Carta IEDI
Uma agenda para recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento
A Carta IEDI de hoje apresenta a agenda de ações proposta pelo Instituto para enfrentarmos os obstáculos e divergências em relação ao restante do mundo que vêm nos distanciando, há muito tempo, de um processo consiste de desenvolvimento não apenas econômico, mas também social e ambiental.
Os principais eixos desta agenda serão sintetizados nesta Carta IEDI, mas encontram-se em sua integralidade no documento “Indústria e Estratégia de Desenvolvimento Socioeconômico do Brasil”, disponível no site do Instituto e que será encaminhado às autoridades públicas, ao meio acadêmico e aos candidatos das eleições deste ano, servindo de guia para o diálogo entre o Instituto e a sociedade.
O encaminhamento dos temas aqui abordados é urgente na visão do IEDI, sobretudo, neste momento em que a economia global deve acelerar um conjunto de profundas transformações – que já estão em curso, vale enfatizar – em direção à maior sustentabilidade ambiental e social, à digitalização dos processos produtivos e à busca por resiliência das cadeias de valor.
As principais economias globais já despertaram para o que está em jogo nas próximas décadas e se apressaram em desenhar políticas de desenvolvimento socioeconômico que costuram a dimensão conjuntural de criação de emprego e maior crescimento da economia na saída da pandemia à dimensão estrutural de modernização de suas bases produtivas, para se tornarem mais sustentáveis, avançadas e eficientes. Com o aumento das tensões geopolíticas, maior autonomia produtiva e competências tecnológicas em diversas áreas tornaram-se estratégicas e passaram a ser defendidas por países importantes como meio de ampliação da resiliência.
A indústria está entre as mais poderosas alavancas das transformações em curso. Isso porque, cada vez mais associada a serviços sofisticados e a outras atividades, inclusive primárias, a indústria estabelece um ecossistema em torno de si com capacidade de introduzir inovações que podem revolucionar os processos produtivos, assim como os padrões de consumo e estilos de vida das populações.
Não é à toa que o fortalecimento das competências industriais e tecnológicas vem sendo considerado questão-chave pelos países desenvolvidos. E não é de agora. Cabe observar que o florescimento de amplas estratégias industriais no mundo todo já tem quase uma década. A UNCTAD mapeou, entre 2008 e 2016, 114 estratégias em uma centena de países que juntos correspondem a 90% do PIB global, sendo que 74% delas foram adotadas após 2013.
Não se trata de dirigismo estatal, nem de ter mais ou menos Estado. O importante é que setor público e setor privado se articulem de forma virtuosa para construir uma trajetória de crescimento econômico sustentável e de melhoria das condições de vida dos cidadãos.
No Brasil, sinaliza o atraso em que está o País neste debate a recorrente necessidade de ser lembrado da importância da indústria para a pesquisa, desenvolvimento e inovação, para a aceleração do crescimento do PIB, para a geração de empregos de qualidade e para a arrecadação tributária, entre outros atributos fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico.
Acostumou-se ver, nas últimas décadas, o retrocesso da indústria brasileira no PIB do País e no total de nossas exportações, mas também a persistente perda de participação do Brasil no valor adicionado da indústria mundial e no comércio global de manufaturas. Estamos abrindo mão de uma das principais engrenagens do desenvolvimento socioeconômico que os países têm à sua disposição.
Esse retrocesso decorre de um acúmulo de fatores de diferentes naturezas, macro e microeconômicos, geopolíticos, sistêmicos e particulares, que distorceram nosso ambiente econômico. É preciso alterar esta trajetória em benefício de um maior desenvolvimento socioeconômico de nosso País.
Mesmo partindo de um quadro desfavorável, o setor industrial brasileiro conta com empresas modernas e competitivas, que acompanham as tendências mundiais em direção à digitalização e à sustentabilidade. Estas empresas, muitas vezes líderes de suas cadeias produtivas e mais bem integradas à economia global, podem funcionar como núcleo de difusão de novas tecnologias e novas práticas para o conjunto do sistema industrial do País, por meio de suas redes de colaboradores, fornecedores e clientes. O que precisamos é criar condições para que estes casos se multipliquem.
Para isso, o IEDI defende uma agenda de ações que melhorem o ambiente de negócios do País e reduzam nossas divergências em relação aos padrões e às práticas comuns aos países com desempenho socioeconômico superior ao nosso. A tarefa é complexa e só terá sucesso com coordenação política e debate democrático e qualificado de ideias entre os agentes sociais.
É incontornável que respeitemos algumas precondições, todas de crucial importância. A primeira delas diz respeito à manutenção da tranquilidade institucional em nosso País e ao reforço da segurança jurídica, sem as quais o Estado se torna uma grande força desestabilizadora. A segunda refere-se à obtenção de uma trajetória favorável das contas públicas capaz de nos propiciar uma tendência de médio e longo prazo de equilíbrio fiscal. Só assim poderemos assegurar comportamento adequado para variáveis importantes, como inflação e taxas de juros. Vale enfatizar a interação entre estas duas condições, já que o equilíbrio fiscal tende a ser posto em risco diante da fragilização das instituições.
A terceira compreende uma trajetória de redução de nossas desigualdades sociais. Um país com baixa mobilidade social está condenado a ser menos competitivo e pouco inovador. Um sistema educacional equânime e de qualidade é a base para assegurar a ascensão social não apenas material, mas também política e intelectual de nossos cidadãos. Educar mais e melhor os brasileiros é peça-chave na engrenagem do desenvolvimento socioeconômico. E finalmente, a quarta condição, refere-se ao compromisso com a sustentabilidade ambiental, pela sua interpolação com as demais precondições e pelo legado às futuras gerações.
Com estas condições presentes, poderemos caminhar com mais assertividade na questão da competitividade e a da produtividade, pilar essencial da agenda de desenvolvimento socioeconômico.
Já passou da hora de retirarmos o elefante da sala que consiste no chamado “Custo Brasil”, a começar por nosso sistema tributário injusto, complexo e oneroso, que coloca as empresas nacionais, de qualquer que seja o setor, em pé de desigualdade com suas concorrentes internacionais.
As fontes de Custo Brasil são inúmeras e vão muito além da tributação, representando, segundo o Ministério da Economia, um ônus equivalente a nada menos do que 22% do nosso PIB. É este o peso que nossas empresas carregam nas costas e que as deixa para trás na corrida concorrencial, seja no mercado externo seja no mercado doméstico.
Assim, o IEDI também avalia como muito pertinentes e inadiáveis iniciativas de grande alcance, tais como a sequência da Reforma Trabalhista; o desenvolvimento do mercado de capitais e o novo papel do BNDES; a diminuição do custo do crédito; os ajustes na regulação econômica e a redução da insegurança jurídica; e o incentivo aos investimentos em infraestrutura, inclusive aquela necessária à transformação digital e à sustentabilidade.
Outra iniciativa de absoluta importância envolve a aceleração da Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em nosso País, tornando mais simples, horizontais e eficientes os mecanismos de fomento, com imediata revisão da Lei do Bem e alocação continuada, sem contingenciamento, de recursos a entidades meritórias como a EMBRAPII e instituições de ciência e tecnologia.
Desta forma poderemos avançar com a modernização do parque produtivo através de instrumentos abrangentes e com o desenvolvimento e difusão das tecnologias digitais e ambientalmente responsáveis, possibilitando maior participação nas cadeias internacionais de valor dos setores de produtos manufaturados mais complexos e de maior intensidade tecnológica.
Nesta direção, também é preciso aprofundar a inserção competitiva da economia brasileira no mundo, preferencialmente por meio do maior número possível de frentes de negociações de acordos comerciais, com ênfase em três princípios: transparência, gradualismo e horizontalidade. Além disso, é necessário que tenhamos a iniciativa de reduzir nossas barreiras internas aos fluxos de comércio.
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia é um divisor de águas neste tema e deveríamos criar as condições políticas para que seja efetivamente implementado o mais rápido possível, o que poderia, inclusive, nortear o firmamento de acordos análogos com outros polos comerciais de destaque do mundo.
O ingresso na OCDE seria igualmente relevante no processo de aproximação do Brasil com o restante do mundo, pois nos possibilitaria alinhar normas e procedimentos com as principais economias mundiais que têm demonstrado resultados socioeconômicos mais favoráveis que os nossos.
Importante frisar que, cumpridos os princípios de transparência, gradualismo e horizontalidade, o compromisso com a abertura de nossa economia, independentemente de sua forma, deve ser incondicional, isto é, não se vinculando à obtenção prévia de sucesso em outros aspectos da agenda de desenvolvimento.
O Brasil não pode ficar isolado do mundo e cabe, sobretudo, à indústria estreitar os laços com o exterior. Isso porque são as cadeias industriais, mais longas e complexas, que criam as pontes e, quando bem inseridas no mundo, importam para exportar, não apenas bens, mas também serviços conexos às suas mercadorias.
Ao criarmos condições para avanços mais robustos na competitividade e produtividade de nossas empresas, a maior integração do Brasil na economia mundial, valendo-se de sua participação em cadeias globais de valor, abrirá caminho para que possamos ampliar nossas exportações de bens e serviços mais sofisticados.
O IEDI, como tem feito há 33 anos, desde sua fundação em 1989, almeja acelerar o desenvolvimento socioeconômico do nosso País, a partir da perspectiva da indústria. Neste sentido, sempre buscou estabelecer princípios e sugerir ações para a constante reinvenção de nossas competências industriais. O objetivo é fazer sistematicamente com que a indústria avance e não se perenize o padrão passado.
Para isso, o IEDI defende, além dos condicionantes destacados acima, uma estratégia industrial voltada para o futuro, com ênfase na geração e difusão de mudanças tecnológicas, com efeitos positivos sobre a produtividade, competividade e sustentabilidade e com implicações importantes sobre as formas organizacionais das empresas e sobre a totalidade da estrutura produtiva brasileira.
Introdução
O Brasil está diante de um momento decisivo, cada vez mais difícil de ser ignorado. Há muito tempo o País vem apresentando um dinamismo econômico insatisfatório, exíguas melhorias nas condições de vida de sua população e insuficiente cuidado com o meio ambiente. Um desempenho agravado nos últimos anos e evidenciado pela pandemia de Covid-19.
O avanço da imunização contra o coronavírus tem possibilitado a normalização dos negócios e a recuperação econômica em muitos países, abrindo caminho para que processos de transformação da economia mundial, que já vinham se desenhando, possam ganhar massa crítica, especialmente diante das crescentes tensões geopolíticas que temos assistido. É o caso da crescente digitalização dos processos produtivos e da emersão da indústria 4.0, da busca por resiliência e também do reforço da agenda de sustentabilidade socioambiental.
São nestas direções que o mundo caminha, como mostra o documento “Indústria e Estratégia de Desenvolvimento Socioeconômico do Brasil”. É o que sinalizam os programas de recuperação anunciados pelas grandes potências globais, a exemplo dos EUA, da União Europeia e da China, que associam objetivos de geração de emprego e aceleração do PIB pós-pandemia à modernização de suas estruturas produtivas, na busca de sustentabilidade, mas também de maior resiliência e maior produtividade e competitividade nos mercados globais. Estamos testemunhando o surgimento de um “novo mundo”, cujo principal vetor é a indústria.
A indústria e o desenvolvimento dos países
O avanço da digitalização impulsionará ainda mais a integração entre a indústria e os serviços, transformando modelos de negócio, melhorando a coordenação de cadeias produtivas complexas e incentivando sua internacionalização. Tecnologias associadas à automação e a inteligência artificial tornam as atividades mais intensas em capital e reduzem a competitividade da mão de obra mais barata de países emergentes, incentivando a verticalização e o reshoring a países desenvolvidos. Já a fabricação aditiva por meio de impressoras 3D, por exemplo, favorece a produção em menores escalas, permitindo sua aproximação dos mercados consumidores, e uma governança mais descentralizada.
Todas estas possibilidades tendem a impactar profundamente a organização das cadeias globais de valor nos próximos anos. Uma tendência que deve ser influenciada também pelas ações dos governos das principais nações industrializadas, que estão buscando constituir ou reforçar capacidades produtivas em atividades consideradas estratégicas, como nos casos de semicondutores nos EUA e da cadeia do hidrogênio na Europa. Estas ações, que não consistem em protecionismo arcaico, se articulam com o objetivo de acelerar o desenvolvimento e a difusão de novas tecnologias com impacto transversal no sistema produtivo.
As novas tecnologias também devem contribuir no esforço mundial para alavancar a “economia verde” e a sustentabilidade dos modelos de negócio, dos padrões de consumo e da atuação dos governos. Segundo o relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, limitar o aquecimento global a 2°C exigirá atingir, já em 2025, o pico de emissão global de gazes de efeito estufa e reduzi-la em ¼ até 2030. Ou seja, os esforços mundiais para mudança nas formas de produzir e nos estilos de vida terão de ser intensos para gerir o desafio climático.
Assim como a redução do uso de combustíveis fósseis, o aprimoramento de fontes de energia limpa e a ampliação de sua participação na matriz energética dos países são aspectos fundamentais na agenda ambiental, o que confere grande vantagem potencial ao Brasil. Contudo, além destas vertentes, a busca por sustentabilidade também exige que o conjunto das atividades produtivas seja ambientalmente mais eficiente.
Os países do G20 estão comprometidos com a redução de suas emissões de CO2 por unidade de valor adicionado da indústria, algo que o Brasil ainda está por fazer. Não dar a devida atenção a estas questões implicará para empresas e países a deterioração de imagem pública e das suas relações com clientes, fornecedores, colaboradores e investidores e a perda de oportunidades de negócio em geral.
A indústria, cada vez mais integrada com outras atividades, como o setor agropecuário e, sobretudo, com serviços sofisticados, vem dando origem a ecossistemas que potencializam seus atributos e que alavancam o desenvolvimento. Isso porque esses ecossistemas são capazes de revolucionar a própria forma de a indústria produzir, mas também a das demais atividades da economia, por meio de novas máquinas, sistemas, equipamentos e demais bens de capital e por meio de novos produtos e processos intermediários. E também revoluciona padrões e estilos de vida das populações por meio de bens de consumo e serviços inovadores.
O Brasil não pode se furtar de inserir em sua agenda de desenvolvimento socioeconômico o reconhecimento da indústria como destacado eixo de crescimento. O preço de negligenciar o avanço acelerado do padrão internacional de competitividade, produtividade, sustentabilidade e sofisticação tecnológica é ficarmos, cada vez mais, isolados do mundo e privados dos efeitos positivos do crescimento do PIB global e das modernas tendências tecnológicas, reduzindo significativamente nosso potencial de evolução.
A tarefa que temos pela frente é complexa e requer coordenação política e debate democrático e qualificado de ideias. Por isso, o IEDI busca colaborar com a construção de uma agenda para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, identificando os principais pontos para que possamos estabelecer uma trajetória de crescimento sustentado.
Para o IEDI, o fortalecimento da indústria brasileira é parte fundamental desta agenda. Por isso, a necessidade da sua modernização, em linha com o padrão tecnológico emergente no mundo, de modo a viabilizar o avanço da produtividade, da competitividade e da sustentabilidade. O Brasil não pode mais deixar de aproveitar, em sua total potencialidade, os atributos industriais para sua prosperidade.
É preciso reforçar que a indústria é um dos mais importantes motores do desenvolvimento socioeconômico e destacada fonte de novos produtos, serviços, tecnologias e processos. Dentre muitas outras evidências a este respeito, o IEDI sistematizou as mais importantes no documento “Indústria e Estratégia de Desenvolvimento Socioeconômico do Brasil”. Seu papel estratégico para os países se acentuou ainda mais com a pandemia do coronavírus, pela interrupção de elos das cadeias globais de valor, e pela emergência da questão ambiental.
Mesmo partindo de um quadro desfavorável, dada a heterogeneidade da indústria brasileira, que em muitas áreas ainda emprega tecnologias obsoletas, e mesmo estando atrasado, diante de escassas políticas públicas de suporte à revolução 4.0, o Brasil conta com empresas modernas e competitivas, que acompanham as tendências mundiais em direção à digitalização e sustentabilidade. Estas empresas, muitas vezes líderes de suas cadeias produtivas e mais bem integradas à economia global, podem funcionar como núcleo de difusão de novas tecnologias e novas práticas para o conjunto do sistema industrial do País, por meio de suas redes de colaboradores, fornecedores e clientes.
Enfrentando distorções sistêmicas
Embora a indústria seja o ponto de partida de nossa reflexão, não é o único aspecto a ser enfatizado. Retomar o caminho do crescimento sustentado e do desenvolvimento socioeconômico e ambiental requer o avanço em quatro condições precedentes, todas de crucial importância para viabilizar o restante da agenda.
A primeira destas condições refere-se à manutenção da tranquilidade institucional em nosso País e ao reforço da segurança jurídica, sem as quais não é provável o atingimento das demais condições precedentes e muito menos a implementação de uma agenda consistente para o desenvolvimento socioeconômico.
A segunda condição consiste na obtenção de uma trajetória favorável das contas públicas associada a um avanço significativo da governança do Estado. Por isso, devem ser preservados e incrementados os esforços já realizados nesta direção. Sem isso não teremos as condições econômicas minimamente adequadas para avançar, como níveis inferiores de inflação e de taxas de juros. É fundamental assegurar uma tendência de médio e longo prazo de equilíbrio fiscal.
A terceira condição diz respeito a uma trajetória de redução de nossas desigualdades sociais a partir de políticas e instrumentos que almejem, de forma contínua, o acesso mais equânime de nossa população às oportunidades de avanço educacional, social e profissional e a partir de políticas assertivas de combate à pobreza. Mais uma vez, é pouco provável que possamos atingir as demais condições precedentes sem que haja avanços neste sentido.
E finalmente, como a quarta condição, um avanço continuado e decisivo na questão da sustentabilidade ambiental, seja pela sua interpolação com as demais condições precedentes, seja pelo compromisso nosso com as futuras gerações. É preciso que o País reafirme seu compromisso com a preservação da Amazônia, bem como de outros biomas que possui, definindo estratégias de desenvolvimento econômico regional mais aderentes a este objetivo do que o modelo atualmente em vigor.
Além disso, a exemplo de outros países, como evidenciam seus planos recentes de recuperação pós-pandemia, devemos promover a descarbonização e dar maior ênfase à sustentabilidade, de modo a assegurar o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos no Acordo de Paris e o respeito aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Um meio importante para isso é desenvolver os mercados de carbono no País, instaurando e consolidando, com a devida segurança jurídica e transparência das metas a serem atingidas, um mercado regulado de carbono ao lado do mercado voluntário, de modo a ajudar a financiar os esforços de redução das emissões de gases de efeito estufa.
A partir do avanço nestas condições precedentes, poderemos caminhar com mais assertividade na questão da competitividade e a da produtividade, pilar essencial da agenda de desenvolvimento socioeconômico. Destaca-se aqui a necessidade de uma Reforma Tributária primeiramente focada na unificação dos impostos sobre o consumo de bens e serviços, que deverá (i) promover a simplificação do sistema tributário com a redução do custo de prestação dos tributos e da insegurança jurídica, (ii) eliminar a cumulatividade de impostos e o acúmulo de créditos dos contribuintes, com a sua pronta devolução, (iii) desonerar completamente as exportações e os investimentos e (iv) através da tributação no destino, de forma abrangente e com alíquotas horizontais, eliminar incentivos disfuncionais a formas de realização das atividades que acabam adicionando custos sistêmicos.
A modernização de nossa estrutura tributária deveria ser guiada não apenas pela busca de eficiência e não elevação da carga total de impostos sobre a sociedade, mas também pelo princípio da justiça social. Isso implica, em um segundo momento, uma revisão dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e jurídicas. O melhor equilíbrio das bases de tributação no País, nos aproximando dos parâmetros médios dos países da OCDE, funcionaria como um guia importante na direção de reduzir as excentricidades de nosso sistema de impostos e melhorar sua progressividade.
Finalmente, ainda na agenda tributária, assim que houver espaço na agenda do equilíbrio fiscal, seria importante reduzir, ao longo do tempo, a tributação sobre os salários, aproximando nossa alíquota daquela praticada na OCDE.
O IEDI também avalia como pertinentes iniciativas adicionais de grande alcance: a sequência da Reforma Trabalhista, contribuindo para aumento da produtividade e adaptação às novas formas de trabalho; o desenvolvimento do mercado de capitais e o novo papel do BNDES; a diminuição do custo do crédito; os ajustes na regulação econômica e a melhora do ambiente de negócios, reduzindo a insegurança jurídica; e o incentivo aos investimentos em infraestrutura. Estas são iniciativas abordadas em maiores detalhes ao longo deste documento.
A exemplo dos planos de retomada pós-pandemia de outros países, o Brasil pode ter nos investimentos de infraestrutura relevante instrumento de aceleração do emprego e do crescimento econômico, com os avanços regulatórios necessários e a constituição de mecanismos de financiamento capazes de atrair o investimento privado. Pode igualmente requerer a recomposição da parcela pública dos investimentos, em grande medida complementar às inversões privadas na área. É importante, sobretudo, que constituamos a infraestrutura necessária para a transformação digital e a sustentabilidade.
Nesta mesma direção, é preciso acelerar a agenda de inserção competitiva da economia brasileira no mundo, de modo firme e incondicional a outras reformas necessárias. Integrar-se mais e melhor na economia global não apenas é urgente, dado o atraso acumulado, como também é desejável por ampliar a concorrência e tornar mais fácil e barato o acesso a matérias primas, bens de capital e tecnologia do exterior, importantes para promover ganhos de produtividade de que o Brasil necessita.
Mas além disso, a participação mais ativa de nossas empresas no comércio mundial traz outros grandes benefícios: ao se relacionarem com um universo maior e mais diversificado de clientes, fornecedores e concorrentes, as empresas são expostas a novas formas de competição e têm contato com novas tecnologias, diferentes modelos de negócios e práticas de gestão. Como resultado, empresas exportadoras tendem a crescer mais, inovar mais e pagar salários mais elevados.
Por estes fatores, o desenvolvimento de um país caminha pari passu ao avanço de sua integração com o restante do mundo. Por isso, o Brasil deve, preferencialmente, abrir o maior número possível de frentes de negociações de acordos comerciais, enfatizando o gradualismo, a horizontalidade e a transparência, e ter iniciativa para reduzir suas barreiras internas, tanto as tarifárias como as não tarifárias, aos fluxos de comércio.
Temos muito o que racionalizar nossas tarifas de importação e, externamente, também temos trabalho a fazer, já que nossos produtos enfrentam em mercados estrangeiros tarifas maiores do que a média dos países semelhantes ao Brasil, como mostra o estudo “Barreiras tarifárias enfrentadas pelas exportações brasileiras: uma comparação internacional”, divulgado pela CNI. Além disso, são cada vez mais centrais para a integração de um país à economia mundial questões como barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias e standards ou normas sobre temas como mudança climática, eficiência energética, direitos humanos, direitos trabalhistas, direitos dos animais, emissões de carbono, regulação da economia digital etc. Estas são dimensões incontornáveis da abertura comercial que têm merecido menos atenção do que deveria.
O ingresso na OCDE também seria relevante neste processo de o Brasil estreitar laços com o restante do mundo, pois nos possibilitaria alinhar normas e procedimentos com as principais economias mundiais que têm demonstrado resultados mais favoráveis que os nossos.
Com uma boa gestão da agenda da competitividade e da produtividade, seria possível reduzir ao longo do tempo o chamado “Custo Brasil”, que representa cerca de 22% do PIB brasileiro, segundo estimativa da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. O que, de forma concomitante, mas não vinculada, à maior integração internacional do Brasil, potencializaria os ganhos advindos deste processo.
Uma nova Estratégia Industrial para o Brasil
O avanço das atividades industriais no País é também fundamental para a construção da agenda de desenvolvimento socioeconômico. A contribuição do setor será maximizada se, como fazem muitos outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, for adotada uma estratégia industrial que vise, em última análise, elevar a produtividade e a competitividade. Ações nesta direção, que já vinham ganhando destaque no mundo ao longo dos últimos anos, devem ser reforçadas no período pós-pandemia, sob pressão do aumento das tensões geopolítica e da urgência da transição climática. O IEDI, em suas diferentes divulgações, vem acompanhando de perto este movimento, cujas linhas gerais também são abordadas neste documento.
Na estratégia a ser seguida pelo Brasil, cabe mencionar os seguintes temas:
1. O País deve criar condições para absorver as tecnologias emergentes na revolução da Indústria 4.0, em curso a nível mundial, e também promover, por meio de ferramentas horizontais, o desenvolvimento e a aplicação dessas inovações.
2. Potencializar a inovação, por meio do apoio às atividades de P&D das instituições de ciência e tecnologia públicas e do setor privado, do fortalecimento da educação básica e tecnológica e através de programas consistentes que articulem universidades, institutos de pesquisa, setor produtivo e governo.
3. Fomentar a modernização do parque industrial, através de instrumentos horizontais e com limite temporal, com o objetivo de impulsionar a produtividade e competitividade e para melhorar a performance socioambiental das empresas brasileiras.
4. Mobilizar competências industriais para o enfrentamento de desafios sociais, muitos deles agravados pela pandemia, como segurança sanitária, saneamento, mobilidade urbana e sustentabilidade ambiental, sempre de forma competitiva e produtiva.
5. Aumentar a exportação de manufaturados, em especial de produtos mais complexos e intensivos em tecnologia, o que pressupõe maior inserção competitiva de nossa economia no mundo e melhor integração às cadeias globais de valor.
6. Agregar valor a atividades primárias em que o Brasil apresenta grande potencial de desenvolvimento ou reconhecida vantagem competitiva.
Vale enfatizar que como eixo de um projeto de desenvolvimento socioeconômico, a estratégia industrial não se confunde com uma defesa de privilégios para um setor e sim a identificação e promoção de atividades industriais impulsionadoras, isto é, geradoras e difusoras, de mudança tecnológica para a economia como um todo, com efeitos positivos sobre a produtividade, competividade e sustentabilidade, mas também com implicações sobre as formas organizacionais das empresas e sobre as estruturas produtivas dos países.
Ademais, recomenda-se, como o IEDI tem feito de longa data, um desenho de estratégias industriais que identifique com clareza seus objetivos, fixe prazos para sua vigência, conte com avaliações periódicas dos seus resultados e possa adotar correções e aperfeiçoamentos quando se mostrarem necessários.
Desenvolvimento para todos
O IEDI acredita que os princípios e diretrizes recomendados neste documento serão de grande valia para colocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento socioeconômico de forma sustentável.
Para que o desenvolvimento chegue a todos, como já foi observado, é preciso acelerar as políticas públicas no campo social e torná-las mais efetivas em mudar esta trágica realidade do País: o enorme contingente de brasileiros sem as condições mínimas de renda e de acesso à saúde, à moradia, à educação de qualidade, à segurança e ao saneamento.
Um país com baixa mobilidade social está condenado a ser menos competitivo e pouco inovador. É urgente redefinirmos a alocação de recursos públicos de forma a eliminar estas distorções. A pandemia ressaltou ainda mais a necessidade desta ação e os impactos das mudanças climáticas, mesmo que mitigados por padrões de produção e consumo mais sustentáveis, ainda trarão grandes desafios sociais a serem enfrentados.
Um sistema educacional equânime e de qualidade é a base para assegurar a ascensão social, não apenas material, mas também política e intelectual, de nossos cidadãos. Não há progresso sem educação. E ademais, diante das novas tecnologias e das novas necessidades do mercado de trabalho, será estratégica a modernização do ensino profissional no País para atender a demanda das empresas e manter a empregabilidade das pessoas. Educar mais e melhor os brasileiros é peça-chave na engrenagem do desenvolvimento socioeconômico.
Também é fundamental que os efeitos positivos de políticas sociais acertadas não sejam mitigados pelas distorções da estrutura de arrecadação do próprio setor público. Não é lógico que o gasto público promova a redução da desigualdade social ao mesmo tempo em que sua arrecadação a eleve. Por isso, o País deve assegurar equidade ao seu sistema tributário, evitando mecanismos regressivos e eliminando ao longo do tempo tratamentos desiguais com benefícios injustificáveis.
O avanço no quadro social do País tem a capacidade de tornar o mercado consumidor ainda mais pujante e de elevar a produtividade do trabalho, o que fortaleceria a indústria, bem como todos os demais setores da economia.