Carta IEDI
O dinamismo econômico na primeira metade de 2023
A despeito de uma forte assimetria entre setores, o desempenho da economia brasileira surpreendeu positivamente nesta primeira metade de 2023, elevando as expectativas de crescimento do PIB para o ano como um todo. As altas taxas de juros, entretanto, seguiram restringindo as atividades mais dependentes de financiamento; por isso, é muito bem-vinda a recente redução da taxa Selic pelo Banco Central.
As projeções para o PIB do país, que tinham iniciado o ano abaixo de 1%, segundo o Boletim Focus, avançaram para 1,6% no início de jun/23, e então para 2,3% agora em meados de ago/23. O FMI em seu último cenário, divulgado em jul/23, estimou crescimento de +2,1% para o PIB brasileiro, tendo sido uma das maiores revisões para cima frente ao cenário de abr/23.
Muito deste movimento positivo vem do avanço mais forte do que o esperado da agropecuária no 1º trim/23, que também contribuiu para dinamizar parte das atividades de serviços, conforme discutido na Análise IEDI de 01/06/23. O mercado interno, por sua vez, mal saiu do lugar, comprometendo muito o resultado da indústria.
Segundo os dados de faturamento real do setor divulgados pelo IBGE, os serviços apresentaram resiliência ao longo de jan-jun/23 e seguiram crescendo mais do que a indústria e o comércio. Sua menor dependência em relação ao crédito e a recomposição do emprego têm ajudado muito. Ainda assim, houve alguma acomodação, após o atendimento da demanda reprimida durante a pandemia.
A alta dos serviços foi de +4,7% no 1º sem/23 frente ao mesmo período do ano anterior, apoiada no crescimento dos serviços de informação e comunicação (+5,3%), transportes (+5,6%) e daqueles prestados às famílias (+5,8%). Todos os cinco ramos acompanhados pelo IBGE desaceleraram no 2º trim/23, com destaque para outros serviços (financeiros e imobiliários, entre outros), cujo faturamento recuou -0,5%.
Ações de política econômica também ajudaram a aquecer algumas atividades nesta primeira metade do ano. É o caso, por exemplo, da redução de tributos para a aquisição de veículos, que em jun/23 levou a uma alta nas vendas destes bens de +17,9% frente a jun/22. Este foi um destacado fator para que as vendas reais do varejo ampliado registrassem expansão de +4,0% em jan-jun/23.
Em seu conceito restrito, isto é, excluídas as vendas de veículos, autopeças, de material de construção e do atacarejo, a performance do comércio varejista foi bem mais modesta: +1,3% no acumulado da primeira metade de 2023. Vale notar que no 2º trim/23, o setor ficou virtualmente estagnado, ao registrar variação de apenas +0,2% ante o 2º trim/22.
Quem restringiu o resultado do varejo no 2º trim/23 foram segmentos cujos mercados demandam financiamento, em maior ou menor grau. As vendas de móveis e eletrodomésticos registraram -0,3% no período e as de material de construção encolheram -4,0%. Os recuos foram mais intensos em vestuário e calçados (-12,2%) e em outros artigos de uso pessoal e doméstico (-16,8%), que incluem as vendas de lojas de departamento.
Já a indústria, como tem sido a regra, foi o setor que pior se saiu na primeira metade do ano. Sua produção industrial declinou -0,3%, revertendo a pequena expansão do 2º sem/22 (+0,4%). O quadro geral é de estagnação industrial. O maior obstáculo coube a bens de capital, cuja produção caiu -9,7% em jan-jun/23, desfavorecida pelas elevadas taxas de juros praticadas no país.
No 2º trim/23 apenas, o desempenho de bens de capital foi ainda mais negativo: -12,4% ante o 2º trim/22. Desde a segunda metade de 2020, o pior ano da pandemia de Covid-19, que a produção de bens de capital não apresentava taxa de decrescimento de dois dígitos. Máquinas e equipamentos para a própria indústria já somam 7 trimestres seguidos de queda, dando um mau indício para o investimento do setor.
O resgate do papel estratégico do BNDES para o financiamento da modernização da nossa estrutura produtiva tem sido uma boa notícia, mas uma expansão mais forte de suas atividades ainda esbarra no custo das operações em um ambiente geral de juros elevados no país, limitando o nível de atividade da indústria de bens de capital.
Dentre os parques industriais regionais, as variações negativas no acumulado de jan-jun/23 foram minoritárias (44%), marcando 8 das 18 localidades acompanhadas, mas atingiram parques importantes, como São Paulo (-1,9%) e Rio Grande do Sul (-6,0%), bem como o Nordeste (-4,5%). Considerado apenas o 2º trim/23, resultados ruins marcaram o mesmo número de parques, sugerindo não ter havido muito progresso ao longo do período em tela, muito embora haja casos de melhora relativa.
A despeito da queda na indústria, a resiliência dos serviços e um crescimento mais robusto no varejo ampliado, com ajuda da isenção de impostos sobre veículos, levaram o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, a registrar expansão de +2,65% no 2º trim/23 frente a igual período do ano anterior. É um ritmo positivo, mas bem inferior ao do 1º trim/23 (+4,22%).
Indústria
Em jun/23, a produção industrial do país ficou virtualmente estagnada (+0,1%, com ajuste), à espera de níveis menores de taxas de juros e de reformas que reduzam as distorções de nosso ambiente econômico. Na ausência de fatores dinamizadores, foi a regra nestes primeiros seis meses do ano a obtenção de variações negativas ou próximas de zero quando positivas.
O desempenho industrial de jun/23 foi restringido pelos macrossetores cujos mercados são mais diretamente afetados pelas condições de financiamento e de juros da economia. A produção de bens de capital recuou -1,2% e a de bens de consumo duráveis -4,6% na série com ajuste sazonal.
Bens intermediários, que formam o núcleo duro do sistema industrial, mal têm saído do lugar já há algum tempo e agora em jun/23 declinou -0,3%. O único macrossetor no positivo foi o de bens de consumo semi e não duráveis (+0,9%), mas que não compensou integralmente a perda do mês anterior (-1,1% em mai/23).
Poucos também foram os parques regionais do setor que conseguiram apresentar algum progresso. Os dados divulgados pelo IBGE mostram que uma parcela minoritária de 40% das indústrias locais aumentou produção de mai/23 para jun/23.
Entre as localidades em queda estão alguns dos parques mais importantes do país, como São Paulo, cuja indústria recuou -2,7%, já descontados os efeitos sazonais, anulando integralmente a expansão de mai/23 (+2,7%). Outros destaques foram Rio Grande do Sul (-0,5%), Minas Gerais (-1,1%), Amazonas (-4,0%) e a região Nordeste como um todo (-4,5%).
Como a trajetória anterior já vinha sendo fraca, frações relevantes da indústria também acusaram perdas no acumulado do primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Bens de capital piorou muito seu desempenho da segunda metade do ano passado para a primeira metade do presente ano, passando de -2,1% para -9,7% e, ao que indica o resultado do 2º trim/23 (-12,4%), não está contratada uma reversão de tendência. Bens intermediários também ficaram no negativo no 1º sem/23, com -0,5%, tão ruim quanto na segunda metade do ano passado.
Bens de consumo, por sua vez, consistiram na parcela da indústria em expansão no 1º sem/23 ainda que com sinais claros de desaceleração no período mais recente. Com bases deprimidas de comparação, bens duráveis saíram na frente, registrando +5,7%, enquanto bens de consumo semi e não duráveis tiveram aumento de +1,8%.
No panorama regional, as variações negativas no acumulado de jan-jun/23 foram minoritárias, atingindo 8 das 18 localidades acompanhadas, mas atingiram parques importantes, como São Paulo e Rio Grande do Sul, bem como o Nordeste. Considerado apenas o 2º trim/23, resultados ruins marcaram o mesmo número de parques, sugerindo não ter havido muito progresso ao longo do período em tela, muito embora haja casos de melhora relativa.
O Rio Grande do Sul esteve entre os piores casos, com uma queda de -6,0% no 1º sem/23, sendo que 80% de seus ramos não conseguiram crescer no período, com destaque para: metalurgia (-15,6%), produtos de metal (-16,7%) e derivados de petróleo (-20,4%), entre outros. O 2º trim/23, contudo, apontou para uma amenização da situação: -3,0% ante o 2º trim/22.
A região Nordeste como um todo também aparece no final da fila, com uma contração de -4,5% em jan-jun/23. Muito disso deveu-se ao Ceará (-6,2%), que foi responsável pelo pior resultado no período, mas também devido à Bahia (-3,7%), Maranhão (-2,0%) e Pernambuco (-1,1%). A grande maioria (73%) dos ramos da indústria nordestina não cresceu e o resultado geral só não foi pior devido à expansão de +6,9% da indústria alimentícia.
Diferentemente do Rio Grande do Sul, para quem o 2º trim/23 trouxe uma amenização das quedas, para o Nordeste o sinal é de intensificação do declínio (-5,1% ante o 2º trim/22), sob influência de Maranhão (-11,5%) e Ceará (-10,2%).
São Paulo, por sua vez, não se saiu tão mal quanto os casos anteriores, mas não deixou de recuar mais intensamente do que o agregado nacional: -1,9% ante -0,3%, consistindo em um dos três principais freios da indústria neste primeiro semestre. No 2º trim/23 (-1,0%), o declínio se tornou mais brando.
Do total de ramos da indústria paulista, 72% não progrediu na comparação entre o 1º sem/23 e o 1º sem/22, notadamente eletrônicos e equipamentos de informática (-33,6%), minerais não metálicos (-10,0%), metalurgia (-8,9%) e máquinas e equipamentos (-6,4%). Farmacêuticos e farmoquímicos (+12,5%) e têxteis (+9,4%) foram os que mais cresceram.
Entre os parques industriais no azul em jan-jun/23, vale mencionar os casos de Amazonas (+9,8%), Minas Gerais (+5,9%) e Rio de Janeiro (+4,3%), não só porque estão entre os melhores resultados, mas também porque deram continuidade à trajetória de expansão da segunda metade do ano passado e em alguns casos até ganharam velocidade.
Comércio
Após dois meses seguidos de declínio, as vendas reais do comércio varejista ficaram estáveis (0%) na passagem de mai/23 para jun/23, já descontados os efeitos sazonais. Considerados também os ramos de veículos, autopeças e material de construção, isto é, o varejo em seu conceito ampliado, o desempenho foi superior: +1,2%, mas não o suficiente para compensar as perdas de abri-mai/23.
Foi um mês de placar dividido para seus diferentes segmentos. Cinco deles conseguiram ampliar vendas, com destaque para veículos e autopeças (+8,5%), sob impulso de ações anticíclicas do governo, que reduziu suas alíquotas de IPI e PIS/Cofins, e cinco deles encolheram, sendo o pior resultado o de equipamentos de escritório, informática e comunicação (-3,7%).
Assim, encerrou-se a primeira metade do ano com um resultado acumulado de +1,3% para o varejo restrito e de +4,0% para o varejo ampliado, em comparação com jan-jun/22. O 2º trim/23 (+0,2%), entretanto, sinaliza uma importante desaceleração para as vendas, exceto para veículos e autopeças e também para o atacarejo, que impulsionaram o setor em seu conceito ampliado (+4,6% ante o 2º trim/22).
No acumulado do 1º sem/23 há igualmente um equilíbrio entre taxas negativas e positivas. A metade dos ramos com expansão inclui majoritariamente bens de consumo não duráveis, como alimentos (+2,6%), inclusive com forte crescimento no atacarejo (+8,3%), onde os preços tendem a ser competitivos, combustíveis (+14,5%) e artigos farmacêuticos, ortopédicos e perfumaria (+2,2%).
A exceção à regra cabe notadamente a veículos e autopeças, que acumularam crescimento de +5,4% em jan-jun/23. Além de bases mais baixas de comparação, o setor também foi estimulado pela ação governamental, como dito anteriormente, assegurando alta de +17,9% em jun/23 ante jun/22.
Na metade dos ramos em contração encontram-se ramos de bens de consumo duráveis ou semiduráveis, que normalmente demandam algum tipo de crédito pelos consumidores. São segmentos mais diretamente impactados pelos níveis ainda elevados de taxas de juros praticados no país. É o caso, por exemplo, de outros artigos de uso pessoal e doméstico (-13,7%), que inclui as lojas de departamento e lidera as perdas.
O varejo de duráveis e semiduráveis também está por trás da desaceleração das vendas do varejo restrito, que como já vimos, quase não cresceram no 2º trim/23 (+0,2%). Ramos como material de construção (-4%), tecidos, vestuário e calçados (-12,2%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-16,8%), que já estavam no vermelho, recuaram ainda mais intensamente no 2º trim/23.
Outros, que até tinham crescido no acumulado dos três primeiros meses do ano, inverteram de sinal em abr-jun/23, tais como móveis e eletrodomésticos (-0,3% ante 2º trim/22) e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-6,4%), além de livros, jornais e papelaria (-5,6%).
Para esta metade dos ramos de varejo com declínio em 2023, a recente iniciativa do Banco Central de reduzir a taxa básica de juros (Selic) é bem-vinda, embora precise de alguns meses para surtir efeito. O programa Desenrola Brasil, divulgado na virada do semestre, pode ter impactos mais imediatos, restabelecendo as condições de crédito da população atendida.
Serviços
Assim como a indústria e o varejo – à exceção das vendas de veículos, impulsionadas pelo corte de impostos realizado pelo governo – o setor de serviços praticamente não se moveu no final da primeira metade de 2023. Na passagem de mai/23 para jun/23, seu faturamento real variou apenas +0,2%, já descontados os efeitos sazonais.
Apesar do resultado fraco para o agregado do setor, o sinal negativo marcou um número minoritário de seus ramos: 2 dos 5 acompanhados pelo IBGE. Foram eles: transportes, armazenagem e correios (-0,3%) e outros serviços (-0,2%), que reúnem um conjunto diversificado de atividades, como serviços financeiros, imobiliários e de saneamento.
Com isso, os serviços seguiram sua trajetória de acomodação, registrando taxas de crescimento cada vez mais modestas. Ainda assim, é importante constatar que continua sendo o setor da economia que mais se expandido em 2023.
Enquanto a indústria acumula perda de -0,3% no acumulado de jan-jun/23 e o varejo cresce +1,3% em seu conceito restrito e +4% em seu conceito ampliado, devido sobretudo às vendas de veículos, o setor de serviços registra +4,7% nesta primeira metade do ano. Este ritmo de crescimento, porém, é cerca de metade do registrado no 1º sem/22 (+8,9%), o que ilustra a desaceleração de sua atividade.
O desempenho trimestral deixa mais clara a evolução recente. A alta de +8,1% no 3º trim/22, refluiu para +7,3% no 4º trim/22 e então para +5,5% no 1º trim/23 e +4,0% no 2º trim/23. Todos os segmentos registraram moderação ao longo destes primeiros meses de 2023, mas em alguns casos isso foi mais intenso.
Em outros serviços, por exemplo, a expansão de +5,8% no último trimestre de 2022 se converteu em uma variação de apenas +0,5% no 1º trim/23. No trimestre seguinte, isto é, em abr-jun/23 este segmento perdeu o pouco que havia crescido no período anterior. Foi o único caso de retração no 2º trim/23: -0,5% ante o 2º trim/22.
Outro caso de desaceleração mais intensa foi o dos serviços prestados às famílias, após passar pelo processo de recomposição com o controle da pandemia de Covid-19. Seu ritmo de crescimento no 2º trim/23 (+3,7% ante o 2º trim/22) é quase 1/3 do era no 4º trim/22 (+9,5%). Os serviços de alojamento foram os que mais perderam ritmo.
Também é importante mencionar a evolução dos serviços de transporte, seus auxiliares, armazenagem e correios, por sua relação direta com o nível geral de atividade econômica do país. Este ramo crescia a uma taxa de dois dígitos no 4º trim/22 (+11,0%), que caiu para +4,7% no 2º trim/23, devido a transporte terrestre, aéreo e serviços de armazenagem.
Entre os demais ramos, por sua vez, desaceleraram de +7,6% para +3,9% do 4º trim/22 para o 2º trim/23 os serviços profissionais, administrativos e complementares, enquanto os serviços de informação e comunicação foram os que melhor se saíram, não só por terem registrado a maior taxa de crescimento no 2º trim/23 (+4,8%), mas também por terem evitado a trajetória de perda significativa de dinamismo.