Carta IEDI
As Novas Políticas de Inovação na Era da Digitalização
A transformação digital em curso na economia global possui implicações tão profundas e transversais que o desenho e a implementação das próprias políticas públicas de apoio à ciência, tecnologia e inovação (CTI) também devem ser atualizadas de forma a se beneficiar dos avanços obtidos, segundo a Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE).
Em seu relatório Science, Technology and Innovation Outlook 2018, a OCDE afirma que as políticas governamentais precisam ser modificadas no sentido de abordar as questões de acesso a dados, tornarem-se mais ágeis e promover a ciência aberta, o compartilhamento de dados e a cooperação entre os inovadores. Também é fundamental rever as estruturas de políticas de concorrência e de propriedade intelectual, bem como apoiar o empreendedorismo inovador.
Esta Carta IEDI sintetiza três capítulos do relatório da OCDE que tratam de políticas inovadoras de CTI. Argumenta-se que as novas tecnologias digitais, em particular as tecnologias de Big Data e Inteligência Artificial (IA), trazem aos formuladores de política a possibilidade de experimentar novas abordagens para a área de ciência, tecnologia e inovação, mas, em contrapartida, também elevam o desafio de antecipar as mudanças disruptivas associadas às inovações e de considerar suas implicações para as políticas públicas em geral.
No primeiro estudo, intitulado “Perspectives on innovation policies in digital age”, os pesquisadores da OCDE Caroline Paunov e Dominique Guellec argumentam que, à medida que as novas tecnologias avançam, o próprio processo de inovação passa por mudanças, o que altera estruturas e dinâmicas dos mercados, com consequências na distribuição de ganhos entre empresas, indivíduos e regiões, exigindo, assim, adaptação do apoio governamental à inovação.
De acordo com os autores, as principais características dos atuais processos e resultados inovadores induzidos pela transformação digital seriam: menores custos de produção e fluidez dos produtos inovadores; dados como insumo principal; “servitização”; ciclos rápidos de inovação e projetos e ações colaborativos.
O contexto digital e as novas características da inovação, por sua vez, exigem mudanças nos objetivos e instrumentos das políticas de CTI, que segundo Paunov e Guellec, deveriam contemplar os seguintes princípios:
• Desenvolver políticas de acesso aos dados para inovação.
• Ter respostas políticas rápidas e ágeis.
• Revisitar os instrumentos de apoio à pesquisa e à inovação.
• Apoiar o desenvolvimento das tecnologias multiusos e sua difusão.
• Promover a inovação aberta e colaborativa.
• Viabilizar a competição e o empreendedorismo.
• Preparar os indivíduos para a transformação digital mediante educação e treinamento.
• Estabelecer políticas nacionais de inovação com vistas aos mercados globais.
Além disso, outro elemento a ganhar destaque nas novas formas de apoio público é o empreendedorismo inovador, como defende Carlo Menon no capítulo do relatório da OCDE intitulado “Mixing experimentation and targeting: Innovative entrepreneurship policy in a digitized world”.
Para isso, o ponto de partida é o exame crítico do debate sobre inovação e empreendedorismo de alto crescimento. O empreendedorismo inovador é considerado como um dos motores da criação de inovação, emprego e inclusão, razão pela qual os formuladores de política consideram importante um ecossistema empresarial fértil. Não basta, porém, que as empresas sejam novas para assegurar estas contribuições positivas, é preciso que sejam empresas de crescimento rápido.
Assim, a eficácia da política de empreendedorismo não focalizada tem sido questionada. Na opinião do autor, melhorar a previsão do sucesso ex ante das startups permitiria aos governos direcionar seu apoio àquelas de crescimento rápido, alterando o equilíbrio entre as abordagens de política focalizada e não focalizada, de modo, por exemplo, a reduzir as barreiras de entrada e saída.
A política de capital de risco público torna-se mais efetiva, segundo Menon, se essas intervenções tiverem como alvo as startups e os empreendedores “certos”. As novas tecnologias de Big Data e de machine learning podem ajudar os formuladores de políticas nesta tarefa.
Formular e implantar políticas eficazes de CTI ante às mudanças sociais e tecnológicas em curso é justamente o objetivo de Piret Tõnorist no estudo “New approach in design policies and experimentation”. Em sua opinião, o que seria certamente ineficaz é abordar problemas do século XXI com ferramentas e métodos antigos.
Para o autor, as novas tecnologias alteram profundamente a maneira como os governos operam e interagem com os objetos de suas políticas e com seus parceiros. Tõnorist defende a ideia de que os governos precisam entender os impactos da tecnologia, bem como as expectativas de mudanças dos cidadãos, empresas e inovadores, analisando mais precisamente a sua experiência de usuário para experimentar e inovar eles mesmos.
Os governos das economias desenvolvidas já estão utilizando novas ferramentas de políticas, segundo vários exemplos identificados por Tõnorist, como design thinking, pensamento sistêmico, sandboxes regulatórios e análise de dados em tempo real, entre outras. Essas ferramentas são úteis para analisar as necessidades e motivações dos pesquisadores, dos inovadores e do usuário-líder, a fim de aplicar uma nova solução tecnológica baseada na experiência dos usuários.
Impacto das Transformações Digitais nas Características da Inovação
De acordo com os pesquisadores da divisão de ciência e tecnologia da OCDE, Caroline Paunov e Dominique Guellec, responsáveis pelo trabalho “Perspectives on innovation policies in digital age” divulgado no Science, Technology and Innovation Outlook 2018, a maioria das inovações atuais se constitui de novos produtos e processos, ativados por tecnologias digitais ou incorporados em dados e softwares. As inovações digitais são, ao mesmo tempo, um resultado e um componente das tecnologias digitais, que permitem coletar, processar, manipular, armazenar e difundir dados automaticamente, usando máquinas. Muitas dimensões do mundo digital diferem do mundo físico, e os processos e os resultados da inovação estão sendo transformados como consequência.
As tecnologias digitais também estão cada vez mais incorporadas em muitos produtos tangíveis, transformando-os em produtos inteligentes e conectados que são capazes de produzir e trocar dados sobre seu próprio status e desempenho ou sobre as condições ambientais ao seu redor. A Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) conecta, por exemplo, os mundos físico e digital, permitindo que cada objeto e localização no mundo físico se torne parte do mundo digital. Com base nos dados que geram, esses produtos são os principais facilitadores de uma ampla gama de serviços e inovações de processo.
Com essas transformações radicais em andamento, houve uma mudança nas principais características das inovações induzidas pela transformação digital. Os autores destacam cinco dimensões das mudanças nos processos de inovação na era digital:
1. Menores custos de produção e fluidez dos produtos inovadores. As tecnologias digitais têm reduzido drasticamente vários tipos de custos, nomeadamente: i) os custos marginais da produção de bens e serviços intangíveis; ii) o custo de pesquisar, verificar, manipular e comunicar informações e conhecimentos; e iii) o custo de lançar no mercado novos bens e serviços, especificamente aqueles com alto conteúdo de informação e conhecimento. Os processos e produtos que incorporam ou implementam tecnologias digitais são caracterizados pela sua fluidez, uma vez que os dados podem circular e ser reproduzidos, compartilhados ou manipulados instantaneamente, em qualquer escala e sem custo. Uma vez disponibilizado, o conhecimento digitalizado (ou seja, conhecimento que toma a forma de dados) pode ser compartilhado instantaneamente entre qualquer número de atores, não obstante as barreiras geográficas distantes e outras barreiras naturais ou institucionais. Os efeitos se espalham por toda a economia, à medida que os produtos tangíveis incorporam cada vez mais componentes. Essa característica afeta todos os processos econômicos, como a comercialização de novos produtos e a difusão do conhecimento, facilitando tanto a concorrência de novos entrantes quanto a dinâmica de mercado "o vencedor leva tudo (ou a maior parte)".
2. Dados como insumo principal. Novas possibilidades para lidar com grandes volumes de dados os tornaram insumos centrais de inovações em todos os setores da economia, permitindo o desenvolvimento de produtos novos e altamente personalizados e a otimização de processos. Diversas fontes de dados alimentam inovações de várias maneiras, por exemplo, dados sobre comportamentos do consumidor podem ser usados para personalizar serviços ou desenvolver serviços inteiramente novos. Dados gerados no processo de produção industrial (por exemplo, dados gerenciais e técnicos), dados do setor público (por exemplo, arquivos de transporte e pacientes) e dados de pesquisa (por exemplo, dados experimentais) são menos visíveis, mas igualmente importantes. Todos esses tipos de dados são relevantes, ainda que em graus diferentes, para a inovação. Devido à crescente importância dos dados, muitas empresas fazem grandes investimentos para acessar dados, seja configurando um sistema para coleta de dados, seja adquirindo empresas ricas em dados ou realizando contratos com parceiros. Ao mesmo tempo, inúmeras outras ainda precisam desenvolver melhores aplicativos e infraestruturas de análise de dados para aportar aos seus negócios o valor da análise de dados. Nesse contexto, a utilização de tecnologias de IA e de aprendizado de máquina aumenta ainda mais o valor esperado dos dados.
3. “Servitização”. A transformação digital também cria oportunidades de inovação nos serviços. Em particular, surgem oportunidades de inovação para: i) novos serviços, como serviços de manutenção preditiva usando dados de IoT, serviços de transporte sob demanda e serviços de negócios baseados na web; ii) aluguel ou compartilhamento como serviço ao invés de venda de equipamento, e iii) personalização de produtos, isto é, adaptação dos produtos às necessidades específicas de cada cliente, graças às capacidades de software e dados. Essas inovações têm como efeito eliminar a fronteira entre serviços e indústria de transformação, à medida que os fabricantes desenvolvem serviços para complementar seus produtos enquanto os provedores de serviços se lançam na produção manufatureira
4. Ciclos rápidos de inovação. As tecnologias digitais aceleram os ciclos de inovação. O custo mais baixo de lançar novos produtos e processos usando a internet e a plataforma online facilita a criação de versões e a experimentação de produtos para clientes diferenciados. A simulação virtual e a impressão 3D aceleram o design, a prototipagem e o teste, reduzindo os custos e o tempo entre o projeto de um produto e sua colocação no mercado. Versões diretas de atualizações de produtos em mercados online de fácil acesso já se tornaram mais frequentes. Além dos custos reduzidos de lançamento e difusão de produtos, outro fator da transformação digital é a natureza cumulativa das atualizações (upgrades), reduzindo a canibalização do produto, isto é, a destruição criativa de seus próprios produtos por uma empresa. Diferentemente do que ocorre com produtos tangíveis, como um novo modelo de automóvel, o novo produto digital não substituirá os produtos existentes da empresa; em vez disso, pode ser baixado como um “add-on” para aprimorá-los.
5. Inovação colaborativa. Graças aos custos reduzidos e à maior necessidade de colaboração, a inovação tornou-se mais colaborativa. Os custos reduzidos resultam do papel crescente dos dados na colaboração, enquanto a maior necessidade provém da evolução da demanda, que exige a mistura de habilidades, conhecimentos e tecnologias. Essa colaboração aprimorada pode assumir diferentes formas e seguir diferentes caminhos: difusão de dados, inovação aberta, ecossistemas de inovação, plataformas (hubs), fusões e aquisições, geralmente impulsionadas pela necessidade de combinar vários tipos de competências e cadeias globais de valor tecnologia em etapas sucessivas, ao longo de uma linha ordenada. Novas ferramentas para inovação aberta, como as plataformas industriais, facilitam essas colaborações. Os atores também podem se engajar em processos colaborativos de inovação para se proteger contra os riscos da inovação disruptiva pelos concorrentes; riscos que serão maiores no contexto de tecnologias de propósito geral (GPTs, na sigla em inglês), como é o caso das tecnologias digitais.
Paunov e Guellec ressaltam que essas transformações nos processos e nos resultados de inovação acarretam, por sua vez, alterações nas estruturas e dinâmicas dos mercados, com consequências na distribuição de desempenhos e recompensas entre empresas, indivíduos e regiões. De um lado, como os grandes volumes de dados são fluidos e potencialmente disponíveis para todos a um baixo custo físico marginal, os custos de entrada no mercado e expansão para novas empresas são reduzidos. Assim, desde que não existam barreiras regulatórias ou estratégicas, a digitalização cria potencialmente condições mais equitativas em termos de acesso a dados.
Segundo os autores, esse maior acesso a dados estimulou a atividade empreendedora dinâmica baseada na inovação digital em vários mercados. Isso inclui o setor de transportes, com o surgimento do aplicativo de compartilhamento de carros baseado em plataformas e o varejo, com o surgimento de empresas especializados em análise de dados para otimizar estoques e personalizar as vendas). Muitas startups altamente bem-sucedidas foram criadas por estudantes usando tecnologias digitais e dados para ilustrar essas novas dinâmicas da economia intangível. Exemplos famosos incluem o Facebook, Snapchat, Dropbox, Invite Mídia.
As plataformas digitais também permitem o empreendedorismo, reduzindo os custos de instalação para os recém-chegados. Plataformas de e-commerce, como Alibaba, Amazon e eBay, entre outros, permitem que novos empreendimentos ofereçam produtos ao mercado sem pagar por marketing. De acordo com os autores, essas plataformas também coletam informações muito precisas sobre as atividades da empresa que as utilizam (por exemplo, quem são seus clientes, como suas vendas estão evoluindo e o que gastam em marketing). Desse modo, ficam em uma posição favorável para fornecer financiamento a estas empresas, uma vez que a assimetria de informação, barreira comum ao financiamento de pequenas e médias empresas, é mínima. Esse é o caso, por exemplo da Amazon, que propõe uma gama de produtos financeiros para as empresas que negociam em sua plataforma.
De outro lado, porém, os pesquisadores da OCDE argumentam que a fluidez dos dados pode contribuir para a concentração graças a três fatores. Um primeiro fator é a vantagem natural das plataformas, definidas como estrutura baseada na internet que organiza a interação entre os diferentes atores, no aumento das eficiências de mercado. Importantes ganhos de eficiência podem ser derivados da combinação de dados para explorar otimamente as informações e os conhecimentos que eles contêm, proporcionando vantagens naturais aos grandes agregadores de dados já estabelecidos. Em outras palavras, várias pequenas plataformas que fornecem menos serviços seriam muito menos eficientes do que uma única, grande e mais diversificada plataforma.
O segundo fator que promove a concentração é "escala sem massa", consequência da composição cada vez mais intangível dos produtos. Quanto maior o componente intangível, mais fácil é expandir a produção para o conjunto do mercado, com pouco ou nenhum custo suplementar. No caso do software, o custo de produzir uma unidade adicional é próximo de zero, uma vez que não estão envolvidos custos adicionais de configuração. O número muito menor de funcionários em relação às vendas de certas empresas digitais que operam nas indústrias tradicionais ilustra essa dinâmica. Ao mesmo tempo, "escala sem massa" permite que concorrentes bem-sucedidos cresçam rapidamente, uma vez que incorrem em menos custos indiretos, mesmo quando a produção é expandida para todo o mercado.
O terceiro fator é a escassez de certos elementos, notadamente habilidades, que são complementares aos dados e são necessários para explorar os dados com eficiência. Tal escassez também tende a favorecer a concentração, pois até um certo tamanho de grupo, os trabalhadores qualificados são mais eficientes quando empregados em conjunto, em certas empresas ou regiões, graças às trocas de conhecimento intraequipe.
Os autores destacam que o equilíbrio entre os fatores que favorecem e dificultam a concentração varia ao longo do tempo e dos setores e é influenciado pelas políticas. Estruturas de mercado polarizadas, caracterizadas simultaneamente pela dinâmica de concentração e nova entrada massiva, também são possíveis.
As empresas com os melhores desempenhos podem acessar e usar muitos dos dados disponíveis, alavancando suas vantagens mais do que no passado, quando as empresas com desempenho mais baixo ainda poderiam garantir acesso mais fácil a certos recursos. Qualquer empreendedor pode potencialmente acessar uma ampla gama de dados e aproveitar sua vantagem de eficiência, por menor que seja, à medida que todo o mercado se integra. Isso é verdade tanto no nível individual, permitindo que os principais empreendedores comandem equipes de produção maiores e tomem decisões com dados-chave, quanto no nível organizacional, permitindo que as empresas com as mais fortes capacidades explorem melhor os dados, bem como no nível geográfico, uma vez que as principais cidades ou regiões do mundo podem acessar e explorar uma ampla gama de dados disponíveis para construir sua prosperidade. A assimetria é reforçada pelo fato de os mercados serem globalmente integrados.
Na avaliação dos autores, essas novas dinâmicas têm implicações importantes para as políticas de inovação, como será visto a seguir.
Implicações para as Políticas de Inovação
Paunov e Guellec destacam que a digitalização e as novas características da inovação exigem mudanças nos objetivos, mecanismos, instrumentos das políticas de inovação e no mix de políticas de inovação. Dado que a digitalização está afetando todos os mecanismos que impulsionam a inovação, exatamente aqueles visados pelas políticas de inovação, essas políticas precisam se adaptar para: abordar as questões de acesso a dados, tornar-se mais ágeis, promover a ciência aberta, o compartilhamento de dados e a cooperação entre os inovadores e rever as estruturas de políticas de concorrência e propriedade intelectual. Por essa razão, propõem que a formatação da política de inovação na era digital se baseie nos seguintes princípios:
1. Desenvolver políticas de acesso aos dados para inovação. Como os dados agora constituem insumos essenciais para a inovação, o acesso aos dados e às ferramentas para reunir e ajudar a interpretá-los influenciará quem participa da inovação digital e de que maneira. A política de inovação deve, portanto, abordar o acesso a dados. O objetivo da política deve ser o de assegurar o acesso mais amplo aos dados e conhecimentos que facilitam a concorrência (uso alternativo dos mesmos dados), reutilização (produzindo um ganho de eficiência) e transparência (criando a capacidade de verificar a validade dos resultados obtidos em um determinado conjunto de dados). No entanto, a política de acesso a dados deve levar em conta a diversidade de dados, pois os problemas de acesso diferem entre as categorias de dados, bem como as restrições econômicas e não econômicas. Isso inclui incentivos para produzir os dados em primeiro lugar, competição, propriedade intelectual, privacidade e ética. Certos dados, como os dados do cliente ou dados de design do produto são, contudo, secretos. Ou seja, não podem ser compartilhados sem colocar em risco a posição competitiva da empresa, ou mesmo sua própria existência.
2. Ter respostas políticas rápidas e ágeis. Os ciclos acelerados de inovação, devido à transformação digital, devem ser acompanhados por experimentos políticos adequados para apoiar a inovação, o que significa repensar os tipos de instrumentos utilizados e sua implementação. Abordagens para garantir uma resposta política rápida e ágil incluem experimentos de políticas que operam no "modo de inicialização", em que os experimentos podem ser implantados, avaliados e modificados, e depois, ampliados, reduzidos ou abandonados rapidamente. Outra abordagem é mudar a ênfase de instrumentos que visam grupos específicos de destinatários ou tecnologias para aqueles que são mais flexíveis. Tais instrumentos incluem benefícios fiscais e direitos de propriedade intelectual, como esquemas simplificados de apoio à inovação. Um programa orientado à missão que estabeleça objetivos, mas não imponha os meios para alcançá-lo, poderia ajudar. Naturalmente, os inconvenientes específicos de tais instrumentos em comparação com os instrumentos focalizados devem ser considerados e ponderados contra a vantagem de uma maior flexibilidade.
3. Revisitar os instrumentos de apoio à pesquisa e à inovação. As ferramentas de apoio tradicionais à pesquisa e à inovação devem ser revistas para garantir sua eficácia. A inovação em serviços, que atualmente se beneficia pouco do apoio de instrumentos tradicionais, está progredindo e as fronteiras setoriais estão cada vez mais tênues. A mudança tecnológica pode tomar rumos inesperados, devido à nova aplicação da digitalização aos campos tecnológicos tradicionais, que podem gerar mudanças surpreendentes e repentinas na trajetória tecnológica. O funcionamento do sistema de propriedade intelectual também está mudando e requer atenção política. Para dar apenas um exemplo, IA pode cria invenções patenteáveis. Isso levanta a questão de quem deve ser o proprietário: o programador original de IA, o usuário do software de IA que gera a invenção ou o proprietário dos dados aos quais a IA é aplicada?
4. Apoiar as tecnologias multiusos e sua difusão. A política deve apoiar o desenvolvimento de tecnologias digitais genéricas (ou multifuncionais) para facilitar a inovação a jusante e enfrentar os desafios da sociedade. Atualmente, as empresas estão investindo pesadamente nessas tecnologias. Porém, os desenvolvimentos iniciais foram principalmente patrocinados pelos governos. Isso é verdade não apenas para a internet, mas também para a IA, desenvolvida quase exclusivamente por meio de pesquisas acadêmicas há mais de cinco décadas, antes de as empresas se envolverem no final dos anos 2000. Por isso, os governos precisam continuar investindo em tecnologias essenciais para preparar futuras ondas de inovações. Eles também precisam garantir que essas tecnologias digitais multifuncionais sejam desenvolvidas para atender não apenas aos propósitos comerciais, mas também aos propósitos sociais e ambientais. Pesquisas públicas frequentemente estão em melhor posição para fazer exatamente isso. Além do desenvolvimento, a difusão e a adoção de tecnologias também merecem atenção política específica, com diferenças entre empresas e setores que exigem a aplicação de serviços adequados de apoio à difusão.
5. Promover a inovação aberta e colaborativa. A crescente interatividade e colaboração na inovação justificam políticas de apoio à cooperação e inovação aberta entre a indústria e a academia, mas também entre empresas. O custo reduzido da colaboração decorrente da digitalização não reduziu as barreiras à colaboração, tais como o regime regulatório divergente e incentivos divergentes, mas tornou mais alto o custo social da não colaboração, por que cada vez mais oportunidades são perdidas. Tais políticas precisam considerar novas formas de colaboração para a inovação. As plataformas online, em particular, apoiam o empreendedorismo de pequena escala, oferecendo oportunidades para identificar nichos de mercado adequados.
6. Viabilizar a competição e o empreendedorismo. O apoio à concorrência ao empreendedorismo é necessário para encontrar o equilíbrio perfeito na era digital entre a eficiência estática - onde os benefícios de escala são importantes - e a eficiência dinâmica - que impulsiona a inovação. Esta é uma área complexa, onde os fundamentos da política de concorrência são questionados pela inovação digital na presença de efeitos de rede, padrões etc. Por exemplo, é difícil determinar exatamente o que constitui uma “posição dominante”, pois as posições de mercado são permanentemente ameaçadas por novos entrantes. Por um lado, indiscutivelmente, a inovação digital exige que as empresas sejam grandes, a fim de alcançar economias de escala, portanto, o enfraquecimento das firmas dominantes poderia enfraquecer a inovação. A concentração de dados também pode moldar a dinâmica da concorrência. Por outro lado, as pequenas empresas e reguladores regionais se queixam de que as grandes empresas se engajam em certos comportamentos, como vinculação de produtos ou aquisição preventiva, que podem dificultar a concorrência e as inovações, pois impedem que pequenos participantes acessem os mercados.
7. Preparar os indivíduos para a transformação digital mediante educação e treinamento. Preparar o indivíduo para a transformação digital é essencial para aumentar o número de trabalhadores qualificados e capacitar suas participações. É importante que as autoridades de inovação colaborem com os responsáveis pelas políticas de educação e do mercado de trabalho para garantir as habilidades certas necessárias para a inovação digital e que surgem com mudanças tecnológicas rápidas e amplas. Frequentemente, há novas combinações de habilidades para inovação, por ex. a inovação na indústria automotiva exige cada vez mais conhecimentos sólidos em engenharia de software e IA, além das competências tradicionais essenciais em engenharia mecânica e eletrônica. Fomentar a interdisciplinaridade (particularmente das ciências da computação com disciplinas tradicionais específicas) é de grande importância, requerendo graus de interdisciplinaridade com um importante componente digital.
8. Estabelecer políticas nacionais de inovação com vistas aos mercados globais. A fluidez dos dados cria a necessidade de definir políticas nacionais direcionadas aos mercados globais. A digitalização facilita a circulação do conhecimento, inclusive através das fronteiras nacionais, reduzindo a capacidade dos governos de restringir os benefícios das políticas aos seus próprios países. Embora o compartilhamento de dados gere claramente benefícios em nível global, a distribuição de dados entre os países não é igual. O governo deve facilitar o acesso a dados através das fronteiras, enquanto garante que os padrões éticos e econômicos sejam respeitados.
Na avaliação dos autores, os temas e os instrumentos de política de inovação serão afetados pelas tendências de mudanças nas características da inovação. Alguns instrumentos adaptarão sua meta ou seu conteúdo à inovação digital, preservando essencialmente seus processos; que inclui, por exemplo, políticas de apoio ao empreendedorismo, pequena e média empresas (PMEs) ou tecnologias de propósito geral. Outros domínios passarão por transformações profundas, inclusive, algumas vezes, em sua própria razão de ser: a política científica, com seu movimento em direção à ciência aberta e ou políticas que apoiam as ligações universidade-indústria, com um movimento em direção à cocriação. Uma melhor vinculação das áreas de políticas para sustentar a inovação é um grande desafio para os governos na era digital.
Com o avanço das tecnologias de IA, a inovação digital continuará a se expandir e até acelerar, envolvendo todos os campos da tecnologia e todos os tipos de inovações. De acordo com os autores, o acoplamento da IA e da IoT criará gêmeos virtuais de processos reais, criando uma base para mais inovação a partir dos dados. Mudar as políticas de inovação para refletir essas tendências se tornará ainda mais importante.
Na avalição dos pesquisadores Paunov e Guellec, os governos também se beneficiarão da digitalização, usando tecnologias digitais para adaptar suas políticas e melhorar o desenho, implementação, monitoramento e avaliação de políticas. A disponibilidade de maior quantidade de dados e a capacidade de analisá-los mais rapidamente fortalecerão o processo de políticas. Os dados estão disponíveis em todos os aspectos do processo de inovação, ou seja, tecnologias, empresas, projetos de inovação, financiamento para inovação, criação de negócios e, principalmente, políticas e programas governamentais em si. Com os instrumentos analíticos apropriados, os governos serão capazes de aperfeiçoar seus diagnósticos relativos às tendências tecnológicas e aos obstáculos à inovação nas diferentes categorias empresariais e adotar e avaliar as políticas correspondentes, o que facilitará a experimentação de políticas.
Política de Empreendedorismo Inovador na Era Digital
O empreendedorismo inovador é considerado com um dos motores da criação de inovação, emprego e inclusão. Razão pela qual os formuladores de política consideram importante um ecossistema empresarial fértil. No capítulo “Mixing experimentation and targeting: Innovative entrepreneurship policy in a digitized world”, Carlo Menon, pesquisador da divisão de políticas estruturadas da OCDE, defende o apoio público ao empreendedorismo inovador, tendo como ponto de partida o exame crítico do debate político sobre inovação e empreendedorismo de alto crescimento.
A implantação de políticas eficazes de empreendedorismo é uma prioridade em muitas economias da OCDE, à luz das evidências de que empresas novas e jovens contribuem de forma desproporcional para a criação de empregos nesses países. De acordo com Menon, pesquisa realizada pela OCDE em 2017 identificou 167 iniciativas diferentes nos países participantes relacionadas ao apoio a jovens empresas inovadoras. Vários países da OCDE também estão desenvolvendo estruturas políticas abrangentes e orgânicas para apoiar o empreendedorismo inovador.
Segundo o autor, a necessidade de intervenções políticas efetivas também se baseia no importante papel que o startup inovador pode desempenhar no cumprimento de objetivos ambientais e sociais mais amplos. Supõe-se que as startups sejam mais eficazes na introdução de inovações disruptivas e inovadoras que forneçam soluções para problemas de longa data, porque não sofrem da "inércia organizacional" que, ao contrário, prejudicam o desenvolvimento de inovações radicais por parte de incumbentes estabelecidos. O empreendedorismo inovador pode promover a inclusão, o que também tem alta prioridade na agenda de políticas, devido à crescente preocupação de que a desigualdade econômica mine a coesão social.
O fato de o empreendedorismo inovador desempenhar um papel crucial para o crescimento econômico e o bem-estar, não garante por si só a necessidade de intervenção política. Em vez disso, a motivação para a intervenção política para apoiar startups inovadores surge da crença generalizada de que há três tipos gerais de falhas de mercado que impedem seu desenvolvimento:
• Falhas no mercado de capitais que surgem de assimetrias de informação que afetam empresas novas ou pequenas em geral;
• Falha no mercado de conhecimento que dificulta que empresas inovadoras e seus acionistas capturem o valor total de seus esforços de inovação; e
• Externalidades positivas que não são precificadas e, portanto, implicam que o valor social do empreendedorismo seja maior do que o retorno privado.
Estes três conjuntos de falhas de mercado podem reforçar-se mutuamente, tornando particularmente difícil para o empreendimento inovador atrair os insumos necessários para crescer. Em princípio, isso justifica a necessidade de intervenção política. No entanto, o fato de haver necessidade de intervenção política não implica necessariamente que qualquer tipo de política funcione. Em muitas áreas há um consenso sobre a existência de falha de mercado, mas muito pouca compreensão de quais alavancas de políticas devem ser ativadas para corrigi-las.
De acordo com Menon, mais do que o tipo de apoio e a concepção de instrumentos de política para a eficácia das políticas públicas destinadas a apoiar o empreendedorismo de alto crescimento, a questão essencial é saber quais os empreendedores e startups devem ser apoiados. O fato de que apenas uma pequena proporção – normalmente menos de 5% – das jovens empresas recém-criadas eventualmente cresce e inova é tipicamente negligenciado no debate público sobre empreendedorismo. No contexto, alguns especialistas argumentam que incentivar mais pessoas a se tornarem empreendedores é "má política pública". Em vez disso, "os formuladores de políticas deveriam parar de subsidiar a formação de uma startup típica e focar no subconjunto de empresas com potencial de crescimento".
Para Menon, essa narrativa, no entanto, deve ser contrabalançada pela evidência de que a experimentação é um ingrediente crucial do empreendedorismo de sucesso. Nessa visão, o formulador de políticas não deveria tentar “escolher vencedores” e preferir deixar o mercado selecionar. Uma abordagem alternativa viável poderia ser “deixar cem flores desabrochar”, na qual as barreiras de entrada e saída são reduzidas e os empreendedores podem testar sua ideia de negócio no mercado, crescendo rapidamente se forem bem-sucedidos e saindo rápido e suavemente se não forem.
Neste contexto, os empreendedores potencialmente bem-sucedidos devem ser capacitados a experimentar várias estratégias e tecnologias inovadoras, ao mesmo tempo em que têm a possibilidade de aumentar ou diminuir a escala, no caso de choques de produtividade. De fato, segundo o autor, existem evidências empíricas consideráveis que sugerem que as empresas precisam de espaço para experimentar várias ideias inovadoras. Casos de fracasso no passado são comuns entre as jovens empresas de sucesso. É importante ressaltar que abrir espaço para a experimentação pode ser particularmente benéfico para iniciativas com um impacto social mais amplo, cujo sucesso não é rigorosamente medido em termos de criação de emprego ou lucro gerado.
O papel do formulador de políticas, nesse contexto, seria simplificar tanto a entrada quanto a saída dos negócios, também ao projetar um regime de insolvência que não seja percebido como "punitivo" demais. Na prática, no entanto, isso implica uma série de dilemas de política que não são fáceis de resolver. Por exemplo, os procedimentos de insolvência que são “pró-empreendedor” e permitem um “recomeço” facilitariam a saída, por um lado, mas, por outro lado, também aumentariam o risco para os credores, restringindo assim o acesso a recursos financeiros pelos participantes em potencial. Além disso, como os startups são pequenos e relativamente menos organizados em comparação com as empresas incumbentes, pode ser difícil para eles comunicar suas necessidades diretamente aos formuladores de políticas. Embora a realidade do apoio político à estratégia inovadora seja, evidentemente, uma mistura de ambas, pode-se distinguir analiticamente entre uma abordagem de política focalizada e uma de política não focalizada.
Ambas as abordagens de políticas baseadas na focalização ou no apoio amplo a empresas com alto potencial de crescimento têm seus próprios desafios, custos (custos reais ou custos de oportunidade) e benefícios. Menon ressalta que, na prática, os formuladores de políticas se propõem a encontrar o equilíbrio certo entre direcionar e estimular a experimentação. Um grande número de atributos, incluindo configurações institucionais formais e informais, influenciam muito esse equilíbrio e o tornam específico de cada país. Esse equilíbrio também evolui ao longo do tempo com o aprendizado de políticas e mudanças nas preferências.
Na opinião do autor, melhorar a previsão do sucesso das empresas recém-criadas, com utilização das novas evidências empíricas, alavancadas nas tecnologias de Big data e de aprendizado de máquinas, permitiria aos governos direcionar seu apoio a essas startups e alterar o equilíbrio entre as abordagens de política focalizada e não focalizada, por exemplo, reduzindo as barreiras de entrada e saída. Paralelamente, em mercados em rápida mudança, fatores idiossincráticos e inobserváveis sempre terão um papel importante, de modo que o sucesso das startups preservará certo grau de imprevisibilidade. Consequentemente, as intervenções políticas diretas e específicas terão sempre de ser complementadas com reformas horizontais, a fim de garantir um ambiente de negócios global propício ao empreendedorismo e à experimentação. As startups terão que ser capazes de atrair recursos e aumentar a escala, caso sejam bem-sucedidos, e de sair suavemente se não fracassarem.
O equilíbrio entre as abordagens focalizada e não focalizada também será cada vez mais influenciado pela necessidade de abordar os “grandes desafios” da sociedade atual: das mudanças climáticas à segurança alimentar e ao envelhecimento. Enquanto as inovações radicais trazidas à vida por empreendedores visionários são essenciais para enfrentar alguns desses desafios, eles são naturalmente cercados por fortes incertezas. O autor ressalta que os períodos de mudanças disruptivas não se adaptam bem às políticas que visam selecionar as "melhores" alternativas. A maioria das inovações nesses períodos turbulentos é sistêmica, emergindo de tentativas e erros de várias combinações de inovações tecnológicas e sociais. Isso faz com que qualquer tentativa de identificar empresas ex-ante com o maior potencial seja mais desafiadora ou, pior ainda, prejudicial ao processo de mudança dado que limita a experimentação.
Desigualdades socioeconômicas crescentes podem afetar, igualmente, o equilíbrio na mesma direção de uma abordagem mais aberta e experimental para apoiar o empreendedorismo inovador. A necessidade de inclusão exigirá políticas que tornem o empreendedorismo de alto crescimento mais acessível aos “forasteiros” talentosos para promover mobilidade social. Assim, embora as tecnologias de Big data e de aprendizado de máquina, sem dúvida, melhorem a capacidade dos formuladores de políticas de identificar o subconjunto de startups com alto potencial de crescimento que poderiam se beneficiar criticamente de apoio político direcionado, novos desafios sociais exigirão mais experimentações nos próximos anos.
O autor ressalta que ninguém pode prever o resultado deste processo de “alvos em movimento” em políticas inovadoras de empreendedorismo nos diferentes contextos nacionais. No entanto, é claro que os países terão de investir e monitorar o progresso das técnicas que visam as empresas, e continuar a reformar seu sistema econômico para tornar o processo de experimentação mais eficiente.
Investimento Público em Capital de Risco
O investimento público em capital de risco (VC, na sigla em inglês) representa o principal instrumento de intervenção pública no empreendedorismo inovador em muitas economias da OCDE. Ao mesmo tempo, a necessidade de complementar o mercado privado de capital de risco com investimento público é muitas vezes motivada pelo preenchimento de uma lacuna de financiamento de capital próprio em áreas tecnológicas que exigem mais experimentação e assunção de maiores riscos. Em geral, essas também são áreas em que o sucesso de mercado é menos previsível e as empresas privadas podem contribuir para objetivos sociais mais amplos (por exemplo, mitigação da mudança climática, saúde pública etc.), fornecendo assim uma justificativa adicional para a política pública.
Em países como o Canadá ou a Coréia, mais de 50% das startups apoiadas pelo capital de risco receberam alguma forma de apoio de capital público. Existem diferentes graus de envolvimento do governo. Por um lado, alguns programas implicam o apoio financeiro a fundos privados de capital de risco existentes, sem qualquer controle direto da gestão dos fundos (por exemplo, “fundos de fundos”). Por outro lado, alguns esquemas envolvem a propriedade direta pelos governos de fundos de capital de risco.
Segundo Menon, o financiamento de capital para startups inovadores não é apenas uma ferramenta para fornecer-lhes os recursos financeiros e os conhecimentos necessários para o seu desenvolvimento na fase inicial, é também um mecanismo para rastrear e identificar startups inovadores de elevado crescimento. Os governos das economias da OCDE, especialmente na Europa, têm usado cada vez mais nos últimos anos esse mecanismo para complementar seu portfólio de intervenções e influenciar o tipo de investimentos em relação àqueles empreendimentos que mais precisam de uma perspectiva de missão pública.
Mas o VC público é um instrumento de política eficaz para identificar e apoiar startups inovadoras e de alto crescimento? Embora a base de evidências necessárias para responder a essa pergunta ainda esteja incompleta, o autor analisa as evidências disponíveis e destaca os diversos trade-offs políticos que devem ser levados em consideração na implementação desta política.
A intervenção do governo nos mercados de capital de risco é justificada pela existência de falhas de mercado no mercado privado de capital de risco. De fato, a inovação introduzida por startups apoiadas por capital de risco pode trazer importantes benefícios sociais, frequentemente excedendo os benefícios privados. Dada a natureza de bem público da inovação, é provável que as empresas em fase de arranque sejam subfinanciadas em comparação com o nível de financiamento que maximiza o bem-estar. Isto é particularmente verdadeiro para as empresas jovens que desenvolvem inovações que demoram mais para entrar no mercado, ou aquelas que geram mais benefícios sociais (por exemplo, startups inclusivas, startups que desenvolvem tecnologias verdes, startups do setor da saúde). Além disso, as iniciativas de capital de risco do governo podem visar empresas para as quais possuem vantagem comparativa informacional (por exemplo, nos setores de saúde e de defesa), sinalizando a qualidade de startup para os investidores tradicionais.
Segundo Menon, embora em teoria haja o risco de que o investimento governamental em VC possa desbancar o investimento privado se visarem os mesmos tipos de startups, a maioria dos estudos empíricos sugere que o capital de risco público não afasta o investimento privado. Ao contrário, alguns estudos mostram que o sistema público de financiamento do capital de risco parece fazer com que maiores quantias de dinheiro sejam investidas como um todo, tanto no nível da indústria quanto da empresa.
As evidências sobre o impacto do VC do governo no desempenho das empresas são, contudo, bastante limitadas e as conclusões são mistas. Em média, as empresas apoiadas com capital de risco privado parecem ter um desempenho melhor do que as empresas apoiadas com VC público em termos de investimentos totais e existência bem-sucedida, produção de inovação, vendas e crescimento de funcionários, embora também haja várias histórias de sucesso. Dada a relevância política do tópico e a enorme quantidade de recursos públicos investidos, evidências empíricas adicionais seriam extremamente valiosas.
Apesar de algumas limitações, fontes inovadoras de dados, como a Crunchbase, oferecem novas oportunidades para a pesquisa empírica. Criada em 2007, essa base de dados privada cresceu significativamente ao longo dos últimos cinco anos e tem sido utilizada pela indústria de capital de risco como “o principal recurso de dados no mundo da tecnologia / startup”. Essa base de dados também foi utilizada em estudo recente para verificar a importância do capital de risco governamental no desenvolvimento tecnologias emergentes que são consideradas demasiado arriscadas pelos investidores privados.
Os dados relativos ao número de transações e investimentos em startups de tecnologias emergentes, como drones, realidade virtual, inteligência artificial, aplicativos, impressão de 3 D, blockchain e computação nas nuvens mostram que esses setores experimentaram um crescimento exponencial tanto no número de negócios quanto na quantidade total de investimentos. No entanto, os investimentos privados parecem antecipar, em vez de seguir, os fluxos de apoio público, que atingem quase o mesmo nível de investimentos privados em 2016. Segundo Menon, essa evidência descritiva parece, portanto, sugerir que o financiamento inicial efetivo das tecnologias emergentes é feito por investidores privados, com o financiamento público de capital de risco desempenhando um papel importante na expansão do mercado durante a consolidação dessas tecnologias.
De acordo com o pesquisador da OCDE, esse resultado sugere a existência de um trade-off político complexo. Por um lado, o modelo que parece fornecer mais "valor por dinheiro" é o modelo misto, no qual o investimento público de VC segue pari passu suas contrapartes privadas e imita suas estratégias. No entanto, inevitavelmente, essa forma de investimento é menos eficaz em alcançar os objetivos de “bens públicos”. É também a estratégia com o maior risco de expulsar atores privados. Por outro lado, os investimentos públicos totais, que podem ser mais eficazes no fornecimento de financiamento para áreas que exigem mais riscos e experimentações, parecem ter desempenho inferior ao de suas contrapartes privadas, de acordo com as poucas evidências disponíveis. No entanto, o investimento privado pode não ser o melhor benchmark nesse contexto, e é extremamente complicado medir todos os resultados de interesse além dos retornos do mercado. Mais pesquisas são necessárias para esclarecer de maneira eficaz essa importante área de formulação de políticas.
Menon ressalta que independentemente do modelo, é improvável que o investimento do governo em capital de risco alcance êxito nos contextos nos quais o mercado de venture capital é imaturo ou quase inexistente, “já que a exiguidade do mercado privado de capital de risco provavelmente será o sintoma e não a doença”. Em sua avaliação, o principal problema parece ser a dificuldade de transferir as ideias “do laboratório para o mercado”. Isto decorrer de fatores diferentes, por exemplo: a falta de habilidades gerenciais, a dificuldade das empresas inovadoras em atrair recursos (mão de obra e capital) devido à rigidez do mercado, uma demanda escassa de bens e serviços inovadores no mercado local, as falhas de políticas que impõem um custo extra ao risco etc. Assim, em uma dada situação, o formulador de políticas deve avaliar cuidadosamente os gargalos que dificultam o desenvolvimento de um ecossistema empreendedor dinâmico, levando em conta todo o ciclo de vida do startup, já que a falta de investimentos em private equity pode ser consequência de perspectivas de crescimento muito fracas das startups nos últimos estágios de seus desenvolvimentos.
Novas Abordagens para a Formulação de Políticas em CTI
Os governos têm tradicionalmente desempenhado um papel importante no apoio à ciência, garantindo autonomia aos pesquisadores e financiamento dos projetos, de modo a criar, assim, o ambiente necessário para a inovação. Ao mesmo tempo, eles próprios estão inovando, experimentando e extrapolando fronteiras em suas ações cotidianas. No capítulo intitulado “New approach in design policies and experimentation”, o pesquisador da Diretoria de Governança Pública e Desenvolvimento Territorial da OCDE, Piret Tõnorist, descreve e analisa abordagens emergentes para a definição e implementação de políticas de ciência, tecnologia e inovação (CTI).
Para o autor, a capacidade dos governos em projetar e executar políticas eficazes precisa se adaptar às mudanças sociais e tecnológicas em curso. As novas tecnologias – muitas vezes disruptivas –, como Internet das Coisas (IoT), tecnologias de blockchain e de IA, estão transformando a produção e distribuição de bens e serviços, com impacto significativo na sociedade, bem como a maneira pela qual o governo trabalha, opera e interage com o seu objeto de política e com os parceiros.
Tõnorist defende a ideia de que os governos precisam entender os impactos da tecnologia, bem como as expectativas de mudanças dos cidadãos, empresas e inovadores, analisando mais profundamente a sua experiência de usuário para experimentar e inovar eles mesmo. Em sua opinião, “abordar problemas do século XXI com ferramentas e métodos antigos provavelmente não será eficaz”.
Segundo o autor, os formuladores de políticas estão assumindo um papel cada vez mais ativo na criação de soluções, em vez de facilitar a inovação por meio de políticas de demanda ou do lado da oferta. Como tal, podem atuar como criadores de tecnologia ou inovadores em si mesmos, assumindo as incertezas da inovação por meio de projetos diretos de formulação de políticas, experimentação e implementação dentro do governo. Diversos governos de países desenvolvidos já apoiam a experimentação por meio de diferentes iniciativas e programas dentro de seus portfólios de suporte a CTI. Alguns também começaram a estimular a experimentação dentro do governo para criar serviços mais inovadores e desenvolver tecnologia. Por exemplo, bancos centrais e autoridades financeiras estão explorando ativamente tecnologias blockchain para sustentar suas operações.
A elaboração de políticas também está se tornando mais orientada a dados. Para os países que são pioneiros digitais, a próxima onda de inovações dentro do governo dependerá de novos serviços e soluções, baseados em dados vinculados, recursos avançados de processamento de dados, análise de dados em tempo real e novas maneiras de combinar e dar sentido à informação.
Na avaliação de Tõnorist, a coleta de dados móveis e os avanços no processamento de dados em tempo real mudarão o design de políticas de descritivo para preditivo e, depois, para prescritivo. A área de modelos de tomada de decisão baseada em algoritmos já é usada no policiamento e no gerenciamento de espaço público. Alguns governos também estão usando ferramentas de mineração de texto, mapeamento e visualizações para monitorar a inovação, como no contexto do projeto “Ferramentas para o acompanhamento da inovação” da Comissão Europeia.
O autor destaca igualmente a maior presença de plataformas tanto na economia quanto no governo, facilitando transações e criando confiança e responsabilidade. No futuro, a inovação por intermédio do governo e, possivelmente, a implementação de políticas de CTI serão influenciadas pela ideia do Governo como Plataforma (GaaP, na sigla em inglês). Novos modelos de serviços públicos baseados em plataformas já estão surgindo. Na China, por exemplo, a plataforma WeChat, que conta com mais de 800 milhões de usuários individuais e 20 milhões de usuários corporativos, combina várias plataformas em um aplicativo, com uma variedade de funções e serviços privados e públicos.
As novas tecnologias oferecem oportunidades para melhorar a eficiência econômica e a qualidade de vida, mas também trazem muitas incertezas sobre as consequências e riscos. Como ressalta o autor, em geral, os benefícios e riscos das novas tecnologias não acontecem às mesmas pessoas. Por essa razão, os governos precisam antecipar essas mudanças e considerar suas implicações para as políticas públicas mediante a governança antecipatória das novas tecnologias baseadas em conhecimento e das missões construídas a partir dessas tecnologias enquanto esse gerenciamento ainda é possível.
Isso exige visão de futuro do governo, engajamento e reflexividade para facilitar a aceitação pública de novas tecnologias, ao mesmo tempo em que avalia, discute e se prepara para seus efeitos econômicos e sociais. A governança antecipatória considera os riscos, especialmente os riscos sistêmicos, no longo prazo, e desenvolve a capacidade de mitigar a incerteza.
A governança antecipatória exige que os governos considerem quais valores públicos devem ser preservados durante o processo de mudança, e como as mudanças tecnológicas - por exemplo, a adoção de tecnologias disruptivas - afeta os valores públicos. Na avaliação de Tõnorist, confiar em ferramentas políticas tradicionais é particularmente difícil em situações em que a direção futura da inovação tecnológica não pode ser determinada.
Segundo o autor, os governos das economias desenvolvidas já estão utilizando novas metodologias e ferramentas de políticas, como design thinking (DT) e pensamento sistêmico, entre outras, para analisar as necessidades e motivações do pesquisador, dos inovadores e do usuário líder, a fim de aplicar uma nova solução tecnológica baseada na experiência dos usuários.
Os formuladores de política também estão procurando aprender com prática e experimentação, criando formas antecipadas e adaptativas de trabalhar com desenvolvedores e usuários-líderes. Países como Austrália, Hong Kong, Malásia, Cingapura, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido, por exemplo, adotaram sandbox regulatórios para operacionalizar melhor a previsão e o engajamento upstream com desenvolvedores de tecnologia e usuários principais.
Design thinking (DT). DT é descrito como uma disciplina que utiliza a sensibilidade e métodos do designer para atender às necessidades das pessoas com: a) o que é tecnologicamente viável; e b) uma estratégia comercial viável pode converter em valor para o cliente e oportunidade de mercado. Como uma solução inovadora centrada no usuário, o design thinking pode melhorar a comercialização de avanços científicos e tecnológicos.
De acordo com o autor, embora os métodos centrados nos usuários sejam frequentemente discutidos no contexto de tecnologias industriais, cada vez mais são aplicados ao fornecimento de serviços públicos. O design thinking estipula que qualquer concepção de política, incluindo aquelas relacionadas à CTI, deve focar nas necessidades do usuário ou do cliente, e não nas necessidades internas da organização. Essa abordagem está baseada em métodos colaborativos envolvendo tanto usuários finais como equipes de prestação de serviços. Alguns países criaram organizações especializadas para canalizar o know-how e o talento de design onde é mais necessário. Esse é o caso, por exemplo, dos centros Catapulta de tecnologia e inovação no Reino Unido.
A abordagem de DT pressupõe interfaces fluídas que ignoram as estruturas de silos do setor público e permitem ultrapassar os sistemas de informações desatualizados no governo, priorizando as necessidades e experiências dos usuários. Nos últimos cinco anos, a reflexão sobre o design assumiu um papel central na maioria das caixas de ferramentas de inovação do setor público. Países como Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Canadá têm liderado a formalização do DT, desenvolvendo e adotando métodos, ferramentas e manuais de design.
A metodologia de DT é, segundo Piret Tõnorist, relativamente acessível aos governos e apresenta princípios aparentemente simples. Todavia, a simplicidade é também a sua principal deficiência: a maior parte do seu conhecimento central é tácito e adquirido através da prática. Pouco se sabe a respeito de como os formuladores de políticas identificam os problemas de design e os critérios de design, qual experiência em design profissional eles próprios possuem ou se e quando colaboram com profissionais de design externo durante o processo de formulação de políticas. Existe o risco de que a abordagem, quando colocada em mãos de funcionários novatos do setor público, possa não cumprir sua promessa.
De acordo com autor, diversos laboratórios de política e organizações de design foram criados com foco em DT no setor público, incluindo o Centro de Design da Dinamarca, o Conselho de Design e Laboratório de Política no Reino Unido, Design Driven City na Finlândia e o Laboratório de Políticas Públicas nos EUA. Graças à sua crescente popularidade, a DT tornou-se uma forma de inteligência que os governos poderiam utilizar de modo mais sistemático não apenas para informar uma política de CTI mais direcionada, mas também para iniciativas relacionadas à ciência digital e à política de inovação.
Na avaliação do autor, embora o DT seja, muitas vezes, tratado como uma doutrina para repensar problemas complexos ou mesmo como uma panaceia para resolver a maioria dos problemas de política, não é uma cura para todos os males, seja no setor público ou no setor privado.
Uma de suas principais forças, o foco no usuário, também é seu fator limitante. Especialmente no campo das políticas de inovação, o foco se concentra desproporcionalmente sobre as necessidades e o interesse da base de usuários atual, ignorando as necessidades de inovação no longo prazo. Assim, em sua opinião, a DT deve ser acoplada a um abordagem sistemática mais ampla e métodos de governança antecipatória, a fim de ajudar a identificar questões que vão além das experiências imediatas de pesquisadores e inovadores.
Pensamento sistêmico. O pensamento sistêmico é uma abordagem interdisciplinar para entender como partes diferentes de um sistema se relacionam umas com as outras, como o sistema funciona e evolui com o tempo, e que resultados eles produzem. A mudança de sistemas é uma aplicação desse pensamento à situação do mundo real. Abordagens de sistemas têm se desenvolvido ao longo dos últimos 75 anos para incluir a teoria geral de sistemas, a teoria dinâmica do sistema e a cibernética.
De acordo com o autor, o pensamento sistêmico não é novo em CTI. A análise do “sistema de inovação” é generalizada, abrangendo perspectivas nacionais, setoriais e tecnológicas. No entanto, essas perspectivas se mostraram difíceis de operacionalizar em cenários de políticas, que são, na maioria, retrospectivas, e tendem a não delinear ou analisar as escolhas em tempo real enfrentadas pelos formuladores de políticas.
Uma abordagem baseada em ecossistemas para avaliar como o governo gerencia a inovação, interna e externamente, é necessária, juntamente com a capacidade de usar pensamento sistêmico não apenas como uma ferramenta descritiva, mas também como uma ferramenta transformadora dentro do governo. Algumas organizações governamentais e internacionais estão construindo cenários integrando “transições sociotécnicas” para responder aos desafios da sustentabilidade.
Segundo o autor, semelhante ao pensamento sistêmico, o conceito de transições sociotécnicas considera o papel dos mercados, das práticas dos usuários, da política e da cultura no desenvolvimento de novas tecnologias, além da “política de transição”. O governo sueco, por exemplo, usou roteiros sociotécnicos para determinar qual investimento de grande escala deveria fazer em seus programas estratégicos de inovação. A Áustria também os utilizou para desenvolver seu programa Indústria 4.0.
Na avaliação do autor, adotar e adaptar-se às novas ferramentas e abordagens de políticas descritas acima exige dos formuladores de políticas diferentes tipos e combinações de habilidades, bem como capacidade organizacional para liderar e trabalhar com a mudança. Para gerar novas ideias e soluções inovadoras, os governos têm utilizado uma variedade de ferramentas, incluindo desafios e prêmios, como a iniciativa Challenge.gov do governo dos EUA.