque simultaneamente resgatar aspectos de equidade e conferir tratamento mais consistente às diferentes formas de renda. No Brasil, indivíduos com rendimento bruto superior a 10 salários mínimos se apropriam de 40% das deduções com educação e de 56% com despesa médica.
13. Rejeitar o recurso a impostos sobre transação financeira do tipo da CPMF, que é um imposto cumulativo e distorcivo sem paralelo no restante do mundo, para lidar com os desafios tributários da economia digital. Um imposto deste tipo pode agravar o problema advindo da assimetria de tributação entre empresas domésticas e empresas digitais estrangeiras. Dada a atuação global destas empresas, o país deve evitar se tornar um caso excêntrico de tributação dessas atividades e participar das soluções negociadas em âmbito internacional.
14. Reduzir, ao longo do tempo e dentro da possibilidade fiscal, o ônus das contribuições sociais aos empregadores e tornar a cunha tributária sobre salários mais progressiva. Na medida das possibilidades fiscais, devemos ter como meta não a total eliminação dos encargos patronais sobre a folha, até para manter a possibilidade de aposentadoria daqueles com menores salários, mas sua redução para os níveis da OCDE. Segundo estimativas da CNI, os encargos sobre a folha de pagamentos pagos pelas empresas da OCDE somam, em média, 14,6% enquanto no Brasil chegam a 28,8% (ver seção 10).
15. Ampliar a progressividade do imposto sobre heranças e doações no Brasil, por meio de uma faixa ampla de isenção, e promover maior homogeneização em território nacional, evitando alíquotas díspares em determinados estados. A experiência internacional sugere que o poder de arrecadação deste tipo de imposto é baixo e o Brasil não está distante da média dos países da OCDE (0,13% do PIB).
16. Eliminar as exceções das regras gerais do sistema tributário, utilizando, quando meritório, as despesas orçamentárias para a constituição de incentivos específicos, garantindo assim maior transparência ao gasto ou investimento público e menor complexidade do sistema tributário.
17. Readequar os limites de enquadramento do Simples Nacional (fixar limites mais baixos baseados em estimativas de valor adicionado ou fluxo de caixa e não o faturamento da empresa), recalibrar suas alíquotas e estabelecer um mecanismo mais consistente de integração entre imposto de renda da pessoa física e jurídica. O Simples Nacional responde hoje por cerca de ¼ do total do gasto tributário federal, ele viabiliza o processo de “pejotização” e conta com teto de faturamento para enquadramento muito acima dos padrões internacionais. Em nenhum dos países da OCDE há um regime tão abrangente como o Simples Nacional.
Tributação na OCDE e no Brasil: comparações e tendências
A seguir são abordados diferentes temas a respeito dos sistemas de impostos nos países da OCDE e do Brasil, buscando identificar tendências internacionais e idiossincrasias da nossa tributação.
Antes de mais nada, porém, é preciso ressaltar que, embora possa se pensar em uma estrutura tributária ideal, a evolução histórica dos países produziu configurações distintas, geralmente associadas à amplitude e ao perfil de proteção social adotada, revelando escolhas sociais e políticas.
Para a elaboração do trabalho foram utilizadas várias referências, como relatórios Reforms e Tax Policy Studies da OCDE, dados da Secretaria da Receita Federal do Brasil e estudos de especialistas, como “Reforma Tributária e Federalismo Fiscal: Uma Análise das Propostas de Criação de um Novo Imposto Sobre o Valor Adicionado Para o Brasil” e, especialmente, “Carga Tributária e Reformas no Brasil e na OCDE em perspectiva comparada”, da autoria dos economistas Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti.
Carga e Composição da Estrutura Tributária
O Brasil se destaca, entre outros aspectos, por apresentar um nível de carga tributária e gasto social comparável aos países mais desenvolvidos, isto é, da média da OCDE, ao mesmo tempo em que a composição de sua tributação é semelhante à dos emergentes.
A média da carga tributária alcançou 34,2% do PIB nos países da OCDE, em 2016, e 32,2% no caso do Brasil. Já o gasto social neste mesmo período foi de 21,1% do PIB na média da OCDE ante 20,7% no Brasil.
A composição da carga tributária, entretanto, apresenta distinções importantes. Em relação à OCDE, o Brasil sobretaxa bens e serviços e tributa pouco a renda. Além disso, os países desenvolvidos tendem a ter uma carga mais equilibrada entre três tipos de tributos: sobre bens e serviços, sobre a renda e sobre a folha de pagamentos.
O peso dos impostos sobre bens e serviços representa 11% do PIB da OCDE e 13,2% no Brasil, enquanto o imposto de renda (pessoa jurídica e física) equivale a 11,5% na OCDE e a apenas 7,2% do PIB no Brasil. Já no que diz respeito à tributação da folha, as cargas são semelhantes, como mostra a tabela a seguir, embora aqui também haja diferenças notáveis, como veremos mais à frente.
Outra diferença importante a ser observada, que não se revela de imediato, recai sobre os impostos sobre propriedade. A carga de 2% do PIB brasileiro equivale àquela da OCDE (1,9%), apenas se forem consideradas duas de nossas jaboticabas: IPVA, que não encontra paralelo na OCDE, e IOF, cuja arrecadação foi majorada para compensar parcialmente a perda de receita com o fim da CPMF, distorcendo o caráter regulatório (e não arrecadatório) deste imposto. Sem estes, o imposto sobre propriedade no Brasil corresponde à metade da média OCDE.
Reequilibrar as bases de arrecadação tributária no Brasil é importante por ensejar um sistema mais progressivo, isto é, onerando mais quem tem mais condições de contribuir, e por permitir a redução da tributação sobre as empresas, que hoje tanto compromete nossa competitividade e, consequentemente, nosso crescimento econômico. Estes argumentos ficarão mais claros à frente.
Impostos sobre bens e serviços
A tributação sobre bens e serviços está baseada em três tipos de impostos: impostos sobre valor adicionado (IVA), impostos sobre vendas no varejo (IVV) e impostos seletivos (IS) - com finalidade regulatória ou extrafiscal, para influenciar o comportamento do consumidor e impulsionar a sustentabilidade ambiental, por exemplo. No mundo, mais de 160 países adotam IVA atualmente, sendo que um único país da OCDE não o adota: os Estados Unidos (IVV).
No Brasil, além do nível elevado vis-à-vis a OCDE, a tributação sobre bens e serviços se destaca por sua composição fragmentada. Enquanto na OCDE os IVAs e impostos seletivos totalizam 86% da arrecadação sobre bens e serviços, no Brasil a soma de quase-IVAs (ICMS e o IPI) com impostos seletivos não chega a 56% do total. Em compensação, cerca de 31% da arrecadação brasileira se dá por impostos sobre vendas de caráter cumulativo (como ISS e em parte PIS/Cofins), que alcançam 4,1% do PIB, sem qualquer paralelo entre os países da OCDE
Pela gritante divergência com relação ao padrão internacional, o IEDI defende a adoção de um IVA brasileiro que promova as seguintes transformações: (i) simplificação do sistema tributário com a redução do custo de prestação dos tributos e da insegurança jurídica, (ii) eliminação da cumulatividade de impostos e do acúmulo de créditos dos contribuintes, por meio da sua pronta devolução, (iii) desoneração completa das exportações e (iv) através da tributação no destino, de forma abrangente e com alíquotas horizontais, eliminação de incentivos disfuncionais a formas de realização das atividades que acabam adicionando custos sistêmicos.
Segundo estudo do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), uma reforma tributária que instaurasse um IVA nacional, como a prevista na PEC-45, levaria a um aumento do PIB potencial do Brasil de 20,2% até 2035 e este crescimento, por sua vez, ensejaria uma ampliação da arrecadação tributária anual de União, Estados e Municípios da ordem de R$ 750 bilhões neste período.
O IVA brasileiro promoveria também um maior equilíbrio da carga tributária entre os diferentes setores da economia, que passaria a corresponder à capacidade de agregação de valor em cada um deles.
Hoje, embora a indústria de transformação esteja mais sujeita à concorrência internacional do que a maioria das demais atividades econômicas, suporta uma carga tributária de 45,1% de seu valor adicionado (dado de 2018), isto é, dez vezes maior do que a carga tributária sobre a agropecuária (4,5%) e bem abaixo do que alguns serviços, como os financeiros (15,9%).
Cabe mencionar que o desafio de tributar o consumo de bens e serviços digitais e intangíveis é perfeitamente compatível com o IVA de base ampla e no destino, como o que se quer adotar no Brasil.
Os desafios da economia digital concentram-se na tributação sobre os lucros desses negócios, devido aos princípios convencionais que subsidiam a definição de estabelecimento permanente e a alocação dos lucros quando as empresas operam com atividades interdependentes entre várias jurisdições. Soluções estão sendo negociadas no âmbito do G20/OCDE e não passam pela criação de impostos semelhantes à extinta CPMF, como recentemente se aventou no Brasil.
Imposto sobre a renda
Na OCDE, ¾ do imposto de renda são arrecadados junto a pessoas físicas (IRPF) e ¼ junto a pessoas jurídicas (IRPJ). Esta composição marca outra importante distinção do Brasil em relação a este conjunto de países.
Como visto anteriormente, em 2016, a carga de imposto de renda respondia por 11,5% do PIB da OCDE, dos quais 8,4% se referia ao IRPF e 2,9% do PIB ao IRPJ. Já no Brasil, onde o imposto de renda total correspondia a 7,2% do PIB, isto é, menos do que a OCDE arrecadava apenas com o IRPF, apresenta a seguinte distribuição: 2,8% do PIB como IRPJ+CSLL, 2,6% do PIB como IRPF e 1,9% do PIB não classificável, devido principalmente ao IR retido na fonte sobre rendimentos do capital, como de aplicações financeiras, cuja separação em IRPJ e IRPF não é possível ser feita com exatidão.
A principal causa desta distinção do Brasil é sua forma de tributação de lucros e dividendos. Na OCDE, há ampla gama de modelos de tributação do IRPJ e do IRPF e de mecanismos de integração entre esses dois níveis, de modo a aliviar a dupla tributação e reduzir a alíquota efetiva combinada sobre lucros e dividendos. Isso ocorre seja por meio de deduções da base de cálculo, apropriação de créditos para compensar o imposto já recolhido ao nível de empresa ou simplesmente aplicação de alíquotas mais baixas.
Apenas dois únicos países isentam integralmente os dividendos no nível da pessoa física (Estônia e Letônia) e apenas três não dedicam tratamento tributário diferenciado para os dividendos em relação ao esquema geral do IRPF (Hungria, Irlanda e República Tcheca).
O Brasil possui um sistema peculiar apoiado em dois mecanismos: i) a isenção integral de IRPF para os dividendos convencionais; e ii) uma variante de IRPJ do tipo ACE (Allowance for Corporate Equity) denominada Juros Sobre o Capital Próprio (JSCP), resquício do período de alta inflação no país, que é calculada aplicando a TJLP sobre o patrimônio líquido da empresa. Vale esclarecer ainda que a distinção entre IRPJ e a CSLL não existe segundo o padrão de classificação da OCDE, no qual as contribuições sociais têm incidência exclusiva sobre a folha salarial.
No modelo brasileiro, os lucros sofrem incidência de tributação uma única vez: uma primeira parcela distribuída a sócios ou proprietários da empresa na forma de JSCP é tributada por uma alíquota na fonte de 15% e a parcela excedente, por alíquotas de IRPJ/CSLL que podem chegar a 34%, resultado da soma de 9% da CSLL, 15% do IRPJ e 10% do adicional de IRPJ sobre o lucro mensal que excede R$ 20 mil. Não há incidência adicional de imposto no nível da pessoa física.
Dada a presença de uma regra que limita o montante dedutível de JSCP a 41,5% dos lucros do exercício, a alíquota combinada sobre dividendos varia entre 25,4% e 34% de acordo com o grau que as empresas fazem uso da margem de dedução dos JSCP. Mesmo no extremo mais alto deste intervalo, a alíquota praticada no Brasil é muito inferior à média da OCDE, que chega a 42%.
Isso ocorre principalmente porque a alíquota a pessoas físicas no Brasil é menos da metade daquela dos países da OCDE, como mostra a tabela a seguir. Como são as pessoas de maior renda que recebem dividendos, esta característica brasileira contribui muito para a regressividade (injustiça) do nosso sistema tributário.
Outro fator a ser mencionado é a grande variabilidade da alíquota PJ paga no Brasil, dependendo da empresa, conferindo pouca isonomia ao instrumento, podendo chegar a um valor bastante superior à média da OCDE: 34% ante 23,8% (varia entre 20% e 25% de país a país).
O caminho para reduzir as alíquotas do IRPJ (acrescido da CSLL) para níveis compatíveis ao da OCDE seria compensar esse movimento tanto com medidas de ampliação da base tributável (reduzindo os regimes especiais simplificados, como Lucro Presumido e Simples Nacional), quanto com a maior tributação da renda ao nível da pessoa física, inclusive sobre dividendos.
Vale mencionar ainda que, no caso brasileiro, a combinação de regimes simplificados de tributação das pequenas e microempresas (que reduzem o IRPJ/CSLL) com a isenção dos dividendos distribuídos ao nível da pessoa física induz à transfiguração da renda do trabalho em renda do capital por meio da chamada “pejotização”, que tende a favorecer parcela da população de maior renda (geralmente profissionais liberais), ampliando a regressividade de nosso sistema tributário.
Esses mesmos regimes simplificados também induzem estratégias de planejamento tributário e evasão por grupos empresariais de porte médio e grande, produzindo não só perda de arrecadação para o Estado, como arranjos organizacionais pouco eficientes.
Tributação das Multinacionais
O Brasil está atrasado em relação a tendências internacionais de reformas do regime de tributação das empesas multinacionais. O país persiste com um regime global que está caindo em desuso: isto é, o imposto de renda corporativo incide sobre os lucros auferidos por empresas que operam no exterior e são controladas por empresas brasileiras.
De maneira mais precisa, a parcela dos lucros no exterior proporcional à participação no capital da controladora brasileira é somada aos demais lucros domésticos para compor a base de cálculo do IRPJ/CSLL. Porém, a controladora brasileira pode deduzir do seu imposto devido no Brasil o montante de imposto de renda já pago pela controlada no exterior.
Ao final, os lucros no exterior são tributados duas vezes no nível da empresa: primeiro pela alíquota do imposto de renda do país onde atuam; e depois por um uma alíquota adicional equivalente à diferença entre as alíquotas do Brasil e do país de atuação.
Dado que as alíquotas brasileiras estão desalinhadas em relação aos padrões internacionais, ou seja, são geralmente maiores do que em outros países, como visto na seção anterior, o recolhimento do adicional doméstico de imposto de renda se torna a prática mais comum. Isso coloca as multinacionais brasileiras em desvantagem em relação aos seus concorrentes, que não estão sujeitos ao recolhimento adicional de imposto doméstico.
Para mitigar esse efeito de perda de competividade, o governo brasileiro fez uso de dois mecanismos. O primeiro, adotado em 2013, promoveu uma mudança na legislação permitindo que o imposto sobre os lucros auferidos no exterior seja pago em até oito anos, com um valor reajustado pela taxa de juros LIBOR mais variação cambial.
O segundo mecanismo de alívio foi estabelecido no ano de 2014, por meio da Lei n. 12.973/2014, que concedeu um crédito presumido de até 9%, que poderá ser deduzido do IRPJ/CSLL devido no Brasil, até o ano 2022, em relação aos lucros auferidos no exterior por controladas que desenvolvam atividades em determinados setores econômicos.
O primeiro mecanismo consiste em um diferimento do pagamento do imposto, e, o segundo compreende um expediente parcial e temporário, porque está restrito a setores específicos e previsto para ser extinto em 2022. Ou seja, meros paliativos que não eliminam o diferencial de competitividade entre as empresas brasileiras com subsidiárias no exterior e suas concorrentes de outros países.
Tributação da Folha de Pagamentos
Na OCDE, os tributos sobre a folha de pagamentos correspondem a 27,9% da carga tributária ou 9,5% do PIB agregado de seus países. É o terceiro maior componente da arrecadação tributária, abaixo dos 11,5% e 11,0% do PIB arrecadados com impostos sobre renda e impostos sobre bens e serviços, respectivamente.
Os tributos sobre folha são compostos majoritariamente por contribuições sociais (sobretudo contribuições previdenciárias) destinadas ao financiamento dos sistemas contributivos de proteção social (aposentadorias e pensões, seguro-desemprego, seguro-saúde etc.), por isso prevalece associação entre gasto com benefícios e arrecadação sobre folha de pagamentos.
Assim, tende a ocorrer grande variabilidade entre os países a depender de seus arranjos político-institucionais. Na Europa Continental, prevalece uma carga maior deste tipo de impostos, chegando a 18% do PIB em países como Áustria e França. Em outros, a exemplo dos anglo-saxões (como EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia), a tributação sobre folha quase sempre é próxima ou inferior a 6% do PIB, pois dão maior ênfase à provisão privada de serviços de proteção social. Por isso, recomenda-se levar em consideração a institucionalidade dos países nas comparações internacionais.
No Brasil, a tributação sobre folha de pagamentos de 9,2% do PIB em 2016, é muito próxima da média dos países da OCDE. O mesmo ocorre com a relação entre benefícios sociais e carga sobre folha salarial: 55% no Brasil ante 58% nos países da OCDE.
Uma maneira sintética de se de avaliar o ônus sobre a folha salarial é por meio do indicador de cunha tributária (tax wedge), que corresponde ao percentual dos tributos totais (contribuições sociais do empregado e do empregador, demais impostos sobre a folha de pagamento e IRPF sobre a renda do trabalho) em relação ao custo salarial integral de um trabalhador típico do país.
Em termos médios também não destoamos se considerarmos este indicador: os tributos totalizam 34,5% dos custos salariais de um trabalhador médio no Brasil e 35,7% no caso de um trabalhador médio a OCDE, embora a cunha seja muito maior no Brasil do que na OCDE quanto menor os salários: para quem ganha metade do salário médio da OCDE, a cunha é de 37,7% no Brasil e de 28,3% na OCDE.
Essa elevada cunha de tributos para trabalhadores de baixos salários tende a ter repercussões adversas sobre a competividade da produção nacional e a prover estímulos à informalidade no mercado de trabalho e a práticas de elisão tributária (“pejotização”, por exemplo).
Isso se deve à excepcionalidade brasileira vis-à-vis a OCDE, que recai sobre a composição de sua cunha tributária sobre salários, quase integralmente formada de tributos sobre folha de pagamentos propriamente ditos (35%) e apenas residualmente pelo IRPF (0,5%), como mostra a tabela acima.
Esta característica se explica pelo fato de que combinamos níveis relativamente baixos de renda média do trabalhador típico e relativamente alto limiar de isenção do IRPF. A parcela dos tributos sobre a folha propriamente ditos, isto é, as contribuições sociais, é mais elevada do que a maioria dos países da OCDE.
Outro agravante é que a subtributação por meio do IRPF é compensada pela sobretaxação das empresas com contribuições sociais. Enquanto na média da OCDE, as contribuições pagas pelas empresas representam 14% da cunha sobre os salários médios, no Brasil chega a 25,8%. Buscar um equilíbrio entre estes dois impostos criaria condições para reduzir a oneração de nossas empresas.
Impostos sobre propriedade
Os impostos sobre propriedade representam uma parcela menor da carga tributária nos países da OCDE, pouco variando nas últimas três décadas: em média, totalizam 5,6% da carga total e 1,9% do PIB (dado de 2016).
Todos os países da OCDE possuem algum tipo de imposto sobre a propriedade, mas há variações significativas nos níveis e nas composições de tributação de cada país. Alguns impõem uma combinação de vários tipos de impostos (Bélgica, França, Itália e Espanha, por exemplo) e outros não – por exemplo, na Estônia e na República Eslovaca há apenas imposto sobre propriedade imobiliária.
Os níveis totais de tributação sobre a propriedade na OCDE variam desde 0,3% do PIB no México e na Estônia até 4,2% do PIB na Grã-Bretanha. Nos EUA corresponde a 2,7% do PIB. No Brasil, o patamar é muito próximo à média da OCDE, mas sua composição difere significativamente, como também difere a estrutura de alíquotas e isenções.
O peso dos “impostos sobre transações financeiras e de capital” é ligeiramente mais alto no Brasil (0,7% do PIB vs. 0,4% do PIB na OCDE), assim como é mais alto o peso dos “outros impostos sobre a propriedade” (0,6% do PIB ante 0,1% na OCDE).
Isso ocorre devido a duas peculiaridades brasileiras: no primeiro caso, em função do IOF, que se converteu em um imposto muito amplo desde que passou a compensar o fim da também atípica CPMF; e no segundo caso devido à cobrança de imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA). Tanto IOF como IPVA não têm paralelos na OCDE.
A tributação sobre propriedades imobiliárias, por sua vez, é muito mais baixa no Brasil do que na média da OCDE (0,6% do PIB ante 1,1% do PIB na OCDE). Ou seja, a arrecadação obtida pelo Brasil com tributação de imóveis urbanos (IPTU) e, principalmente, rurais (ITR), a despeito do dinamismo da atividades agropecuárias, está aquém dos padrões internacionais.
A redução desta defasagem poderia ser feita não apenas pelo aumento de alíquotas, mas também por meio da atualização mais sistemática dos valores da base de cálculo dos impostos e via aprimoramentos nos mecanismos de cobrança.
Já os tributos sobre doações e heranças ou sobre riqueza (grandes fortunas) no Brasil, ou arrecadam valores próximos aos da OCDE em proporção do PIB, como no primeiro caso, ou apresentam baixo poder arrecadatório mesmo nos países desenvolvidos, como no segundo caso.
Gastos Tributários
De acordo com a definição da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), os gastos tributários são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando atender às diversas finalidades das políticas públicas.
Correspondem a uma alternativa de política pública explícita via despesas orçamentárias e se operacionalizam pela introdução das mais variadas formas de exceções nas regras gerais do sistema tributário. Por isso, devem ser submetidos às avaliações de políticas públicas – em termos de mérito, alcance dos resultados e comparações com instrumentos alternativos para atingir as mesmas finalidades.
As estimativas oficiais da SRFB mostram crescimento dos gastos tributários da União entre os anos 2011-2014, quando saltaram de 3,5% para 4,5% do PIB (R$ 152,4 bilhões para R$ 275,2 bilhões), estabilizando-se desde então. Vale destacar que representavam um pouco mais de um quinto da receita ou R$ 287,9 bilhões no ano de 2017. No caso dos governos subnacionais, não existe uma estimativa oficial, o que dificulta a análise comparativa do gasto tributário com outros países.
Ademais, como reconhece a própria OCDE, não existem estimativas precisas e de cobertura ampla, nem conceitos harmonizados para se calcular os gastos tributários. Há certa arbitrariedade metodológica para se chegar aos valores que seriam arrecadados não existissem as isenções tributárias estabelecidas.
De todo modo, trabalhos da OCDE e estimativas da SRFB sugerem que os gastos tributários do Brasil como porcentagem do PIB ocupam uma posição intermediária, próximo, por exemplo, do nível da Espanha (4,6%) e abaixo de países como Reino Unido (12,8%), Canadá (6,9%) e EUA (6,0%).
No Brasil, os maiores gastos tributários dizem respeito ao Simples Nacional (24,9% do total em 2017), aos rendimentos isentos e não tributáveis de pessoas físicas (10,5%) e às isenções para entidades sem fins lucrativos (9,3%), que serão tradados a seguir. Outros dois importantes gastos tributários dizem respeito à agricultura e agroindústria (8,8%) e à Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio (6,8%). Juntos, esses cinco itens somam 60,3% de todos os gastos tributários federais.
A existência de regras que conferem tratamento tributário diferenciado para as pequenas e médias empresas (PMEs) é usual entre os países da OCDE, como a isenção de IVA (Reino Unido, Canadá, Portugal, Israel etc.), alíquotas reduzidas (Coreia do Sul, Portugal etc.) ou regimes substitutivos de tributo único (Hungria, Itália, México e Turquia).
Entretanto, há marcadas diferenças entre as principais experiências internacionais e o caso brasileiro: o Simples Nacional abarca um número muito grande de impostos e conta com limites de enquadramento muito elevados, além de viabilizar o processo de “pejotização” devido à atual conformação dos vínculos entre imposto de renda da pessoa física e jurídica, como discutido na seção sobre a tributação de lucros e dividendos.
Por exemplo, os tetos de regimes especiais do IVA se situam normalmente na faixa entre US$ 11 mil e US$ 48 mil. Chegando no máximo a US$ 104 mil no Reino Unido, o que ainda assim é doze vezes menor do que o limite do Simples Nacional, de US$ 1,27 milhão, convertido pelo câmbio médio de 2018.
Quanto às isenções e deduções do IRPF, vale mencionar antes de mais nada que rendimentos como dividendos distribuídos a acionistas, rendimentos de atividade rural, incorporação de reservas etc. não caracteriza para a SRFB um gasto tributário, pois se considera que sua a isenção faz parte do sistema tributário de referência. Disso resulta ao se considerar apenas o gasto tributário uma subestimação da redução do IRPF e do seu efeito regressivo
O gasto tributário decorrente de isenções e deduções do IRPF corresponde a diferentes grupos de rendimento. Um primeiro agrupamento refere-se aos rendimentos tributáveis (salário, aposentadorias, aluguéis recebidos pelas pessoas físicas etc.), que estão sujeitos à tabela progressiva. Neste caso, a SRFB considera apenas as deduções com despesas médicas e de educação que reduzem a base de cálculo do imposto e, portanto, o montante de imposto a ser pago.
Um segundo agrupamento é relativo às isenções do imposto de renda. A SRFB considera somente quatro tipos: parcela de aposentadorias de maior de 65 anos; aposentadoria por moléstia grave ou acidente; indenizações por rescisão de contrato de trabalho; e de seguro o pecúlio pago por morte ou invalidez. As demais isenções são consideradas parte da estrutura tributária de referência como os rendimentos sujeitos à tributação exclusiva na fonte (ganhos de capital, juros, aplicações financeiras, como os títulos de crédito imobiliário e agropecuário, cadernetas de poupança etc.).
É válido avaliar o perfil distributivo dos gastos tributários com isenções e deduções do imposto de renda segundo a SRFB: pelo menos dois terços se concentram nas faixas de declarantes com rendimentos acima de cinco salários mínimos, isto é, cerca de 13,1 milhões de declarantes equivalente ao 8,6% mais rico da população adulta brasileira.
O terceiro maior gasto tributário da União decorre das isenções e imunidades constitucionais para as chamadas entidades sem fins lucrativos. Quase metade deste gasto tributário das entidades sem fins lucrativos se refere a contribuições previdenciárias, pois estão dispensadas de contribuir para a aposentadoria de seus dirigentes e servidores.