Carta IEDI
Outros obstáculos
Com o avanço da vacinação contra a Covid-19 e sua eficácia frente às ondas de contágio por novas variantes, neste início de 2022 os efeitos diretos da pandemia sobre o nível de atividade econômica se amenizaram, dando consistência à normalização de empresas e setores. Outros obstáculos, contudo, surgiram e não devem sair de tela muito rapidamente.
São os casos da forte aceleração da inflação, que acabou ensejando elevação dos patamares de taxas de juros no país, do grande desemprego e, mesmo entre os ocupados, de muita subutilização por insuficiência de horas trabalhadas, e da renovação dos gargalos das cadeias produtivas com a guerra na Ucrânia e novos focos de Covid-19 na China.
Com isso, o poder de compra da população foi restringido, retirando fôlego da retomada do consumo das famílias, que representa algo como 60% do PIB do país. Em relação à situação de um ano atrás, este movimento tem prejudicado sobretudo o consumo e a produção de bens. Os serviços, mais demandados por famílias de maior renda e pelas empresas, preservam certo dinamismo, ajudados por bases de comparação muito baixas em alguns de seus ramos.
Assim, no primeiro bimestre de 2022, a indústria, embora tenha crescido +0,7% na passagem de jan/22 para fev/22 com ajuste sazonal, acumula declínio de -5,8% em comparação com o 1º bim/21. É uma queda de mesma intensidade que a do último trimestre do ano passado, sinalizando nenhum progresso recente. Já no comércio varejista, o resultado é de -0,6% em jan-fev/22, considerado em seu conceito amplo, que inclui as vendas de veículos, autopeças e material de construção.
Apenas o setor de serviços se saiu bem em comparação com o início do ano passado, acumulando alta de +8,5% em seu faturamento real no período de jan-fev/22, sem grande arrefecimento diante do resultado do 3º trim/21 (+9,4%). A depender de serviços prestados às famílias e do transporte aéreo, muito distantes do pré-pandemia, ainda há espaço para o setor crescer mais.
No caso da indústria, a dificuldade de se obter partes e peças segue prejudicando um desempenho superior. Bens de consumo duráveis, cujo processo produtivo envolve a utilização de um número elevado de componentes, muitos deles importados, tende a sofrer mais. Tanto é que o setor acumula queda de -21,6% no 1º bim/22 e está 26,2% aquém do pré-pandemia (fev/20).
Ao todo, 73% dos ramos industriais e 60% dos parques regionais do setor ficaram no vermelho em jan-fev/22 frente ao mesmo período do ano passado. Dos 9 parques industriais regionais que ficaram no negativo no 1º bim/22, 6 apontam para quedas mais intensas do que no último quarto de 2021, como Pará, Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, só para citar alguns exemplos. A indústria paulista não pertence a este grupo, mas a atenuação de sua queda foi pequena e se saiu pior do que o total nacional.
Já o varejo voltou a crescer entre jan/22 e fev/22, permanecendo acima de pré-pandemia, mas também em seu caso há deterioração ao se comparar o quadro atual com o ano anterior. No 1º bim/22 suas vendas reais registraram -0,1% no conceito restrito e de -0,6% em seu conceito ampliado.
Dos 10 ramos do varejo identificados na pesquisa do IBGE metade ficou no vermelho. Os recuos mais fortes ficaram a cargo de móveis e eletrodomésticos (-11,9%), material de construção (-8%) e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-7,4%). Destes, apenas material de construção está acima do pré-pandemia.
Nos serviços o bom desempenho contou com a contribuição do reforço nos resultados dos ramos de serviços profissionais, administrativos e complementares (+7,4% ante jan-fev/21), em boa medido devido a atividades de menor qualificação em geral terceirizadas pelas empresas, e de transporte e correios, (+14,5%) que contou com a alta expressiva do transporte aéreo (+47,8%).
Serviços prestados às famílias, a despeito de certa desaceleração no 1º bim/22, com o reforço das bases de comparação, continuaram se expandindo a taxas expressivas em comparação com um ano atrás (+18,5%). Serviços de informação e comunicação (+3,7%) também desaceleraram, mas neste caso já estão 8,6% acima do nível pré-pandemia.
Indústria
Em fevereiro de 2022, a produção da indústria voltou a se expandir, ainda que tenha conseguido compensar muito parcialmente o recuo da entrada do ano. A alta de +0,7% na série com ajuste sazonal decorreu de avanços na atividade de 61,5% de seus ramos e de 73% dos parques regionais do setor, incluindo o Norte, o Nordeste e boa parte das regiões Sul e Sudeste.
Ficaram igualmente no positivo todos os quatro macrossetores, com bens de capital registrando o melhor resultado (+1,9% ante jan/22) e bens de consumo duráveis apresentando a variação mais modesta (+0,5%). Ambos os casos, porém, contaram com a ajuda de bases muito baixas de comparação, dado o forte recuo registrado na entrada do ano.
Apesar desta disseminação de variações positivas, o crescimento segue fraco. Tanto é que frente ao início do ano passado, as quedas persistem: -4,3% em fev/22, embora tenha tido um dia útil a mais do que fev/21, e -5,8% no primeiro bimestre de 2022, com todos os macrossetores no vermelho: -17,6% em bens de consumo duráveis; -5,0% em bens de capital; -4,9% em bens de consumo semi e não duráveis e -2,6% em bens intermediários.
Regionalmente, das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 11 ficaram no azul na passagem de jan/22 para fev/22, já descontados os efeitos sazonais. São Paulo, que comporta o maior e mais completo parque industrial do Brasil, cresceu (+1,1%) mais do que o total nacional, assim como Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Os resultados mais robustos se concentraram no Norte e Nordeste.
Apesar disso, tal como para o agregado da indústria nacional, a reação recente foi módica. Dos 11 parques industriais em alta, apenas 4 chegaram a crescer o suficiente para compensar a queda de jan/22, isto é, 36% dos parques no azul. O destaque foi para o Nordeste como um todo (+5,1% em fev/22 e -1,8% em jan/22), graças a Pernambuco e Bahia. O outro estado nesta situação foi o Pará, que tem passado por grande volatilidade (+23,9% e -15,6%, respectivamente).
Ainda assim, se comparado com um ano atrás, o quadro regional também é desanimador para muitos casos. A produção encolheu em 8 das 15 localidades acompanhadas, isto é, em 53% do total, em fev/22 ante fev/21. No acumulado do primeiro bimestre do ano o saldo é um pouco pior: 60% do total no vermelho.
Dos 9 parques industriais regionais que ficaram no negativo no 1º bim/22, 6 apontam para quedas mais intensas do que no último quarto de 2021. Enquanto o total Brasil teve o mesmo patamar que de queda tanto no 4ª trim/21 como no 1ª bim/22, Pará (-7,5% e -14,5%, respectivamente), Ceará (-13,8% e -20,1%), Minas Gerais (-2,2% e -4,4%) e Rio Grande do Sul (-1,9% e -4,8%), só para citar alguns exemplos, recuaram mais fortemente com a passagem de ano.
A indústria paulista não pertence a este grupo, pois até o momento aponta para uma atenuação de sua queda em comparação com o final do ano passado. No 4ª trim/21 havia registrado -9,5% e no 1º bim/22 declinou -7,3%, sempre frente ao mesmo período do ano anterior. Entretanto, cabe observar que a moderação foi pequena e que São Paulo se saiu pior do que o total nacional (-5,8%) em jan-fev/22.
Entre os ramos que contribuíram para que o declínio da produção industrial de São Paulo fosse menor no 1ª bim/22 estão: alimentos (+0,7% ante jan-fev/21), papel de celulose (+1,4%), derivados de petróleo (+17,8%) e outros equipamentos de transporte (+69,8%).
Já entre as localidades com crescimento acumulado nestes dois primeiros meses do ano, destaca-se Mato Grosso, com alta de +26,5%, decorrente da produção de alimentos (+32,7%) e também de derivados de petróleo e minerais não metálicos. Mas como sua indústria ainda é diminuta, pouco influenciou o total nacional, que caiu -5,8% no período, como mencionamos anteriormente.
Outros parques em expansão foram o Espírito Santo (+3,6% ante jan-fev/21) e Amazonas (+3,4%). No primeiro caso, graças à produção de alimentos (+44,9%), papel e celulose (+2,7%) e metalurgia (+2,6%). No segundo caso, as altas em outros equipamentos de transporte (+36%), borracha e plástico (+25,9%) e bebidas (+8,2%) foram decisivas.
Comércio
As vendas do comércio varejista voltaram a se expandir em fev/22, já descontados os efeitos sazonais e corrigida a inflação. Depois da alta de +2,1% em janeiro, o setor registrou +1,1% no segundo mês do ano em seu conceito restrito. Por sua vez, o varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e material de construção, teve um resultado mais robusto, de +2%, após meses de virtual estabilidade.
Além de persistente neste início de ano, o sinal positivo também se mostrou espalhado pelos diferentes ramos do varejo. Das 10 atividade acompanhadas pelo IBGE, 9 acusaram crescimento na passagem de jan/22 para fev/22 com ajuste sazonal. A única exceção foi o ramo de produtos farmacêuticos, médicos e de perfumaria, mas que apenas devolveu em fev/22 (-4,1%) uma parte do forte aumento do mês anterior (+9,3%).
Assim, o varejo segue acima dos níveis de vendas pré-pandemia. Em seu conceito restrito encontra-se em patamar 1,2% superior a fev/20 e em seu conceito ampliado 0,8% acima desta marca. Entretanto, em relação à situação do setor no ano passado, a performance é inferior, o que sinaliza dificuldades para dar continuidade a uma trajetória mais favorável.
O resultado das vendas reais do 1º bim/22 foi de -0,1% no varejo restrito e de -0,6% no varejo ampliado em comparação com o mesmo bimestre de 2021. E só não foram quedas mais intensas porque houve crescimento em fev/22 ante fev/21, depois de seis meses de retrocesso.
Fev/22 teve um dia útil a mais e a cobertura vacinal contra a Covid-19 progrediu muito em relação a fev/21, o que pode ter ajudado na alta das vendas. Mas ainda é cedo para saber se este é o início de uma nova fase de expansão, especialmente diante do desemprego ainda elevado e da inflação que corre a um ritmo acelerado.
Os preços em elevação retêm o desempenho do volume das vendas no varejo. Um dado que ilustra a magnitude do descompasso é que quando se desconta a inflação das vendas o resultado do setor não passa de -0,1% no 1º bim/22, como visto anteriormente, mas para a receita nominal derivada destas vendas, isto é, considerada variação dos preços, há um avanço de +12,6% (-0,6% e +13,2%, respectivamente, no caso do varejo ampliado).
Ainda na comparação de jan-fev/22 frente ao mesmo período do ano passado, mas agora considerando apenas os dados corrigidos pela inflação, dos 10 ramos do varejo identificados na pesquisa do IBGE metade ficou no vermelho. Os recuos mais fortes ficaram a cargo de móveis e eletrodomésticos (-11,9%), material de construção (-8%) e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-7,4%). Destes, apenas material de construção está acima do pré-pandemia.
Já na metade positiva, destacam-se livros, jornais, revista e papelaria (+21%) e produtos farmacêuticos, médicos, perfumaria e cosméticos (+11,9%). Ambos os casos foram favorecidos pelo avanço da vacinação e retorno à sociabilidade.
No primeiro deles o retorno às aulas presenciais favoreceu as compras de livros didáticos e material escolar. No segundo ramo, jogaram a favor das vendas a retomada de tratamentos que haviam sido prejudicados por medo de contágio pela Covid-19 e o maior contato físico e interação entre as pessoas, que favorecem o aparecimento de viroses e outras doenças contagiosas que não a Covid-19.
Serviços
O setor de serviços, a seu turno, perdeu faturamento real novamente em fev/22, dando continuidade ao movimento desfavorável da entrada do ano. Segundo os dados do IBGE, a variação frente a jan/22 foi de -0,2%, já descontados os efeitos sazonais. Na origem disso estiveram a estagnação dos serviços às famílias e a queda registrada em informação e comunicação e outros serviços.
Na passagem de jan/22 para fev/22, dois dos cinco segmentos de serviços identificados pelo IBGE reforçaram seu crescimento: serviços profissionais, administrativos e complementares (+1,4% com ajuste) e transportes, armazenagem e correios (+2,0%), enquanto outros três perderam dinamismo.
Os serviços prestados às famílias, prejudicados pelo encolhimento do poder de compra da população decorrente da inflação e do desemprego, variaram +0,1% em fev/22 depois de uma queda de -1,0% em jan/22.
Já os serviços de informação e comunicação estão no vermelho há três meses: -0,1% em dez/21, -3,6% em jan/22 e -1,2% em fev/22, na série com ajuste sazonal. O segmento de outros serviços, que reúne um conjunto diversificado de atividades, declinou, por sua vez, -0,4% em jan/22 e -0,9% em fev/22.
A despeito destas involuções recentes, o agregado do setor segue acima do patamar de faturamento pré-pandemia, isto é, de fev/20 (+5,4%), assim como três de seus cinco ramos. As exceções são serviços prestados às famílias (-14,1%) e outros serviços (-0,4%).
Como o setor demorou mais para reagir com maior vigor, em função do quadro sanitário, que só após a ampliação da cobertura vacinal foi se mostrando resiliente às novas ondas de contágio de Covid-19, o desempenho frente ao mesmo período do ano passado continua positivo na maioria dos ramos, em contraste com a indústria e o comércio. A única exceção ficou por conta de outros serviços.
Serviços prestados às famílias, a despeito de certa desaceleração no 1º bim/22, com o reforço das bases de comparação, continuam se expandindo a taxas expressivas em comparação com um ano atrás (+18,5%). Isso porque ainda possui grande percurso para retornar a níveis de faturamento real pré-pandemia. O desafio, agora que a situação sanitária melhorou, consiste na alta da inflação e no desemprego, que restringem o consumo das famílias.
Outro segmento em desaceleração é o de serviços de informação e comunicação (+3,7% ante jan-fev/21), mas neste caso é importante observar que a pandemia não implicou um crise de grandes proporções em suas atividades, como em outras parcelas do setor de serviços. Ao contrário, o teletrabalho e a necessidade de distanciamento físico e isolamento social acabaram estimulando este segmento. Tanto é que seu faturamento em fev/22 estava 8,6% acima do nível pré-pandemia (fev/20).
Em sentido oposto, reforçaram seus resultados no 1º bim/22 os serviços profissionais, administrativos e complementares. Muito disso deveu-se a seu componente de serviços administrativos e complementares, que consistem em atividades de menor qualificação, geralmente terceirizadas pelas empresas. Neste caso, seu faturamento atual segue aquém do pré-pandemia (-1,2%), tendo ainda espaço para mais recuperação.
Na mesma situação ficaram os serviços de transporte e correios, cujo reforço em jan-fev/22 (+14,5% ante jan-fev/21) contou com a alta expressiva do transporte aéreo (+47,8%). Este componente segue abaixo de patamares pré-pandemia (-3,5%) e, por isso, também apresenta uma retomada incompleta.