Carta IEDI
Revolução em processo: panorama das novas tecnologias segundo a OCDE
Nos últimos anos, o desenvolvimento e a aglutinação de um conjunto de tecnologias vêm ampliando o potencial de transformações profundas nos processos de produção, nas formas de gestão e nas características de bens e serviços. O impacto será transversal, atingindo todas as atividades econômicas, da agricultura aos serviços, passando evidentemente pela indústria. Daí a frequência com que tem sido usado o termo indústria 4.0 ou manufatura avançada.
O mais recente relatório Science, Technology and Innovation Outlook da OCDE traz um panorama do estado de desenvolvimento, adoção e efeitos que essas novas tecnologias têm gerado ao redor do mundo. A Carta IEDI de hoje trata deste balanço realizado pela OCDE a partir de dois capítulos de seu relatório. Particular atenção é dada à Inteligência Artificial (IA), mas também são avaliadas outras tecnologias em difusão, como impressoras 3D, blockchain, nanotecnologia e novos materiais.
Sob o título “Artificial Inteligence and the Tecnologies of the Next Production Revolution”, o estudo de Alister Nolan, enfatiza as aplicações destas novas tecnologias na produção industrial e ressalta as implicações de políticas públicas específicas para o avanço e emprego de cada uma dessas tecnologias. Dois aspectos lhe parecem fundamentais no desenho de estratégias nacionais para o futuro: como ampliar o acesso à computação de alto desempenho, cuja demanda será crescente com a nova revolução industrial, e como os governos podem apoiar a pesquisa em IA e em computação avançada.
De acordo com o autor, com o desenvolvimento de deep learning (aprendizagem profunda), a IA pode ser aplicada à maioria das atividades industriais, do aperfeiçoamento de sistemas multimáquinas à pesquisa industrial. Nessa última, a aplicação dessa tecnologia já está encurtando radicalmente o tempo necessário para a descoberta de novos materiais industriais e o desenvolvimento de novos produtos.
Além do uso direto na produção industrial, a aplicação da IA em logística torna possível o gerenciamento em tempo real, reduzindo significativamente os custos. Igualmente, esta tecnologia também está sendo utilizada para redução do consumo de energia nos centros de dados; auxiliar na segurança digital; agendamento de reuniões, gerenciamento de gastos e recuperação de informação e dados empresariais. Ademais, IA está sendo combinada com outras tecnologias, como realidade virtual e aumentada, para melhorar o treinamento de mão-de-obra e assistência cognitiva.
Apesar disso, o desenvolvimento e a difusão da IA na indústria de transformação estão sob influência de vários tipos de políticas e, por isso, podem ser facilitados ou dificultados. Exercem grande impacto a regulamentação da privacidade dos dados, que são cruciais no treinamento dos sistemas de IA; as regras de transparência e responsabilização algorítmica; as políticas de apoio à pesquisa; as regras de propriedade intelectual etc.
Os governos, cujo financiamento de pesquisa básica em universidades e centros de pesquisa em IA tem sido crucial, poderiam também, segundo Alister Nolan, agir favoravelmente no sentido de:
• Ajudar no desenvolvimento e compartilhamento de dados de qualidade, atuando como catalizador e mediador imparcial (honest brokers)
• Promover iniciativas de dados abertos e assegurar que os dados públicos sejam divulgados em formatos legíveis por máquina para propósitos de IA;
• Apoiar startups de IA para que tenham acesso a poder de computação e conhecimento técnico necessários para a aplicação comercial de suas ideias;
• Evitar que a regulamentação da tecnologia IA, cujos impactos ainda não são bem compreendidos, restrinja as inovações e sua difusão.
Mas se as novas tecnologias revolucionarão a indústria, elas apresentam igual potencial de revolucionar o próprio conhecimento científico. É deste aspecto que trata o estudo “Artificial intelligence and machine learning in Science”, elaborado por Ross King e Stephen Roberts, pesquisadores, respectivamente, da Universidade de Manchester e do Instituto Alan Turing da Universidade de Oxford.
King e Roberts discutem o potencial da tecnologia de IA e da aprendizagem profunda na ampliação do conhecimento científico e analisam os atuais gaps em educação e treinamento que podem comprometer os avanços na área.
Na avaliação dos autores, a utilização da tecnologia de IA tem o potencial não somente de aumentar a produtividade e a reprodutibilidade em ciência como de viabilizar novas descobertas que respondam aos vários desafios globais da sociedade contemporânea, que vão da mudança climática à resistência crescente aos antibióticos.
Não obstante tais vantagens da completa “automação da ciência”, King e Roberts defendem que é a colaboração entre cientistas humanos e sistemas de inteligência artificial que produz melhor ciência. Enquanto os cientistas humanos ainda são inigualáveis em condições que exigem flexibilidade e em situações inesperadas, os algoritmos processam dados em escalas sobre humana.
Avanços e Aplicações Potenciais da Inteligência Artificial
A Carta IEDI de hoje trata de dois capítulos do relatório Science, Technology and Innovation Outlook (STI Outlook) recentemente publicado pela Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) que analisam os avanços das novas tecnologias, e em particular da tecnologia de inteligência artificial (IA), e suas aplicações potenciais em diversos setores da indústria de transformação, bem como na pesquisa científica no caso da IA.
No capítulo 2, intitulado “Artificial Inteligence and the Tecnologies of the Next Production Revolution”, o pesquisador da OCDE, Alister Nolan, enfoca as aplicações na produção industrial de um conjunto de novas tecnologias, como blockchain, impressão 3D, biotecnologia industrial, novos materiais e nanotecnologia, destacando o potencial da inteligência artificial, e discute as implicações de políticas específicas de cada uma dessas tecnologia. O desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias de produção são considerados essenciais para elevar os padrões de vida e reverter o declínio na produtividade do trabalho observado nas últimas décadas em vários países da OCDE.
Já no capítulo 5, “Artificial intelligence and machine learning in Science”, Ross King e Stephen Robert, pesquisadores, respectivamente, da Universidade de Manchester e do Instituto Alan Turing da Universidade de Oxford, discutem o potencial da tecnologia de IA e da aprendizagem profunda (DL, na sigla em inglês) na ampliação do conhecimento científico. Além de apresentarem exemplos de como IA está sendo usada em diferentes domínios da ciência, como a física, química e biomedicina e em todas as fases do processo científico, incluindo otimização de design experimental, os autores também analisam os gaps em educação e treinamento que podem comprometer os avanços dessa tecnologia.
Aplicações da IA na produção. Segundo Nolan, sistemas inteligentes baseados em conhecimento especializado pré-programado têm sido utilizados em processos industriais por quase quatro décadas. Todavia, com o desenvolvimento de aprendizagem profunda por máquinas com utilização de redes neurais artificiais, a principal fonte de progresso nesse campo, a IA pode ser agora aplicada à maioria das atividades industriais, desde o aperfeiçoamento de sistemas multimáquinas à pesquisa industrial. Além disso, o uso de IA na produção deverá ser estimulado pelos processos automatizados de aprendizado das máquinas, que poderão ajudar empresários, cientistas e outros usuários a empregar a tecnologia mais rapidamente.
A IA está explorando décadas de dados experimentais, encurtando radicalmente o tempo necessário para a descoberta de novos materiais industriais, em alguns casos de anos para dias. Também está viabilizando robôs para receber instruções de operadores humanos, incluindo comandos não previstos originalmente nos robôs. Finalmente, a IA está viabilizando o gerenciamento e a exploração dos enormes volumes de dados da IoT. O Quadro abaixo traz alguns exemplos de usos recentes da tecnologia de IA na produção em diversos setores industriais, como farmacêutico, aeroespacial, semicondutores e robótica, bem como na indústria do petróleo, na mineração e no setor de construção.
Atualmente, os maiores potenciais para a manufatura avançada estão em cadeias de suprimento, logística e otimização de processos. Alguns estudos também apontam que os setores de transporte, logística, automotivo e de tecnologias lideram em termos da participação das empresas que precocemente adotam IA.
De acordo com Alister Nolan, além do seu uso direto na produção industrial, o uso de IA em logística torna possível o gerenciamento em tempo real, reduzindo significativamente os custos. Igualmente, a IA pode reduzir o consumo de energia nos centros de dados e auxiliar na segurança digital. Já existe software de reconhecimento de texto que é parte de senha, que ajuda a evitar a difusão acidental online de senhas. A tecnologia IA também está sendo utilizado para agendamento de reuniões, gerenciamento de gastos, recuperação de informação e dados empresariais. Finalmente, IA está sendo combinada com outras tecnologias, como realidade virtual e realidade aumentada, para melhorar o treinamento de mão-de-obra e assistência cognitiva.
Ao longo do tempo, o principal efeito da IA na produção poderá ser a criação de novas indústrias, baseados em avanços científicos viabilizados por essa tecnologia, tal como ocorreu com a descoberta da estrutura do DNA nos anos 1950. Aproximadamente 40 anos separam a elucidação da estrutura do DNA e a emergência de uma indústria de biotecnologia de alta relevância, criadora de alto valor econômico. Cerca 100 anos separam a revolução científica da física quântica e o nascimento recente da computação quântica. Tais observações sublinham a importância da pesquisa básica e a importância de um horizonte de longo prazo em certos aspectos da política científica.
Muitos dos instrumentos que as empresas utilizam para gerenciar e utilizar IA são softwares gratuitos de fonte aberta (isto é seu código-fonte é público e modificável), que incluem biblioteca de software (TensorFlow e Keras), ferramentas que facilitam a codificação (GitHub), editores de texto (Atom, Nano) e ambientes de desenvolvimento (Anaconda e RSudio). Também já existem plataformas de aprendizado de máquinas como serviço (Michelangelo), que auxilia equipes a contribuir, empregar e operar soluções de aprendizado de máquinas.
Aplicações da IA na ciência. De acordo com os pesquisadores britânicos King e Roberts, o papel da inteligência artificial em ciência recebia, até recentemente, pouca atenção. Atualmente, contudo, a IA é tema frequente de artigos prestigiosas revistas científicas como Science e Nature.
Segundo os autores, desde o seu início nos anos 1950, a história da IA passou por diversos ciclos de entusiasmo e desilusão. A situação atual da IA se diferencia dos ciclos prévios de entusiasmo em vários aspectos: a tecnologia computacional subjacente melhorou, há um volume muito maior de dados disponíveis, a IA está sendo melhor compreendida pelos cientistas e, principalmente, o montante de recursos financeiros investidos pelas corporações privadas tem crescido assim como os grandes lucros obtidos com a utilização da tecnologia. Algumas das maiores empresas digitais do mundo (Google, Amazon, Facebbok, Tecent, Baidu e Alibaba) têm focado seus negócios em IA. Combinados, esses desenvolvimentos sugerem que IA poderá ter possivelmente um grande e crescente impacto no mundo.
Os motores tecnológicos-chave que estão conduzindo ao avanço recente da tecnologia de IA são:
• Expressiva melhoria nos hardwares dos computadores. A idade moderna da computação tem sido marcada pelo exponencial crescimento na velocidade, em linha com a Lei de Moore. Isso significa que o poder do supercomputador necessário para vencer o campeão mundial de xadrez em 1996 cabe agora em um telefone celular padrão. Para atender a demanda por poder computacional cada vez maior, os produtores criaram uma panóplia de inovações, de unidades centrais de processamento com multinúcleos para unidades de processamento gráfico em larga escala. A IA deve, em parte, suas recentes conquistas ao ritmo dos avanços da computação, que permitiram que os algoritmos de IA explorassem soluções complexas para problemas de grande escala. De fato, algumas das conquistas mais divulgadas da AI moderna, como jogar o jogo Go melhor do que qualquer especialista humano, não teriam sido possíveis sem os vastos recursos de computação de alta velocidade.
• Vertiginoso aumento da disponibilidade de dados. O surgimento de sensores baratos, equipamentos de telemetria, computadores ultrarrápidos e armazenamento de dados em escala a baixo preço acarretou uma mudança de paradigma na ciência. No domínio da ciência experimental ocorreu uma modificação fundamental: a era dos experimentos diretos foi substituída pela era da coleção de dados em uma escala sem precedentes. Nesse sentido, grande parte da ciência tradicional tornou-se ciência de dados.
• Enorme melhoria nos softwares de IA. Avanços significativos em softwares de IA ocorrem nos anos recentes, especialmente, em aprendizado profundo (DL, na sigla em inglês) e em redes neurais profundas, que são um tipo de aprendizado de máquinas (ML). O DL transformou o modo no qual os algoritmos alcançam (ou superaram) o desempenho humano em áreas como jogos e entendimento de imagens e vídeos. Embora as pesquisas iniciais em redes neurais profundas datem dos anos 1990, só recentemente, com avanço no poder de computação, constatou-se a capacidade verdadeiramente impressionante de DL para resolver certas classes de problemas.
Na avaliação dos autores, a ampliação do uso da tecnologia IA em ciência está sendo viabilizada, contudo, pela crescente utilização dessa tecnologia por grandes corporações privadas, as quais contam com amplos recursos financeiros para elevados investimentos tecnológicos requeridos em computadores de alto desempenho e reúnem um grande número de pesquisadores de excelência em IA. Além disso, atualmente, os cientistas possuem acesso a código IA de fonte aberta.
De acordo com Ross e Roberts, os sistemas IA são atualmente capazes de raciocínio sobre-humano. Eles podem lembrar com precisão um grande número de fatos, executar um raciocínio lógico impecável e um raciocínio probabilístico quase ótimo, aprender mais racionalmente do que os humanos a partir de uma pequena quantidade de dados e aprender com uma grande quantidade de dados com os quais nenhum ser humano poderia lidar. Essas habilidades conferem a IA o potencial de transformar a ciência mediante o aumento do raciocínio científico humano.
Os cientistas humanos são educados e treinados basicamente da mesma maneira, o que conduz a um viés cognitivo não reconhecido na maneira como abordam os problemas científicos. Os sistemas de IA “pensam de modo diferente” e apresentam diferentes qualidades e debilidades comparativamente aos cientistas humanos. A combinação de modos diferentes de pensar cria sinergias. Segundo Ross King e Stephan Roberts, há evidências de que a simbiose software-humanos na exploração de sistemas complexos tem rendido descobertas de soluções eficientes e efetivas.
De igual modo, os sistemas de IA e os cientistas humanos possuem habilidades de leitura complementares. Embora os cientistas humanos compreendam os artigos em detalhes, mesmo com as ambiguidades inerentes nas línguas naturais, eles só conseguem ler e memorizar um número limitado deles. Em contraste, os sistemas de IA podem extrair informações de milhões de artigos científicos, mas a quantidade de detalhes que podem ser abstraídos é severamente limitada. Em um contexto no qual o volume de artigos científicos é imenso e em crescimento, a aplicação da IA em ciência tende a se tornar cada vez mais essencial.
O uso de sistemas AI permite formalização lógica de todos os aspectos da investigação científica. A IA pode, de fato, ser utilizada para ajudar na formalização da argumentação científica nos vários segmentos e etapas da pesquisa experimental. Tornar a estrutura experimental explícita torna a pesquisa científica mais compreensível, reprodutível e reutilizável.
Na avaliação dos autores, as tecnologias de ML e IA tem o potencial para contribuir para a ciência em diferentes maneiras-chave: encontrando padrões interessantes e atípicos em um vasto conjunto de dados; descobrindo leis e princípios científicos invariáveis a partir dos dados; ampliando a ciência humana; combinando com sistemas robóticos para produzir “robôs cientistas”. A utilização da tecnologia de IA tem o potencial não somente de aumentar a produtividade e a reprodutibilidade em ciência como também de viabilizar novas descobertas que respondam aos vários desafios globais da sociedade contemporânea, que vão desde a mudança climática à resistência crescente aos antibióticos.
As vantagens potenciais da completa “automação da ciência” seriam, entre outras:
• Acelerar a descoberta científica. Sistemas automatizados podem gerar e testar milhares de hipóteses em paralelo. A limitação cognitiva dos seres humanos implica que apenas poucas hipóteses sejam consideradas ao mesmo tempo;
• Baratear a experimentação. Os sistemas de IA podem selecionar experimentos utilizando maior racionalidade econômica. O poder da tecnologia IA pode ser utilizado na exploração e aproveitamento muito eficiente de paisagens experimentais desconhecidas e conduzir ao desenvolvimento de novos medicamentos, materiais e dispositivos;
• Facilitar o treinamento. Incluindo a educação inicial, a formação e treinamento de cientista humano requer mais de 20 anos e recursos enormes. O ser humano só pode absorver o conhecimento lentamente através do ensino e da experiência. Já os robôs podem absorver diretamente conhecimento mútuo;
• Jornada de trabalho mais prolongada e produtiva. Os robôs podem trabalhar por mais tempo do que os humanos e não precisam de descanso ou férias;
• Melhor conhecimento / compartilhamento de dados e reprodutibilidade científica. Os robôs têm a capacidade sobre-humana de registrar dados e resultados experimentais. Os resultados, juntamente com os metadados associados e os procedimentos empregados, são automaticamente informados por completo e sem custo adicional. Nos experimentos realizados por humanos é raro que haja o registro de todos os procedimentos efetuados, dos erros incorridos e dos metadados. E mesmo assim, esses registros parciais elevam em mais de 15% o custo da experimentação.
Não obstante tais vantagens, os autores defendem a ideia de que colaboração entre cientistas humanos e sistemas de inteligência artificial possa produzir ciência melhor do que se fosse realizada separadamente por cientistas humanos e sistemas de inteligência artificial. Enquanto os cientistas humanos ainda são inigualáveis em condições que exigem flexibilidade e lidar com situações inesperadas, os algoritmos podem vasculhar dados em escalas além da capacidade humana, encontrando novos fenômenos interessantes e contribuindo para o processo de descoberta. No horizonte temporal de longo prazo, o resultado dessa interação contribuirá para os avanços na tecnologia e na compreensão da ciência, o que por sua vez, impulsionará o desenvolvimento de sistemas de IA para a ciência cada vez mais inteligentes.
Em diferentes domínios da ciência, segundo King e Roberts, já há exemplos de aplicação de sistemas de IA. Trabalhos recentes na vanguarda da análise inteligente de dados em larga escala tiveram um impacto nas ciências físicas, particularmente nas comunidades de partículas e astrofísica, nas quais a descoberta de eventos dentro dos dados é essencial. Tais abordagens estão, por exemplo, no centro de detecção de pulsares, de exoplanetas ou planetas extrassolares, ondas gravitacionais, e da física de partículas.
Na área da química, uma das aplicações mais proeminentes da IA é o planejamento da via de síntese orgânica. Progressos significativos foram recentemente feitos neste campo. Outra aplicação ativa é no design de medicamentos, cujo ponto chave é aprender sobre relações de atividade de estrutura quantitativa (QSARs). Sistemas IA estão sendo crescentemente integrados com laboratórios robóticos no design de medicamentos para a completa automação do ciclo de pesquisa.
Em biomedicina, também há exemplo de aplicação de IA. Parte do grupo Google, a empresa DeepMind, sediada em Londres, que desenvolveu os softwares AlphaGo e AlphaGo Zero, está aplicando sua tecnologia de DL para resolução de problemas médicos para o Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido mediante análise de imagens. Já existe igualmente um método DL de diagnóstico de câncer de pele a partir de fotos de celular.
Políticas específicas para a IA. Na opinião do pesquisador da OCDE Alistar Nolan, o desenvolvimento e a difusão da IA na indústria de transformação pode ser afetado especificamente por vários tipos de políticas, incluindo: a regulamentação da privacidade dos dados, que são cruciais no treinamento dos sistemas de IA; as regras de transparência e responsabilização algorítmica; as políticas de apoio à pesquisa; as regras de propriedade intelectual.
Os desafios na utilização da IA na produção se relacionam a sua aplicação em sistemas específicos e a criação de dados de treinamento de alta qualidade. Muitas empresas detêm dados valiosos que, por uma série de razões, não utilizam efetivamente, enquanto inúmeras startups de IA e outros empreendimentos que usam IA poderiam gerar valor com esses dados aos quais não têm acesso.
Sem grandes volumes de dados de treinamento, muitos modelos de IA são imprecisos. Um algoritmo supervisionado de aprendizagem profunda pode precisar de 5 mil exemplos rotulados por item e até 10 milhões de exemplos rotulados para igualar o desempenho humano. Os usos de maior valor do IA combinam diversos tipos de dados, como áudio, texto e vídeo. Em muitos usos, os dados precisam ser atualizados mensalmente e mesmo diariamente. Consequentemente, empresas com acesso a grandes volumes de dados e expertise interna em IA, como Google e Alibaba, têm grande vantagem na utilização dessa tecnologia. Além disso, diversas aplicações industriais ainda são novas e personalizadas, limitando a disponibilidade de dados, diferentemente do que ocorre nos setores de finanças e marketing, nos quais a tecnologia IA vem sendo utilizada há muito mais tempo.
Para os avanços da tecnologia de IA também são necessários recursos especializados e caros de computação nas nuvens de unidade de processamento gráfico (GPU). Um empreendedor em IA pode ter conhecimento e recursos financeiros para desenvolver a prova do conceito, mas carece da necessária expertise de hardware e de acesso aos recursos hardware para realizar a aplicação comercial e construir uma empresa de IA viável. De acordo com Nolan, tendências nos experimentos de IA mostram um extraordinário crescimento no poder computacional requerido. Por exemplo, o maior experimento recente em IA, o software AlphaGo Zero, que alcançou desempenho máximo vencendo campeões mundiais de jogos de Go e xadrez, requer 300 mil vezes poder computacional necessário para o maior experimento realizado a apenas 6 anos.
O autor ressalta que é preciso ter cuidado para que a regulamentação da IA não restrinja a inovação. A transparência de algoritmo, a “explicabilidade” e a prestação de conta estão entre as principais preocupações da discussão de regulamentação da IA. Como a tecnologia ainda é muito jovem e seus impactos ainda não são bem compreendidos, uma regulação econômica ampla pode não ser o ideal no momento. Existe um amplo trade-off entre a precisão do algoritmo e sua capacidade de controle, o que implica no risco de regulamentação universal da transparência e capacidade de explicação frear a inovação.
Na avaliação do pesquisador da OCDE, uma abordagem geral enfatizando a responsabilização algorítmica pode proteger melhor as necessidades da sociedade, ao mesmo tempo em que promovem inovações. O impacto de qualquer regulamentação adotada, independente da forma, deveria ser estritamente monitorado. Finalmente, a regulamentação deveria ser revista frequentemente, uma vez que a tecnologia IA muda rapidamente.
Nolan defende políticas voltadas para disponibilidade de dados para treinamento, medidas para enfrentar as restrições de hardware e projeto de regulamentação que não atrapalhe desnecessariamente as inovações. Em sua avaliação, os governos poderiam agir no sentido de:
• Ajudar no desenvolvimento e compartilhamento de dados de qualidade para treinamento, seja atuando como catalizador e mediador imparcial (honest brokers) para parceria de dados de empresas privadas, seja coordenando acordo para compartilhamento de dados (DSAs, na sigla em inglês);
• Promover iniciativas de dados abertos e assegurar que os dados públicos sejam divulgados em formatos legíveis por máquina para propósitos de IA;
• Apoiar as empresas recém-criadas, startups, de IA para que tenham acesso a poder de computação e conhecimento técnico necessários para a aplicação comercial de suas ideias;
• Evitar que a regulamentação da tecnologia IA, cujos impactos ainda não são bem compreendidos, restrinja as inovações e sua difusão.
O autor destaca igualmente que a pesquisa financiada pelo governo nas universidades e institutos públicos de pesquisa tem sido crítica para os avanços em IA. Além disso, como a complexidade dessa e de outras tecnologias de produção emergentes excedem as capacidades de pesquisa até mesmo das grandes empresas, parceiras público-privadas em pesquisa são essenciais.
Já para os pesquisadores King e Roberts, uma questão política-chave para o contínuo avanço da IA e de suas aplicações diz respeito à educação e ao treinamento. Em sua avaliação, muitos temas ainda ensinados nas escolas e universidades parecem ser mais apropriados ao século XIX do que ao XXI.
Segundo os autores, nenhum dos três temas fundamentais que sustentam a compreensão dos sistemas de IA __ lógica, análise de dados (estatística) e ciência da computação são adequadamente ensinados para não-especialistas. A lógica, por exemplo, não é ensinada nas escolas na grande maioria dos países nem nas universidades fora dos cursos especializados de computação e filosofia. O resultado é que poucos estudantes são treinados para entender o papel fundamental da lógica em IA. O mesmo ocorre com a análise dos dados ensinada a não especialistas nas universidades, de um modo que mais se assemelha à culinária do que a ciência, e que, baseada na estatística clássica do início do século XX, lida com tópicos como: teste de hipótese, intervalo de confiança e métodos simples de otimização, os quais apresentam problemas técnicos e filosóficos. De igual modo, a educação em ciência da computação não tem acompanhado o ritmo da importância da IA para a sociedade, tendo sido associada com habilidade em tecnologia da informação.
Também na opinião dos autores, existe uma escassez geral de competência em IA. Isso cria uma necessidade de cursos de mestrado de conversão para transformar os graduados em outras disciplinas em cientistas qualificados para trabalhar na interface de IA / ciência, assim como de mais postos de doutores nessa interface.
Avanços e Desafios das Novas Tecnologias de Produção
Como mencionado, no capítulo 2 do STI Outlook 2018, Alistair Nolan discute igualmente avanços e os desafios das novas tecnologias, como blockchain, impressão 3D, biotecnologia industrial, novos materiais e nanotecnologia, com vistas à aplicação na produção industrial, bem como suas implicações para as políticas governamentais.
Blockchain, uma tecnologia de contabilidade distribuída, tem muitas aplicações potenciais na produção industrial. Segundo a OCDE, embora essa tecnologia seja ainda imatura e muitas de suas aplicações estejam no estágio de prova de conceito, de modo similar ao modelo de software como serviço (SaS), blockchain como serviço já está sendo oferecido por diversas empresas, como Microsoft, SAP, Oracle, HP, Amazon e IBM. Além disso, consórcios como Hyperledger e Ethereum Enterprise Alliance estão desenvolvendo tecnologias de contabilidade distribuída de fonte aberta em inúmeras indústrias.
De acordo com Nolan, a adoção de blockchain na indústria de transformação cria muitos desafios. Essa tecnologia envolve mudanças fundamentais nos processos industriais, particularmente no que se refere a acordos e engajamento entre os diversos atores de uma cadeia de suprimento. Quando muitos computadores são envolvidos, a velocidade de transação pode se reduzir em comparação com processos alternativos, pelo menos com a tecnologia atual.
Um desafio adicional está relacionado ao fato de que a maior parte do desenvolvimento da tecnologia permanece atomizada. A escalabilidade de qualquer plataforma baseada em blockchain, seja em cadeia de suprimentos seja em serviços financeiros, irá depender da interoperacionalidade com outras plataformas. Porém, ao fornecer um registro descentralizado, imutável, baseado em consenso, da transação, segundo Nolan, a blockchain poderá transformar importantes aspectos da produção quando combinada com outras tecnologias.
Alguns exemplos da aplicação potencial dessa tecnologia incluem:
• Localização e seguimento em cadeias de suprimento, cuja consequência será a redução de falsificação na indústria automotiva, que custa às empresas perdas anuais de dezenas de bilhões.
• Substituição de elementos dos sistemas de planejamento de recursos das empresas para resolver falhas atuais de monitoramento. Por exemplo, a indústria de aviação comercial trabalha com milhões de peças, cada uma delas precisa ser monitorada e todo o trabalho de manutenção precisa ser registrado.
• Viabilização de criptografia do início ao fim de todo o processo de design, transmissão e impressão 3D de arquivos de design auxiliado por computação, com cada parte impressa incorporando uma identidade digital e memória únicas. Se os testes recentes forem bem-sucedidos, essa tecnologia poderá incentivar a inovação com uso de impressão 3D, proteger a propriedade intelectual e evitar falsificação.
• Ao armazenar a identidade digital de cada peça manufaturada, a tecnologia blockchain poderá fornecer a prova de cumprimento de garantias, licenças e normas de produção, instalação e manutenção.
• Ao permitir um registro confiável da história de uso de cada máquina e peça de equipamento, a blockchain poderá facilitar o desenvolvimento de um mercado secundário para os ativos industriais, tornando sua utilização mais eficiente.
• Autenticação de trocas de dados baseadas em máquina, poderá ajudar a monetizar a IoT. Além disso, a troca de informações valiosas máquina-a-máquina poderia levar a “colateralização de dados”, dando aos credores a segurança para financiar a cadeia de suprimentos e ajudando fornecedores menores a superar a escassez de capital de giro.
• Blockchain poderia automatizar ainda mais a cadeia de suprimentos mediante a execução digital de “contratos inteligentes”, que dependem da verificação automática de obrigações pré-acordadas. Com o desenvolvimento contínuo da internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), esses contratos inteligentes podem levar a uma total autonomia transacional para muitas máquinas.
Impressão 3D. Nolan ressalta que a tecnologia de impressão 3D ou manufatura aditiva está avançando rapidamente, graças à queda nos preços das impressoras e dos materiais, à alta da qualidade dos objetos impressos e à inovação nos métodos. Recentes inovações incluem: impressão com novos materiais, como vidro, células biológicas e mesmo líquidos, que mantêm suas estruturas com utilização de nanopartículas; cabeças de impressão com braço robótico que permitem a impressão de objetos maiores que a própria impressora, abrindo caminho para a construção automatizada; manipulação sem toque de partículas de impressão com ultrassom, permitindo a impressão de componentes eletrônicos sensíveis à eletricidade estática; e impressoras híbridas 3D, combinando manufatura aditiva com usinagem e fresagem controlados por computador. Há progresso também nas pesquisas em impressão 3D com material programado para mudar de forma depois da impressão.
A maior parte da impressão 3D é usada para fabricar protótipos, modelos e ferramentas. No momento, o custo da impressão 3D ainda não é competitivo em volume com as tecnologias tradicionais de produção em massa, como moldagem por injeção de plástico. Uso amplo de impressão 3D depende de como a tecnologia evolui em termos de tempo de impressão, custo, qualidade, tamanho e opções de materiais. Espera-se que o custo da mudança de tecnologias tradicionais de produção em massa para 3D caia nos próximos anos com o crescimento do volume de produção, embora seja difícil prever quão rápido será a difusão dessa tecnologia.
Segundo Nolan, a difusão da impressão 3D na indústria de transformação poderia ter implicações positivas para a sustentabilidade ambiental se alguns desafios forem superados. Uma prioridade de política é encorajar processos de impressão de baixa energia, mediante o uso de processos químicos ao invés da fusão de materiais. Outra prioridade é o uso e desenvolvimento de materiais de baixo impacto com características úteis no final da vida, tais como biomateriais compostáveis. Tais prioridades poderiam ser alcançadas mediante os seguintes mecanismos de política: investimentos e/ou subvenções voltados para comercializar pesquisas nessas direções; criar um sistema de certificação voluntário para rotular 3D com diferentes graus de sustentabilidade, o qual poderia ser associado a programas preferenciais de compra pelos governos e outras grandes instituições.
Na avaliação do autor, garantir clareza jurídica em torno dos direitos de propriedade intelectual, para a impressão 3D de peças de reposição para produtos que não são mais fabricados, também pode ser benéfico para o meio ambiente, pois se evitaria o descarte de eletrodomésticos, por exemplo. Todavia, a maioria dos softwares de design auxiliador por computadores (CAD, na sigla em inglês) são proprietários. Seria necessário incentivar direitos para que terceiras partes possam imprimir peças de substituição para produtos, com pagamento de royalties ao fabricante original se necessário.
Os governos podem também ajudar a desenvolver o conhecimento necessário para impressão 3D na fronteira da produção, como por exemplo, na aviação comercial. Em particular, o setor público pode: apoiar a ciência básica, especificamente financiando e administrando com curadoria banco de dados de propriedades de materiais, intermediando acordos de disseminação de dados (DAS, na sigla em inglês) entre os usuários de manufatura aditiva baseada em metais (MAM, na sigla em inglês), laboratórios do governo e universidades; promover o desenvolvimento de padrões independentes de fabricação e testes; e ajudar a quantificar as vantagens de adotar a nova tecnologia, criando uma plataforma que documento as primeiras experiências dos usuários.
Biotecnologia industrial. A biotecnologia industrial diz respeito a produção de bens a partir de biomassas renováveis, como madeira, culturas alimentícias e não alimentícias, e mesmo lixo doméstico. Nolan ressalta que décadas de pesquisa em biologia deu origem à tecnologia de edição de genes e à biologia sintética, que visa projetar peças, dispositivos e sistemas com base biológica e redesenhar os sistemas biológicos naturais existentes. Combinado com outros avanços científicos e tecnológicos, tais como robótica e ciência de materiais, a biotecnologia pode iniciar uma revolução na produção baseada em biologia.
Baterias biobaseadas, fotossíntese artificial, micro-organismos que produzem biocombustível são apenas alguns exemplos dos avanços em biotecnologia. Não obstante esses avanços, o maior impacto ambiental de médio prazo da biotecnologia industrial depende do desenvolvimento de biorrefinarias avançadas, que transformam a biomassa sustentável em produtos comercializáveis (alimentos, produtos animais, materiais, produtos químicos) e energia (combustível, energia, calor).
Biorrefinarias de demonstração, operando no meio termo das escalas piloto e comercial, são críticas para responder questões técnicas e econômicas sobre a produção antes do investimento oneroso ser realizado em escala total. Todavia, biorrefinarias e atividades de demonstração são investimento de alto risco, dado que certos aspectos da tecnologia ainda não foram totalmente provados. Financiamento mediante parceria público-privada é necessário para reduzir o risco do investimento privado e demostrar o comprometimento do governo com o longo prazo, políticas coerentes em energia e produção industrial. Iniciativas públicas para biocombustíveis já existem há décadas, mas pouco suporte tem sido concedido à produção de químicos baseado em biologia, os quais poderiam reduzir substancialmente a emissão de gases de efeito estuda e preservar recursos não renováveis.
Com respeito à regulação, os governos deveriam focar em estimular o uso de instrumentos, em particular, de padronização, para reduzir barreiras ao comércio de bioprodutos, abordar os obstáculos regulatórios que impedem o investimento e estabelecer condições equitativas entre os produtos de base biológica e os biocombustíveis. Melhor regulação de lixo poderia também estimular a bioeconomia. Por exemplo, permitindo o uso de resíduos agrícolas, florestais e lixo doméstico nas biorrefinarias.
Governos poderiam também apoiar a biotecnologia industrial por meio das compras públicas. Os materiais de base biológica nem sempre são passíveis de compras públicas, dado que por vezes são apenas parte de um produto (por exemplo, tela de base biológica em telefone portátil), mas a aquisição pública de biocombustíveis para frotas de veículos públicos é mais fácil.
Novos materiais. Avanços na instrumentação científica, tais como microscópicos atômicos, e desenvolvimento em simulação computacional têm permitido aos cientistas estudar os materiais com muito mais detalhes do que no passado. De acordo com o autor, a era de tentativa e erro no desenvolvimento de novos materiais está chegando ao fim.
Atualmente, materiais com propriedades inteiramente novas já são realidades: sólidos com densidade comparável à densidade do ar; compósitos leves extremamente forte; materiais que memorizam o seu formato, reparam a si mesmo e se agrupa em componentes; materiais que respondem à luz e ao som. Poderosa modelagem por computador e a simulação da estrutura e propriedade dos materiais indicam como podem ser utilizados nos produtos. Propriedades desejadas, como condutividade e resistência à corrosão, podem ser intencionalmente construída nos novos materiais. Melhor computação está viabilizando um rápido desenvolvimento de novos e melhores materiais, inserção mais rápida dos materiais existentes em novos produtos, e na habilidade de aperfeiçoar processos e produtos existentes. Em um futuro próximo, os engenheiros não apenas vão projetar produtos, mas também os materiais com os quais serão produzidos. Ademais, as grandes empresas irão crescentemente competir em termos de desenvolvimento de materiais, por exemplo, na indústria automotiva.
Na avaliação de Nolan, nenhuma empresa ou organização será capaz, contudo, de possuir todo o conjunto das tecnologias associadas com o ecossistema de inovação em materiais. Em consequência, um modelo de investimento público privado é justificado, particularmente para construir a infraestrutura ciberfísica e para treinar a futura força de trabalho.
Novos materiais irão levar novas questões de política e renovar ênfase em preocupações políticas de longa data. Por exemplo, novos riscos de seguridade digital surgem porque no médio prazo, uma “pipeline” de materiais assistidos por computador, baseado em simulações de computador, poderia ser vulnerável a hackers. O progresso em novos materiais também requer políticas eficazes em áreas já importantes, muitas vezes relacionadas à interface ciência-indústria. Por exemplo, políticas bem-desenhadas são necessárias para ciência aberta e dados abertos, isto é, para compartilhamento de simulação de estruturas de materiais ou de dados experimentais em retorno ao acesso às ferramentas de modelagem.
Para o autor, a coordenação política é necessária na infraestrutura de inovação em materiais no âmbito doméstico e internacional. Estão em andamento grandes esforços em sociedades profissionais para desenvolver uma infraestrutura de informações sobre materiais, tais como bancos de dados de comportamento de materiais, representações digitais de microestruturas de materiais e relações previstas entre estrutura e propriedade dos materiais e padrões de dados associados, para fornecer suporte a decisões para o processo de descoberta de materiais. Já a coordenação internacional de políticas é necessária para harmonizar e combinar elementos de infraestrutura ciberfísica entre uma série de investimentos e capacidades europeus, asiáticos e norte-americanos, dado que é extremamente custoso e desnecessário replicar recursos que podem ser acessados por meio de serviços da web.
Nanotecnologia. Estreitamente relacionado com novos materiais, a nanotecnologia refere-se à capacidade de trabalhar com fenômenos e processos em uma escala de 1 a 100 nanômetros. Segundo Nolan, o controle de material em nanoescala é uma tecnologia de propósito geral com aplicação por toda produção. Os avanços em nanomateriais estão sendo crescentemente utilizados na fabricação de produtos de alta tecnologia. Recentes inovações incluem tecido artificial, células solares biomiméticas, microprocessador com sistemas de laboratório de diagnóstico (lab-on-a-chip diagnostics).
O autor assinala que a pesquisa em nanotecnologia requer instrumental sofisticado e caro. Equipamentos do último tipo custam vários milhões de euro e frequentemente requerem edifícios sob medida. O P&D em nanotecnologias é, em sua maioria, realizado por grandes empresas, graças ao acúmulo de massa crítica de P&D e de produção, à capacidade para adquirir e operar instrumentos caros e à capacidade para acessar e utilizar conhecimento externo. Os formuladores de política podem melhorar o acesso de pequenas e médias empresas, elevando o montante das subvenções de pesquisas das pequenas e médias empresas (PMEs) e subsidiando ou isentando das taxas de serviços ou fornecendo vouchers para o uso dos equipamentos.
Nolan ressalta que, tal como ocorre com os novos materiais, é praticamente impossível ter uma infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento que abarque todas as nanotecnologias em um único instituto ou mesmo uma única região. Consequentemente, nanotecnologia requer colaboração interinstitucional ou internacional para alcançar seu pleno potencial. Programas de P&D com financiamento governamental devem permitir a participação de universidades e indústrias de outros países, e viabilizar a colaboração entre os mais adequados parceiros.
Na sua opinião, as incertezas regulatórias relacionadas à avaliação de risco e aprovação de produtos baseados em nanotecnologias precisam igualmente ser enfrentadas, idealmente mediante a colaboração internacional. Tais incertezas afetam severamente a comercialização das inovações nanotecnológicas. Atualmente, há uma espera de vários anos pela autorização de comercialização de produtos baseados em nanotecnologia. Essa demora algumas vezes leva as grandes empresas a abandonar projetos de P&D de produtos inovadores.
Na avaliação do autor, os governos deveriam apoiar o desenvolvimento de diretrizes transparentes e oportunas para a avaliação de riscos de produtos viabilizados, ao mesmo tempo em que se esforçam para harmonização internacional das diretrizes e de sua aplicação. Em adição, é necessária mais ajuda para o tratamento apropriado dos produtos baseados em nanotecnologia no fluxo de resíduos.
Políticas Transversais para o Futuro da Indústria
Segundo Nolan, o desenvolvimento de uma base produtiva que domine as tecnologias da próxima revolução industrial exige não só a adoção de políticas específicas, como visto acima, mas também políticas transversais pertinentes a todas as tecnologias relevantes. As políticas transversais devem abordar questões tão diversas quanto: o desenho das condições estruturais microeconômicas para a promoção da difusão tecnológica; construção de rede de cabo de fibra ótica para a transmissão em 5G; a promoção da confiabilidade da computação nas nuvens; a concepção de um sistema de educação e treinamento que responda eficientemente à evolução das habilidades necessárias à produção industrial. Porém, no capítulo 2 do STI Outlook 2018, o autor optou por se concentrar na discussão de apenas duas questões transversais: o acesso a computação de alto desempenho e o apoio governamental às atividades de P&D nas novas tecnologias.
Melhorar o acesso à computação de alto desempenho. A computação de alto desempenho (HPC, na sigla em inglês) é cada vez mais importante para empresas de diferentes setores industriais, desde a construção a farmacêutica, passando pelo setor aeronáutico e aeroespacial. A aplicação de HPC na indústria de transformação também se expandiu além do design e da simulação para incluir o controle em tempo real de processos de produção complexos. Pesquisa citada por Nolan indica que dois terços das empresas sediadas nos Estados Unidos que utilizam HPC consideram que o aumento do desempenho dos modelos computacionais é uma questão de sobrevivência competitiva.
Na medida em que a indústria 4.0 se difundir, a demanda por HPC aumentará. Mas como ocorre com outras tecnologias digitais, o uso de HPC na indústria de transformação ainda está abaixo do potencial. Estimativas indicam que apenas 8% das empresas com menos de 100 empregados usam HPC, quando 50% das PMEs industriais poderiam potencialmente usar HPC para concepção e teste.
Segundo Nolan, as iniciativas em HPC do setor público têm, em geral, como foco as necessidades computacionais da “grande ciência”. Portanto, maior proximidade com a indústria, em particular com as PMEs, é frequentemente necessário. Dentre possíveis ações governamentais, o autor sugere:
• Aumentar a conscientização sobre casos de uso industrial, quantificando seus custos e benefícios;
• Desenvolver uma fonte única para serviços e consultoria em HPC para PMEs e outros usuários industriais;
• Fornecer, por um período limitado, uso experimental gratuito ou a baixo custo às PMEs para demonstrar suas implicações técnicas e comerciais;
• Estabelecer bibliotecas online de software para ajudar a disseminar softwares inovadores de HPC para uma ampla base industrial;
• Incentivar centros de HPC com ampla experiência industrial a fornecer consultoria a centros menos experiente;
• Modificar os critérios de elegibilidade para projetos HPC, que em geral focam em excelência científica avaliada por pares, para incluir critério de impacto comercial;
• Envolver academia e indústria na cocriação de novos hardwares e softwares, a exemplo do projeto europeu Mont-Blanc de computação de alto desempenho com eficiência energética;
• Incluir HPC no currículo dos cursos superiores de engenharia e ciências;
• Explorar oportunidades de coordenar demanda para o fornecimento comercial de capacidade computacional.
Apoio público ao P&D. Nolan ressalta que tecnologias como a microeletrônica, biologia sintética, novos materiais e nanotecnologia, entre outras, surgiram dos avanços no conhecimento científico e na instrumentalização. Pesquisa financiada pelo governo nas universidades e institutos públicos de pesquisa tem sido, frequentemente, crítica para as várias tecnologias emergentes, como a IA.
Em sua opinião, o P&D público e os esforços de comercialização têm muitos alvos possíveis, desde o uso avançado de análise de dados e tecnologia digital em engenharia metabólica ao desenvolvimento de matéria-prima bio sustentável para impressão 3D, passando por computação quântica. Entre as ações públicas desejáveis, Nolan destaca:
• Apoio aos desafios de pesquisa abrangente na área de computação. A velocidade de processamento, as capacidades de memória, a densidade do sensor e a precisão de muitos dispositivos digitais estão ligadas à Lei de Moore. No entanto, os fenômenos em nível atômico e os custos crescentes colocam limites para a contínua miniaturização dos transistores em circuitos integrados. Ao mesmo tempo, o poder de computação necessário para os maiores experimentos tem dobrado a cada 3,8 meses. Muitos esperam que avanços significativos na computação resultem de pesquisas realizadas em computação ótica, usando fótons ao invés de elétrons, computação biológica, usando DNA para armazenar dados e calcular, e / ou computação quântica, que explora as leis da física subatômica e usa bits de quantum (qubits)
• Necessidade de mais, e possivelmente diferentes, pesquisas sobre AI. O financiamento público de pesquisa em IA tem sido central para o avanço desse campo desde a sua origem, embora os recentes sucessos em IA tenham estimulado o crescimento das atividades de P&D do setor privado para IA. No entanto, pesquisas corporativas e públicas nem sempre se alinham totalmente. De fato, muitas das pesquisas em IA não são diretamente relevantes para responder os importantes desafios da sociedade, das políticas públicas e da economia, como a construção de infraestruturas seguras e inteligentes para sistemas médicos ou de transporte.
• Promoção de pesquisa e educação multidisciplinares. A pesquisa interdisciplinar é essencial para o avanço da produção. A pesquisa sobre materiais envolve disciplinas como ciências dos materiais e engenharia, bem como física, química, engenharia química, bioengenharia, matemática aplicada, ciência do computador e engenharia mecânica. Ambientes favoráveis à pesquisa interdisciplinar inclui: institutos, redes e instituições individuais.
• Inter-relação mais efetiva entre os institutos públicos de pesquisa e a indústria. As instituições e os programas de pesquisa financiados pelo governo devem ter a liberdade de reunir as combinações certas de parceiros e instalações para resolver os desafios de aumento de escala e interdisciplinaridade. Os investimentos em centros de pesquisa aplicada e instalações-piloto de produção são essenciais para levar inovações do laboratório à produção. Alguns desafios de P&D no setor industrial podem requerer expertises não apenas de engenheiros de produção e pesquisa industrial, mas também de projetistas, fornecedores de equipamentos, técnicos de chão-de-fábrica e usuários.
• Parcerias público-privadas para ajudar a escalar comercialmente os resultados das pesquisas. Financiamento da ampliação da escala de empresas de manufatura avançada, que operam com tecnologias mais caras e mais arriscadas, é uma preocupação generalizada devido, em grande parte, ao fato de que muitas empresas de capital de risco preferem investir em software, biotecnologia e startups de mídia. Parcerias entre universidades, indústria e governo podem ajudar a suprir as empresas startups com know-how, equipamento e financiamento inicial para teste e escala de novas tecnologias, para que os investimentos tenham maior probabilidade de atrair financiamento de capital de risco.