Carta IEDI
A Difícil Tarefa de Atrair Investimentos na Indústria de Semicondutores
Em meio à divulgação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a MP 352 passou de certa forma desapercebida, menos noticiada inclusive do que no período em que estava em gestação. A referida medida dispõe sobre mecanismos de fomento à pesquisa, investimento e produção de semicondutores e equipamentos de transmissão para a TV digital, bem como sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados.
Atendo-se aos estímulos fiscais constantes do capítulo I da MP, ou seja, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores (PADIS), estes envolvem:
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redução à zero das alíquotas de IPI, da contribuição para o PIS da COFINS e da contribuição para o PIS-importação e da COFINS-importação quando as compras internas ou do exterior são de bens de capital, equipamentos e instrumentos a serem incorporados no ativo imobilizado.
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nas vendas dos dispositivos em causa, efetuadas por pessoa jurídica beneficiária do PADIS, ficam reduzidas: a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas auferidas; a zero as alíquotas do IPI incidentes sobre a saída do estabelecimento industrial; e em cem por cento as alíquotas do imposto de renda e adicional incidentes sobre o lucro da exploração.
Observe-se que os estímulos das contribuições e do IPI só serão concedidos se o projeto seja de semicondutores, seja de display, tenham sido desenvolvidos no Brasil ou que tinha sido feita no País a difusão, no caso de semicondutores, ou a fabricação dos elementos fotossensíveis, foto ou eletroluminescentes e dos emissores de luz, no caso de displays.
Como contrapartida, exige-se a aplicação de ao menos 5% do faturamento bruto no mercado interno em P&D para a microeletrônica. O projeto precisar ser apresentado em até 4 anos (prazo passível de postergação por mais 4 anos).
Em princípio parece que tal conjunto de incentivos fiscais é substancial. Porém deve-se atentar para o fato da indústria de semicondutores já estar acostumada a comparar incentivos e condições de operação entre países. Na verdade, tem havido uma “guerra fiscal” internacional para sediar empreendimentos desse segmento, cujo mercado atinge quase US$ 250 bilhões em 2006, com expectativa de que alcance US$ 321 bilhões em 2009.
Ilustrando, nos EUA, a Samsung decidiu onde se instalar após uma contenda entre os Estados de Nova Iorque e Texas. Esse último ganhou a disputa, tendo a seu favor o fato da empresa já operar em solo texano.
A China tem conseguido atrair inversões em semicondutores justamente pela força de seus estímulos fiscais, associados às zonas econômicas especiais ou áreas de desenvolvimento econômico e tecnológico. Tais áreas maiores costumam abarcar sub-áreas com mecanismos de fomento próprios ou infra-estrutura preparada para determinados tipos de atividades, a exemplo de parques tecnológicos, zonas de processamento de exportações e zonas franca comerciais.
Esse é o caso da Pudong New Area em Xangai, sede da principal companhia chinesa do segmento, a SMIC, e onde estão estabelecidas algumas das filiais de multinacionais de peso do setor.
Os esforços consubstanciados no PADIS, bem como nas demais disposições constantes da MP, trazem uma mudança de postura da esfera federal com determinadas áreas. O PADIS busca, portanto, dar sustentação a uma parte da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior.
Todavia, mesmo que seja aprovada no Congresso sem maiores questionamentos, deve-se ter claro que a MP 352 não é o ponto de chegada das iniciativas governamentais. Na visão do IEDI, trata-se de um ponto de partida para se entrar em um jogo de disputa ferrenha, em que determinados empreendimentos, mesmo não sendo aqueles de fronteira tecnológica, atingem isoladamente a casa do US$ 1 bilhão. Os esforços continuados feitos pelo governo do Texas (EUA), o aprimoramento contínuo do governo chinês das suas zonas econômicas especiais.
O PAC, o PADIS e a indústria eletrônica. No último dia 22, no bojo do anúncio do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), estava a medida provisória (MP) 352, com estímulos para a produção e o desenvolvimento de componentes semicondutores e equipamentos de transmissão para TV digital. A MP 352 também dispõe sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados.
A indústria de semicondutores era uma das quatro inclusas na PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior) lançada no começo do primeiro mandato do atual governo. Ou seja, as medidas em prol do aludido segmento, na verdade, até tardaram a vir à tona, ao se considerar a PITCE.
Atendo-se aos incentivos do capítulo I da MP, para atração de investimentos e produção de semicondutores e mostradores de informação (displays) e que dão forma ao PADIS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores), os mesmos envolvem tanto estímulos em termos de tributos indiretos quanto em indiretos, como seguem:
- Na venda no mercado interno ou de importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, para incorporação ao ativo imobilizado da pessoa jurídica adquirente no mercado interno ou importadora, destinados às atividades incentivadas ficam reduzidas a zero as alíquotas:
- da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre a receita da pessoa jurídica vendedora, quando a aquisição for efetuada por pessoa jurídica beneficiária do PADIS;
- da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, quando a importação for efetuada por pessoa jurídica beneficiária do PADIS; e
- do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, incidente na importação ou na saída do estabelecimento industrial ou equiparado, quando a importação ou a aquisição no mercado interno for efetuada por pessoa jurídica beneficiária do PADIS.
- Também fica reduzida a zero a alíquota da CIDE (contribuição de intervenção sobre o domínio econômico) destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o apoio à inovação, conforme o art. 2º da Lei 10.168/ 2000, nas remessas ao exterior para pagamento de contratos relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica, quando efetuadas por estabelecimento beneficiário do PADIS.
- Nas vendas dos dispositivos em causa, efetuadas por pessoa jurídica beneficiária do PADIS, ficam reduzidas:
- a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas auferidas;
- a zero as alíquotas do IPI incidentes sobre a saída do estabelecimento industrial; e
- em cem por cento as alíquotas do imposto de renda e adicional incidentes sobre o lucro da exploração.
Os estímulos das contribuições e do IPI só serão concedidos se o projeto seja de semicondutores, seja de display, tenham sido desenvolvidos no Brasil ou que a difusão (semicondutores) ou a fabricação dos elementos fotossensíveis, foto ou eletroluminescentes e dos emissores de luz (displays) tenha sido feita no País.
Para usufruir os incentivos, a MP também exige que os estabelecimentos beneficiários do PADIS invistam em pesquisa e desenvolvimento em microeletrônica pelo menos 5% ao ano de seu faturamento bruto no mercado doméstico. Desse modo, o programa busca não apenas atrair empreendimentos e fomentar a produção, mas também criar/ aprimorar o conhecimento nessa área de fronteira e “enraizar” mais as atividades inerentes a essa indústria.
O superlativo mercado mundial de semicondutores. Provavelmente a gama de incentivos constantes da MP 352 por si só chame a atenção. Contudo atrair inversões da indústria de semicondutores é tarefa árdua, na qual a disputa entre países é dura. Essa verdadeira “guerra fiscal” entre nações no segmento em questão tem sido justificada quer pela magnitude da mesma, quer pelos potenciais efeitos de transbordamento tecnológico dessa indústria sobre outros segmentos produtivos.
Assim, a produção de semicondutores é tema de preocupação em vários países. A título de exemplo, os Estados Unidos tratam os semicondutores como assunto de segurança nacional, enquanto a Europa o faz a fim de tentar aumentar a produtividade, visando criar inclusive um contrapeso para a tendência de envelhecimento populacional mediante a geração de renda adicional capaz de financiar a elevação dos gastos previdenciários.
Quanto à grandeza do segmento em questão, em novembro/2006 a Semiconductor Industry Association (SIA) divulgou suas projeções de mercado de semicondutores não apenas para o fechamento do ano então em curso, de US$ 248,8 bilhões, devendo alcançar US$ 321,0 bilhões em 2009.
Em 2006, a região da Ásia-Pacífico estaria respondendo por 46,6% das vendas mundiais desse componente eletrônico, isto é, US$ 115,8 bilhões. Em 2009, por 48,9% ou US$ 154,8 bilhões em faturamento. O mais impressionante é observar que, em 1991, tal região só detinha 15,1% (US$ 8,2 bilhões), quando o mercado global dos componentes em questão correspondia a US$ 54,1 bilhões.
Notar que Ásia-Pacífico tomou parcelas do fornecimento justamente da Tríade – Estados Unidos (onde se lê “Américas” nos gráficos logo abaixo, entenda-se “EUA”), Europa e Japão. As Américas detinham 28,4% das vendas mundiais em 1991 (US$ 15,4 bilhões). Chegou a responder por 33,4% em 1997, mas, quase dez anos depois, em 2006, sua participação foi projetada em 18,3%, correspondendo a faturamento de US$ 45,6 bilhões. Para 2009, a expectativa é de que sua fatia decline ainda mais, para 17,9%.
O Japão, a seu turno, tem sido o que mais tem perdido espaço para os países asiáticos. Em 1991, respondia por 38,7% das remessas mundiais (US$ 20,9 bilhões). Para 2006, a fatia projetada corresponde a 19%, esperando-se cair em 2009 para 18,2%, o equivalente a US$ 58,5 bilhões.
A Europa, desde o início da série, não tem uma participação de monta. Em 1991, correspondia a 18,7%, conseguindo ampliá-la e mantendo-se entre 1996 a 2001 com fatias acima de 20%. Mas não logrou manter esse patamar. Para 2006, a expectativa é que a Europa venda US$ 40,1 bilhões em semicondutores, ou seja, 16,1% das remessas do globo. Espera-se que a Europa responda por 15,7% das vendas em 2009 (US$ 50,3 bilhões).


Deve-se ter cautela, no entanto, em dizer que a indústria de semicondutores das nações avançadas está sendo solapada pela agressividade das economias do leste asiático. Tomando-se o ranking dos grandes atores do segmento para 2005 feito pela IC Insights, observa-se a força das firmas estadunidenses e japonesas. Das 50 maiores empresas, metade são norte-americanas, incluindo a primeira, Intel, e a segunda, Texas Instruments (TI). É digno de nota também o fato de haver, sediadas nos EUA, várias fabless – empresas sem linhas de produção, dedicadas ao projeto dos componentes e da respectiva venda com sua marca, mas cuja produção é feita por outra firma. Cumpre mencionar que as empresas da classificação em questão não podem ser somadas, pois incluem fabless e foundries e os faturamentos de ambas decorrem muitas vezes do mesmo produto negociado, isto é, poderia haver dupla contagem nas vendas de determinados chips negociados por uma fabless, mas produzidos por encomenda desta em uma foundry – empresa dedicada à fase de difusão e que fabrica componentes com as especificações de outra empresa. Vale citar a presença de uma firma canadense, mas que em 2006 foi adquiria pela estadunidense AMD.
Do ranking, constam também doze companhias nipônicas. Dentre estas estão firmas atuantes em várias áreas do complexo eletrônico, a exemplo da Toshiba; Renesas, joint venture formada pela NEC, Hitachi e Mitsubishi atuante em memórias; Sony; NEC; Matsushita; Elpida, joint venture entre a Hitachi e a NEC para a produção de DRAM; Sanyo; etc. Constituem-se, portanto, daquele grupo de empresas que cresceram junto com os direcionamentos e fomento do governo japonês nos anos 1970.
A Europa é representada por três firmas, todas entre as dez maiores, a saber, a franco-italiana ST Microelectronics (5ª); a alemã Infineon (6ª), da qual em 2006 saiu outra empresa, a Qimonda; a holandesa Philips (10ª).
Dentre os Tigres Asiáticos, a Coréia do Sul é representada por duas empresas, a gigante Samsung, segunda maior em vendas, com faturamento de US$ 17,8 bilhões; e a Hynix, originária do grupo Hyundai (11ª). Taiwan é representada por cinco firmas, enquanto marcam presença também uma chinesa, a SMI, e uma de Cingapura, a Chartered.
Em suma, apesar do avanço dos países asiáticos, parte substantiva da produção na Ásia são empreendimentos com capital norte-americano, japonês e mesmo europeu. Porém não se pode negar o progresso principalmente das companhias sul-coreanas e taiwanesas, sem esquecer a ascensão mais recente de firmas da China continental – a SMIC não é um caso isolado.

Aspectos da Indústria de Semicondutores. Para além das projeções e informações arroladas acima, um aspecto importante da indústria de semicondutores é o montante de investimento requerido para o estabelecimento de uma planta industrial. Segundo a edição de 2003 da publicação The International Technology Roadmap for Semiconductors (ITRS), o custo de capital de uma fábrica de circuito integrado de ponta pulou de US$ 50 milhões nos anos 1980 para US$ 3 bilhões em 2003. Esse montante traz embutida uma mudança tecnológica pela qual o setor passou recentemente: a transição de fábricas de 200mm (8”) de diâmetro de lingote de silício (é a partir dos lingotes de silício que os wafers são obtidos) cujo custo se aproxima de US$ 1,8 bilhão, para plantas de 300mm (12”), de US$ 3 bilhões.
Esta mudança tem tido forte impacto em microprocessadores e memórias e evidencia as cada vez mais elevadas barreiras à entrada na produção de semicondutores, como mostra a figura abaixo. Mais, as plantas de 300mm têm ultrapassado a barreira dos US$ 3 bilhões. E hoje já se fala na possibilidade de unidades fabris de 450mm, conforme se observa na edição de 2005 do ITRS. A tendência é que os custos de uma planta se elevem ainda mais.
Ressalte-se que a transição não significou o imediato desaparecimento das plantas de 200mm. Estas continuam trabalhando e ainda respondem por inversões de monta: um unidade chega sem muito esforço à US$ 1 bilhão.
<<20070126-04.gif|Fonte: MEDEA+, 18 mar. 2004.
Legenda: M: milhões; B: bilhões.|>>
Outro fator digno de nota consiste na reconhecida tendência de outsourcing ao longo das quatro grandes etapas do processo produtivo de circuitos integrados, a saber: projeto, incluindo o desenho (design); a fabricação do semicondutor propriamente dita, também conhecida como fundição (foundry) ou ainda front-end; montagem; e teste, sendo que as duas últimas – montagem e teste – são denominadas de etapa back-end. Embora nada impeça que uma grande companhia realize todas essas etapas, a contratação de pelo menos uma delas tem sido bastante comum.
Tal fenômeno, esquematizado na figura abaixo, vem acontecendo sobejamente em fabricantes de Taipé, da República da Coréia e de outras economias asiáticas. Estes, principalmente os de Taiwan e da China continental, têm se sobressaído na etapa de fundição (difusão). Esses fabricantes têm produzido grandes quantidades de semicondutores sob contratos junto a companhias norte-americanas e européias. Mesmo as corporações japonesas, habituadas a operar de modo integrado, indo desde o design até às vendas, já começaram a recorrer ao outsourcing de sorte a mitigar suas necessidades de investimento em capital e, por conseguinte, reduzindo riscos.

De fato, o outsourcing, a decorrente decomposição internacional do processo produtivo (DIPP) e a diversidade de famílias de semicondutores têm aberto espaço para diferentes tipos de investimentos, estratégias empresariais e formas de inserção das economias nacionais. Cabe enfatizar que, no conjunto das empresas que se destacaram nas várias categorias de semicondutores, citadas na seção anterior, não estão inclusas as chamadas pure-play foundries, i.e., companhias que realizam a produção propriamente dita, seguindo as especificações feitas por outras companhias de semicondutores, as contratantes.
O advento das pure-play foundries veio acompanhado do aparecimento de firmas que requerem montantes bem menos superlativos do que os empreendimentos responsáveis pelas etapas de transformação físico-química. Encaixam-se nesse perfil as design houses, companhias contratadas para projetar circuitos; e as empresas de semicondutores sem linha de produção, as chamadas fabless, que concebem e projetam CIs, contratam uma foundry para produzi-los com sua marca e, depois, prestam serviços pós-venda a seus clientes.
Quanto às empresas ou plantas especializadas nas fases de encapsulamento e teste, estas exigem inversões obviamente maiores do que as de uma fabless, porém menos vultosas do que as de uma que realiza a difusão. E mesmo dentro da etapa front-end, há uma variação razoavelmente ampla de aportes de recursos necessários para se erguer uma unidade. Nem todos os CIs requerem o estado da arte do processo produtivo como exigem as memórias e os microprocessadores.
Em suma, embora a fase de difusão na fronteira tecnológica (300 mm) requeira inversões vultosas, nada impede uma inserção na cadeia produtiva de semicondutores a partir de unidades de tecnologia intermediária, mediante atividades “não fabris” ou ainda pela etapa de empacotamento e teste. Tal aspecto vem possibilitando a inserção de outras economias, além daquelas já mencionadas até o momento, a exemplo da Malásia, da Costa Rica dentre outras. São experiências nas quais os países conseguem se tornar receptores de investimentos no segmento, mesmo que restrito a determinadas etapas ou a inversões fora da fronteira tecnológica (plantas de 200 mm).
Entrementes conseguir desempenhar um papel mais contundente no cenário da indústria de semicondutores no plano internacional tem requerido uma postura pró-ativa da parte dos governos nacionais. Nas economias avançadas e nos Tigres Asiáticos (Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan), tal conduta do setor público tem sido evidenciada no apoio e iniciativas em P&D direcionadas à microeletrônica e a ramos da nanotecnologia correlatos.
O documento “The future of the European microelectronics industry” de 2003, preparado pelo programa de P&D europeu MEDEA+, já assinalara com propriedade os esforços envidados nessa direção. O mesmo traz sucintos relatos sobre a atuação governamental em prol do segmento de semicondutores, com foco em pesquisa e desenvolvimento.
O referido trabalho identificou, por exemplo, que o governo federal dos EUA estavam gastando então cerca de US$ 1,3 bilhão no financiamento às atividades de P&D para a semicondutores. Ademais, os estados também contribuíam e continuam a desempenhar papel pró-ativo. Ilustrando, o Estado de Nova Iorque, à época, estava destinando para a Universidade Estadual em Albany, US$ 250 milhões para a construção de duas fábricas de 300 mm e US$ 250 milhões para despesas operacionais em geral, além de mais US$ 160 milhões para a parceria entre a International SEMATECH (ISMT) e a Universidade. A iniciativa do Estado de Nova Iorque vem atendendo não apenas ao financiamento a P&D, mas também apoiando, dentre outras firmas, a gigante IBM.
No Japão, a seu turno, já vem se observando um revigoramento da atuação do setor público desde o começo dos anos 2000 público com relação não somente à indústria de semicondutores, mas também a toda indústria eletrônica, com gastos anuais de aproximadamente US$ 1 bilhão.
Adicionalmente, o documento do MEDEA+ salienta que, na experiência de países do leste asiático, a indústria de semicondutores vêm recebendo benefícios de diversas formas: empréstimos facilitados, esquema de incentivos fiscais, ajuda direta etc. Conforme a Semiconductor Industry Association (SIA), em trabalho mais recente, os estímulos fiscais e financeiros asiáticos, mormente os chineses, têm tido papel preponderante em atrair investimentos da indústria de semicondutores. Ainda segundo a SIA, o custo médio de uma fábrica de semicondutores ao longo de 10 anos é aproximadamente US$ 1 bilhão a mais nos EUA do que na Ásia. 90% dessa diferença provêm dos referidos incentivos, enquanto os custos da mão-de-obra representariam 10%.
Nesse sentido, vale discorrer um pouco mais aprofundadamente acerca de três casos de fomento à indústria de semicondutores, incluindo os próprios Estados Unidos.
EUA, Texas e iniciativas em prol de empreendimentos. A maior economia do mundo não é apenas o país onde se encontra o mais notório cluster ligado à indústria de semicondutores e cujas despesas no segmento de defesa e P&D relacionados geram notórios efeitos de transbordamento em favor do complexo eletrônico. Os Estados Unidos dispõem também de um cabedal amplo de estímulos financeiros e fiscais. Todavia parcela expressiva deles passa desapercebidamente de uma análise superficial devido ao fato de estar a cargo das esferas governamentais subnacionais.
Assim, após uma breve enumeração de instrumentos de estímulo à produção e investimento de caráter federal, podemos nos concentrar na experiência do Texas, não só berço de um grande player do setor, a Texas Instruments, mas também um exemplo consiste de delineamento de diretrizes em prol de clusters identificados associados a uma perspectiva de desenvolvimento tecnológico.
Voltando-nos inicialmente para o plano federal, dentre os instrumentos financeiros em vigor nos EUA, destaque-se a atuação em atividades ligadas ao comércio exterior do Export-Import Bank of the United States (Eximbank), instituição que oferta crédito direto e garantias e seguros contra riscos comerciais e políticos para transações de curto e médio prazo, em parceria com as seguradoras privadas participantes da Foreign Credit Insurance Association (FCIA). Embora não acesse a nenhum fundo orçamentário especial, o Eximbank realiza captações via emissão de títulos de longo prazo com garantia federal, obtendo dessa forma os recursos necessários para seus intentos.
Nos Estados Unidos, há, também para o comércio exterior, facilidades concedidas através de suas Zonas de Comércio Exterior (FTZ - Foreign Trade Zones), espalhadas por praticamente toda a sua extensão territorial e cuja origem remonta o final dos anos 1930. Um dos segmentos que têm se beneficiado desse mecanismo é sem dúvida a indústria eletrônica, no caso a de semicondutores.
As FTZs são de dois tipos: zonas de propósito geral e subzonas. Uma zona de propósito geral envolve infra-estrutura pública acessível a mais de uma firma e é mais freqüentemente estabelecida em portos e parques industriais, utilizados para armazenagem e distribuição por pequenas e médias empresas, bem como para processamento ou montagem de produtos. Já uma subzona, que é de responsabilidade de uma zona de propósito geral, se configura em uma unidade de determinada empresa com atividade de industrialização ou de armazenagem/ distribuição, cujo porte dificultaria sua operação dentro do espaço físico de uma zona de propósito geral. Tais subzonas têm abarcado de montadoras de automóveis a estaleiros, passando por unidades voltadas a produtos de tecnologia avançada, havendo também, como será visto adiante, notáveis exemplos de indústrias petroquímicas com status de subzona.
As FTZs abrangem os seguintes estímulos:
- Diferimento tributário: impostos aduaneiros e federal excise tax, caso sejam aplicáveis, são cobrados apenas quando a mercadoria é transferida de uma FTZ para o território aduaneiro dos EUA ou para países do NAFTA (México e Canadá).
- Eliminação de impostos tributários e de excise taxes: mercadorias podem ser importadas e posteriormente exportada sem o pagamento de impostos aduaneiros e de excise taxes, excetuando-se determinados países, como os membros do NAFTA.
- Reparação para “incoerência tarifária” (inverted tariff relief): tal benefício visa corrigir “incoerências tarifárias” (inverted tariffs), cuja ocorrência se dá quando um insumo importado para o território aduaneiro dos EUA é tributável a uma taxa acima daquela incidente sobre o bem ao qual o referido insumo é incorporado. Segundo o exemplo dado em texto da US Customs, se a alíquota do imposto de importação da panela de escape para a indústria automotiva, de 4,5%, for superior àquela referente ao automóvel, caso essa mesma panela ingresse no país via FTZ e seja incorporada em um automóvel, a saída desse automóvel, inclusive a panela de escape, para o restante do território estadunidense estará sujeita à tarifa de 2,5%.
- Isenção de tributos ad valorem (estaduais e locais): mercadoria importada do Exterior e abrigada por uma FTZ para armazenagem, venda, exibição, reembalagem, montagem, distribuição, limpeza, mistura, manufatura ou processamento, e mercadoria produzida nos EUA e abrigada por uma FTZ para exportação, com ou sem alteração pelos métodos acima discriminados, estão isentas de tributos ad valorem estaduais e locais.
Esta descrição exemplifica, de um lado, as facilidades que mesmo economias avançadas propiciam às atividades produtivas e, de outro, as contingências que acordos de livre-comércio podem impor a seus signatários em termos de restrições a determinados mecanismos de fomento à produção.
Passando para o âmbito do Estado do Texas, o mesmo vem empreendendo esforços de diversos matizes em favor de empreendimentos produtivos. Fazendo um brevíssimo retrospecto, o conjunto de instrumentos atualmente existentes foi em boa medida conformados a partir da Texas Technology Iniciative (TTI), plano criado pelo governo texano, iniciativa privada e academia no sentido de assegurar a presença do Estado nos segmentos produtivos de alta tecnologia e nas indústrias a eles relacionadas. A partir de então foram identificados seis clusters-chave, a saber: (i) de tecnologia avançada e manufatura – semicondutores, sistemas microeletromecânicos, nanotecnologia e indústria automotiva; (ii) indústria aeroespacial e de defesa; (iii) biotecnologia; (iv) tecnologia de informação e computacional; (v) refino de petróleo e produtos químicos; (vi) setor energético – óleo e gás, geração de energia e sistemas de produção energética.
Em paralelo, outras mudanças foram promovidas. Aprimorou-se o aparato legal estadual, visando reduzir a burocracia, incluindo incentivos para soluções do tipo “fora do tribunal”, a fim de reduzir despesas advocatícias. Ademais, o Departamento de Desenvolvimento Econômico e do Turismo foi integrado ao Gabinete do Governador (Governor’s Office).
Contudo, provavelmente as iniciativas de maior envergadura foram o estabelecimento do Texas Enterprise Fund (TEF) e do Texas Economic Development Bank. Esse último foi criado com o objetivo de incentivar novos negócios e a expansão daqueles já existentes no Estado, bem como auxiliar as comunidades texanas em seus próprios programas de desenvolvimento econômico. Dentre as ações desse banco de fomento já estão em curso o Product Development and Small Business Incubator Fund, com dotação de US$ 45 milhões, destinados a programas de desenvolvimento para empreendimentos em estágio inicial; vários programas para companhias estabelecidas; e o programa Texas Enterprise Zone, que provê até US$ 4 milhões em refinanciamento (refund) para a consecução de empreendimentos em uma “enterprise zone” de sorte a gerar postos de trabalho no local.
Em relação ao Texas Enterprise Fund (TEF), o mesmo foi instituído em 2003 para alavancar novos projetos de reconhecida importância, contando em seu nascedouro com US$ 295 milhões, dos quais US$ 212 milhões já foram concedidos a 17 projetos distintos, os quais são submetidos a controles rigorosos. A estimativa é de que o TEF tenha sido decisivo na atração de US$ 6 bilhões de investimento em capital e na geração de 14 mil novos empregos.
É bem provável que tal estimativa inclua justamente um caso de relevo: a planta de US$ 3 bilhões da Texas Instruments, localizada em Richardson, voltada para a produção de semicondutores, uma inversão que dificilmente teria sido feita em solo texano, se o TEF não tivesse doado US$ 50 milhões para a Universidade do Texas em Dallas para alavancar as escolas de engenharia e ciência. Devido a esse sucesso, o governo texano já em 2005 tentava viabilizar mais US$ 300 milhões para recompor o fundo. Acresça-se que a localidade, Richardson, também concede estímulos fiscais em conformidade com o que a legislação estadual permite.
Outro exemplo contundente diz respeito à escolha de outra localidade texana, Austin, para abrigar uma nova unidade de semicondutores da Samsung, padrão 300 mm, após forte embate entre Texas e Nova Iorque para sediar a aludida empreitada. Tal contenda girou em torno da perspectiva de serem gerados 900 novos empregos e de investimentos que podem atingir US$ 4 bilhões. Ou seja, guardadas as “(in)devidas proporções”, há um quê de disputa dentro da federação norte-americana tal como se tem visto no Brasil para inversões relacionadas à TV digital.
A vitória final de Austin está atrelada não só a um histórico favorável, que inclui a criação do consórcio SEMATECH em fins dos anos 1980, mas também ao fato da gigante sul-coreana já possuir uma planta na capital texana desde 1997, com investimento de US$ 1,9 bilhão, empregando 1.100 trabalhadores. Aliás, a única planta de semicondutores da Samsung fora do solo natal.

Mais: ao que tudo indica o fato de já ter uma planta nessa localidade pesou consideravelmente na decisão entre Albany (Nova Iorque) e Austin. Isto pode ser medido pelos incentivos percebidos pela Samsung na capital texana, que chegaram a “apenas” US$ 233,4 milhões, menos da metade dos incentivos oferecidos pelo governo estadual de Nova Iorque, conforme divulgado pela publicação especializada Site Selection. Vale mencionar que a Samsung tem demonstrado ao longo de sua história uma forte preferência em aglomerar suas operações, conformando verdadeiros clusters, na busca de economias de escala e sinergias.
Porém, não custa lembrar que aquela primeira unidade da Samsung instalada em Austin já vem operando com status de zona franca – a subzona 183B da zona 183 ou FTZ de Austin. Recebe, portanto, os incentivos típicos das FTZs anteriormente mencionados.
China. Em que pese o aspecto controverso da concessão de incentivos para atrair investimentos, especialmente quando provocam disputas como a de Albany versus Austin, a Semiconductor Industry Association (SIA) tem exposto que reduções ou isenções fiscais e estímulos financeiros vêm sendo os fatores determinantes para que 2/3 de toda a nova capacidade de produção de chips estejam sendo construídas na Ásia, em particular na China.
A República Popular da China costurou uma estratégia de inserção produtiva calcada em um planejamento em âmbito nacional com rebatimento direto no plano regional, começando a conformar uma rede de centros produtivos em áreas urbanas. Nesse escopo foram estabelecidas as várias modalidades de áreas dotadas de incentivos fiscais no bojo de uma abertura administrada das relações econômicas com o exterior em fins dos anos 1970/ início dos anos 1980. Dentre as primeiras modalidades de regiões incentivadas, estão as Zonas Econômicas Especiais (ZEE).
Um caso bem conhecido de ZEE é a Pudong New Area (PNA) em Xangai, criada em 1985. Nela ganhou corpo o chamado cinturão da indústria microeletrônica de Pudong, formado pelo Zhangjiang High-Tech Science and Technology Park, pela Zona de Processamento de Exportação de Jinqiao, pela Waigaoqiao Bonded Área e pela Caohejing New Technology Development Zone, conjunto conhecido também como o “Triângulo Dourado” da indústria de chips de Xangai.
Os empreendimentos instalados na PNA podem pleitear:
- Redução de 50% no imposto de renda corporativo para empreendimentos em joint ventures sino-estrangeiras e de capital estrangeiro, reduzindo o imposto para 15%;
- Quando tais empreendimentos se comprometem com um prazo de operação maior do que 10 anos, ficam isentos de imposto de renda corporativo nos dois primeiros anos de operação (quando podem obter lucro) e redução de 50% do terceiro ao quinto ano;
- Dois tipos de empreendimentos conseguem adicionais, terminados os prazos de usufruto de benefícios acima. Aqueles que direcionam 70% de sua produção anual para exportação têm o imposto de renda reduzido a 10% no ano respectivo. Aqueles que empregam tecnologias avançadas, por sua vez, podem pleitear uma alíquota de 10% de imposto de renda durante três anos.
- Ficam livres de imposto de importação sobre equipamentos de uso próprio e do imposto sobre o valor agregado respectivo no caso da operação ser feita por investimentos estrangeiros em projetos pertencentes à categoria “encorajado” ou à “categoria B restrita” do Catalogue of Industries Inviting Foreign Investment e com transferência de tecnologia.
Cabe referir que aquelas áreas menores dentro da PNA, como o Zhangjiang High-Tech Science and Technology Park, muitas vezes são dotadas de estímulos próprios, ampliando o leque. Também vale notar que a China adotou uma estratégia de atrair investimentos estrangeiros através de procedimentos desburocratizados, quando os mesmos são feitos em joint ventures com empresas chinesas, fato observado na indústria de semicondutores, em associações com Motorola, NEC, Mitsubishi, STMicrolectronics e Philips.
Outro expediente usado pelo governo chinês para reforçar sua posição é que, apesar de seu recente ingresso na OMC, o país pratica há algum tempo um esquema de imposto sobre valor adicionado que taxa os semicondutores importados, beneficiando, por conseguinte, a produção em território chinês. Não por menos, os EUA já entraram com uma queixa na OMC contra esse mecanismo, com apoio da SIA.
Não por menos, a empresa chinesa que se encontra entre as cinqüenta maiores de 2005, a SMIC, está sediada na ZEE em questão.

À guisa de conclusão. Os esforços consubstanciados no PADIS, bem como nas demais disposições constantes da MP, trazem uma mudança de postura da esfera federal com determinadas áreas. O PADIS busca, portanto, dar sustentação a uma parte da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior.
Todavia, mesmo que seja aprovada no Congresso sem maiores questionamentos, deve-se ter claro que a MP 352 não é o ponto de chegada das iniciativas governamentais. Trata-se tão somente de um ponto de partida para se entrar em um jogo de disputa ferrenha, em que determinados empreendimentos, mesmo não sendo aqueles de fronteira tecnológica, atingem isoladamente US$ 1 bilhão. Os esforços continuados feitos pelo governo do Texas (EUA) e o aprimoramento contínuo do governo chinês das suas zonas econômicas especiais são apenas alguns exemplos das iniciativas para atração de inversões nessa indústria.