Carta IEDI
Pelo desenvolvimento do Brasil: a visão da indústria
No âmbito do VI Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação (VI ENEI), foi realizada, no dia 31 de maio de 2022, por videoconferência, a Mesa IEDI “O Futuro da Indústria no Brasil”, cuja discussão resumimos nesta Carta.
Organizado pela ABEIN (Associação Brasileira de Economia Industrial e Inovação) e pelo SENAI/CIMATEC de Salvador/BA, o evento contou com a exposição de três Conselheiros do IEDI: Dan Ioschpe, Pedro Wongtschowski e Raul Calfat. O material completo, incluindo a discussão que sucedeu as apresentações, moderada pela presidente da ABEIN, Lia Hasenclever (IE-UFRJ), está disponibilizado no site do IEDI e o vídeo pode ser acessado aqui .
A Mesa IEDI faz parte da constante iniciativa do Instituto de promover, com distintos setores da sociedade brasileira, o debate de ideias a respeito do desenvolvimento do país e do fortalecimento de nossa indústria. O ENEI é uma das oportunidades de dialogar com pesquisadores e professores universitários sobre economia industrial e inovação.
Já com várias edições, a Mesa IEDI de 2022 se destacou por reunir como palestrantes três dos mais importantes empresários industriais do país e pelo contexto político e geopolítico bastante particular, dadas as eleições deste ano no Brasil, os efeitos da pandemia de Covid-19 e os conflitos armados na Ucrânia.
Pedro Wongtschowski iniciou a sequência de exposições apresentando informações que o IEDI vem produzindo e divulgando consistentemente há muitos anos que mostram a alarmante trajetória de retrocesso industrial do Brasil, com consequências negativas sobre o crescimento de nossa economia.
A indústria de transformação como porcentagem do PIB brasileiro praticamente caiu pela metade nos últimos 40 anos, passando de 20% em 1980 para cerca de 11% em 2020. Em paralelo a isso, o PIB total do Brasil, que crescia pouco mais de 7% ao ano entre 1948 e 1980, desacelerou para 2% ao ano na etapa de regressão industrial. Somos caso notório quando se trata de piora de performance.
E isso porque estamos abrindo mão de uma das principais engrenagens do desenvolvimento socioeconômico dos países que é a indústria. Como lembrou Pedro Wongtschowski, a indústria de transformação do Brasil é responsável por quase 70% dos investimentos privados em P&D; responde por mais de 50% de nossas exportações, estabelece relações de trabalho majoritariamente formais e paga salários acima da média nacional. Além disso, recolhe impostos em uma proporção mais de duas vezes maior do que seu peso na estrutura econômica do país.
Em contraste, já faz praticamente uma década que os países com as maiores economias do mundo vêm desenhando e implementando novas ações de revitalização de suas indústrias.
Inicialmente voltadas para a digitalização dos processos produtivos, as novas estratégias industriais foram agregando objetivos adicionais, como a sustentabilidade ambiental, fortemente demandante de inovações industriais em produtos e processos, a resiliência das cadeias produtivas, face às fragilidades reveladas pela pandemia, e a segurança nacional, dada a escalada das tensões geopolíticas.
Como todos os três participantes mencionaram, a recuperação da indústria no Brasil basicamente passa por três vetores. Em primeiro lugar, as chamadas condições sistêmicas, a exemplo da reforma tributária, melhoria da infraestrutura, melhoria logística, regulação, educação, o esforço público em investir em ciência, tecnologia e inovação. São condições não suficientes, mas necessárias para a retomada industrial no país.
Em segundo lugar, uma estratégia industrial com ênfase na transformação digital, ou seja, na modernização do parque industrial, e na economia de baixo carbono, assegurando, preferencialmente por meio de instrumentos horizontais, uma trajetória mais virtuosa da produtividade e uma performance ambiental superior.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, a promoção da integração do Brasil na economia internacional. Como enfatiza Dan Ioschpe, o avanço de nossa integração no mundo deve ser continuada e incondicional, pois estamos atrasados e precisamos retomar esta agenda com celeridade e eficiência. Lembra que o caminho unilateral existe, mas não deixa de trazer consigo uma série de complexidades que podem interromper ou mesmo fazer retroceder o processo de abertura.
Por sua vez, acordos comerciais tendem a ser muito mais perenes, ao abrirem possibilidade de criação de consensos entre os agentes econômicos internos. O acordo com a União Europeia é um exemplo disso, afirma, e por esta razão é fundamental que se concretize. Ademais, Dan Ioschpe defendeu como importantes a preservação do Mercosul e o ingresso do Brasil na OCDE, que poderia facilitar a adoção de boas práticas em nossa economia.
Em sua exposição, Dan Ioschpe enfatizou que, além dos fatores já colocados, o IEDI entende que existem quatro questões essenciais que compõem uma agenda ampla de reerguimento da indústria brasileira: tranquilidade institucional e segurança jurídica; redução da desigualdade social; preocupação com o meio ambiente, com destaque para a Amazônia; e uma trajetória de equilíbrio fiscal e macroeconômico ao longo do tempo. São condições que dificilmente poderão ser ignoradas se quisermos obter um desenvolvimento socioeconômico superior.
Raul Calfat, além de apontar obstáculos e distorções enfrentadas pela indústria no Brasil, também se concentra em olhar para frente, identificando oportunidades e prerrequisitos para aproveitá-las. Argumenta que a geopolítica atual divide o mundo, mas traz enormes oportunidades para o Brasil, que é um país rico em minerais e energia e com uma agropecuária competitiva. A partir disso, temos enormes possibilidades de nos tornarmos um player relevante no jogo de forças mundial.
Entre as oportunidades, Calfat destaca o potencial de geração de energias renováveis ainda não explorado, com as fontes solar e eólica, e sua associação com o mercado de hidrogênio verde em desenvolvimento no mundo. Com isso, há oportunidades na cadeia de suprimentos de equipamentos, sobretudo da energia eólica. Outras áreas destacadas foram: defesa cibernética, em que o Brasil tem algumas empresas de certa relevância, e mobilidade, que além dos automóveis, ônibus e caminhões, também conta com competências em aeronaves, com a Embraer.
Calfat enfatiza que é esse tipo de análise investigativa sobre as oportunidades que estão se abrindo, seja pelo contexto geopolítico, seja pelas trajetórias tecnológicas, vis-à-vis as competências que já temos acumuladas que precisa ser feito pelo governo, para que não se desperdice dinheiro público.
Para esse tipo de análise, lembra Raul Calfat, é preciso haver um governo que tenha a capacidade de fazer planejamento; é necessário restaurar essa capacidade que existia no serviço público. Para ter sucesso a longo prazo, argumenta, o Brasil não pode investir indiscriminadamente, sem análise, planejamento e acompanhamento sistemático das ações.
Pedro Wongtschowski
Três assuntos norteiam minha intervenção nesta seção IEDI do VI ENEI. Em primeiro lugar, farei um rápido overview da situação da indústria no Brasil. Já que este é um encontro sobre economia industrial e sobre inovação, é importante que tenhamos, de partida, os mesmos dados para poder dialogar com mais precisão.
Eu vou retratar, a seguir, a evolução histórica e a situação atual da indústria no Brasil. Esse material foi preparado com o auxílio do IEDI e, portanto, reflete, em grande medida, as informações sobre a indústria brasileira que o Instituto vem estudando há muito tempo.
A indústria de transformação no Brasil, a despeito de responder por cerca de 11% do PIB nacional, arrecada cerca de 25% dos tributos recolhidos pelo país. Ela também é responsável por quase 70% dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento; os empregos no setor da indústria de transformação são majoritariamente formais e paga melhores salários. É sabido, além disso, que em anos em que a indústria cresce, o PIB cresce ainda mais; e quando a indústria decresce, o efeito regressivo sobre a economia como um todo também acontece.
Outro ponto importante a se ressaltar é que um agronegócio competitivo e moderno só existe porque há um grande suporte do setor industrial. Não podemos falar de agronegócio competitivo sem trator, sem colheitadeira, irrigação, sensor, defensivos agrícolas, fertilizantes. Ou seja, não existe agronegócio competitivo sem indústria.
No setor de serviços acontece basicamente a mesma coisa. Seja no setor financeiro, no comércio, na área de comunicação, todos esses setores dependem de equipamentos e insumos que são produtos industriais.
Assim, tanto o setor de serviços como o agronegócio não vivem e não são competitivos sem um forte setor industrial que lhes dê suporte.
Como mostra a figura a seguir, podemos perceber que durante um longo período – do final dos anos 1940 até aproximadamente 1980 – a indústria brasileira ampliou sua participação no PIB brasileiro, indo de cerca de 14% para mais de 20%. O pico se deu por volta de 1978. De lá para cá, entretanto, a indústria diminuiu como proporção do PIB do país. Na prática a indústria brasileira estagnou como um todo e a economia cresceu.
Como consequência dessa estagnação da produção industrial local vis-à-vis o crescimento total de nossa economia, houve uma grande ampliação das importações de produtos industriais para atender a uma demanda nacional cada vez maior. Esse é, portanto, um retrato ruim. Muitos argumentam que este é o retrato do mundo, isto é, que a manufatura decresceu sua participação no PIB global no mundo todo, o que não é verdade.
A participação do setor industrial no PIB mundial ficou razoavelmente estável no período de 1970 a 2020, enquanto a participação desse setor no PIB brasileiro caiu. Mesmo se tirarmos a China do agregado mundial, continuará havendo uma evolução positiva da participação da indústria da transformação no PIB mundial, entre 14% e 16%, enquanto o Brasil tem esse decréscimo de 22% a, praticamente, 11% nos dias atuais.
Normalmente se avalia que, à medida que o país enriquece, o setor industrial perde relevância em relação ao setor de serviços. A figura a seguir demonstra que esse processo não acontece em todos os países. Embora tenha ocorrido no Reino Unido e na Austrália, isso não aconteceu com outros países como o Japão, Alemanha, Coreia e China, onde houve um aumento da participação do setor industrial no PIB aliado ao crescimento econômico desses países.
O Brasil apresenta uma queda dramática na participação da indústria no PIB com um discreto aumento do PIB per capita, ou seja, o país enriqueceu muito pouco nesse período, de 1970 a 2017, o que caracteriza a situação brasileira como atípica.
Ao longo deste processo, a produtividade do trabalho por pessoa empregada no Brasil não evoluiu como deveria. Além de ser sistematicamente baixa em relação à mesma produtividade nos EUA, após atingir um pico de cerca de 46% em 1980 começou a declinar e, recentemente, retornou aos níveis da década de 1950. Ou seja, hoje, o trabalhador brasileiro tem, em média, 25% da produtividade do trabalhador americano tal como nos anos 1950.
Evidentemente, esses são dados agregados. A indústria brasileira é muito desigual, pois, enquanto algumas unidades do setor industrial sejam muito produtivas, existe também um grande contingente de empresas pequenas e médias que possuem um baixo nível de produtividade, reduzindo a média geral.
A seguir, verifica-se que o volume de investimento da indústria de transformação, em porcentagem do investimento total da economia brasileira, caiu de quase 30% para 15% nos últimos anos. Esse decréscimo é uma das razões que explica o declínio da indústria e da produtividade industrial, já que esse setor necessita da modernização tecnológica e digitalização, que ocorreu em nível muito inferior ao necessário para manter a competitividade da indústria.
A rentabilidade da indústria de transformação brasileira, no período de 2009 a 2020, tem ficado muito abaixo do seu custo de capital, como mostram os dados do professor Carlos Antonio Rocca, da Fipe. O destino do lucro é, principalmente, o reinvestimento no crescimento no bem de escala na modernização das empresas brasileiras. O que fomenta o investimento em inovação é o lucro, o resultado da companhia. Portanto, uma das explicações para a perda do dinamismo da indústria brasileira está em sua baixa rentabilidade.
Em decorrência desse fato, a participação da indústria de transformação nas exportações totais do Brasil caiu de forma dramática. Ao contrário do senso comum, no entanto, é possível notar que metade das exportações brasileiras são geradas pela indústria de transformação. Em grande parte, o que o agronegócio exporta são produtos industriais: alimentos, celulose, açúcar etc. São todos produtos de origem agrícola, mas que sofreram algum tipo de transformação industrial. Mesmo hoje, 50% das exportações brasileiras advêm da indústria de transformação.
No entanto, as exportações das indústrias de alta e média tecnologia também perderam participação relativa. Enquanto, no passado, 40% da exportação de produtos transformados brasileiros eram de alta ou média-alta tecnologia, atualmente esse número caiu para 27%. Há um crescimento, portanto, de exportação de produtos com menor conteúdo tecnológico, com menor agregação local de valor.
No período recente, como mostra o gráfico a seguir, a indústria de transformação continuou crescendo menos – ou decresceu mais – do que o PIB na maioria das vezes. A indústria de transformação teve um desempenho pior do que a economia como um todo, tanto nos anos recessivos de 2014-2016 como em 2020, já em plena pandemia. Mesmo nos anos em que o Brasil cresceu pouco – com exceção do ano de 2017 –, a indústria sempre cresceu menos do que a economia como um todo, o que confirma a afirmação de que a indústria vem perdendo posição relativa em relação ao PIB.
Do ponto de vista da produção física da indústria, também houve queda em 2020 bem como em 2021, no quarto trimestre do ano. Em comparação com a evolução da produção mundial da indústria nos saímos pior. No período da pandemia, a produção mundial caiu, mas a indústria brasileira, em termos de produção física, caiu ainda mais.
O objetivo dessas informações era fornecer os dados suficientes para abordar, de forma concisa, dois assuntos: um é a tendência atual das estratégias industriais no mundo e o outro é sobre a indústria brasileira.
No período recente, uma sucessão de temas e objetivos vêm norteando a adoção de estratégias industriais no mundo. Em um primeiro momento, enfatizou-se a digitalização, conhecida como indústria 4.0. Em seguida, foi agregado a essa tendência o conceito de “sustentabilidade”.
Mais recentemente, em função da pandemia, um outro conceito que foi muito abordado foi o de “resiliência”, já que muitos países do mundo, incluindo o Brasil, sofreram muitos gargalos nas cadeias e se conscientizaram de que não tinham autonomia suficiente para sequer combater a pandemia. No Brasil, por exemplo, não havia respiradores suficientes, máscaras, vacinas, o que demandou criatividade e reconversão de algumas linhas produtivas para a superação desses problemas.
Ainda mais recentemente, em função da guerra na Ucrânia, a questão da segurança nacional tem sido a grande preocupação. Então, países da comunidade europeia e os EUA começam a definir políticas para torna-los dependentes do comércio internacional, principalmente, menos dependentes de regiões potencialmente afetadas pelo conflito. Portanto, a segurança sanitária, energética e alimentar tornaram-se itens muito relevantes na estratégia desses países, o que deveria ser tomado como exemplo pelo Brasil.
O IEDI sistematizou dados da UNCTAD para uma centena de países de todos os tamanhos, desenvolvidos, emergentes, de baixa e alta renda. Verificaram-se quais eram as ênfases das estratégias industriais desses países, voltadas para a indústria de transformação.
Os objetivos costumam envolver competitividade, ou seja, assegurar que a indústria do país possa ser competitiva, e, portanto, possa exportar, sobreviver e atender bem ao mercado interno; criar empregos – que é um critério cada vez mais relevante nas políticas industriais – e promover sustentabilidade – que será uma questão cada vez mais importante, já que esse critério tende a funcionar como um requisito fundamental para o comércio entre certas regiões, como a Comunidade Europeia.
Outros pontos fundamentais são a infraestrutura, especialmente, física e digital (P&D), ou seja, instalações de pesquisa e desenvolvimento que atendam à academia e ao setor produtivo. Há políticas horizontais e algumas também verticais – por exceção à regra, que são políticas horizontais. Busca-se atrair investimentos privados e atualização tecnológica e essas estratégias sempre têm um componente de exportação e de atração de investimento externo.
As estratégias industriais nos diferentes países não são algo novo, mas há aspectos que particularizam as iniciativas atuais. Nas mais modernas atualmente, busca-se: integração às cadeias globais de valor; aumento da produtividade, visando à competitividade das empresas; a questão digital e difusão das tecnologias de informação e comunicação; apoio a pequenas e médias empresas, especialmente, as startups de base tecnológica; e um espaço moderado para políticas verticais em áreas selecionadas.
Finalmente, segundo o ponto de vista do IEDI, a recuperação da indústria no Brasil basicamente se fixa em três questões.
Primeiro, nas chamadas condições sistêmicas: a reforma tributária, melhoria da infraestrutura, melhoria logística, regulação, educação, o esforço público em investir em ciência e tecnologia. Essas são condições não suficientes, mas necessárias para a recuperação da indústria no Brasil.
Em segundo lugar, a ênfase na transformação digital, ou seja, na modernização da indústria brasileira e a adoção da economia de baixo carbono, pois todos os países serão em algum momento avaliados pela quantidade de carbono que emitem.
Por último, a integração do Brasil na economia internacional. É necessário que haja uma abertura comercial brasileira para que haja importação de insumos; exportação de produtos; importação de serviços – a importação de tecnologia no Brasil é extremamente onerada, o que não tem nenhum sentido; redução e limitação de barreira tarifárias e não tarifárias para aumentar a produtividade e a competitividade da indústria brasileira.
Portanto, resumindo os temas que precisam ser tratados para reerguer a indústria brasileira, temos:
1.Absorção de tecnologias digitais e da indústria 4.0;
2. Potencializar a inovação;
3. Fomentar a modernização do parque industrial;
4. Mobilizar as competências industriais para enfrentar os desafios industriais;
5. Integração do Brasil na economia mundial;
6. E, finalmente, agregação de valor às atividades primárias.
É uma agenda grande e complexa, mas é uma agenda possível se houver vontade e determinação e, principalmente, se tanto o governo quanto a sociedade brasileira julgarem esses itens relevantes. Não existe uma agenda de reerguimento da indústria que dependa exclusivamente do setor privado, a agenda depende muito do posicionamento e da iniciativa do governo e, em particular, do governo federal.
Dan Ioschpe
O Pedro, que me antecedeu na presidência do IEDI, e tem um tempo imenso de serviços prestados à indústria e ao setor de pesquisa e inovação no Brasil, abordou muito bem os tópicos essenciais de que nós podemos discutir aqui.
Para o IEDI, que é a entidade que mais pensa, debate e tenta formular propostas, sem entrar nos diversos setores, devido à sua natureza multissetorial, é que o desenvolvimento socioeconômico do Brasil ocorre a partir da perspectiva da indústria.
De fato, existe uma correlação muito importante, com poucas exceções ao redor do mundo, entre o desenvolvimento socioeconômico – que envolve, obviamente, o crescimento geral do PIB dos países e a boa distribuição de renda – e o crescimento da indústria e dos serviços a ela agregados. Ao mesmo tempo, a indústria é fundamental para o desenvolvimento da pesquisa e o desenvolvimento da inovação.
Temos, portanto, um tripé muito adequado para este foro, que é refletir qual é a condição para termos um desenvolvimento socioeconômico no nosso país, para que tenhamos uma melhor performance do setor industrial e, ao mesmo tempo, como vamos lidar com um mundo onde, cada vez mais, se aceleram a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação.
Porque, hoje, não temos uma atividade industrial dinâmica, relevante e crescente e, pessoalmente, eu acredito que isso não será possível avançarmos sem indústria. Assim como acredito que quase todos os pensadores, mesmo aqueles que consideravam o desenvolvimento industrial como algo irrelevante, começam a transformar seu pensamento, passando a acreditar ser necessário ter uma agenda, uma coordenação, que envolva a iniciativa privada, a sociedade como um todo, a academia, mas, fundamentalmente, o governo, que é quem possui a condição de articular propostas mais inteligentes e também de transitar pelos diferentes poderes que constituem a governança do país.
No gráfico apresentado pelo Pedro, que indicava a relação entre o PIB e a participação da indústria, é possível notar isso de forma evidente. Talvez não seja possível aumentar significativamente o PIB sem “vitaminar” a indústria. E, por sua vez, a indústria não vai crescer se ela não for orientada para a pesquisa, desenvolvimento e inovação.
No passado, a política industrial no Brasil se confundiu muito com conteúdo local. Esta não é mais a tônica do debate. Ao redor do mundo, o tema-chave tem sido a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação.
Claro que, neste momento de Covid-19, de guerra, o reshoring também é uma preocupação crescente e o Brasil também deveria pensar nisso e aproveitar as oportunidades que isso traz. Mas a médio e longo prazo, mais do que pensar primordialmente no conteúdo local, é necessário pensar na pesquisa, desenvolvimento e inovação, pois é isso que trará, com certeza, muito mais produção local e não o inverso.
Quando observamos o crescimento do PIB carregado pela indústria, fica claro que a indústria entrega o melhor multiplicador em relação ao seu crescimento específico e o crescimento do PIB geral de qualquer país, porque ela agrega uma enormidade de serviços e de outros produtos, inclusive agrícolas, na sua plataforma.
A indústria é o grande catalisador de valor para que haja uma sinergia, uma multiplicação dos fatores ao lado da questão do crescimento do PIB. Além da agroindústria, temos o exemplo de produtos derivados da fauna e da flora que podem ser base da nossa indústria. Quando analisamos soluções para o caso da Amazônia, esses fatores são importantes para lidarmos com o desenvolvimento futuro daquela região.
A indústria também é o setor que vai gerar os melhores empregos, considerando a formalização e o valor do rendimento per capita do setor, boas condições de trabalho conectadas à vida contemporânea e educação continuada. Em nenhum outro setor se pratica mais a educação continuada do que na força de trabalho da indústria.
Por fim, há a questão dos impostos. Devido à formalização do trabalho, ao seu efeito multiplicador, ao caráter tangível dos seus produtos, a indústria se torna a maior coletora de impostos em qualquer país, em qualquer regime tributário. É claro que no Brasil ocorre uma aberração, já que temos uma enormidade de arrecadação do setor industrial, o que precisa ser ajustado. Mas mesmo em um esquema isonômico, em que todos os setores estivessem diante de uma mesma tributação, seria possível notar que a indústria contribuiria mais do que sua parcela do PIB em quase todas as situações.
De fato, começa a haver uma melhora do pensamento médio da academia, dos influenciadores, dos pensadores – mesmo aqueles que estavam mais distantes dessa situação –, por entender alguns erros cometidos no passado recente, e também o exaurimento de uma rota que não tem entregado o resultado desejado.
A segunda parte desse assunto deve refletir sobre o que deve compor essa agenda em prol da indústria brasileira. Conforme os temas abordados anteriormente, podemos perceber que eles gravitam em torno de uma ideia de competitividade e maior produtividade, porque, segundo os dados, a indústria brasileira está sofrendo com um decréscimo desses itens, se compararmos a produtividade e competitividade brasileira com a dos EUA e outros países.
Esse problema se deve essencialmente à redução da escala, às condições sistêmicas desfavoráveis e a uma própria profecia autoembutida ligada às opções dos agentes econômicos. É necessário, portanto, tratar dessa agenda da competitividade e produtividade.
O IEDI entende que, além dos fatores já colocados, existem quatro questões essenciais para compor uma agenda: a tranquilidade institucional, ligada à segurança jurídica, que é um tema muito importante; a questão da redução da desigualdade social; a preocupação com o meio ambiente, em que a Amazônia é um capítulo importante; e também a questão de uma trajetória do equilíbrio macroeconômico ao longo do tempo, que, obviamente, envolve as questões fiscais – difíceis de serem ajustadas, mas que, em uma visão de trajetória e combinada com esses três pontos mencionados, parece bastante viável.
À parte desses pontos, não há nenhum segredo na agenda. A reforma tributária é um item específico da agenda, que trará o melhor resultado individual. A unificação dos tributos sobre os consumos e bens e serviços em um nível nacional como previa a PEC 45, ou como de certa forma prevê a PEC 110, é fundamental e, por isso, deveria ser prioridade. A reforma administrativa, não no sentido de retirar ou alterar os benefícios existentes, mas de gerar produtividade no trato do mundo privado com o público, com a digitalização e a melhor entrega dos serviços. Além, é claro, da redução do custo de prestação que virá como consequência das melhorias.
A infraestrutura, pois o Brasil carece dramaticamente disso. O mundo agora está entrando em um universo de 5G, de conectividade, e o país vai sofrer as consequências negativas desse atraso como já sofreu com portos, aeroportos e estradas. O Brasil vai sofrer com o mundo virtual se não acelerarmos o avanço nessa área. E para que isso aconteça o setor público e privado terão que conviver e trabalhar cada qual em sua área de maior expertise.
O tema da reforma trabalhista também é importante, pois além de não termos retrocessos nas questões essenciais em que conseguimos avançar e que retiraram insegurança e custo de grande parcela do processo, há também que se pensar nas novas formas de trabalho. Algumas indústrias e prestações de serviço não terão futuro no nosso país se usarmos um arcabouço trabalhista muito antigo para fazer o novo.
A questão da insegurança jurídica, mencionada no início, percorre todas as áreas do ambiente brasileiro. Vale ressaltar ainda que a questão da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação é chave, pois não existem, atualmente, bons mecanismos em geral (apesar de possuirmos algumas instituições excepcionais nessa área, como: Cimatec, CTIs, Embrapii, entre outros exemplos); também temos a Lei do Bem, mas que não funciona a contento; além de alguns exemplos de iniciativas setoriais como o Rota 2030, que tem uma funcionalidade e um uso efetivo muito maior e que talvez devessem ser transformados em plataformas horizontais mensuráveis, para que fosse possível acelerar a questão do PD&I. É preciso lembrar também da importância do não contingenciamento de recursos públicos para a inovação, que é uma tipicidade do nosso ambiente e atrapalha muito. Não se pode adiar essas ações que devem ser tomadas.
O papel do BNDS é fundamental nessa agenda e deveria estar focado na infraestrutura, no fomento a PD&I, sobretudo na digitalização e na sustentabilidade, e no avanço do comércio exterior.
A maior integração do Brasil ao mundo deve ser realizada de forma continuada e incondicional, pois estamos atrasados e precisamos avançar nessa agenda, com celeridade e eficiência. O caminho unilateral existe, mas eventualmente traz uma série de complexidades e algumas soluções pensadas para ajudá-lo na sua execução, às vezes, podem ser responsáveis pela sua própria finitude, como, por exemplo, o que houve nos anos 1990, quando algumas políticas retrocederam por sua ineficácia. Por sua vez, acordos comerciais tendem a ser muito mais perenes.
O acordo com a União Europeia é fundamental, a manutenção do Mercosul é muito importante e o ingresso na OCDE também, para a adoção de boas práticas na economia brasileira, já estão comprovadas em países com maior desenvolvimento socioeconômico do que o nosso.
Portanto, o Brasil precisa avançar na industrialização sob pena de não obtermos progresso socioeconômico, que advêm, inclusive, do crescimento do PIB, de uma melhor distribuição de renda, com uma melhor institucionalidade e com a preservação do meio ambiente. E, obviamente, não haverá uma agenda de industrialização sem que pesquisa, desenvolvimento e inovação sejam tratados como prioridade.
Essas medidas não podem ser episódicas, elas precisam ser realizadas rotineiramente, dentro de uma agenda bem elaborada e continuada, de uma agenda de Estado, pois precisará ser adotada por mais de um mandato, dado que não é possível atingir todos os objetivos em apenas quatro anos. Adotando essas medidas, haverá aumento de empregos, maior desenvolvimento socioeconômico e maior arrecadação para os nossos governos.
Raul Calfat
As apresentações do Pedro e do Dan foram muito abrangentes e tocaram nos pontos mais relevantes em relação aos problemas da indústria e eventuais caminhos para solucioná-los.
Dois pontos que foram citados merecem ser aprofundados: o primeiro deles é a causa que explica a falta do desenvolvimento industrial. O segundo é o posicionamento industrial estratégico em relação ao futuro.
Sobre os problemas que afetam a indústria, é importante enfatizar o fato de que a indústria, em relação aos diversos segmentos econômicos do país, sofre com uma “sobretributação”, enquanto o agro, o setor de serviços e, mais recentemente, a área digital, são subtributadas.
Portanto, quando se analisa a tributação total do país, e percebe-se que a carga tributária é muito alta, pode-se concluir que a causa dessa tributação alta deve-se aos impostos pagos pela indústria, já que os demais setores são subtributados.
Vale ressaltar, ainda, que no Brasil há algumas modalidades como o Simples, MEI, “Pejotização”, que pagam, em média, 10% de imposto de renda, enquanto a indústria paga 34%. Por isso, em grande parte, o gráfico mostrado pelo Pedro, elaborado pelo Carlos Rocca, indica que o retorno sobre o capital investido é inferior ao seu custo, o que gera falta de investimento.
Com isso, o Brasil perde relevância, embora tenha tecnologia, amplo parque industrial, recurso disponível e, principalmente, mão de obra especializada. Tudo isso devido à alta carga tributária que lhe é imposta. Quem não remunera o capital investido, não continua a reinvestir, então, a indústria aqui é a “rainha” do sustaining, ela investe basicamente em sustentação do parque industrial que existe: investe pouco em modernização e pouco em expansão.
Esses são os aspectos mais relevantes que devem ser aprofundados, pois o investimento no setor agro, por exemplo, que antes precisava de estímulo para poder crescer, hoje, com escala, com tecnologia, compensação de variações climáticas, transformou-o num setor rentável. Mas quando se começa a discutir qualquer tipo de tributo, essa discussão não avança no Congresso.
Assim, a indústria continua onerada e os problemas advindos são todos os que nós conhecemos. Esse é o primeiro ponto importante de ser levantado, pois se ele não for resolvido, dificilmente o Brasil terá uma indústria competitiva.
O segundo ponto é sobre o posicionamento estratégico da área industrial, ou seja, como a indústria brasileira deve se posicionar. Como traçar os estímulos necessários para que haja investimentos nos diferenciais competitivos e a indústria nacional se torne relevante no jogo de forças mundial.
A geopolítica atual divide o mundo, mas traz enormes oportunidades para o Brasil, que é um país com matéria-prima em metais, energia, o agronegócio, ou seja, tem enormes possibilidades de se tornar um player muito relevante no jogo de forças mundial. É sabido que para um país ser relevante, ele tem que ser respeitado e estar dentro desse jogo de forças, fornecendo produtos que são essenciais para o mundo como um todo.
O Brasil tem muitas possibilidades de entrar nesse jogo, pois tem energia renovável, já que o país tem muito sol e vento, o que significa que tem capacidade de gerar uma gigantesca quantidade de energia renovável. Esse potencial, associado ao hidrogênio verde, pode tornar o Brasil muito relevante como exportador de energia renovável.
Há, também, a possibilidade de o Brasil se inserir na cadeia de suprimentos de equipamentos, tanto em energia eólica como solar, embora com mais probabilidade de ser bem-sucedido como exportador de equipamentos ligados à primeira do que a segunda, devido à escala. A China construiu um parque de produção de equipamentos solares gigantesco que pode suprir o mundo com uma capacidade de 180 Giga de energia solar. O Brasil produz 15 Giga. Dificilmente, portanto, uma indústria de equipamento solar nacional poderá competir com a indústria chinesa nesse setor.
Esse tipo de análise precisa ser feito pelo governo, para que não se desperdice dinheiro público. Para fazer esse tipo de análise, é preciso ter um governo que tenha a capacidade de fazer planejamento. É necessário restaurar essa capacidade que existia no serviço público. Esse é um direcionamento essencial, pois se o Brasil investir indiscriminadamente, sem análise ou planejamento, terá de retroagir, porque essas empresas certamente não vão conseguir competir a longo prazo.
Uma outra área fundamental é a de defesa cibernética, em que o Brasil tem algumas empresas de certa relevância, com bastante competência para atuar e, por isso, o país deveria encarar com mais seriedade a formação de profissionais nessa área. É preciso formar gente qualificada para não ficarmos à mercê de fornecimentos ou atuações internacionais.
Uma área seguinte, também muito relevante, é a de mobilidade urbana, que além da tradicional, como os carros, ônibus e caminhões, também temos competências em veículos aéreos e, nesse segmento, contamos com uma empresa que é um expoente mundial, a Embraer, que compete para lançar o melhor produto do mundo daqui a poucos anos, talvez daqui a três anos.
Então é fundamental que todos os entraves em relação a essa área sejam removidos, pois o Brasil pode ser um dos maiores fornecedores de veículos de mobilidade aérea do mundo, já que atualmente só existem três empresas que fornecem aviões comerciais: a Airbus, a Boeing e a Embraer. Nem a China ou a Rússia conseguem fazer aviões comerciais. Os aviões produzidos por estes países não são competitivos nem apropriados. Portanto precisamos valorizar certos produtos internos, com nossa tecnologia, para atender à demanda mundial nesse jogo de forças geopolíticas.
Outra área são os semicondutores, e certamente o Brasil precisa ter algum tipo de autonomia nela. A indústria automobilística enfrenta uma queda de 22% na produção nos primeiros quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado devido à falta de semicondutores. Isso acontece em vários lugares do mundo, mas não precisaria acontecer aqui, bastaria existir um planejamento nessa área que direcionasse investimentos e tornasse esse setor menos vulnerável.
E, por fim, a questão de terras raras, que são essenciais à produção de uma série de produtos de altíssima tecnologia, mas, apesar de o país possuir essas terras, pouco as explora. E ainda é possível que isso esteja sendo exportado sob outra nomenclatura, sem que ninguém saiba, depredando essas reservas.
É importantíssimo que haja planejamento no setor público, que isso seja restaurado, e que haja um posicionamento industrial estratégico que traga diferenciais competitivos com relevância para o Brasil.
Para concluir, também seria importante fazer uma revisão geral nas desonerações tributárias que beneficiam a indústria. Atualmente, existe um volume muito grande de desonerações – cerca de 350 bilhões de reais por ano –, que abrange filantrópicas, setor educacional, Simples, mas também a indústria.
O importante é que as políticas de governo sejam horizontais, e não mais políticas verticais, porque a grande maioria das empresas que são beneficiadas com essas desonerações tributárias, também na área industrial, acabam sendo favorecidas se não têm motivo nenhum para receber esse tipo de desoneração e outros setores não.
Então, é fundamental que isso seja revisto, e que políticas horizontais sejam aplicadas na maior extensão possível, pois as desonerações poderiam ser muito menores do que são hoje, e os recursos investidos nas diversas áreas carentes do Brasil.