Carta IEDI
Destruição Criativa e Crescimento Impulsionado pela Inovação
A Carta IEDI de hoje aborda o livro The Power of Creative Destruction: Economic Upheaval and the Wealth of Nations, recentemente publicado, de autoria dos economistas franceses Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel.
O livro procura demostrar que o crescimento impulsionado por inovações disruptivas é a solução para os problemas atuais do capitalismo moderno, como o aumento exacerbado da desigualdade, as mudanças climáticas e a crise pandêmica da Covid-19.
O fio condutor da obra é a ideia, originalmente desenvolvida pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, da destruição criativa desencadeada pela introdução de inovações que tornam as tecnologias existentes obsoletas.
Utilizando um amplo conjunto de evidências empíricas, os autores analisam como o crescimento econômico por meio da destruição criativa interage com a concorrência, a industrialização, armadilha da renda média, a desigualdade, o meio-ambiente, as finanças, o desemprego, a saúde e a felicidade.
Os autores destacam que a ideia de destruição criativa introduz uma contradição no cerne do processo de crescimento impulsionado pela inovação. De um lado, os lucros são necessários para recompensar a inovação e, assim, motivar os inovadores. Por outro lado, os inovadores pretéritos usam seus lucros para impedir a emergência de outras inovações e a entrada de novos competidores.
Segundo os autores, por causa dessa contradição na dinâmica do crescimento por destruição criativa, o futuro do capitalismo visualizado por Schumpeter era adverso: o capitalismo estava condenado ao fracasso precisamente porque seria impossível impedir que os conglomerados estabelecidos obstruíssem novas rodadas de inovações e expulsassem as pequenas e médias empresas.
Aghion e seus coautores consideram ser possível superar essa contradição por meio da regulação estatal. Para isso, é preciso evitar que o Estado seja cooptado pelos grupos de interesse das empresas incumbentes que tentam preservar os seus lucros bloqueando a entrada das novas empresas inovadoras.
Força motriz do capitalismo, a destruição criativa promovida pelas empresas inovadoras, ao mesmo tempo em que garante sua perpétua renovação e reprodução, gera efeitos potencialmente prejudiciais para o emprego, a saúde e o bem-estar dos cidadãos assim como para o meio-ambiente, os quais devem ser administrados, regulados e mitigados pela ação estatal.
Para os autores, é fundamental que o Estado atue, mediante diversos instrumentos de políticas públicas, em três frentes:
- No estímulo às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, investindo em educação, ciência e em pesquisa básica e garantindo proteção aos direitos de propriedade;
- Na defesa da concorrência para evitar que as empresas incumbentes obstruam a entrada de novos inovadores no mercado de bens e serviços; e
- No combate às possíveis consequências adversas da destruição criativa em termos da perda do emprego bem como da ampliação exacerbada da desigualdade e do agravamento da deterioração ambiental.
Para que o Estado aja nesse sentido, duas forças seriam essenciais: a concorrência internacional e a sociedade civil. A concorrência internacional estimula as ações do Estado em prol de inovações disruptivas, enquanto uma sociedade civil ativa e vigilante impede conluios entre funcionários públicos e empresas incumbentes na preservação de suas rendas e pressiona por maior eficiência, ética e justiça no funcionamento do mercado.
Sugerem que os países deveriam reforçar políticas de pró-concorrência à medida que se tornam mais desenvolvidos e reconhecem que uma abrupta intensificação da concorrência pode ter efeito negativo sobre a inovação em toda a economia se predominarem empresas muito distantes da fronteira tecnológica mundial.
Para um país como todo, quanto mais próximo estiver da fronteira tecnológica, ou seja, quanto mais próxima sua produtividade agregada estiver da produtividade do país mais produtivo do mundo, no caso, os Estados Unidos, mais a concorrência impulsionará a inovação e o crescimento do país.
A relação entre concorrência e inovação vai além da maior exposição ao mercado internacional. Para os autores, é imperativo repensar a política de concorrência e, em particular, a política antitruste que regula fusões e aquisições, para que as revoluções tecnológicas, como TI e inteligência artificial, aumentem o crescimento tanto no curto quanto no longo prazo.
Aghion e seus coautores defendem, ainda, a ideia de que a concorrência não é incompatível com uma política industrial bem desenhada. Afirmam que estudos mostram que os investimentos públicos voltados para setores estratégicos intensivos em qualificação e/ou setores mais competitivos são eficazes para estimular o crescimento da produtividade.
Nesse sentido, recomendam que os formuladores de políticas abordem inicialmente as prioridades econômicas e sociais do país, como o combate às mudanças climáticas e o desenvolvimento de energias renováveis, saúde e defesa. E na sequência se concentrem em setores que operem com alto grau de concorrência ou utilizem mão de obra altamente qualificada.
É preciso, contudo, alertam os autores, evitar que a concessão de subsídios às empresas incumbentes impeça novos participantes potenciais, conciliando tanto quanto possível a política industrial e a política de concorrência de modo a favorecer o crescimento impulsionado pela inovação de ponta.
Em síntese, Aghion e seus coautores defendem a ideia de que mercado, Estado e sociedade civil organizada são centrais para a “evolução do capitalismo em direção a um sistema que seja mais bem regulado, mais inclusivo, mais protetor dos cidadãos e um melhor guardião do meio ambiente”.
Nesse sentido, advogam a combinação de características das diferentes formas de capitalismo existente nas nações desenvolvidas, de modo a:
- Assegurar a ação plena da destruição criativa, realizando reformas que favoreçam as inovações e viabilizem o crescimento sustentado de longo prazo impulsionado pelas inovações na fronteira tecnológica, e
- Proporcionar, ao mesmo tempo, aos seus cidadãos maior igualdade e segurança contra o risco de desemprego e de obsolescência do conhecimento e habilidades profissionais e melhores serviços públicos e sociais.
Introdução
A Carta IEDI de hoje aborda o livro The Power of Creative Destruction: Economic Upheaval and the Wealth of Nations, recentemente divulgado, do professor do Collège de France e da London School of Economic, Philippe Aghion, em coautoria com Céline Antonin e Simon Bunel.
Baseado em um amplo programa de pesquisa desenvolvido ao longo de várias décadas pelo professor Aghion e diversos coautores, o livro procura demostrar que o crescimento impulsionado por inovações é a solução para os problemas atuais do capitalismo moderno, isto é, o aumento da desigualdade, as respostas inadequadas às mudanças climáticas e a crise pandêmica da Covid-19.
O fio condutor da obra é a ideia, originalmente desenvolvida pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, da destruição criativa desencadeada pelas novas inovações que tornam as tecnologias existentes obsoletas. Utilizando um amplo conjunto de evidências empíricas, os autores analisam como o crescimento econômico por meio da destruição criativa interage com a concorrência, a industrialização, armadilha da renda média, a desigualdade, o meio-ambiente, as finanças, o desemprego, a saúde e a felicidade.
Força motriz do capitalismo, a destruição criativa promovida pelas empresas inovadoras, ao mesmo tempo em que garante sua perpétua renovação e reprodução, gera efeitos potencialmente prejudiciais para o emprego, a saúde e o bem-estar dos cidadãos assim como para o meio-ambiente, os quais devem ser administrados, regulados e mitigados pela ação estatal.
Para os autores, é fundamental que o Estado atue, mediante políticas públicas, em três frentes:
- no estímulo às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, investindo em educação, ciência e em pesquisa básica e garantindo proteção aos diretos de propriedade;
- na defesa da concorrência para evitar que as empresas incumbentes obstruam a entrada de novos agentes inovadores no mercado de bens e serviços, e
- no combate às possíveis consequências adversas da destruição criativa em termos da perda do emprego bem como da ampliação exacerbada da desigualdade e do agravamento da deterioração ambiental.
Para que Estado aja nesse sentido, duas forças são, contudo, essenciais: a concorrência internacional e a sociedade civil.
Os autores defendem, assim, a ideia de que mercado, Estado e sociedade civil organizada são centrais para a “evolução do capitalismo em direção a um sistema que seja mais bem regulado, mais inclusivo, mais protetor dos cidadãos e um melhor guardião do meio ambiente”.
O Paradigma da Destruição Criativa
De acordo com os autores, até o final da década de 1980, a teoria dominante de crescimento econômico, conhecida como modelo neoclássico do crescimento endógeno ou modelo de Solow, era a de um processo de crescimento baseado na acumulação de capital.
Nesse modelo, mesmo na ausência de progresso técnico, a economia geraria um crescimento duradouro apenas como resultado da acumulação de capital: mais capital, financiado pela poupança, aumenta o PIB, o que leva à elevação da poupança e, portanto, mais capital, aumentando ainda mais o PIB e assim por diante. Porém, devido a retornos decrescentes do capital, quanto maior o número de máquinas, menos o PIB aumenta.
Desse modo, em algum momento, a economia perde o fôlego, para de crescer e tende a diminuir ao longo do tempo à medida que a nação acumula mais capital. Embora Solow reconheça que o progresso técnico é pré-requisito do crescimento de longo prazo, seu modelo teórico não contempla os seus determinantes nem os fatores que estimulam ou obstruem a inovação.
Assim, além de não elucidar os determinantes de crescimento de longo prazo, o modelo neoclássico não consegue explicar por que algumas nações crescem mais rápido do que outras, e por que algumas nações convergem para os níveis de PIB per capita do mundo desenvolvido enquanto outras ficam muito atrás ou param ao longo do caminho, tal como observado nas pesquisas empíricas.
Ademais, por pressupor a existência de concorrência perfeita, o modelo neoclássico também não é capaz de explicar as correlações positivas entre concorrência e crescimento impulsionado por inovação e entre concorrência e produtividade verificadas em diversos estudos empíricos de corte setorial.
Tais limitações do modelo neoclássico motivaram o desenvolvimento, por Philippe Aghion e Peter Howitt, do modelo de crescimento por meio da destruição criativa no final da década de 1980. Também conhecido como paradigma schumpeteriano, esse modelo de crescimento impulsionado por inovação foi inspirado em três ideia de Joseph Schumpeter, as quais, contudo, nunca haviam sido formalizadas e testadas:
- A inovação e a difusão do conhecimento estão no cerne do processo de crescimento: toda inovação usa o conhecimento contido nas inovações anteriores, e todo empresário inovador se apoia “nos ombros de gigantes” que o precederam. Somente com a difusão e codificação do conhecimento a inovação pode ser cumulativa, resultando em crescimento de longo prazo e em prosperidade.
- A inovação depende de incentivos e proteção dos direitos de propriedade. A inovação resulta da decisão de investir, sobretudo, em pesquisa e desenvolvimento (P&D), tomada por empreendedores motivados por retornos potenciais: rendas de inovação. A garantia de proteção dessas rendas por meio de reconhecimento de direito de propriedade incentivará os empresários a investir ainda mais em inovação. Em contraste, o investimento empresarial em inovação será desestimulado na ausência de proteção contra imitação e/ou adoção de impostos confiscatórios sobre as receitas da inovação.
- Inovações recentes tornam as antigas obsoletas, em um processo de destruição das rendas existentes. O crescimento por destruição criativa requer, consequentemente, um ambiente competitivo para que novas empresas inovadoras possam entrar continuamente no mercado às expensas das empresas estabelecidas, as quais para preservar seus lucros tentam atrasar ou bloquear a entrada de novos concorrentes em seus setores de atividade. Em outras palavras, o crescimento por destruição criativa prepara o terreno para um conflito permanente entre o velho e o novo. Nesse processo, empregos são destruídos e criados.
Os autores sustentam que o paradigma da destruição criativa é uma realidade tangível e não um mero conceito. Além de observar uma correlação positiva entre a intensidade da inovação, mensurada pelo número de novas patentes depositadas a cada ano em um país ou região em novos produtos e novas tecnologias, e o crescimento do PIB per capita, os autores também identificaram uma correlação positiva, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, entre a destruição criativa, medida pela média entre a taxa de criação de empresas e a taxa de destruição de empresas, e o crescimento do PIB per capita.
Segundo os autores, outra maneira de medir a destruição criativa é examinar mais de perto o ciclo de vida de novas empresas: sua entrada, seu crescimento e sua saída do mercado. Dados coletados pelo Escritório do Censo dos Estados Unidos mostram que as empresas mais jovens exibem um crescimento líquido do emprego mais forte do que as empresas estabelecidas há muito tempo.
Embora as empresas mais jovens tenham uma taxa de saída muito mais alta do que as empresas estabelecidas há muito tempo, cada nova geração de startups cria um grande número de novos empregos. Muitas dessas empresas recém-criadas desaparecem nos primeiros anos de sua existência, muitos desses empregos serão destruídos. Mas as sobreviventes continuam a criar empregos e, portanto, a crescer em tamanho.
A pesquisa empírica mostra igualmente que as empresas mais inovadoras são as pequenas e jovens. Nos Estados Unidos, por exemplo, a intensidade da inovação, medida pelo número de patentes por empregado, diminui nitidamente com o tamanho da empresa medido pelo número médio de empregados. Ou seja, quanto maior a empresa, menor é a probabilidade de inovar. Além disso, de acordo com os autores, as inovações geradas por empresas menores são mais radicais e mais significativas do que as geradas por empresas maiores.
Os autores destacam que a ideia de destruição criativa introduz uma contradição no cerne do processo de crescimento impulsionado pela inovação. De um lado, os lucros são necessários para recompensar a inovação e, assim, motivar os inovadores. Por outro lado, os inovadores pretéritos usam seus lucros para impedir a emergência de inovações adicionais e a entrada de novos competidores.
Por causa dessa contradição na dinâmica do crescimento por destruição criativa, Schumpeter via com pessimismo o futuro do capitalismo. Em sua opinião, o capitalismo estava condenado ao fracasso precisamente porque seria impossível impedir que os conglomerados estabelecidos obstruíssem inovações adicionais e expulsassem as pequenas e médias empresas. O predomínio dos grandes conglomerados levaria inexoravelmente ao desaparecimento dos empresários inovadores e ao triunfo da burocracia e dos interesses velados.
Já Aghion e seus coautores consideram que é possível superar essa contradição por meio da regulação estatal, de modo a “salvar o capitalismo dos capitalistas”. Para isso, é preciso evitar que o Estado seja cooptado pelos grupos de interesse das empresas incumbentes, que tentam preservar os seus lucros bloqueando a entrada das novas empresas inovadoras.
Os autores também defendem a necessidade de intervenção do Estado, por meio de diversos instrumentos de política, para debelar o conservadorismo das empresas incumbentes em relação à inovação e ao progresso técnico, em particular no que se refere às inovações em tecnologias verdes. Em razão do fenômeno da dependência de trajetória, as empresas inovadoras no passado resistem a trilhar no futuro o caminho das inovações disruptivas.
Revoluções Tecnológicas e Crescimento
Os autores destacam que o crescimento econômico é um fenômeno recente. Com base nas estimativas do economista Angus Maddison, afirmam que o PIB per capita mundial, indicador da riqueza das nações, se manteve inalterado entre os anos 1 e 1000 da Era Comum.
Do ano 1000 até 1820, o PIB per capita mundial cresceu em média 0,05% ao ano no período de 820 anos. Durante esse período, contudo, e sobretudo a partir do século XIV, alguns países europeus, como Itália e Inglaterra, registram vigoroso crescimento do PIB per capita durante várias décadas. De 1820 a 1870, o crescimento médio mundial saltou para 0,5%, continuou a acelerar, atingindo aproximadamente 3% entre 1950 e 1973.
Essa decolagem de crescimento tão repentina e expressiva foi verificada inicialmente na Inglaterra a partir do final do século XVIII, quando a invenção da máquina a vapor por James Watt na década de 1770 desencadeou a primeira Revolução Industrial. Essa primeira grande onda tecnológica atingiu em seguida a França, antes de se espalhar para outros países ocidentais, em particular os Estados Unidos, gerando, ainda que com certo atraso, a ampliação do crescimento e da prosperidade.
Os autores destacam que muito antes da Revolução Industrial, a história da humanidade foi marcada por inovações tecnológicas, que surgiram em particular no Egito e na Ásia, sobretudo na China. Mas, ao contrário da era industrial, essas inovações foram isoladas e idiossincráticas e não geraram um período sustentado de inovação e crescimento.
A razão da decolagem ter ocorrido primeiro na Inglaterra e não em qualquer outro país ou região foi resultado da combinação de um conjunto de fatores, que, segundo os autores, coincidem precisamente com os três princípios do paradigma da destruição criativa: a difusão de conhecimento e informação que permite a inovação cumulativa; a concorrência entre as nações que, não obstante as pressões contrários de interesses constituídos, torna a destruição criativa possível; e o surgimento de instituições que protegem os direitos de propriedade dos inovadores.
A difusão do conhecimento e da informação desempenhou um papel crucial no século XVIII, graças ao surgimento de serviços postais acessíveis e aos custos decrescentes da impressão em razão de avanço tecnológico. Nessa época, multiplicaram os números de jornais e surgiram as grandes enciclopédias, que codificavam todo o saber disponível. A difusão desses trabalhos tornou o conhecimento técnico e científico acessível e facilitou muito o processo de acumulação de conhecimento, imprescindível ao processo de inovação.
Esses desenvolvimentos também favoreceram a troca de ideias por meio do surgimento de sociedades e clubes que incentivaram o compartilhamento e o avanço do conhecimento. Essas sociedades buscavam compreender os princípios subjacentes das técnicas eficazes disponíveis por meio de uma abordagem científica, abrindo caminho para aplicações em outros campos, em um processo de evolução concomitante da ciência e das tecnologias, que surgiam dos diálogos entre ciência e técnica. Essa situação contrasta fortemente com as dos séculos precedentes, quando o conhecimento, eminentemente prático e prescritivo, era zelosamente bem guardado por guildas e organizações comerciais.
O segundo impulso institucional de decolagem do crescimento foi a concorrência e rivalidade entre as nações europeias, que competiam pelas mentes mais brilhantes. Esta concorrência permitiu que a inovação e a destruição criativa ocorressem apesar da resistência ou oposição de interesses adquiridos. O temor de ser ultrapassado por outros países em termos de progresso econômico, científico e tecnológico venceu todas as demais considerações.
A convergência em relação aos países mais avançados em termos tecnológicos tornou-se imperativa. A concorrência e a rivalidade, sobretudo a militar, entre as nações europeias levou igualmente os governos a investir em educação, trazendo uma melhoria substancial no sistema educacional, com impactos positivos para o crescimento impulsionado por inovações.
O estabelecimento de instituições que protegem os direitos de propriedade intelectual foi o terceiro fator-chave para a decolagem do crescimento primeiro na Inglaterra e somente depois na França. Embora ambas as nações tivessem níveis científicos e tecnológicos comparáveis no final do século XVIII, a Inglaterra estava muito mais avançada do que a França na proteção dos direitos de propriedade.
Desde 1624, vigorava, na Inglaterra, a garantia os direitos de propriedade por meio de cartas-patentes para o “primeiro e verdadeiro inventor”, proteção que foi reforçada a partir de 1688 com a introdução no país da monarquia constitucional e da primazia do Parlamento. O sistema inglês de patentes, que inspirou posteriormente as primeiras leis de patentes nos Estados Unidos (1790) e na França (1791), teve um efeito duplo na inovação e no progresso tecnológico.
Em primeiro lugar, as patentes criaram um incentivo para os inventores inovarem, concedendo-lhes pelo menos um monopólio temporário sobre o uso de suas inovações, garantindo assim uma renda de inovação. Em segundo lugar, o registro de patentes obrigava os inventores a difundir o conhecimento subjacente às suas invenções, o que permitiu a outros inovar subsequentemente com base na exploração do conhecimento contido na patente de inovações pretéritas.
Os inventores e inovadores ingleses se beneficiaram igualmente da existência de um mercado financeiro relativamente desenvolvido no país, com presença de bancos comerciais, de investimento e bolsa de valores. O desenvolvimento financeiro alcançado pela Inglaterra ainda no século XVII, o qual se caracterizou por rápido crescimento e duplicação da riqueza per capita, tornou possível a mobilização de recursos e capital para financiar ideias ousadas, sustentando o processo de destruição criativa, que gerava prosperidade.
Assim, à primeira Revolução Industrial, seguiram-se outras duas grandes ondas tecnológicas, impulsionada, respectivamente, pela invenção do dínamo e da lâmpada elétrica na segunda metade do século XIX e pela invenção dos microprocessadores no final dos anos 1960. Essas duas ondas tecnológicas se originaram nos Estados Unidos.
Tal como ocorreu na Inglaterra, os inventores e empreendedores norte-americanos se beneficiaram da existência de um ecossistema financeiro para o financiamento das inovações. Esse sistema se tornou ainda mais pujante no século XX, com a constituição de uma rede poderosa de fundações de pesquisa sem fins lucrativos, investidores institucionais e capitalistas de risco com a experiência necessária para orientar o crescimento de novas empresas. Essa rede contribui para a predominância dos Estados Unidos em inovação.
Os autores salientam que, de modo geral, as revoluções tecnológicas se originam de uma inovação fundamental que produz uma tecnologia de uso geral (GPT), que gera ondas sucessivas de inovações secundárias, cada uma correspondendo à adaptação da GPT a um setor específico da economia. Essas tecnologias são aprimoradas, permitindo que seu custo para os usuários diminua com o tempo, e se espalham por todos os setores da economia.
Como mostra o gráfico abaixo para o caso dos Estados Unidos, a cada onda de inovações secundárias proveniente de uma nova GPT correspondeu um surto de inovação, expresso em um aumento acentuado no número de patentes per capita no período em questão.
Porém, de acordo com os autores, em razão do tempo necessário para a adaptação da tecnologia de uso geral nos diversos setores por meio de inovações secundárias específicas, há um atraso significativo entre a invenção da tecnologia que desencadeia a revolução tecnológica e a aceleração do crescimento econômico que a materializa.
Cada setor requer uma inovação secundária única e a invenção dessas inovações secundárias ocorre em diferentes períodos de tempo, que varia de um setor a outro. Além disso, como a geração de inovações secundárias retira recursos da produção, o crescimento do PIB pode diminuir no curto prazo, ou atrasar, o aumento repentino do crescimento que a nova GPT poderia provocar.
Segundo Aghion e seus coautores, o surgimento de uma nova tecnologia de uso geral acarreta a entrada e a saída de empresas do mercado, dado que transição de uma antiga tecnologia de uso geral para uma nova promove o processo de destruição criativa. Isso ocorre porque as novas empresas têm uma vantagem na medida em que, ao contrário das empresas existentes, não estão sujeitas aos custos da mudança tecnológica. Com as empresas incumbentes se vendo forçadas a reduzir o escopo de suas atividades ou mesmo a sair do mercado, há destruição também de empregos.
Na economia como um todo, a difusão de uma nova GPT ocorre de forma gradativa. A máquina a vapor estava no mercado no início do século XVIII, tendo sido aperfeiçoada por James Watt na década de 1770. Porém, só entre 1869 e 1900, o uso de rodas d'água e turbinas hidráulicas no setor manufatureiro diminuiu progressivamente, em paralelo ao aumento gradativo do uso de motores e turbinas a vapor, mas sem que se alterasse o sistema de produção. A partir do século XX, as máquinas movidas a vapor deram lugar a máquinas movidas a eletricidade, no início lentamente, depois em um ritmo acelerado.
Da mesma forma, embora a lâmpada elétrica tenha sido inventada em 1879, mais de cinquenta anos se passaram antes que duas inovações secundárias, as máquinas movidas a eletricidade e a linha de montagem, permitissem o uso eficiente da eletricidade, provocando a forte aceleração do crescimento da produtividade nos Estados Unidos. Mais vinte anos foram necessários para que a onda tecnológica associada à revolução elétrica se espraiasse dos Estados Unidos para outras nações desenvolvidas.
Esse atraso na difusão da onda tecnológica da eletricidade foi consequência da crise de 1929 e da desorganização da produção e a perda de capital humano como resultado da Segunda Guerra Mundial. No Pós-Guerra, com a reconstrução e a retomada do comércio internacional, os países europeus e o Japão construíram fábricas e infraestruturas modernas, reduzindo seu atraso tecnológico em relação aos Estados Unidos.
Atraso semelhante se deu com a revolução nas tecnologias da informação (TI), desencadeada pela invenção dos microprocessadores em 1969, que possibilitou o desenvolvimento de importantes inovações secundárias, como computadores de mesa e computadores portáteis. Os autores salientam que, embora a invenção dessas inovações secundárias pudessem ter acarretado a digitalização de inúmeras tarefas de processamento de dados, na verdade os procedimentos tradicionais em papel continuaram, com uma duplicação de tarefas e pouco ganho de produtividade até o final da década de 1980.
Nos Estados Unidos, a onda de crescimento da produtividade associada à essa revolução tecnológica só começou em meados da década de 1990 e atingiu seu pico em 2000. No Japão e em diversos países da zona do euro, a revolução da TI não produziu, contudo, ondas de crescimento semelhantes, em razão, pelo menos em parte, da rigidez estrutural nos mercados de bens e serviços e nos mercados de trabalho.
Contemporâneo da onda de crescimento da TI, o processo de globalização aumentou substancialmente as recompensas potenciais da inovação (efeito escala) e, ao mesmo tempo, o custo potencial de não inovar (efeito concorrência), sobretudo para as empresas mais produtivas, próximas da fronteira tecnológica.
A globalização também facilitou a circulação de pessoas, especialmente entre os países tecnologicamente avançados. Em particular, a imigração de indivíduos qualificados proveniente de diferentes países tem considerável efeito positivo para a inovação e para o avanço tecnológico dos países anfitriões.
Dessa forma, nas últimas décadas, a inovação tem se acelerado, em termos mundiais, tanto em quantidade quanto em qualidade, que se manifesta no número e no impacto das patentes, respectivamente. Porém, essa aceleração não aparece na evolução da produtividade dos países desenvolvidos, e em particular nos Estados Unidos, onde, desde o início dos anos 2000, o crescimento da produtividade registra desaceleração.
Se no caso do Japão e da Europa, o baixo dinamismo da economia pode ser, parcialmente, atribuído à rigidez estrutural e/ou à adoção de políticas econômicas inadequadas, no caso norte-americano, a explicação principal reside, segundo os autores, no surgimento das chamadas empresas superestrelas, que se desenvolveram graças às novas ondas tecnológicas (TI e tecnologia digital), mas que agora impedem a entrada de novas empresas inovadoras.
Uma das estratégias utilizada pelas empresas incumbentes para proteger suas rendas de inovação seria o acúmulo de patentes defensivas. Ao adquirir startups inovadoras, as superestrelas eliminam futuros concorrentes. Esse ponto será retomado mais adiante.
Espelhando o atraso seguido de uma aceleração na adoção de novas GPTs pelas empresas, há um atraso e posterior aceleração na adoção pelas famílias, decorrente em grande parte do declínio dos preços dos produtos inovadores.
Por exemplo, a rápida queda no preço dos computadores portáteis na década de 1990 resultou na adoção acelerada da TI pelas famílias. Com o surgimento e desenvolvimento da internet, a extensão geográfica da rede e as melhorias na qualidade e velocidade do serviço se tornaram fundamentais para a adoção da TI.
Os autores indagam se atualmente o mundo estaria no limiar de uma nova onda de crescimento impulsionada pela inteligência artificial (IA). A IA viabiliza a automação de inúmeras tarefas complexas. A automação em grande escala pode, por sua vez, alimentar o crescimento, substituindo o trabalho, que tem oferta limitada, por capital, que pode ser acumular sem limites, para a produção não apenas de bens e serviços, mas também de novas ideias e inovações.
Porém, inúmeras atividades e tarefas essenciais para a produção e/ou para pesquisa não podem ser automatizados. Assim, como a mão de obra permanece indispensável no processo de produção, sua oferta limitada pode inibir o potencial da IA de gerar crescimento acelerado.
De acordo com os autores, as revoluções tecnológicas sempre suscitaram medo de desemprego em massa. Todavia, a análise em perspectiva histórica não corrobora a visão de que revoluções tecnológicas e emprego são irreconciliáveis.
A modernização dos processos produtivos, ao tornar as empresas mais competitivas, lhes permite conquistar novos mercados e, consequentemente contratar mais empregados. Esse efeito de produtividade em ação nas revoluções industriais induzidas pela máquina a vapor e depois pela eletricidade explica por que nenhuma dessas revoluções produziu o desemprego em massa que alguns haviam previsto.
A revolução da TI e o avanço da tecnologia de automação reavivaram os temores da substituição dos trabalhadores por robôs. Embora haja estudos mostrando que a automação tem um efeito negativo sobre o crescimento do emprego e dos salários, os autores encontraram evidências empíricas, ao contrário do senso comum, de que empresas ou fábricas que automatizam suas atividades de produção criam mais empregos do que destroem.
Os resultados encontrados, tanto em termos de empresas individuais como em termos agregados para setores e o conjunto da economia, mostram, segundo os autores, que o impacto da automação sobre o emprego é positivo e, de fato, aumenta com o tempo, até mesmo para os trabalhadores industriais não qualificados.
Os efeitos positivos da automação incluem, além do emprego, aumento de vendas e redução de preços ao consumidor. Em contraste, aquelas empresas que falham em automatizar e aumentar a produtividade entram em declínio e possivelmente saem do mercado.
Os autores sustentam que, portanto, não é a automação dos processos industriais que leva as empresas a suprimir empregos, mas sim o fato de perderem o momento crítico da automação e, consequentemente, se verem obrigadas a reduzir o escopo de suas atividades ou mesmo a sair do mercado. Ou seja, é por meio do processo de destruição criativa que a automação pode acarretar perda de empregos. Porém, desestimular a automação inibirá o potencial das empresas para inovar, expandir seus mercados e, assim, criar novos empregos.
Industrialização e Mudança Estrutural
Como visto acima, a decolagem do crescimento coincidiu com as transformações sucessivas da Inglaterra, França e Estados Unidos de economias agrícolas em economias industriais. Mais recentemente, nesses e em outros países desenvolvidos, o peso da indústria diminuiu, com o setor de serviço assumindo proeminência na economia, tanto em termos de participação do PIB como no emprego. Tais mudanças nas participações setoriais durante o processo de desenvolvimento é, segundo os autores, efeito da destruição criativa.
Recuperando as contribuições do economista Simon Kuznets, Aghion e seus coautores afirmam que a mudança estrutural implica em um processo de desenvolvimento em duas etapas: primeiro, uma transição da agricultura para a indústria e depois uma transição da indústria para os serviços.
Esse desenrolar do processo de desenvolvimento pode ser verificada empiricamente quer se adopte uma abordagem histórica, olhando para a evolução dentro de um país ao longo do tempo, ou uma abordagem comparativa, olhando para as comparações entre países do PIB per capita.
Examinando a evolução da participação de cada um dos três setores no emprego em função do padrão de vida, medido pelo PIB per capita, em dez nações industrializadas (Bélgica, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda Japão, Suécia e Reino Unido), os autores mostram que a participação do emprego agrícola diminui à medida que o padrão de vida aumenta, enquanto a participação do setor de serviços no emprego total aumenta continuamente com o padrão de vida.
Já a participação do emprego industrial no emprego total apresenta uma evolução distinta: à medida que o padrão de vida melhora, a parcela do emprego industrial no emprego total aumenta no início, e um seguida diminui. Em termos gráficos, essa evolução assume a forma de uma curva U invertida. Como no setor industrial, há um progresso tecnológico mais intenso, esse setor se torna cada vez menos intensivo em mão de obra.
Esses resultados sugerem, que, de um lado, um país com um baixo padrão de vida terá um grande setor agrícola, mas seus setores de indústria manufatureira e de serviços serão muito menos desenvolvidos. Por outro lado, em um país com um alto padrão de vida, a maioria das pessoas trabalhará no setor de serviços, portanto, mais uma vez, o tamanho do setor industrial será relativamente pequeno.
De acordo com os autores, a ampliação do setor de serviço é consequência tanto de um efeito oferta como de um efeito demanda. Do lado da oferta, graças aos ganhos de produtividade associados à economia de escala e à automação, os custos de produção de bens agrícolas e manufaturados caem mais rapidamente do que os de serviços. Em consequência, os preços dos produtos agrícolas e manufaturados tendem a cair mais do que os dos serviços, dado que esse setor reúne um conjunto de atividades intensivas em mão de obra e menos capazes de se beneficiarem de economias de escala. Como resultado, os preços dos serviços aumentam, elevando os gastos das famílias com serviços.
Do lado da demanda, os consumidores desfrutam de um “efeito renda”: a redução no preço dos bens agrícolas e manufaturados aumenta o poder de compra das famílias; em outras palavras, torna as famílias mais ricas. Por serem mais ricas, as famílias podem consumir mais bens e serviços. Conforme o padrão de vida de uma família aumenta, a porcentagem da renda que ela dedica a bens essenciais, alimentos em particular, diminui. Quanto mais rica for a família, maior a parte da renda será destinada aos gastos com serviços. Essas tendências são observadas em diferentes nações desenvolvidas.
Nos países com alto padrão de vida, maior parcela da renda das famílias é destinada ao setor de serviço. A maior demanda por serviços eleva o lucro das empresas e incentiva inovações direcionada à criação de novos serviços e consequentemente estimula o crescimento do setor de serviços.
Mesmo questionando que industrialização seja uma fase indispensável do desenvolvimento econômico para as nações que ainda são predominantemente agrícolas, Aghion e seus coautores reconhecem que o processo de industrialização acelera o crescimento e permite convergir mais rapidamente para os padrões de vida ocidentais. Dentre os argumentos que ressaltam a importância da industrialização, os autores destacam:
- A indústria é o setor de atividade que está no coração da cadeia de valor. O desenvolvimento de um setor industrial estimula o crescimento em setores relacionados, tanto a montante como a jusante.
- A industrialização pode gerar a produção de conhecimento através do “aprender fazendo”, o qual então se espalha para a agricultura e para os setores de serviços, promovendo assim o crescimento da economia como um todo. Em particular, o progresso tecnológico industrial leva à modernização da agricultura, ao passo que os avanços tecnológicos na agricultura tem pouco impacto sobre o crescimento da produtividade no setor industrial.
- A industrialização induz um melhor desenvolvimento institucional, favorecendo a expansão de instituições de crédito, a construção de infraestrutura e o estabelecimento de políticas de compras e políticas de promoção das exportações.
- A indústria promove a urbanização, a qual, por sua vez, induz um crescimento mais rápido baseado na inovação e no catch-up. Em particular, a urbanização permite aproveitar as economias de escala na criação de novas infraestruturas e novas instituições; também permite que os atores econômicos interajam mais intensamente, favorecendo a troca de ideias e o surgimento de novas ideias.
- As exportações dos produtos industriais são uma alavanca poderosa de crescimento porque a demanda externa motiva as empresas domésticas a crescer.
Há abundantes evidências empíricas que sustentam a importância da industrialização como um fator de crescimento e desenvolvimento. Em primeiro lugar, todos os países desenvolvidos passaram pela etapa de industrialização. Além disso, há os exemplos dos dragões do Sudeste asiático (Cingapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan) e, mais recentemente, dos tigres asiáticos (Malásia, Tailândia, Indonésia e Filipinas). E a experiência da China fornece outro importante exemplo: sua decolagem econômica desde o final da década de 1970 coincidiu estritamente com seu desenvolvimento industrial.
Porém, a experiência recente da Índia levou Aghion e seus coautores a considerar que o setor de serviços também constitui uma alavanca potencial de crescimento e desenvolvimento econômico. Segundo eles, algumas evidências empíricas sugerem que desenvolvimento atual da Índia depende mais do setor de serviços do que da indústria. O aumento do PIB per capita da Índia coincidiu com a estagnação da participação da indústria no emprego total e um aumento significativo na participação dos serviços. Nos distritos indianos mais ricos (PIB per capita mais alto), que em 1987 eram dominados pela agricultura, o setor de serviço aparece como principal empregador em 2011.
Na opinião dos autores, a Índia fornece um contraexemplo de um modelo alternativo de desenvolvimento baseado em serviços. O futuro nos dirá se esse modelo alternativo, com o benefício do comércio globalizado, da revolução digital e da inovação em serviços, será realmente bem-sucedido.
Se essa conclusão for confirmada por outras análises empíricas será uma boa notícia para as nações pobres predominantemente agrícolas que desejam se desenvolver sem necessariamente atravessar uma fase intensiva de industrialização. E também para o meio-ambiente, dado o impacto do aumento da industrialização no aquecimento global. De acordo com os autores, permitir que nações ou continentes pulem a fase de industrialização em massa será, sem dúvida, uma forma eficaz de reconciliar o crescimento e a proteção do meio ambiente em escala global.
Concorrência, Inovação e Crescimento
Sob o prisma da destruição criativa, os autores exploram as relações entre concorrência, inovação e crescimento e extraem conclusões que são relevantes para as políticas públicas.
Os primeiros modelos de crescimento schumpeteriano previam que a concorrência teria um impacto negativo sobre a inovação e o crescimento. Como um dos princípios centrais do paradigma da destruição criativa é que os investimentos empresariais em inovação são motivados pela perspectiva de rendas monopolistas que recompensam a inovação, parecia, portanto, lógico que qualquer coisa que pudesse diminuir as receitas da inovação e, em particular, o aumento da concorrência no mercado do produto, reduziria o incentivo à inovação.
Porém, diversos estudos empíricos realizadas na década de 1990 indicavam uma correlação positiva entre a intensidade da concorrência e a taxa de crescimento da produtividade. Ou seja, uma concorrência mais intensa em um determinado setor estava associada a uma atividade de inovação mais intensa e a um maior crescimento da produtividade no setor.
A previsão de uma relação negativa entre concorrência e crescimento no modelo schumpeteriano básico era resultado, segundo os autores, da premissa restritiva de que a inovação era exclusividade das empresas recém-chegadas. Como no modelo as empresas que inovam vão de lucro zero antes da inovação para lucros positivos pós-inovação, o aumento da concorrência reduz os lucros pós-inovação, diminuindo também o incentivo para inovar.
Na realidade, como ressaltam os autores, existem dois tipos de empresas presentes na economia e elas reagem de forma diferente à concorrência. Por um lado, existem empresas que estão próximas da fronteira tecnológica em seus setores, ou seja, sua produtividade está próxima do nível máximo de produtividade do setor. Essas empresas são ativas e obtêm lucros substanciais antes mesmo de inovar. E, por outro lado, há empresas distantes da fronteira tecnológica, ou seja, sua produtividade está bem abaixo da produtividade máxima do setor. Essas têm lucro baixo ou nulo e buscam inovar para alcançar a fronteira tecnológica.
A revisão do modelo, incorporando a inovação por empresas estabelecidas e a distinção entre empresas fronteiriças e não fronteiriças, levou os autores a prever que empresas próximas à fronteira tecnológica inovam mais para escapar da concorrência. Já as empresas retardatárias que estão longe da fronteira tecnológica serão desencorajadas pela concorrência, tal como no modelo schumpeteriano básico, no qual apenas os novos entrantes inovam.
Ou seja, uma maior intensidade da concorrência teria um efeito positivo sobre a inovação para as empresas que estão próximas da fronteira tecnológica (efeito escape da concorrência) e um efeito negativo para as empresas retardatárias (efeito desestímulo).
Quando a concorrência é inicialmente fraca, as empresas longe da fronteira têm um forte incentivo para inovar e alcançar a fronteira tecnológica, porque seus lucros aumentarão significativamente se eliminarem o atraso. Portanto, a maioria das empresas que estão inicialmente longe da fronteira rapidamente se tornará empresas fronteiriças, com efeito positivo sobre a inovação.
Quando a concorrência é inicialmente forte, as empresas fronteiriças são estimuladas a inovar para superar suas rivais para escapar da concorrência, fazendo avançar rapidamente a fronteira tecnológica e deixando a maioria das empresas para trás. Porém, a intensificação da concorrência terá um efeito negativo sobre a inovação em toda a economia, uma vez que o efeito desestímulo será predominante na média.
Para um país como todo, quanto mais próximo estiver da fronteira tecnológica - ou seja, quanto mais próxima sua produtividade agregada estiver da produtividade do país mais produtivo do mundo (atualmente os Estados Unidos) mais a concorrência impulsionará a inovação e o crescimento do país.
As previsões da teoria confirmadas pela análise empírica sugerem que os países deveriam adotar mais políticas de pró-concorrência à medida que se tornam mais desenvolvidos. Contudo, na prática, as coisas não acontecem dessa maneira, como comprova a experiência de diversos países em desenvolvimento, que se veem presos na armadilha da renda média, ficando no meio do percurso da convergência para o padrão de vida dos países com economias avançadas, ao falhar.
Na opinião dos autores, para escapar da armadilha da renda média, os países em desenvolvimento deveriam adotar uma estratégia de crescimento alicerçada na inovação, que viabiliza a produção de maior valor agregado e se abrir para a concorrência internacional.
Nesses países, onde a maioria das empresas está muito abaixo da fronteira tecnológica, o catching up tecnológico mediante imitação é inicialmente a principal fonte de crescimento impulsionado por inovação. Porém, uma vez que as empresas superaram o atraso e se aproximaram da fronteira tecnológica, é necessário adaptar as instituições e adotar políticas que favoreçam a inovação na fronteira tecnológica, as quais se apoiam fortemente no conhecimento gerado na pesquisa básica e na educação de pós-graduação.
Segundo os autores, a atitude anticompetitiva das grandes empresas estabelecidas em certos países em desenvolvimento, sobretudo os de economia emergentes, explica, pelo menos em parte, a incapacidade desses países em convergir para os níveis de renda das nações desenvolvidas. De modo geral, as empresas que prosperam na fase do catching up, resistem às políticas de em prol da inovação de ponta, que contrariam os seus interesses.
Além de bloquear a emergência de novos concorrentes, as empresas incumbentes também resistem à adoção de políticas públicas voltadas para a abertura da economia à concorrência, usando parte de sua riqueza acumulada para pressionar políticos e juízes com vistas a impedir reformas bem como a introdução e implementação de novas regras pró-competitivas. No entanto, essas são as políticas que permitiriam a esses países passar de um crescimento impulsionado pela inovação via imitação para o crescimento impulsionado pela inovação na fronteira tecnológica.
Outra constatação realizada pelos autores como desdobramento da extensão do modelo schumpeteriano é que, não obstante uma visão bastante difundida de que há conflito entre a política antitruste, de um lado, e as patentes, de outro lado, existe, de fato, uma clara complementariedade entre concorrência e proteção ao direito de propriedade.
Uma proteção maior da propriedade intelectual, ao elevar a renda da inovação, estimulará a empresa na fronteira tecnológica a inovar na presença de uma concorrência também mais forte. Por essa razão, é importante simultaneamente proteger os direitos de PI sobre inovação e salvaguardar a concorrência.
Os autores defendem, assim, a ideia de que o capitalismo deve recompensar a inovação, mas deve ser regulamentado para evitar que as rendas da inovação sejam utilizadas para sufocar concorrência e, assim, prejudiquem a inovação futura e consequentemente o crescimento.
Os autores ressaltam que diversos indicadores sugerem um afrouxamento da política antitruste norte-americana nas últimas duas décadas. Além da escalada do lobby empresarial, ocorreu a emergência de empresas “superestrelas”, com destaque para Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft.
Observa-se ainda um aumento tanto da concentração, medida pela participação nas vendas ou no emprego das maiores empresas, em todos os setores da economia norte-americana, como da margem de lucro média das corporações. Na avaliação dos autores, esses desenvolvimentos podem explicar a declínio do crescimento da produtividade nos Estados Unidos, a despeito dos avanços das tecnologias de informação, bem como do uso da automação e da inteligência artificial em uma parcela cada vez maior de atividades.
Pesquisas empíricas recentes realizadas pelos autores para os Estados Unidos mostram que nos setores que produzem ou usam intensamente TI, houve aumento repentino e subsequente declínio no crescimento da produtividade, ambos mais fortes do que em outros setores.
Outra evidência encontrada foi que a participação do trabalho na renda diminuiu de forma mais proeminente nos setores que produzem ou fazem uso intensivo de TI. Tal declínio reflete um efeito de composição: a saber, as empresas “superestrelas”, que normalmente têm uma parcela menor do trabalho em relação à renda que geram, adquiriram um peso maior na economia ao longo do tempo.
Embora seja inegável que a revolução da TI gerou ganhos de produtividade, não só na produção de bens e serviços, mas também na produção de ideias, esses ganhos não aparecem nas estatísticas. Há uma clara divergência entre a taxa de inovação de um lado e a taxa de crescimento da produtividade, de outro.
O problema da medição do crescimento é inerente ao método de cálculo do PIB, bem adaptado a economias onde a produção de bens físicos é dominante, mas menos eficaz em refletir a crescente importância e variedade de serviços em uma economia digital.
Além da natureza intangível de muitos serviços digitais tornar difícil associar uma atividade particular a um território específico, as estratégias de arbitragem tributária adotada por grandes empresas do setor, tais como Facebook, Amazon, Microsoft, Apple, Netflix e Google, têm impacto direto sobre o PIB.
A explicação para a desaceleração do crescimento da produtividade não reside, contudo, na dificuldade em medir a atividade digital, em particular as melhorias na qualidade dos computadores e softwares, os investimentos intangíveis e o acesso à internet e desenvolvimento do e-commerce. De acordo com os autores, o paradigma da destruição criativa permite entender que isso ocorre porque o ambiente político-institucional dos países desenvolvidos não inibiu o surgimento de corporações gigantes (superestrelas), que conseguem adquirir ou eliminar seus concorrentes potenciais e desestimular a entrada de novas empresas.
Em particular, no contexto da revolução da TI, as políticas favoráveis a fusões e aquisições ajudam as superestrelas a crescer e controlar cada vez mais linhas de produto e setores. Como as empresas superstars são mais eficientes do que as outras, a extensão do escopo de suas atividades resulta em maior lucratividade, a qual, por sua vez, será utilizada na ampliação do escopo de suas atividades em detrimento de outras empresas.
No curto prazo, as fusões e aquisições estimulam o crescimento, ao permitir que empresas superestrelas controlem uma fração maior de setores da economia. Porém, no longo prazo, impedem tanto a inovação quanto o crescimento, porque, como as superestrelas controlam um número cada vez maior de linhas de produtos, as demais empresas são cada vez mais desencorajadas a inovar.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde se observa perda de dinamismo empresarial desde o início da década de 2000, pesquisas empíricas mostram maior concentração em diversos setores da economia, o que em si não é um problema naqueles mercados que são contestáveis, e diminuição da participação da mão de obra na renda. As pesquisas empíricas mostram igualmente o aumento tanto das margens de lucro como da diferença de produtividade entre empresas “líderes” e empresas “retardatárias” nos diferentes setores.
Além disso, as empresas que se tornaram líderes em um determinado setor, são aquelas, que já tendo acumulado a maioria das patentes, continuam a registrar a maioria das patentes. As empresas-líderes também adquirem o maior número de patentes com fins defensivos, ou seja, para desencorajar novas inovações por parte de potenciais entrantes em seus respectivos setores. Na medida em que desestimulam a inovação e a entrada de novas empresas inovadoras, essas empresas superstars contribuem para o declínio do crescimento da produtividade.
Para os autores, é imperativo repensar a política de concorrência e, em particular, a política antitruste que regule fusões e aquisições, para que as revoluções tecnológicas, como TI e inteligência artificial, aumentem o crescimento tanto no curto quanto no longo prazo. Enquanto a política de concorrência não levar a inovação em consideração, as revoluções da TI e da inteligência artificial impedirão a inovação e o crescimento, em vez de estimulá-los.
Tanto nos Estados Unidos como também na Europa, as regulamentações antitruste, que se baseiam em uma noção estática da concorrência em termos de participação no mercado relevante, negligenciam as implicações dinâmicas da concentração de mercado, tal como o surgimento das “superestrelas”.
As autoridades antitruste não avaliam até que ponto uma fusão poderia desencorajar a entrada de novas empresas inovadoras, desencorajar o investimento em P&D por parte dos competidores ou ameaçar a concorrência em mercados recém-criados. Para os autores, uma política de concorrência que leve em consideração a inovação, não apenas estimulará o crescimento como também aumentará a mobilidade social.
Aghion e seus coautores defendem, ainda, a ideia de que a concorrência não é incompatível com uma política industrial bem desenhada. Estudos empíricos mostram que os investimentos públicos voltados para setores estratégicos intensivos em qualificação e/ou setores mais competitivos são eficazes para estimular o crescimento da produtividade.
Nesse sentido, recomendem que os formuladores de políticas abordem inicialmente as prioridades econômicas e sociais do país, como o combate às mudanças climáticas e o desenvolvimento de energias renováveis, saúde e defesa. E na sequência se concentrem em setores que operem com alto grau de concorrência ou utilizem mão de obra altamente qualificada. Porém, é preciso evitar que a concessão de subsídios às empresas incumbentes impeça novos participantes potenciais, conciliando tanto quanto possível a política industrial e a política de concorrência de modo a favorecer o crescimento impulsionado pela inovação de ponta.
Crescimento e Desigualdade
De acordo com os autores, a desigualdade pode ser medida em termos da renda geral por meio do Coeficiente de Gini, que varia de 0 (equidade perfeita) a 1 (concentração absoluta), ou em termos da parcela da renda total que vai para o 1% do topo da distribuição. Uma terceira forma de medir a desigualdade é a correlação entre a renda dos pais e a renda de seus filhos, que reflete a ausência de mobilidade social. Essa é uma medida dinâmica de desigualdade.
Nas últimas décadas, a desigualdade de renda aumentou rapidamente nos países desenvolvidos, especialmente no topo da escala de renda. Nos Estados Unidos, por exemplo, a participação do “1%” mais ricos na renda total subiu drasticamente desde a década de 1980.
Dados para diversos países da OCDE mostram que os países como menor desigualdade geral medida pelo coeficiente de Gini são aqueles que apresentam a menor desigualdade dinâmica, ou seja, maior mobilidade social. Esse é o caso dos países escandinavos. Em contraste, os países anglo-saxões (Estados Unidos e Reino Unido) têm as maiores desigualdades geral e dinâmica e, portanto, a maior desigualdade de renda geral e a menor mobilidade social.
Estudo realizado com corte geográfico para os Estados Unidos também constatou que áreas com maior mobilidade social apresentam menor desigualdade de renda, seja em termos da renda geral, como da parcela da renda que vai para o 1% do topo. As áreas onde a participação do 1% do topo da renda é a mais alta geralmente situam-se em estados como Califórnia, Connecticut e Massachusetts, os quais são particularmente inovadores. Essa constatação conduziu os autores a considerar a inovação como possível determinante da desigualdade e da mobilidade social.
Pela ótica da destruição criativa, os autores veem a inovação como uma fonte virtuosa de enriquecimento e de desigualdade no topo da distribuição de renda. Motor de crescimento nas economias desenvolvidas, a inovação tem efeitos positivos inegáveis: estimula o crescimento, se correlaciona positivamente com a mobilidade social e não afeta significativamente o coeficiente de Gini.
O crescimento conduzido pela inovação sob o paradigma da destruição criativa tem implicações na relação entre crescimento e desigualdade. O paradigma da destruição criativa prevê que a inovação leva ao aumento da desigualdade no topo da escala de renda.
A inovação surge da atividade empreendedora que é motivada pela perspectiva de rendas de inovação. Essas rendas dependem do ambiente institucional e, em particular, do grau de proteção dos direitos de propriedade intelectual. As rendas de inovação aumentam as chances de um inovador subir a escada da renda e se juntar ao 1% do topo, como comprovam os fundadores da Microsoft, Apple e Skype, entre outros.
De maneira mais geral, toda inovação permite que a empresa inovadora aumente a qualidade de sua produção em comparação com seus concorrentes existentes ou potenciais. Isso, por sua vez, permite que o inovador expanda seu mercado e, portanto, seus lucros. A inovação também permite que o inovador reduza custos, em particular os custos unitários de trabalho. Isso aumenta ainda mais os lucros do inovador e, portanto, sua renda, em relação aos salários.
As inovações substituem tecnologias mais antigas e, consequentemente, destroem as rendas que recompensavam os inovadores pretéritos. Essas inovações estão intimamente relacionadas aos novos participantes do mercado. A renda dos novos inovadores aumenta, enquanto a das empresas incumbentes diminui.
Assim, no curto prazo, a inovação beneficia quem a gerou ou viabilizou. Porém, no longo prazo, as rendas da inovação se dissipam devido à imitação e à destruição criativa. Em outras palavras, a desigualdade gerada pela inovação é temporária.
Ademais, a inovação cria mobilidade social, ao viabilizar a entrada de novos talentos no mercado e deslocar, total ou parcialmente, as empresas já estabelecidas. A relação positiva entre inovação e mobilidade social não vem apenas do fato de que os inovadores de hoje substituem os inovadores de ontem. A empresa inovadora é ela própria uma alavanca potencial de mobilidade social na medida em que treina e promove seus funcionários, especialmente os menos qualificados.
Estudo recente realizado por Aghion e seus coautores, baseado em dados britânicos para o período de 2004 a 2015, mostra que as empresas inovadoras atuam como uma escada social, sobretudo para os trabalhadores de baixa e média qualificação.
Como pode ser observado no gráfico abaixo, os salários dos trabalhadores menos qualificados aumentam drasticamente com a intensidade de inovação da empresa, mensurada pelo investimento da empresa em P&D, enquanto o salário dos trabalhadores mais qualificados não variam muito com o grau de inovação da empresa empregadora (a curva pontilhada é quase plana).
Embora a inovação aumente a desigualdade no topo da distribuição de renda, existem outras fontes de desigualdade de renda no topo, em particular as barreiras à entrada, o lobby e a corrupção. Diferentemente da inovação que possui diversas virtudes e é fonte de crescimento da produtividade e dinamismo empresarial, as demais causas da desigualdade no topo afetam negativamente o crescimento e contribuem para o aumento da desigualdade geral.
As barreiras de entrada, ao impedir a entrada de novos inovadores, bloqueiam o processo de destruição criativa. Como consequência, também podem reduzir a mobilidade social. E, na medida em que as barreiras de entrada aumentam a parcela que vai para o 1% do topo e reduzem a mobilidade social, é altamente provável que também levem a um aumento da desigualdade geral.
O lobby é outra importante fonte de desigualdade no topo da distribuição de renda. Além disso, o lobby desencoraja a inovação e o crescimento e contribuindo também para o aumento da desigualdade geral. A atividade de lobby movimenta cerca de US$ 3 bilhões por ano nos Estados Unidos e cerca de €1,14 bilhão por ano na Europa.
Estudo empírico sobre relação entre a participação do 1% do topo da receita e a intensidade do lobby nos vários estados norte-americanos durante o período de 1998 a 2008 revelou que a participação do 1% do topo aumenta drasticamente quando o lobby se torna suficientemente intenso.
Esse resultado, segundo os autores, não é surpreendente, pois, em particular, o lobby ajuda as empresas incumbentes não apenas a proteger seu setor da concorrência por meio da introdução de tarifas alfandegárias, mas também a ganhar contratos de compras governamentais, ter acesso mais fácil ao crédito bancário, pagar menos impostos e obter mais subsídios públicos.
Pesquisas mencionadas pelos autores mostram igualmente que, à medida que uma empresa ganha maior poder de mercado e se move em direção ao domínio do mercado, ela concentra seus esforços cada vez menos na inovação e investe cada vez mais recursos nas conexões políticas e no lobby. Ou seja, “os inovadores de ontem muitas vezes se tornam os incumbentes entrincheirados do presente”.
De modo geral, investir em lobby tem efeitos negativos para o crescimento por duas razões: primeira, conforme as empresas estabelecidas crescem, elas investem mais e mais em lobby às custas da inovação e, segunda, o conluio entre empresas e políticos aumenta os custos de entrada no mercado e, portanto, desencoraja a destruição criativa.
Assim, quanto maior a proporção de empresas politicamente conectadas em uma indústria, menos dinâmica é a indústria: menos empresas entram no mercado, menos empresas existentes saem e a idade média das empresas é maior.
Já a corrupção desvia recursos públicos, que poderiam ser utilizados na promoção da inovação por meio do financiamento público da pesquisa e de um sistema educacional eficaz, no investimento em saúde e infraestrutura e em uma política ativa no mercado de trabalho, para satisfazer políticos e grupos de interesses que lhes são próximos.
Estudo empírico realizado por Aghion e coautores, utilizando o índice de corrupção do International Country Risk Guide, analisou a relação entre tributação, crescimento impulsionado pela inovação e o grau de corrupção governamental. O estudo constatou que a relação entre carga tributária e crescimento é negativa nos países com índice de corrupção maior do que a mediana, ao passo que é significativamente positiva nos países cujo índice de corrupção era inferior à mediana.
Por essa razão, os autores propõem que o combate à desigualdade de renda no topo da pirâmide de distribuição separe a inovação de outras fontes de desigualdade. Nesse sentido, sugerem uma política tributária que seja, ao mesmo tempo, redistributiva e fomentadora da inovação e do crescimento. Uma política tributária que desestimule a inovação não só impediria o crescimento, mas também impediria a mobilidade social ao deixar de estimular a destruição criativa.
Em particular, defendem a ideia de que não se deve tratar os inovadores da mesma forma que tratamos os indivíduos ou empresas incumbentes politicamente conectadas. Combater a desigualdade de renda de uma forma que desencoraja a inovação equivale a dar um tiro no próprio pé, reduzindo a mobilidade social com a probabilidade de agravar a desigualdade geral ao mesmo tempo em que reduz o crescimento.
Também sugerem que o Estado deve estimular a mobilidade social. Além de incentivar as empresas a criar bons empregos e a investir na formação profissional de seus funcionários de forma significativa, especialmente para os trabalhadores menos qualificados, os governos devem assegurar a complementaridade entre a política educacional e a política de inovação como alavancas de crescimento e mobilidade social, dado que a probabilidade de um indivíduo se tornar um inovador depende da origem social, da renda, educação e categoria socioprofissional dos pais,
Pesquisas empíricas realizadas mostram que probabilidade de uma pessoa que mora nos Estados Unidos obter uma patente do Escritório Norte-americano de Patentes (USPTO) está correlacionada à renda de seus pais. Quando a renda dos pais é baixa, a probabilidade de inventar é muito baixa e aumenta muito pouco com a renda. Em contraste, a probabilidade de inventar começa a aumentar acentuadamente com a renda dos pais, sobretudo os 20% mais altos da distribuição de renda.
Segundo os autores, a renda dos pais afeta as habilidades do indivíduo desde o início. São as chamadas diferenças herdadas, que se manifestam tanto na aptidão quanto na tendência para seguir uma carreira que envolva inovação.
Além disso, ter pais com renda mais alta ajuda o indivíduo a superar diferentes tipos de barreiras de entrada para se tornar um inovador, tais como barreira financeira, a barreira do conhecimento e a barreira cultural e aspiracional. Essas barreiras limitam o acesso à inovação para indivíduos provenientes de famílias desfavorecidas, mesmo quando possuem altas habilidades intelectuais.
Para enfrentar as disparidades no acesso dos indivíduos a conhecimentos de ponta e ao desenvolvimento de habilidades intelectuais, bem como favorecer atração por carreiras de pesquisa, os autores sugerem uma complementariedade entre política de educação e a política de subsídios de P&D. Ambas as políticas têm, portanto, efeitos positivos complementares sobre a inovação e o crescimento, porque direcionam diferentes segmentos da população para carreiras de pesquisa.
De um lado, como o sistema educacional desempenha um papel importante na equalização de oportunidades, principalmente ao transmitir conhecimento de forma eficaz e inspirar os alunos a se tornarem inovadores no futuro, o investimento público em educação permite que indivíduos talentosos de origens modestas tenham acesso ao ensino superior que lhes dará a chance de se tornarem pesquisadores e inovadores. Por outro lado, a política de subsídios de P&D ao favorecer o aumento dos salários dos pesquisadores motiva os indivíduos qualificados a escolher uma carreira em pesquisa e inovação.
Porém, na avaliação dos autores, quando os governos operam com restrição fiscal, o crescimento impulsionado pela inovação é maximizado com maior investimento público em educação. Em contrapartida, quando os governos dispõem de maiores recursos orçamentários, a política ótima de inovação combinará o investimento público em educação e os subsídios à P&D, sem sacrificar o primeiro em favor do segundo.
Destruição Criativa e Papéis do Estado
Os autores sustentam que a cada uma das três ideias-chaves do paradigma da destruição criativa corresponde a um papel essencial a ser desempenhado pelo Estado.
A primeira ideia-chave do paradigma é que a inovação cumulativa é a fonte primeira de crescimento. Porém, como os empreendedores não internalizam a melhoria no conhecimento coletivo da sociedade associada a suas inovações ou o fato de que os inovadores futuros serão capazes de construir sobre esse conhecimento, a tendência é que haja subinvestimento em inovação. Tendência que é exacerbada pela existência de restrições de crédito.
Para resolver essa falha de mercado, o Estado precisa investir em educação e em ciência, bem como incentivar as inovações empresariais, seja mediante financiamento, seja por meio de incentivos fiscais, que podem assumir a forma de deduções fiscais que reduzem o lucro tributável ou pode assumir a forma de crédito fiscal. Além disso, o Estado pode contribuir para o financiamento de atividades inovadoras por parte das empresas também por meio de contratos de aquisição e, de forma mais geral, por meio de sua política industrial, coordenando recursos e atores em setores estratégicos.
As universidades públicas e as agências governamentais de pesquisa são importantes alavancas de inovação, dado que a inovação não se apoia apenas em inovações anteriores, mas também e sobretudo na pesquisa básica, que não obedece à lógica e aos incentivos da P&D nas empresas. A pesquisa básica avança em grande parte graças à comunicação aberta entre os pesquisadores e ao fato de que os pesquisadores podem elaborar projetos livremente com base nas pesquisas anteriores de seus colegas.
A pesquisa básica é realizada principalmente nas universidades, onde a liberdade acadêmica é a regra, enquanto a pesquisa aplicada e a inovação comercial ocorrem principalmente nas empresas. A ação do governo é, portanto, igualmente essencial para viabilizar a transição da pesquisa básica para a pesquisa aplicada, sobretudo, no caso das inovações disruptivas, bem como para acelerar o desenvolvimento de setores estratégicos onde os custos fixos iniciais de entrada são altos.
A segunda ideia-chave do paradigma é que a inovação é motivada pela perspectiva de rendas monopolistas como recompensa pela inovação. Esse princípio sugere um segundo papel para o Estado como protetor dos direitos de propriedade nas inovações. Como já mencionado, quanto mais efetiva é a proteção da PI, mais as empresas inovadoras se sentem motivadas a investir em P&D e a inovar.
Contudo, os autores ressaltam que as patentes podem se tornar contraproducentes se forem usadas em excesso no estágio de pesquisa básica. Patentes no estágio de pesquisa básica podem obstruir novas inovações potenciais, ao impor custos financeiros e administrativos elevados à pesquisa aplicada. Por essa razão, as inovações comerciais mais inovadoras têm maior probabilidade de surgir em ambientes institucionais mais livres, que promovam a circulação de um fluxo maior de novas ideias em pesquisa básica.
A terceira ideia-chave do paradigma da destruição criativa é que cada nova inovação destrói as rendas geradas por inovações anteriores. A destruição criativa implica que qualquer nova inovação terá a resistência das empresas incumbentes, que desejam proteger seus lucros a todo custo. Essas empresas podem se beneficiar do apoio de seus empregados que temem ficar desempregados em consequência da destruição das atividades existentes. Em resposta a essa aliança objetiva contra a inovação, Aghion e seus coautores argumentam que o Estado tem um duplo papel a desempenhar.
De um lado, como visto acima, para evitar que as empresas incumbentes utilizem seu poder econômico e financeiro para bloquear a entrada de novas empresas inovadoras, o Estado deve atuar, por meio da política de concorrência e das políticas destinadas a regulamentar o lobby e combater a corrupção, de modo a preservar a concorrência e a livre entrada de novos inovadores no mercado de bens e serviços. Políticas destinadas a regulamentar o lobby e combater a corrupção estimulam a inovação. Segundo os autores, as análises empíricas mostram que a redução da corrupção facilita a entrada de novas empresas e novas tecnologias no mercado, o que, por sua vez, induz as empresas estabelecidas a inovar mais para sobreviver à competição das novas empresas.
De outro lado, o Estado deve proteger os trabalhadores contra as consequências potencialmente adversas da perda do emprego em razão da destruição criativa. A destruição criativa elimina empregos existentes ao mesmo tempo em que cria novos, forçando os indivíduos a reavaliar seus caminhos profissionais continuamente. Essa maior mobilidade que a inovação impõe às atividades e aos trabalhadores conduz, muitas vezes, à insegurança e ao desemprego, sobretudo, porque a inovação ao tornar obsoletas qualificações e habilidade, gerando perda de status dentro da empresa.
Dependendo do ambiente institucional do país, e em particular da ausência de sistemas de proteção social, o resultado da destruição criativa na vida real dos indivíduos é o comprometimento da saúde e bem-estar daqueles trabalhadores que não conseguem se recolocar rapidamente no mercado de trabalho, bem como dos trabalhadores mais velhos que enfrentam perda de status, com consequente impacto nas relações familiares.
Para romper o círculo vicioso entre o desemprego e o risco para a saúde e permitir aos indivíduos atravessar períodos de desemprego com maior serenidade, em ambientes institucionais com fraca ou ausente proteção social, Aghion e seus coautores defendem o sistema denominado “flexigurança”, que foi introduzido em 1993 na Dinamarca para regular seu mercado de trabalho. Este sistema se baseia dois pilares.
O primeiro é a flexibilização das regras e procedimentos para a demissão dos trabalhadores pelas empresas. O segundo pilar é composto de duas formas de proteção aos trabalhadores: seguro-desemprego igual a 90% do salário (sujeito a um teto) por um período máximo de três anos, e um investimento governamental maciço em treinamento profissional ao longo da vida para dar aos trabalhadores as habilidades de que precisam para reingressar rapidamente ao mercado de trabalho.
De acordo com os autores, o modelo dinamarquês de “flexigurança” apresenta uma dupla vantagem. De um lado, reduz a rigidez do mercado de trabalho, rigidez esta que pode dificultar o processo de destruição criativa. De outro lado, garante aos indivíduos alguma segurança na sua trajetória profissional e permite-lhes gerir os períodos de desemprego com maior serenidade, perda mínima de rendimentos e perspectiva de um rápido regresso ao emprego. Para o trabalhador, “flexigurança” significa passar da “segurança do trabalho” para a “segurança do emprego” ou “empregabilidade”, facilitando as transições profissionais que se tornaram mais frequentes devido à inovação.
Na avaliação dos autores, a tributação constitui uma ferramenta indispensável para estimular o crescimento e torná-lo mais inclusivo. Além de permitir que o Estado invista em alavancas de crescimento, como educação, saúde, pesquisa e infraestrutura, a tributação permite que o Estado redistribua a riqueza e proteja o bem-estar dos indivíduos contra idiossincráticos riscos (perda de emprego, doença e obsolescência de habilidades) e riscos macroeconômicos (guerra, crises financeiras e pandemias). Porém, essa ferramenta deve ser utilizada com prudência, pois a tributação excessiva pode desestimular a inovação e, consequentemente, inibir o crescimento.
Os autores também consideram que o Estado tem um importante papel na proteção do meio ambiente, agindo para redirecionar, por meios de incentivos, a inovação para tecnologias verdes. A intervenção estatal se justifica tanto pela existência uma externalidade ambiental associada à produção de bens poluentes e às emissões de CO2 que essa produção acarreta, como pelo fenômeno, já assinalado, da dependência de trajetória, que levam as empresas que decidem a inovar em tecnologias poluentes no presente, a continuarem a inovar em tecnologias poluentes no futuro.
Em razão da dependência do caminho, as empresas não escolhem espontaneamente as inovações verdes, definidas como novos produtos, processos ou métodos que, ao longo de seus ciclos de vida, reduzem os riscos ambientais, a poluição e os impactos negativos do consumo de recursos. A intervenção governamental é necessária para incentivar essas empresas a redirecionar sua atividade inovadora de tecnologias poluentes para tecnologias verdes.
A inovação é a chave para o crescimento ambientalmente sustentável. Somente a inovação tem o potencial de melhorar a qualidade de vida, usando cada vez menos recursos naturais, emitindo cada vez menos dióxido de carbono e descobrindo novas e mais limpas fontes de energia.
Segundo os autores, os governos podem influenciar a decisão de inovações das empresas mediante a utilização de dois instrumentos de política econômica: imposto sobre o carbono e subsídios à inovação verde.
O imposto sobre carbono desestimularia a inovação poluidora, enquanto o subsídio à inovação verde incentivaria as empresas a lidar com a dependência de trajetória, redirecionando a pesquisa para as tecnologias e métodos verdes. Ambos os instrumentos ajudariam de forma efetiva no combate ao aquecimento global.
Porém, para evitar a arbitragem das empresas entre países que adotam políticas de combate à poluição e aqueles que não adotam, que resultaria em maior deterioração ambiental no curto prazo e em atraso ou mesmo impedimento do redirecionamento da mudança técnica para a inovação verde, os autores defendem que os países adotem políticas conjuntas com o objetivo de disseminar tecnologias verdes e subsidiar sua adaptação pelos países menos desenvolvidos. Essas políticas devem incluir, igualmente, tarifas de carbono aplicáveis a países que, apesar de terem acesso a tecnologias verdes, optam por se tornar paraísos poluidores.
Não obstante o papel essencial que exerce no processo de crescimento por destruição criativa, os autores defendem a ideia de que o Estado deve ter seu poder limitado mediante a adoção de freios e contrapesos, em particular pela ação do Judiciário, da mídia e da sociedade civil organizada, como sindicatos e organizações não-governamentais. O monitoramento do governo limita o escopo de conluio entre funcionários públicos e empresas estabelecidas que buscam preservar suas rendas de inovação.
De acordo com Aghion e seus coautores, da mesma forma que existe um nível ótimo de concorrência que estimulará a inovação e o crescimento, existe um nível ótimo de Poder Executivo.
Se o Executivo for muito fraco pode paralisar a capacidade do Estado de realizar reformas e realizar grandes investimento. Porém, um Executivo excessivamente forte pode derivar para a autocracia, gerando corrupção em detrimento da inovação e, assim, enfraquecendo a prosperidade de uma nação se o executivo muito forte pode dar origem a uma “democracia iliberal” ou à autocracia. Assim, a combinação ideal para estimular a inovação e a destruição criativa depende de um equilíbrio entre os mercados, o Estado e a sociedade civil.
A sociedade civil tem, igualmente, um papel-chave a desempenhar em prol da proteção do meio-ambiente, tanto no sentido de exigir dos governos a adoção de medidas efetivas de combate à poluição e deterioração ambiental, como, de influenciar, enquanto consumidores, as decisões das empresas. Os autores destacam que, em países onde os consumidores estão realmente preocupados com o meio ambiente, o acirramento da concorrência no mercado automotivo levou os fabricantes a inovar mais em tecnologias verdes, como os veículos elétricos.
Conclusões
Philippe Aghion e seus coautores reconhecem que o capitalismo, especialmente quando não regulamentado, acarreta uma série de consequências adversas: exacerba a desigualdade; gera precarização do emprego; permite ação de lobby pelas empresas estabelecidas para bloquear a entrada de novas empresas inovadoras; agrava o aquecimento global e as mudanças climáticas; induz crises financeiras que geram recessões severas como as de 1929 e 2008.
Porém, consideram que é possível reformar o capitalismo de modo a torná-lo melhor regulado, mais inclusivo, mais protetor dos cidadãos e um melhor guardião do meio ambiente. Nesse sentido, defendem a combinação de características das diferentes formas de capitalismo existente nas nações desenvolvidas, de modo a:
- Assegurar a ação plena da destruição criativa, realizando reformas que favoreçam as inovações e viabilizem o crescimento sustentado de longo prazo impulsionado pelas inovações na fronteira tecnológica, e
- Proporcionar, ao mesmo tempo, aos seus cidadãos maior igualdade e segurança contra o risco de desemprego e de obsolescência do conhecimento e habilidades profissionais e melhores serviços públicos e sociais.
Promover a entrada de novas empresas inovadoras e inspirar os jovens a seguirem carreiras de pesquisa estimulam a inovação e o crescimento e, ao mesmo tempo, tornam esse crescimento mais inclusivo. Um sistema de “flexigurança” bem projetado protege os indivíduos contra as consequências negativas da perda de emprego e, ao mesmo tempo, os motiva a adquirir habilidades que os preparem para um novo emprego. A consequência é uma proteção mais forte dos indivíduos sem impedir o processo de destruição criativa.