Carta IEDI
Economia Mundial em Desaceleração
O último cenário do FMI para a economia global, divulgado em out/22 prevê a continuidade da desaceleração econômica, de um crescimento do PIB mundial de 6,1% em 2021 para 3,2% em 2022 e, então, para 2,7% em 2023. Em relação ao cenário de jul/22, o FMI cortou em 0,2 ponto percentual sua projeção para 2023. Com isso, o desempenho do biênio 2022-2023 vai se distanciando a média dos últimos vinte anos (3,6% em 2000-2021). O comércio mundial, que cresceu 10,1% em 2021, não deve passar de 2,5% em 2023.
Isso se deve basicamente a dificuldades nas três maiores economias do mundo, Estados Unidos, China e Área do Euro, devido à materialização de riscos identificados anteriormente pelo Fundo:
• deterioração das condições financeiras globais devido às expectativas de altas mais expressivas das taxas de juros básicas pelos principais bancos centrais para conter a inflação;
• maior desaceleração da economia chinesa devido à política de Covid-19 zero e ao agravamento da crise no setor imobiliário;
• impacto adverso da guerra na Ucrânia devido à forte redução na oferta de gás natural da Rússia para a Europa.
Embora esse cenário não contemple uma contração do PIB global ou do PIB global per capita, uma recessão técnica, isto é, por dois trimestres consecutivos, é esperada no período 2022-2023 em cerca de 43% das economias, que representam mais de 1/3 do PIB global.
Para os países avançados (EAs), o FMI estima que o crescimento do PIB vá cair pela metade neste e no próximo ano, ao passar de 5,2% em 2021 para 2,4% em 2022 e para 1,1% em 2023. A economia americana é quem registrará a maior desaceleração: 5,7% em 2021 e 1,6% em 2022, devido à queda da renda real das famílias e às taxas de juros mais altas, que deprimem o consumo e o investimento residencial. A perda de dinamismo seguirá em 2023, mas em menor intensidade: 1,0%.
Na área do euro, a desaceleração será mais forte em 2023, quando o crescimento previsto é de somente 0,5% ante 2,6% em 2022. No Reino Unido, a desaceleração prevista também é expressiva, de 3,6% em 2022 para mero 0,3% em 2023. Entretanto, para o Japão, o FMI espera manutenção do ritmo de expansão do PIB, em torno de 1,7% tanto em 2022 como em 2023. Assim, cabe enfatizar que após décadas ficando para trás no ranking de crescimento dos países avançados, a economia japonesa deve ocupar a primeira posição em 2023.
Quanto aos emergentes e em desenvolvimento, o FMI observa uma desaceleração maior do que a registrada na crise financeira global. A alta do PIB deste grupo deve passar de 6,6% em 2021 para 3,7% em 2022, mas se mantendo neste mesmo ritmo em 2023. Na Ásia emergente e em desenvolvimento, a expansão projetada para 2022 é de 4,4%, isto é, bem aquém do resultado de 7,2% em 2021. Já em 2023, deve haver aceleração para 4,9%, sob influência da economia chinesa.
Na Europa emergente e em desenvolvimento, região mais afetada pela guerra na Ucrânia, o FMI prevê o pior desempenho: estagnação em 2022 e uma baixíssimo crescimento em 2023, de apenas 0,6%. O anêmico desempenho médio da região reflete, sobretudo, a contração esperada tanto na Rússia, de -3,4% em 2022 e -2,3% em 2023, como na Ucrânia, de -35% em 2022.
A América Latina e Caribe, por sua vez, será a região em desenvolvimento com o segundo pior desempenho econômico, desacelerando 6,9% em 2021 para 3,5% em 2022 e 1,7% em 2023, devido, sobretudo, das suas duas principais economias, Brasil e México.
O crescimento previsto para o Brasil em 2022 foi revisado para cima pelo FMI, passando 1,7% no cenário de jul/22 para 2,8% agora no cenário de out/22, mas o resultado de 2023 foi reduzido de 1,1% para 1,0%. Ou seja, no próximo ano o dinamismo de nossa economia deve ser de apenas 1/3 do ritmo de 2022. Para o México, a desaceleração também deve ser importante, mas não tão forte como a do Brasil, passando de 2,1% em 2022 para pouco mais da metade disso em 2023: 1,2%.
O crescimento previsto para a África subsaariana em 2022 é ligeiramente superior ao da América Latina e Caribe, de 3,6%, e se manterá praticamente no patamar em 2023 (3,7%). Já para o Oriente Médio e a Ásia Central, o crescimento projetado é de 5% em 2022, o mais elevado entre as regiões emergentes e em desenvolvimento em decorrência do cenário favorável para as economias exportadoras de petróleo e de um impacto menor do que o esperado da guerra na Ucrânia nas economias do Cáucaso e Ásia central. Espera-se alta de 3,6% em 2023, se as projeções de queda nos preços do petróleo e desaceleração global se confirmarem.
O balanço de riscos do cenário atual, segundo o FMI, apresenta viés negativo. De forma geral, os riscos são elevados diante da sobreposição dos efeitos adversos da guerra na Ucrânia, das políticas monetárias contracionistas para combater a inflação e dos efeitos prolongados da pandemia.
O FMI aponta oito fatores de riscos que, caso se materializem, podem deprimir ainda mais o crescimento global e manter a inflação alta por mais tempo: erros na calibragem da política monetária: trajetórias divergentes das políticas monetárias nas economias avançadas e manutenção do dólar forte; persistência da inflação; crises de dívida em economias emergentes vulneráveis; interrupção da oferta de gás russo para a Europa; surgimento de novas variantes do Covid-19, e; fragmentação da economia global dificultando a cooperação internacional.
Para recolocar a economia global numa trajetória benigna de baixa inflação e crescimento sustentável e inclusivo, o FMI recomenda um conjunto de iniciativas de políticas com impacto imediato, no médio prazo e no longo prazo, dentre as quais:
• prioridade ao combate da inflação;
• proteção da população mais vulnerável;
• afastar os riscos de retorno da pandemia;
• aperfeiçoamento do arcabouço de resolução de dívidas soberanas;
• medidas preventivas para enfrentar condições financeiras mais restritivas, incluindo medidas de gestão dos fluxos de capitais;
• políticas climáticas e fortalecimento da cooperação internacional.
Introdução
Esta Carta IEDI apresenta o mais recente cenário do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o desempenho da economia global em 2022 e 2023 divulgado no final de out/22 no relatório World Economic Outlook (WEO) do Fundo.
A primeira seção também faz uma comparação deste cenário com as últimas projeções de duas outras instituições multilaterais, a UNCTAD e a OCDE, que foram divulgadas no mês de set/22. A segunda seção, por sua vez, detalha o desempenho recente da economia global, que embasa a revisão do cenário do FMI, enquanto a terceira seção sumariza o balanço de riscos apontados pelo Fundo. Por fim, a quarta e última seção resume as recomendações de política do FMI.
Cenário para a economia global
O cenário básico do FMI de outubro de 2022 prevê uma expressiva desaceleração da economia global, com as projeções do PIB mundial passando de 6,1% em 2021 para 3,2% em 2022 e, então, para 2,7% em 2023.
Nesta última revisão, embora o crescimento esperado para o corrente ano tenha se mantido o mesmo do cenário de julho, a projeção para 2023 recuou 0,2 ponto percentual (p.p). Assim, o desempenho econômico global ficará bem abaixo da média do período 2000-21, de 3,6%.
O cenário recente ancora-se nas seguintes hipóteses que, como ressalta o Fundo, “plausivelmente podem não se confirmar”:
• Não haverá cortes no fornecimento de gás da Rússia para o resto da Europa, em 2022, para além da atual redução de 80% na comparação com o ano anterior;
• As expectativas de inflação de longo prazo se manterão estáveis;
• A política monetária contracionista não provocrá uma recessão generalizada, nem ajustamentos desordenados nos mercados financeiros globais.
As projeções da UNCTAD e da OECD são ainda mais pessimistas. Para o ano de 2022, estimam crescimento do PIB mundial de 2,5% e 3%, respectivamente. Já para 2023, as duas instituições preveem um crescimento menor: de 2,2%, isto é, 0,5 p.p. abaixo da estimativa do último cenário básico do FMI.
Excluindo as recessões em 2009 e 2020, provocadas pelas crises financeira global de 2008-2009 e pela pandemia de Covid-19, caso essas projeções venham a se confirmar, o resultado do PIB de 2023 será o menor crescimento da economia global desde 2001 (2,5%) ano de ataque às torres gêmeas, nos EUA.
No cenário básico do FMI, as três maiores economias do mundo – Estados Unidos, China e Área do Euro – desacelerarão significantemente, devido à materialização dos riscos mencionados nos WEO de abr/22 e de jul/22, quais sejam:
• deterioração das condições financeiras globais devido às expectativas de altas mais expressivas das taxas de juros básicas pelos principais bancos centrais para conter a inflação;
• maior desaceleração da economia chinesa devido à política de Covid-19 zero e ao agravamento da crise no setor imobiliário;
• impacto adverso da guerra na Ucrânia devido à forte redução na oferta de gás natural da Rússia para a Europa.
Embora esse cenário não contemple uma contração do PIB global ou do PIB global per capita, uma recessão técnica, isto é, por dois trimestres consecutivos, é prevista durante 2022-2023 em cerca de 43% das economias com projeções de crescimento trimestrais (32 dentre 72 países), que representam mais de 1/3 do PIB global.
No caso dos preços das commodities não energéticas e energéticas, a projeção é de altas mais suaves em 2022 e deflação em 2023 em linha com a recente trajetória descendente das cotações futuras. Essa trajetória reflete o impacto positivo nas expectativas da “Iniciativa de grãos do Mar Negro” (Black sea grain initiative), que desbloqueou as exportações de grãos pela Ucrânia, e a própria desaceleração da atividade econômica, como detalhado na próxima seção.
Projeções para as Economias Avançadas
Nas economias avançadas (EAs), o crescimento do PIB, segundo o FMI, recuará de 5,2% em 2021 para 2,4% em 2022 e então para 1,1% em 2023 (revisões negativas de, respectivamente, de 0,1 p.p. e 0,3 p.p. frente ao cenário de julho).
A economia americana registrará a maior desaceleração, de 5,7% em 2021 para 1,6% em 2022 (-4.1 p.p). O cenário para a maior economia do mundo foi o único com revisão negativa (de -0,7 p.p) nesse grupo em relação ao cenário de julho devido à inesperada contração do PIB no segundo trimestre. Essa contração decorreu da queda da renda real das famílias e das taxas de juros mais altas que afetaram negativamente o consumo e o investimento residencial. A perda de dinamismo seguirá em 2023, mas em menor intensidade: +1,0%, mesma projeção de jul/22.
Na Área do Euro, a desaceleração em 2022 será menos significativa que nos Estados Unidos - de 5,2% em 2021 para 2,6% (-2,1 p.p.), mas, em 2023, mal haverá crescimento na região: somente 0,5%. Esse cenário reflete, sobretudo, o impacto da guerra na Ucrânia nas economias mais expostas aos cortes na oferta de gás pela Rússia e ao aperto nas condições financeiras decorrente da mudança na orientação da política monetária. Além do fim da política de afrouxamento quantitativo, o Banco Central Europeu elevou a taxa de juros básica em duas reuniões consecutivas (0.5 p.p. em julho e 0,75 p.p em setembro).
Em contrapartida, há fatores positivos mitigadores, como o patamar ainda mais baixo da taxa de juros e os recursos do plano NextGenerationEU, que tem estimulado a atividade econômica em alguns países. Contudo, o desempenho médio regional da Área do Euro encobre uma forte heterogeneidade entre os países membros.
Na Espanha e Itália, a recuperação dos serviços relacionados ao turismo e da produção industrial no primeiro semestre de 2022 explica a revisão positiva da projeção de crescimento para 3,2% e 4,3% em 2022, respectivamente. Todavia, a desaceleração será expressiva em 2023: contração de 0,2% na Itália e expansão de apenas 1,2% na Espanha. Já o crescimento esperado para as duas maiores economias é bem menor, de 1,5% para a Alemanha e 2,5% para a França, sendo a desaceleração adicional em 2023 particularmente expressiva para a economia alemã, que ficará estagnada.
No Reino Unido, a desaceleração prevista também é expressiva, de 7,4% em 2022 (crescimento recorde entre as principais EAs) para 3,6% em 2022 e para 0,3% em 2023. Os principais determinantes são o impacto negativo da inflação no poder de compra das famílias e a política monetária restritiva que afeta negativamente tanto o consumo como o investimento.
Já a projeção para o Japão é de manutenção do crescimento no mesmo patamar de 2021 em 2022 (1,7%) com uma perda muito pequena de ritmo em 2023 para 1,6%. Assim, após décadas como lanterninha no ranking de desempenho econômico das EAs, a economia japonesa ocupará a primeira posição em 2023.
Projeções para as Economias Emergentes e em Desenvolvimento
O FMI prevê uma desaceleração do crescimento nas Economias Emergentes e em Desenvolvimento (EMEDs) de 6,6% em 2021 para 3,7% em 2022 e manutenção desse ritmo em 2023. Assim, a perda de dinamismo em 2022 (-3,0 p.p.) será maior do que a registrada na crise financeira global. A ligeira revisão positiva do crescimento projetado para 2022 frente ao cenário de julho (+0,1 p.p.) decorreu da contração menor do que a esperada na Europa emergente e em desenvolvimento.
Na Ásia emergente e em desenvolvimento, a expansão projetada para 2022 é de 4,4%, uma desaceleração de 2,6 p.p. frente a 2021, quando a região cresceu 7,2%. Em 2023, o cenário atual prevê uma aceleração para 4,9%. Tanto a expressiva desaceleração de 2022 como o maior dinamismo de 2023 refletem, sobretudo, o desempenho esperado da economia chinesa, a maior da região. A drástica política de Covid zero e a piora da crise no setor imobiliário chinês explicam o crescimento projetado para o PIB do país de somente 3,2% em 2022 (contra 8,1% em 2021).
Já a desaceleração prevista para a Índia em 2022 é bem menor do que a da China, de 8,7% em 2021 para 6,8% (-1,3 p.p.), mas a perda de ritmo seguirá em 2023, com um crescimento projetado de 6,1%, que ainda assim será bem superior ao da economia chinesa.
Na Europa emergente e em desenvolvimento, região mais afetada pela guerra na Ucrânia, o FMI prevê o pior desempenho entre as EMEDs, com crescimento nulo em 2022 e uma suave aceleração para 0,6% em 2023.
O anêmico desempenho médio desta região reflete, sobretudo, a contração esperada para a Rússia de 3,4% em 2022 e 2,3% em 2023, e de 35% para a Ucrânia em 2022. A revisão positiva do cenário para a economia russa frente a julho (contração de -6% em 2022) reflete três fatores: a resiliência das exportações de petróleo; o melhor desempenho da demanda doméstica num contexto de políticas fiscal e monetária expansionistas; a restauração da confiança no sistema financeiro.
A América Latina e Caribe será a região em desenvolvimento com o segundo pior desempenho econômico, segundo o FMI, desacelerando de 6,9% em 2021 para 3,5% em 2022. A projeção em julho era mais pessimista (3,0%), mas foi revista positivamente devido ao maior dinamismo da atividade econômica no primeiro semestre de 2022 do que o previsto, o que está associado à alta dos preços das commodities, às condições financeiras globais ainda relativamente favoráveis e à normalização da atividade nos setores de serviços.
Grande parte dessa revisão favorável na América Latina e Caribe reflete o maior crescimento previsto para a economia brasileira, de 2,8% no cenário atual contra 1,7% em julho. Já as perspectivas para a economia mexicana se deterioraram, com a expansão projetada recuando de 2,4% em julho para 2,1% em outubro. Todavia, o cenário supõe que a perda de dinamismo ganhará impulso a partir do final de 2022 devido a condições financeiras globais adversas e redução do crescimento nos parceiros comerciais. Neste contexto, o crescimento projetado para 2023 é de somente 1,7% para a região, sendo de 1% para o PIB do Brasil e de 1,2% para o PIB do México.
O crescimento previsto para a África Subsaariana em 2022 é ligeiramente superior ao da América Latina e Caribe – de 3,6% frente à expansão de 4,7% em 2021 – e se manterá praticamente no patamar em 2023 (3,7%). Todavia, o cenário sofreu deterioração frente a julho em função do menor crescimento dos parceiros comerciais, condições financeiras mais apertadas e mudança negativa dos termos de troca.
O Oriente Médio e a Ásia Central terão o melhor desempenho entre as regiões emergentes e em desenvolvimento. O crescimento projetado é de 5% em 2022, uma aceleração de 0,5 p.p. frente a 2021, em decorrência do cenário favorável para as economias exportadoras de petróleo e de um impacto menor do que o esperado da guerra na Ucrânia nas economias do Cáucaso e Ásia central. Em 2023, o crescimento deve recuar para 3,6%, em função da queda prevista dos preços do petróleo e do impacto da desaceleração global.
Desempenho recente da economia global
A economia global encontra-se num momento especialmente volátil com vários desafios associados a mudanças econômicas, políticas e climáticas. A inflação atingiu patamares recordes em décadas desencadeando rápidas mudanças na orientação da política monetária nas principais EAs e EMEDs e comprimindo o orçamento das famílias num contexto de retirada do suporte fiscal associado à pandemia de Covid-19.
Ao mesmo tempo, a guerra na Ucrânia levantou a possibilidade de significantes perturbações geopolíticas e intensas ondas de calor e inundações na Europa e no centro e sul da Ásia sinalizam um futuro mais inóspito devido às mudanças climáticas.
Indicadores antecedentes divulgados em ago/22 confirmaram a desaceleração generalizada da economia global. No segundo trimestre de 2022, o PIB real global se contraiu ligeiramente devido aos recuos na China, Rússia e Estados Unidos e à forte perda de dinamismo na Europa do Leste, região mais afetada pela guerra na Ucrânia e pelas sanções contra a Rússia. Em contrapartida, a Área do Euro surpreendeu positivamente sob a liderança das economias dependentes de turismo, como Itália e Espanha.
Um determinante-chave da desaceleração no primeiro semestre de 2021 foi a rápida mudança na orientação da política monetária de acomodatícia para contracionista nas principais EAs e EMEDs. Essa mudança foi uma resposta à aceleração da inflação num ritmo mais rápido e persistente do que o esperado.
Em meados de 2022, a inflação nas EAs atingiu seu valor mais elevado desde 1982. Nos Estados Unidos, ela atingiu 8,3% em agosto, um dos níveis mais elevados em 40 anos, e em torno de 10% na Área do Euro e no Reino Unido, em setembro. A inflação média nas EMEDs chegou a 11% no terceiro trimestre, cifra mais elevada desde 1999. Contudo, embora a inflação atual seja um fenômeno global, seus impactos são mais adversos nas economias em desenvolvimento de baixa renda onde as famílias gastam mais da metade da sua renda em alimentos.
Três principais fatores estão subjacentes à aceleração inflacionária:
• as reverberações da forte recuperação da demanda em 2021;
• o reequilíbrio da demanda em direção aos serviços;
• a alta dos preços das commodities alimentícias e energéticas.
Embora o pass-through dessa alta para os preços ao consumidor ainda responda por grande parte da inflação, as cotações futuras estão em queda. Assim, os efeitos do choque de commodities começaram a se dissipar.
Em contrapartida, os núcleos dos índices de preços devem se manter elevados na segunda metade de 2022 devido a pressões de custo nas cadeias globais de valor e mercados de trabalho ainda aquecidos. Todavia, na visão do FMI, espirais de preço-salário ainda não estão no horizonte.
Outra boa notícia é que, de forma geral, as expectativas de inflação no longo prazo seguem estáveis.
O aumento das taxas de juros básicas e, com isso, do custo do crédito, está sendo eficaz em conter a atividade econômica. O setor imobiliário mostrou os primeiros sinais de perda de dinamismo nas EAs, com destaque para os Estados Unidos. Também tem contribuído para a desaceleração a retirada dos estímulos fiscais na maioria das economias.
De forma geral, as taxas de básicas nominais estão acima do patamar pré-pandemia tanto nas EAs como nas EMDEs. Em contrapartida, como na maioria dos países a alta dessas taxas foi menor do que o aumento da inflação, as taxas reais continuam abaixo do patamar pré-pandemia.
As condições financeiras restritivas na maioria das regiões resultaram em apreciação do dólar, alta dos spreads entre os títulos das EMEDs com alto risco de crise de dívida externa e os títulos soberanos denominados em dólar e euro, e saída de capitais das EMEDs. Considerando os fundos de renda fixa dedicados aos mercados emergentes, essa saída foi expressiva, atingindo 10% do total dos ativos sob gestão desses fundos no acumulado do ano até julho, mas foi menos intensa que o observado em 2013 e 2015.
Além da orientação da política macroeconômica, dois fatores reforçaram a desaceleração da economia global.
O primeiro foi a política de Covid zero na China – que envolveu forte restrição à mobilidade em resposta aos novos surtos da pandemia no primeiro trimestre de 2022 – a qual teve efeitos adversos não somente na atividade economia doméstica, mas também nas cadeias globais de valor.
O segundo fator é a guerra na Ucrânia, que resultou em cortes na oferta do gás para a Europa e, consequentemente, aumentos no preço das commodities energéticas que já estavam em trajetória ascendente antes da eclosão do conflito. A incerteza em relação a essa oferta contribuiu para a desaceleração da atividade economia na Europa, particularmente no setor manufatureiro. Todavia, a recuperação da atividade econômica nos países dependentes do setor de turismo contribuiu para amortecer a perda de dinamismo nessa região.
Balanço de riscos do cenário do FMI
O balanço de riscos do cenário atual do FMI tem viés negativo, como em abril. De forma geral, os riscos são elevados diante da sobreposição dos efeitos adversos da guerra na Ucrânia, das políticas monetárias contracionistas para combater a inflação e dos efeitos prolongados da pandemia. O FMI aponta oito fatores de riscos que, caso se materializem, podem deprimir ainda mais o crescimento do PIB mundial e manter a inflação alta por mais tempo.
Erros na calibragem da política monetária: os bancos centrais encontram-se numa situação particularmente difícil na qual o risco de erros de política é particularmente grande. Por um lado, um aperto insuficiente pode deteriorar as expectativas de inflação no longo prazo e exigir uma orientação ainda mais restritiva no futuro, com efeitos adversos na atividade econômica e no emprego. Por outro lado, um aperto excessivo pode desencadear uma recessão prolongada em várias economias.
Trajetórias divergentes e dólar forte: divergências na política monetária nas EAs podem seguir contribuindo para a apreciação do dólar, que em 2022 (até agosto) foi em torno de 25% frente ao iene, 20% frente à libra esterlina, 15% frente ao euro e 10% frente ao renminbi.
O diferente ritmo de aperto na política monetária nos Estados Unidos e na área do euro – e, assim, o diferencial positivo entre a taxa de juros básica do Federal Reserve e do Banco Central Europeu (BCE) – pode persistir se a inflação não recuar rapidamente e se “riscos de fragmentação” na área do euro se tornarem um obstáculo para uma orientação mais restritiva da política monetária nessa região.
Na China a orientação atual da política monetária é expansionista e no Japão a taxa de juros básica pode se manter baixa diante do comportamento benigno dos núcleos de inflação e do tímido crescimento dos salários.
Além disso, de forma geral, um aumento das tensões geopolíticas desencadeará uma fuga para a qualidade em direção aos títulos do tesouro americano, reforçando o fortalecimento do dólar.
Persistência da inflação: no cenário básico, a projeção é de desaceleração da inflação em 2023 e 2024 num ritmo maior nas EAs e do que nas EMEDs. Todavia, vários fatores podem adiar essa tendência, como choques adicionais nos mercados de commodities associados à guerra na Ucrânia e choques climáticos. Neste caso, um maior aperto na política monetária terá efeitos adversos no custo do crédito e na renda disponível das famílias, reforçando a desaceleração da economia global. Além disso, uma inflação mais persistente poderá desancorar as expectativas e desencadear uma espiral preços-salários.
Até agora, esses riscos estão contidos devido ao ritmo de aperto monetário mais agressivo e aos altos mark-ups que podem absorver a alta no custo dos bens intermediários. Todavia, se o custo dos insumos aumentar de forma prolongada, as firmas podem repassá-los para os preços para preservar suas margens de lucro. Em contrapartida, a alta recente da inflação está associada, em parte, à recuperação da maior do que a esperada da demanda após a pandemia, que já está se dissipando.
Crises de dívida em economias emergentes vulneráveis: a guerra na Ucrânia resultou uma forte alta dos spreads soberanos de algumas EMEDs num contexto de recorde endividamento associado aos efeitos adversos da pandemia. Se a inflação demorar para ceder, um aperto mais do que o esperado no atual cenário básico pode adicionar pressões no custo do endividamento externos dessas economias.
Embora algumas EMDEs encontrem-se em situação confortável, uma alta adicional dos spreads ou mesmo sua manutenção nos patamares atuais por um tempo prolongado pode colocar em risco a sustentabilidade da dívida em várias EMEDs com alta vulnerabilidade externa, sobretudo daquelas mais afetadas pelos choques nos preços da energia e dos alimentos. Saídas de fluxos de capitais também podem colocar em risco EMEDs com grandes necessidades de financiamento externo.
Uma crise generalizada nas EMEDs, enfatiza o FMI, terá um impacto adverso no crescimento global, podendo inclusive precipitar uma recessão. Um fortalecimento adicional do dólar aumentará ainda mais o risco de eclosão dessa crise na medida em que aumenta o descasamento de moeda nos balanços dos agentes endividados em moeda estrangeira.
Interrupção da oferta de gás para a Europa: a oferta de gás russo para a Europa diminuiu 40% e 20%, respectivamente, quando do fechamento dos cenários de julho e outubro. Embora a situação tenha melhorado, a projeção atual é de queda adicional nessa oferta em meados de 2024 em linha com as metas de independência de energia das principais economias europeias.
Caso a Rússia corte toda a oferta de gás para a Europa em 2022, os preços da energia aumentarão ainda mais, colocando pressões adicionais sobre o orçamento das famílias e sobre a inflação.
Surgimento de novas variantes do Covid-19: embora as últimas variantes do Covid-19 sejam menos letais que as anteriores, elas também são mais contagiosas. Consequentemente, a pandemia continua tendo impactos negativos na força de trabalho, resultando em absenteísmo, baixa produtividades e queda da produção. Todavia, o risco de surgimento de variantes mais agressivas e letais continua presente, especialmente nas regiões onde as taxas de vacinação seguem baixas, como na África.
Maior desaceleração na China: o crescimento na China desacelerou significantemente desde o início de 2022. Os riscos de piora no desempenho chinês continuam elevados, sobretudo devido à situação ainda frágil do setor imobiliário, que responde por 1/5 do PIB chinês. A queda nas vendas desse setor impede as construtoras de acessar a principal fonte de recursos para concluir os projetos, aumenta as pressões nos fluxos de caixa e o risco de calote. As incertezas em relação ao setor imobiliário também podem ter repercussões negativas no consumo, nas finanças dos governos locais e no setor bancário
Fragmentação da economia global dificultando a cooperação internacional: a invasão da Ucrânia pela Rússia fraturou as relações entre a Rússia e vários países. A probabilidade de novas tensões geopolíticas também está aumentando. Essas tensões trazem riscos de perturbação dos fluxos de comércio e capitais globais e de erosão dos pilares da cooperação internacional. A “Iniciativa de grãos do Mar Negro” foi um passo positivo da diplomacia internacional, mas os riscos de fragmentação da economia global são reais e podem influenciar negativamente o cenário, especialmente no médio prazo (próximos três a cinco anos).
Recomendações de política
Embora o contexto econômico atual seja um dos mais desafiadores em muitos anos, tempos adversos não duram para sempre, argumenta o FMI. Assim, o Fundo recomenda um conjunto de iniciativas de políticas com impacto imediato, no médio prazo e no longo prazo para recolocar a economia global numa trajetória benigna de baixa inflação e crescimento sustentável e inclusivo.
Referências
IMF (2022a) World Economic Outlook, cap. 1, Outubro.
IMF (2022b) Global Financial Stability Report, cap. 1, Outubro.
OECD (2022) Economic Outlook, Interim Report, Setembro.
UNCTAD (2022) Trade and Development Report, Setembro.