Carta IEDI
A indústria e a reação do emprego formal
A Carta IEDI de hoje analisa, a partir dos microdados da Pnad Contínua, recentemente divulgados pelo IBGE, a evolução do emprego no setor privado no 2º trim/21, com ênfase no emprego industrial. Em relação a um ano atrás, quando a pandemia atingia com força a economia brasileira, a ocupação total do setor privado no Brasil avançou +7%, o que equivale a um acréscimo de quase 5 milhões de pessoas ocupadas em relação ao 2º trim/20.
Os destaques positivos couberam aos setores da construção (+19,7%) e da agricultura (+11,8%), que juntos responderam por 40% do aumento do número de ocupados entre o 2º trim/20 e o 2º trim/21, mas todos os grandes setores registraram alta: +6% nos serviços, +5,1% na indústria de transformação e +4,7% no comércio.
A maior contribuição da indústria para o emprego no 2º trim/21 foi nas ocupações com carteira assinada. Como este setor é dos mais formalizados (63% de sua mão de obra), foi o grande responsável por evitar mais um trimestre de recuo do total do emprego formal no setor privado. Em relação ao mesmo período do ano passado, o emprego industrial com carteira assinada cresceu +1,4% ou 86 mil vagas a mais, compensando o recuo de outras atividades e permitindo que no total do setor privado este tipo de ocupação ficasse virtualmente estável (-0,2%).
Nos diferentes ramos industriais, a evolução positiva do emprego não foi unânime. Dos 23 segmentos analisados, houve queda da ocupação total em 10 deles, ou seja em 43%, mesmo com a base de comparação deprimida em função da pandemia em 2020. A maior queda, de -27,3%, foi registrada pelo ramo farmoquímico e farmacêutico, mas neste caso trata-se de uma exceção. Como sua atividade foi muito pressionada pela pandemia, gerou uma base de comparação elevada, em contraste com o restante da indústria.
Por outro lado, 13 segmentos, ou 57% da indústria de transformação, aumentaram seus contingentes de colaboradores, com destaque para celulose, papel e produtos de papel (+51,4% ante 2º trim/20); máquinas e equipamentos (+25,5%); produtos de minerais não-metálicos (+22,7%) e confecção de artigos do vestuário e acessórios (+20,9%).
O IEDI também avaliou a evolução recente agregando os ramos industriais por intensidade tecnológica. Neste caso, os dados são do emprego com carteira assinada. Destaca-se, negativamente, o segmento de alta intensidade tecnológica, com redução de -20,1% no contingente de trabalhadores, em decorrência principalmente do resultado adverso de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-29,2%). Em contraste, houve alta no emprego da indústria de média-alta tecnologia (+7,6%), bem como no de média (+0,8%) e média-baixa tecnologia (+1,9%), embora em intensidade inferior.
O aspecto negativo do quadro recente do emprego industrial diz respeito à evolução do rendimento real e da massa de rendimentos, que funciona como a base do consumo das famílias. Em relação ao 2º trim/20, o rendimento real efetivo recebido pelos funcionários da indústria recuou -5,4%, sugerindo uma situação em que empresas do setor ainda lançam mão de lay-off e não estão repondo os empregos de maiores salários, perdidos durante a pandemia, especialmente face a pressões de custos advindas da escassez de matérias primas, da desvalorização do real, dos preços de combustíveis, energia etc. No geral do setor privado, o rendimento registrou +2%.
Assim, a massa de rendimento real efetivo da indústria de transformação ficou praticamente estável, variando -0,2%, devido à evolução favorável de sua ocupação. Já no conjunto do setor privado, a massa aumentou +9,1%, puxada principalmente pelo setor de serviços. Depois de meses seguidos com queda na ocupação e no rendimento, a massa de rendimentos dos serviços cresceu +13% agora no 2º trim/21 pela primeira vez na comparação interanual desde o 1º trim/20 (+0,6%).
Desempenho da ocupação na indústria de transformação
Esta Carta IEDI tem como base os microdados da PNAD Contínua e atualiza o acompanhamento do emprego e da renda na indústria de transformação. Nesta edição, o foco da análise são os dados do emprego no setor privado como um todo, mas com ênfase na indústria, do segundo trimestre de 2021.
A ocupação do setor privado cresceu 7,0% no segundo trimestre de 2021 frente ao segundo trimestre de 2020, que foi o momento mais crítico da pandemia, quando ocorreu expressiva redução da ocupação, principalmente dos trabalhadores informais. O desempenho recente significou um acréscimo de quase 5 milhões de pessoas e teve como destaque os setores da construção civil (+19,7%) e a agricultura (+11,8%).
O emprego da indústria de transformação, que sofreu impacto menor da pandemia na comparação com o conjunto dos demais setores, devido suas relações de trabalho majoritariamente formais, registrou expansão menor no segundo trimestre de 2021, em relação ao mesmo período de 2020, de 5,1%, o equivalente a 484 mil empregos a mais nesta base de comparação.
Já, na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2021, o aumento da ocupação foi menor, tanto para o conjunto dos setores (+2,9%), quanto para a indústria de transformação (+1,6%). De qualquer forma, nota-se elevação na ocupação em cerca 2,1 milhões e 159 mil pessoas, respectivamente. Os maiores aumentos proporcionais, nesta variação trimestral, se localizaram na construção civil (+5,7%) e na agropecuária (+3,8%).
De fato, a retomada das medidas restritivas de circulação em março e abril de 2021, devido ao contágio mais intenso pela Covid-19, impuseram restrições à demanda agregada, impactando a indústria de transformação, cuja produção física recuou 2,5%, entre o primeiro e o segundo trimestres de 2021. Neste quadro, a recomposição do emprego perdeu força e a criação de postos de trabalho na indústria de transformação registrou variação menor, em relação à média do setor privado.
Para além da ocupação, um dos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho foi a redução da jornada efetiva, inclusive devido ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Bem), que possibilitou diminuição de jornada e salários. Um dos efeitos é que tem se mantido alto o número de pessoas que poderiam e gostariam de trabalhar mais para obter um nível superior de renda, mas que não conseguem.
No segundo trimestre de 2020 ocorreu aumento na proporção de pessoas que tiveram jornada de trabalho de menos de 40 horas semanais para o patamar de 47,6% no total do setor privado exceto indústria e de 40,8% no caso da indústria de transformação.
Já, no segundo trimestre de 2021, a tendência da menor jornada de trabalho se inverteu e a proporção de ocupados que tinham jornada efetiva de menos de 40 horas caiu para 22,9% no total do setor privado sem indústria e para 32,2% no caso da indústria de transformação.
Evolução do emprego por posição na ocupação
Como visto em análises anteriores do IEDI, o trabalho sem carteira assinada e aquele classificado como “conta própria” pelo IBGE foram os mais atingidos no início da pandemia, enquanto o trabalho assalariado com carteira assinada foi menos impactado, inclusive com auxílio de programas governamentais para suspenção ou redução parcial de jornada.
Em seguida, com a diminuição das restrições às atividades principalmente a partir do terceiro trimestre de 2020, a ocupação informal e o por conta própria sustentou parte da recuperação, ainda que tímida, da ocupação. Desta forma, o emprego com carteira no segundo trimestre de 2021, na comparação interanual, cresceu menos que a ocupação em geral.
No total do setor privado exceto a indústria de transformação, o número de pessoas com carteira assinada apresentou retração de 0,2%, na comparação entre os segundos trimestres de 2020 e de 2021. Neste período, destaca-se que na indústria de transformação o emprego com carteira cresceu 1,4%, o que significou um incremento de 86 mil empregos, o maior acréscimo de postos de trabalho com carteira assinada dentre os setores. No comércio e nos serviços as variações foram próximas da estabilidade (-0,1%) e na agropecuária a queda foi de 0,8%.
Por dentro do emprego industrial
Dos 23 segmentos da indústria analisados, nota-se que na variação interanual em 10 deles houve redução da ocupação total, mesmo com a base de comparação deprimida em função da pandemia em 2020.
A maior queda ante o segundo trimestre de 2020, de -27,3%, coube ao ramo de Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos, mas trata-se de uma exceção, já que sua atividade foi muito pressionada pela pandemia, gerando uma base de comparação elevada, em contraste com o restante da indústria. Ainda assim, no segundo trimestre de 2021, o emprego no setor estava em patamar 5% menor que o mesmo trimestre de 2019.
Por outro lado, 13 segmentos aumentaram seus estoques de trabalhadores, na comparação interanual, com destaque para Fabricação de celulose, papel e produtos de papel (+51,4%); Fabricação de máquinas e equipamentos (+25,5%); Fabricação de produtos de minerais não-metálicos (+22,7%) e Confecção de artigos do vestuário e acessórios (+20,9%).
Com relação aos segmentos da indústria agrupados por intensidade tecnológica, considerado apenas o emprego com carteira assinada, observa-se redução de -20,1% no segundo trimestre de 2021 frente a igual período do ano anterior no grupo de alta tecnologia. A queda foi difundida neste grupo, com destaque para o desempenho negativo da Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-29,2% e menos 54 mil postos de trabalho).
Por outro lado, houve aumento no grupo de média-alta tecnologia (+7,6%), bem como no de média (+0,8%) e média-baixa tecnologia (+1,9%), embora em intensidade inferior. No grupo de média-alta tecnologia vale destacar a elevação interanual do emprego com carteira no segmento de Fabricação de máquinas e equipamentos (+26,3%), com ganho de 72 mil empregos no segundo trimestre de 2021, em relação ao mesmo período de 2020.
Desempenho da massa de rendimento e do rendimento médio real
Assim como a ocupação na indústria sentiu menos os efeitos no auge da pandemia em 2020, se comparado aos demais setores, a massa de rendimento real também teve redução menor naquele momento em função das características do emprego industrial. Por esta razão, o setor conta com uma base de comparação menos deprimida que outras atividades econômicas, produzindo agora no segundo trimestre de 2021 uma evolução mais fraca.
Na comparação entre o segundo trimestre de 2020 e o de 2021, a massa de rendimento real efetivo da indústria de transformação variou -0,2%, ao passo que no conjunto do setor privado aumentou 9,1%. Esse resultado derivou tanto do desempenho da ocupação, no qual a indústria não acompanhou o ritmo dos demais setores, quanto do rendimento médio efetivo, que na indústria diminuiu -5,4%, na variação interanual, enquanto no total do setor privado teve aumento de 2,0%.
A queda do rendimento real efetivo na indústria de transformação no segundo trimestre pode estar relacionada a dois fatores. O primeiro diz respeita à possibilidade de a indústria ainda não estar repondo os empregos de maiores salários, perdidos durante a pandemia, especialmente no primeiro semestre de 2020. E o segundo, que se relaciona com o primeiro, é o fato de a indústria estar sofrendo pressões de custos advindas, tanto da escassez de matérias primas, dado o desarranjo das cadeias produtivas ocorrido a nível global, como da persistente desvalorização do real, que potencializada o ciclo de alta dos preços das commodities no mercado internacional. Fatores estes que diminuem a possibilidade de ganhos reais nos salários da indústria.
Em condições normais, os rendimentos reais do trabalho efetivamente recebidos, onde são consideradas as parcelas esporádicas que não fazem parte do rendimento “normal”, seriam muito próximos dos rendimentos habitualmente recebidos, mas a pandemia alterou esta convergência. Isso porque o efetivamente recebido capta de forma mais precisa aspectos como, redução de salário e de jornada no programa emergencial adotado pelo governo, além de salário atrasado, horas extras, bonificações, participação anual nos lucros, 13º salário, entre outros rendimentos. Assim, vale também mencionar a evolução do rendimento habitual.
Na indústria, o rendimento médio real habitual dos trabalhadores com carteira assinada diminuiu em 18 ramos, na comparação interanual, como mostra o gráfico a seguir, com recuos mais significativos na Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-28,1%) e na Fabricação de produtos têxteis (-23,4%).
Contudo, vale destacar o aumento do rendimento médio na Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados (8,8%); Fabricação de coque, produtos derivados de petróleo e de biocombustíveis (8,1%); e na Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (7,6%). Nesse último caso, como houve redução do emprego, esse resultado sugere que foram cortados os postos de trabalho de menores salários, fazendo com que, na média, o rendimento se elevasse.