Carta IEDI
Mudança estrutural e desindustrialização: repensando as políticas de desenvolvimento
Diversos países em desenvolvimento apresentam dificuldades em promover um ritmo acelerado de crescimento da renda suficiente para alcançar as nações mais ricas do planeta, decorrente dos obstáculos que enfrentam seus processos de transformação estrutural.
Tradicionalmente, a literatura econômica advoga que o potencial de desenvolvimento econômico é grande para as economias que diversificam seus setores produtivos e avançam nos processos de industrialização, geradores de maiores ganhos de produtividade e tecnologia. Este foi o caminho trilhado pelos países hoje considerados desenvolvidos.
Nas últimas décadas, contudo, o que se observa é uma crescente desindustrialização, isto é, um declínio do peso da indústria na estrutura econômica, não apenas em economias avançadas como também nas economias em desenvolvimento, tal como o Brasil. Para este segundo grupo, a desindustrialização foi prematura, já que seus países passaram a perder capacidade industrial antes de atingirem um nível de renda per capita mais elevado, comprometendo sua capacidade de aprimorar constantemente seu grau de sofisticação tecnológica.
Esta Carta IEDI discute as condições do avanço do desenvolvimento em meio à desindustrialização, tendo por base o trabalho do FMI recentemente divulgado, sob o título “Rethinking development policy: deindustrialization, servicification and structural transformation”, de autoria de Manoj Atolia, Prakash Loungani, Milton Marquis e Chris Papageorgiou. Os principais argumentos e conclusões dos pesquisadores do FMI serão sintetizados a seguir.
O estudo procura lançar novas luzes sobre os caminhos do desenvolvimento econômico, avaliando experiências de países a partir do papel desempenhado por fundamentos privados e públicos no processo de mudança estrutural. A desindustrialização e a “servitização”, entendidas, respectivamente, como a perda de participação da indústria e a crescente participação dos serviços, tanto no emprego como no valor adicionado de diversas economias, compõem o contexto recente de profundos desafios ao desenvolvimento.
Salienta-se que, embora certos fundamentos privados, como capital físico, tecnologia, capacitação e inovação, sejam necessários para induzir o crescimento, muitas vezes não são suficientes para iniciar o processo, particularmente na ausência de fundamentos públicos, tais como infraestrutura e instituições. Disso decorre, segundo os pesquisadores do FMI, o papel fundamental das políticas públicas no processo de mudança estrutural da economia.
O estudo analisa o processo recente de desenvolvimento das economias a partir de três grupamentos de países: aqueles mais bem sucedidos no movimento de catching up, como os Tigres Asiáticos ( Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong); países de renda média, a exemplo do Brasil, México, China, entre outros; e os países de renda baixa, tais como os da África Subsaariana.
Conclui que, à luz das experiências mundiais e da realidade atual de globalização e desindustrialização, colocam-se grandes dificuldades aos países em perseguir o tradicional caminho de mudança estrutural que perpassa a agricultura, a indústria e os serviços conforme se elevam os níveis de renda.
Segundo os autores, a alternativa de desenvolvimento por meio de serviços de alta produtividade, embora possa gerar forte crescimento econômico, carece de evidências sobre seu potencial de contribuir para a absorção em larga escala da mão de obra por setores mais avançados da economia e, assim, para a difusão dos ganhos de renda, tal como ocorre no caso dos setores industriais.
Na ausência de forças favoráveis provenientes da produção industrial e/ou de um histórico comprovado de desenvolvimento decorrente dos setores de serviços, os processos de desenvolvimento econômico e de mudança estrutural devem depender, principalmente, do apoio de políticas públicas adequadas para a geração de incentivos fortes, dinâmicos e autossustentáveis que fortaleçam os fundamentos privados de tecnologia, capacitação e inovação.
Segundo os pesquisadores do FMI, embora as prescrições de política sejam específicas às circunstâncias de cada país, o enfrentamento de alguns desafios deve ser priorizado pelas políticas públicas, dentre os quais podem ser destacados:
• Infraestrutura inadequada;
• Esgotamento da mão de obra barata e dos ganhos de imitação de produtos e processos;
• Capital humano insuficiente para competir em inovação com países de renda elevada;
• Falta de acesso a financiamento de investimentos mais arriscados em tecnologias inovadoras;
• Desigualdade de renda inibidora da incorporação de capital humano, dado o acesso limitado de famílias de baixa renda às oportunidades educacionais.
Por fim, como o desenvolvimento consiste em um processo longo e complexo, é fundamental que as formulações de política tenham em conta uma perspectiva estratégica e de longo prazo.
Desenvolvimento econômico, mudança estrutural e políticas públicas
O processo de desenvolvimento econômico é historicamente caracterizado por crescimento econômico, aumentos de produtividade e melhorias nos padrões de vida da população, juntamente com mudança estrutural, no sentido de significativa realocação de recursos produtivos entre os diversos setores da economia. Tal mudança é entendida a partir da industrialização de economias majoritariamente baseadas em setores primários em sua origem. O benefício dessa realocação consiste na crescente participação do setor industrial na economia, de modo que, por ser mais produtivo, estimula taxas mais elevadas de crescimento econômico.
Este é o tema discutido no trabalho do FMI intitulado “Rethinking development policy: deindustrialization, servicification and structural transformation”, de autoria de Manoj Atolia, Prakash Loungani, Milton Marquis e Chris Papageorgiou, cujos principais argumentos e conclusões são sintetizados na presente Carta IEDI.
Do ponto de vista teórico, os fatores que podem estimular essa transformação de uma economia mais agrária em uma economia mais industrializada são diversos. Por um lado, há forças no próprio setor agrícola, como a abundância de mão de obra, que “empurram” para o desenvolvimento de outras atividades produtivas, como a manufatura. Essas forças são conhecidas como push factors. Por outro lado, o grande potencial de aumentos sustentados de produtividade endógenos ao setor industrial se configura como fontes de crescimento econômico elevado e contínua mudança estrutural. Trata-se de forças conhecidas como pull factors. Nesse sentido, há amplo espaço para políticas públicas indutoras de transferência de mão de obra de áreas rurais para centros urbanos industrializados com maiores salários. Tais características contribuem para a compreensão mais ampla acerca da passagem de uma economia mais tradicional e agrária para outra mais moderna e industrializada, seguida por uma economia pós-industrial mais baseada em serviços.
Contudo, esse potencial de desenvolvimento pode não se materializar ou levar muito tempo para que, de fato, ocorra. Isso se deve a diversas razões, agrupadas pelos pesquisadores do FMI em duas categorias principais: os chamados fundamentos privados e os fundamentos públicos. Os fundamentos privados referem-se ao conjunto de insumos complementares ao trabalho que são necessários para que esse processo de mudança estrutural se inicie. Incluem-se capital, tecnologia, capacitações e inovações.
Tais fundamentos são condição necessária, porém não suficiente, para induzir o processo de mudança estrutural e, assim, maiores taxas de crescimento econômico. Dadas as inter-relações entre as decisões dos agentes privados e o risco potencial de falhas de coordenação entre eles, cabe um papel central às políticas públicas. Os governos podem prover, por exemplo, a infraestrutura física necessária bem como o ambiente institucional adequado para o funcionamento dos mercados, ao mesmo tempo em que coordenam as decisões privadas sobre investimento em capital físico e humano. Tais respostas de política pública aos desafios do desenvolvimento decorrentes da ausência de infraestrutura e instituições adequadas correspondem aos chamados fundamentos públicos.
Assim como no caso dos fundamentos privados, os fundamentos públicos apresentam especificidades relacionadas a cada país, ao tempo histórico e à fase de mudança estrutural em que uma dada economia se encontra. No entanto, desempenham, segundo os autores e em linha com a visão de outros pensadores sobre o processo de desenvolvimento econômico, uma função relativamente mais importante do que os fundamentos privados na etapa inicial de promoção da mudança estrutural.
Isto não significa, porém, que toda política pública que inicialmente contribua para a industrialização do país e estimule o crescimento seja válida por períodos prolongados, uma vez que possa inviabilizar a realização do potencial completo do processo de industrialização. O estudo do FMI menciona, nesse sentido, as políticas industrializantes praticadas por Brasil e Índia na fase de industrialização por substituição de importações. Embora não fossem equivocadas em sua motivação inicial de promover uma indústria nascente em países com amplos mercados consumidores, mostraram-se incapazes de tornar o setor industrial competitivo internacionalmente em um mundo globalizado. Como contraponto, colocam-se as políticas de promoção das exportações praticadas por países menores do Leste Asiático com mercados domésticos limitados, como Coreia do Sul e Taiwan, os quais estiveram expostos à maior concorrência internacional.
Para que intervenções públicas mais eficientes sejam realizadas, introduz-se a ideia de diagnósticos de crescimento. Visto que as decisões privadas são, em geral, afetadas adversamente por falhas de mercado e de coordenação, essa abordagem de diagnosticar as possíveis causas inibidoras do crescimento permite direcionar os esforços de política pública para as restrições efetivas e, consequentemente, reduzir possíveis distorções decorrentes da própria intervenção governamental. Em outras palavras, ao se identificar corretamente as causas de um baixo nível de atividade econômica, pode-se aplicar políticas mais direcionadas que promovam o crescimento com os menores custos possíveis, muito embora em uma economia tão complexa como a da realidade as causas possam ser múltiplas e inter-relacionadas.
A industrialização e a mudança estrutural na globalização
A globalização coloca oportunidades e desafios ao processo de mudança estrutural e desenvolvimento econômico. Segundo o estudo do FMI, economias fechadas precisam criar uma base industrial diversificada para responder à demanda doméstica por bens industriais. Embora haja vantagens de se criar um setor industrial diversificado, seus ganhos potenciais advindos de economias de escala seriam limitados, exceto em países com grandes mercados consumidores domésticos, tais como o Brasil, entre outros países. Logo, a inserção das economias nos mercados globalizados permitiria maior especialização produtiva, elevando sua produtividade ao explorar em sua totalidade as possíveis economias de escala. Essa especialização, porém, expõe os países às forças das vantagens comparativas, como, por exemplo, a abundância de recursos naturais e matérias-primas.
A globalização oferece, na visão dos autores, não apenas acesso ampliado a diversos mercados para bens industriais, como também oportunidades aos países de fortalecerem suas bases produtivas a partir de capitais e tecnologias estrangeiros. Influxos de capital podem amenizar as restrições de financiamento dos investimentos, enquanto comércio e investimentos estrangeiros diretos representam formas de aprimorar as tecnologias e capacitações domésticas direta (por meio de transferência e/ou treinamento) ou indiretamente (mediante difusão tecnológica).
Cabe destacar que a participação da manufatura no emprego e no produto mundiais permaneceu relativamente constante entre 1970 e 2010, em cerca de 14% e 16-17%, respectivamente. Logo, pode-se afirmar que alguns países se beneficiaram mais do que outros em termos de promover sua mudança estrutural durante o período de globalização.
As experiências dos países são múltiplas e três grupos principais podem ser distinguidos entre economias em desenvolvimento:
1. O primeiro grupo engloba aqueles países que, de certa forma, foram capazes de utilizar a demanda global para ampliar a especialização e a produtividade dos setores industriais, com crescente incorporação e upgrading de tecnologias. Os países conhecidos por “Tigres Asiáticos” – Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong – não apenas foram bem-sucedidos em seu processo de industrialização, como também conseguiram avançar nas cadeias de valor quanto ao grau de sofisticação tecnológica de seus bens industriais, inclusive elevando sua renda ao patamar das economias avançadas.
2. O segundo grupo remete aos chamados países de renda média. Muitos países realizaram a transição inicial e alcançaram um patamar de renda per capita de US$ 3.000 por ano (em valores constantes de 2005), sendo considerados países de renda média. Incluem-se, nesse grupo, China, Tailândia, Indonésia, Brasil, Malásia, México e Peru. Muitos, inclusive, já alcançaram esse patamar há bastante tempo. A trajetória de Brasil, Malásia, México e Peru, se comparada à de Taiwan e Coreia do Sul, mostra-se mais frágil e menos dinâmica. A China, embora ainda um país de renda média, vem trilhando caminho semelhante aos países do primeiro grupo.
O estudo afirma que, no caso do Brasil, o país não se aproveitou nas últimas três décadas, de modo significativo, do deslocamento ocorrido da atividade industrial de economias desenvolvidas para economias em desenvolvimento. Aponta-se, ademais, que o modelo anterior de substituição de importações, embora tenha promovido rápida industrialização e mudança estrutural por algumas décadas no país, fracassou em criar incentivos aos agentes econômicos em termos de geração de tecnologia e capital humano que seriam necessários para completar o processo de mudança estrutural e possibilitar a transição para uma economia avançada e de renda mais elevada. Essa incapacidade de os países que alcançaram o patamar de renda média de avançarem no processo de mudança estrutural e promover maiores incrementos de renda de forma a realizarem o catching-up com as economias avançadas é conhecido na literatura como “armadilha da renda média”.
3. Em situação mais extrema, encontra-se um terceiro grupo de países que possuem renda baixa para padrões internacionais. A maioria desses países não se beneficiou da demanda industrial global. Em alguns casos, como de países da África Subsaariana, perdeu-se espaço ao se tornarem importadores líquidos de manufaturas, financiadas, sobretudo, pelas exportações de bens primários.
O Vietnã, no entanto, é um exemplo de país que tem passado por significativas transformações nas últimas décadas, conseguindo lograr um processo inicial de mudança estrutural e passando do grupo de renda baixa para o grupo inferior dos países de renda média. Seu crescimento tem dependido da combinação entre promoção das exportações e infraestrutura para atrair investimentos estrangeiros diretos. A indústria tem alargado sua participação no PIB e o comércio, tanto por exportações como importações, tem se ampliado significativamente, o que retrata a integração do Vietnã nas cadeias globais de valor, sobretudo nas redes de produção do Sudeste Asiático. Nesse sentido, chama a atenção a transformação ocorrida na composição da pauta exportadora vietnamita.
O estudo do FMI também destaca que no mundo globalizado de maior mobilidade de capital, tecnologia e capacitações, as políticas públicas se tornam ainda mais fundamentais para a concretização dos processos de industrialização e mudança estrutural das economias. Isso porque há um “efeito de alavancagem” inerente à globalização que emerge da complementariedade entre os fundamentos privados e os fundamentos públicos. Nesse sentido, as políticas públicas deveriam buscar atrair capitais e tecnologias estrangeiros a fim de ampliar os efeitos positivos sobre os resultados econômicos. Essa dinâmica positiva e complementar entre fundamentos públicos e privados é exemplificada com o caso do Vietnã.
Na ausência de políticas públicas adequadas, o processo de mudança estrutural pode não ocorrer ou mesmo retroceder. Atolia, Lougani, Marquis e Papageorgiu, os autores do estudo, mencionam o caso de Gana, na África, que estaria passando por um processo conhecido por desindustrialização prematura. Tal fenômeno ameaça o país até mesmo de não conseguir realizar a transição para uma economia de renda média, uma vez que não consiga desenvolver sua estrutura industrial e se especialize nas exportações de bens primários com base em suas vantagens comparativas naturais, passando a importar todo tipo de bens industrializados.
Desindustrialização prematura e a “armadilha da renda média”
A desindustrialização é geralmente associada a um processo prolongado de perda da participação relativa da indústria no produto e emprego de uma dada economia. Nesse sentido, é preciso diferenciar dois possíveis tipos de ocorrência de desindustrialização.
1. O primeiro tipo se refere à desindustrialização característica das economias avançadas. Nestas economias, marcadas por uma era pós-industrial, a desindustrialização poderia ser vista como um processo natural. Conforme se alcançam níveis mais elevados de renda da população, espera-se uma queda da participação relativa da indústria, dada uma demanda maior por serviços variados. Segundo os pesquisadores do FMI, essa queda seria mais pronunciada em termos de emprego do que de valor adicionado. De todo modo, amplia-se a participação relativa dos serviços em detrimento da indústria e da agricultura. Essa preponderância dos serviços na economia, independentemente de sua qualidade, é denominada de “servitização”. Em muitos casos de economias avançadas, trata-se de serviços com maior grau de especialização e sofisticação tecnológica.
2. O segundo tipo de desindustrialização corresponde à desindustrialização prematura. Este fenômeno é caracterizado por um pico menor na participação da indústria no PIB do país e durante estágio de desenvolvimento anterior ao que se observa em economias avançadas. Em outras palavras, a perda relativa industrial ocorre antes mesmo de a economia se encontrar em seu estágio maduro e de renda elevada. A partir de evidências constatadas por Dani Rodrik, pesquisador da Universidade de Harvard, e mencionadas no estudo, observa-se que países com desindustrialização mais recente, pós-1990, atingiram um pico de 18,9% de participação da indústria no emprego total quando o nível de renda per capita ainda era de US$ 4.273 dólares (em dólares de 1990), enquanto países cuja desindustrialização se iniciou antes de 1990 alcançaram um pico de 21,5% em termos de emprego e quando a renda per capita já figurava em US$ 11.048 dólares (em dólares de 1990).
Os casos de desindustrialização prematura são particularmente alarmantes quando as bases industriais ainda não se consolidaram no país e, portanto, quando a economia ainda se encontra pouco desenvolvida ou com patamares de renda muito baixos para padrões internacionais. O caso de Gana é bastante emblemático, pois verifica-se a transição de uma economia agrária para uma economia baseada em serviços sem a passagem por uma fase de industrialização pronunciada, ou seja, sem o processo tradicional de mudança estrutural.
A composição setorial do PIB e do emprego em Gana no período entre 1960 e 2010 se modifica com as reformas estruturais iniciadas em 1983, após tentativa de industrialização por substituição de importações, e a partir de 1992. O movimento de transferência de mão de obra da agricultura para os setores de serviços se acentua nos anos 2000. Neste caso, trata-se de serviços pessoais de baixa produtividade. Tal fenômeno também é observado em outras economias abundantes em recursos naturais que passaram por algum processo de urbanização, como outros países da África Subsaariana.
Há também os casos de desindustrialização prematura em países de renda média, como Brasil, Malásia, México e Peru. Uma visão sobre esse fenômeno é a de que tais países teriam entrado na “armadilha da renda média”, caracterizada por um “ruim, porém estável, equilíbrio”. Argumenta-se que esses países sofrem das pressões competitivas advindas, de um lado, dos baixos salários pagos nos países de baixa renda que possuem indústrias maduras baseadas em imitação e empregadoras de trabalhadores de baixa qualificação na manufatura e, de outro lado, das inovações significativas de produto realizadas pelos países de renda elevada com abundância de trabalhadores altamente qualificados.
Embora essa ideia possa ser debatida, é fato que muitos países de renda média têm enfrentado baixo dinamismo em sua produtividade, o que se reflete em taxas menores de crescimento econômico. Isso é particularmente válido para grandes economias latino-americanas, como Brasil, Argentina, Peru e México, na década de 1980-1990. Para Brasil e México, em particular, trata-se de uma reversão da contribuição, antes positiva durante a década de rápida industrialização de 1970-1980, da produtividade total dos fatores de produção ao crescimento econômico.
Aponta-se que, para esses países, a dependência em relação à estratégia de substituição de importações no desenvolvimento industrial naquele período tornou-se um fator limitante ao aumento posterior da produtividade. Isso porque, embora tais políticas possam promover uma mudança estrutural deslocando mão de obra barata da agricultura para setores industriais intensivos em mão de obra pouco qualificada, há limites para os incrementos de produtividade. As decisões acerca de quais bens produzir geralmente envolvem a imitação de bens e processos produtivos existentes, o que pode levar a uma produção doméstica de bens com qualidade inferior àqueles comercializados nos mercados internacionais. Uma vez alcançados os limites da demanda doméstica por tais bens e dado o esgotamento da transferência de mão de obra barata para as áreas urbanas, resta pouco espaço para uma expansão adicional de produção. A fim de escapar dessa “armadilha da renda média”, cabe aos países adotar, segundo o estudo, uma estratégia focada em desenvolver os fundamentos econômicos necessários à promoção das exportações de bens manufaturados comercializáveis.
Pode-se elencar, assim, diversos fatores que contribuem para entender o porquê de alguns países terem se beneficiado a partir da globalização para promover crescimento econômico, industrialização e mudança estrutural, enquanto outros falharam na tentativa de crescimento ou mesmo passaram a experimentar um processo de desindustrialização prematura. Em primeiro lugar, tem-se que a relativa estabilidade da participação da indústria no emprego e produto mundial nas últimas décadas, uma vez que abarca significativa maioria da população mundial nesses países, resulta em forte concorrência para adentrar os mercados globais de manufaturas, de forma a reduzir a possibilidade atual de se depender de demanda internacional adicional por bens industriais, tal como existia no início do processo de globalização.
Em segundo lugar, apesar de capitais e tecnologias estrangeiros poderem compensar a escassez doméstica desses elementos privados essenciais à industrialização, tais insumos estrangeiros dependem de fatores públicos complementares, como infraestrutura e instituições, a fim de fortalecerem as vantagens dos países nos setores industriais. A ausência de infraestrutura adequada, por exemplo, é um fator limitante em muitas economias para investimentos maiores nas indústrias com vistas à competição em mercados internacionais.
Em terceiro lugar, a partir dos mercados abertos e globalizados de bens e serviços, grandes volumes de recursos internacionais, como capital e tecnologia, podem se mover entre países com destino àqueles com fundamentos públicos mais sólidos, ampliando as diferenças nas vantagens dos diversos países nos setores industriais. Esse fenômeno é particularmente notório no caso da realocação global das cadeias de valor, que beneficiou os países que se mostraram capazes de suprir a produção de componentes de bens manufaturados sem precisar desenvolver uma rede doméstica de produção verticalizada.
Com a rápida mudança estrutural e industrialização da China e, em alguma medida, da Índia, que compreendem significativa parcela da população mundial, não é de se estranhar que muitos países de renda baixa que ainda não adentraram o processo de mudança estrutural enfrentem dificuldades para avançar ou mesmo tenham iniciado um processo de desindustrialização prematura, o qual também afeta países de renda média.
Como resultado, os países com fracos fundamentos públicos (ou com fundamentos privados insuficientes para compensar seus fundamentos públicos) tendem a se tornar importadores de manufaturas. Ademais, uma vez que tais países acabam por não explorar em sua totalidade os benefícios da industrialização bem como do desenvolvimento tecnológico e das capacitações envolvidas, eles tendem a esbarrar em limitações ao buscarem melhorar a qualidade de seus produtos na tentativa de avançar no processo de mudança estrutural. Ao enfrentarem o fenômeno da desindustrialização prematura, grande parcela da mão de obra tende a permanecer na agricultura ou a se transferir para uma camada de serviços de baixa produtividade, limitando o crescimento econômico e as melhorias nas condições de vida da população em geral.
Perspectivas para o desenvolvimento econômico: indústria, serviços e políticas de longo prazo
Diante da tendência de desindustrialização prematura observada em diversas economias, particularmente em países de menor renda recém-industrializados, cabe enfatizar possíveis caminhos de desenvolvimento econômico e mudança estrutural que estejam abertos a esses países.
A transição da China de uma economia industrial para uma economia pós-industrial baseada em serviços modernos e dinâmicos sem incorrer na “armadilha da renda média” pode permitir que um grande número de países menores passe a preencher a lacuna a ser deixada em parte dos setores industriais. O estudo do FMI também salienta que o Brasil e outros países que atualmente se encontram na “armadilha da renda média”, uma vez que consigam superar tal condição, contribuiriam para a continuidade do referido processo de industrialização em outras economias mais atrasadas. De todo modo, não é exatamente claro como isso poderia ajudar os países que sofrem de desindustrialização prematura. O impacto, se algum, tenderia a ocorrer apenas no médio e longo prazo.
Os autores do trabalho discutem, ainda, se os serviços poderiam cumprir essa tarefa de permitir um incremento persistente da renda. Muitos países africanos de industrialização tardia, como Etiópia, Gana, Quênia, Malawi, Senegal, Tanzânia e Zâmbia, experimentaram um movimento de transferência de mão de obra para serviços tradicionais não comercializáveis internacionalmente, em particular para o comércio a varejo e atacado, que apresentam baixas taxas de formalização do emprego nesses países. A agricultura e a extração de recursos naturais permanecem como as forças motrizes do processo de geração de renda, associadas a tais categorias de serviços. No entanto, concluem que é improvável que essa forma de mudança estrutural seja capaz de se consolidar como uma alternativa viável de crescimento de longo prazo, dada a incapacidade de gerar aumentos sustentados de produtividade.
Na visão dos pesquisadores do FMI, uma alternativa de desenvolvimento crível baseada em serviços teria necessariamente de passar pelo crescimento de serviços comercializáveis internacionalmente e de elevada produtividade. Destaca-se, nesse sentido, o caso da Índia, cuja população empregada na agricultura, ainda que permaneça predominante, reduziu-se em termos relativos frente aos serviços, enquanto a participação dos serviços no valor adicionado da economia já tenha superado a parcela da agricultura há décadas, acelerando-se no período mais recente de expansão de serviços relacionados à tecnologia da informação.
A trajetória indiana de crescimento econômico baseado em serviços remete a diversos fatores, incluindo fundamentos públicos e privados. Enfatizam-se os conhecimentos técnico-científicos, uma fração populacional fluente em inglês, a diáspora indiana para centros de ponta em tecnologia da informação, sobretudo nos Estados Unidos, além de liberalização nos setores de informática e comunicação. Os desafios na economia, porém, permanecem, visto que grande parte da população não foi necessariamente incorporada a esses setores de serviços mais dinâmicos.
Em comparação ao paradigma de mudança estrutural baseado na indústria, a trajetória de crescimento assentada em serviços de elevada produtividade envolve um salto na estrutura produtiva da economia não necessariamente associado à demanda doméstica. Em outras palavras, o incremento de produção e emprego em tais serviços depende, sobretudo, da demanda global e das exportações, o que pode limitar esse movimento de expansão econômica. Já no processo tradicional de mudança estrutural liderado pela indústria, existe maior sincronia entre a produção doméstica e a demanda por tais bens produzidos localmente, inclusive na estrutura de emprego, constituindo-se os mercados globais em uma demanda adicional que possa contribuir para a aceleração do crescimento.
Vale registrar que, embora alguns países tenham sido capazes de crescer rapidamente por meio da concentração em serviços de alta produtividade, seu potencial de mudança estrutural, sobretudo em absorver grandes parcelas da mão de obra, ainda não é evidente. O setor industrial, em contrapartida, mostra-se capaz de incorporar grande quantidade de mão de obra, permitindo ampla difusão dos ganhos dinâmicos advindos da mão de obra mais qualificada, das melhorias tecnológicas e das inovações de produto e processo. Para isso, reforça-se a necessidade de políticas públicas que ajudem a criar incentivos para fortalecer os fundamentos privados.
Como tais fundamentos privados tendem a se desenvolver de maneira mais lenta, eles devem se tornar prioridade das políticas públicas o quanto antes dentro do processo de desenvolvimento econômico com vistas ao crescimento econômico e à mudança estrutural sustentados no longo prazo. Segundo o estudo, embora as prescrições de política sejam específicas às circunstâncias de cada país, pode-se elencar, em linhas gerais, alguns aspectos com os quais as políticas públicas devam lidar:
• Infraestrutura inadequada;
• Benefícios marginais decrescentes dos investimentos em capital físico;
• Esgotamento da mão de obra barata e dos ganhos de imitação de produtos e processos;
• Capital humano insuficiente para competir em inovação com países de renda elevada;
• Má alocação de talentos, com grande parte do capital humano subutilizado na produção de bens em setores de baixa produtividade e baixo crescimento na economia;
• Falta de acesso a financiamento de investimentos mais arriscados em tecnologias inovadoras;
• Desigualdade de renda inibidora da incorporação de capital humano, dado o acesso limitado de famílias de baixa renda às oportunidades educacionais.