Carta IEDI
Indústria: pivô do retrocesso econômico de 2019
Diante da ausência de motores do crescimento, a economia brasileira perdeu mais um pouco do pífio dinamismo que vinha apresentando. Pelas informações já conhecidas, é possível que, no melhor dos casos, o PIB tenha ficado estagnado no primeiro trimestre de 2019. Há boas chances de ter ficado no vermelho.
Que a recuperação de nossa economia seria lenta já era sabido. O que estamos vendo é que ela também pode ser descontínua. Para o 1º trim/19, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como proxy do PIB, aponta para variação de apenas +0,2% frente ao 1º trim/18 e queda de -0,7% ante 4º trim/18, com ajuste sazonal.
Para o PIB de 2019 como um todo, em pouco mais de cinco meses, as expectativas de crescimento, segundo o Boletim Focus/BCB, já perderam mais de 1 ponto percentual, recuando de +2,5% no início de janeiro para +1,45 agora em meados de maio. Por ora, não há nada que justifique a reversão deste movimento de cortes sucessivos das projeções.
Assim, como o nível de atividade econômica teima em não ganhar nem vigor nem consistência, corremos o sério risco de mais um ano com PIB perto de 1%, patamar que vem se repetindo desde 2017. Se isso vier a ocorrer, estaremos deixando de lado um quadro de recuperação para entrar em outro de baixíssimo dinamismo ou de semiestagação, dada a profundidade e extensão da crise recente.
A indústria tem sido o pivô da deterioração dos últimos meses. Em relação ao mesmo período do ano anterior, a produção do setor encolheu tanto no último trimestre de 2018 (-1,2%) como no primeiro trimestre de 2019 (-2,2%). O desastre de Brumadinho contribuiu para isso, mas não é esta a causa fundamental da piora. Considerando apenas a indústria de transformação o quadro permanece negativo em ambos os trimestres (-1,9% e -1,4%, respectivamente).
A crise da Argentina tem sido outro fator prejudicial para a indústria, mas tampouco explica sozinho o que vem acontecendo. Sinal disso é que as perdas de produção são muito mais difundidas, afetando ramos de natureza muito distinta. Dos 26 ramos industriais identificados pelo IBGE, nada menos do que 20 deles, isto é, 77% ficou no vermelho no 1º trim/19. E mais: metade dos ramos (13) também caíram no 4º trim/18.
Ou seja, a retração é ampla o suficiente para ser explicada por fatores pontuais. Regionalmente, a disseminação de variações negativas também se verifica, atingindo 10 dos 15 parques industriais acompanhados pelo IBGE, isto é 2/3 delas. O caso de maior preocupação é São Paulo, que já soma três trimestres consecutivos de queda, que jan-mar/19 atingiu 72% de seus ramos industrias. A única exceção neste contexto de declínio generalizado vem sendo os estados da região Sul.
Como a indústria estabelece relações de demanda bastante fortes com outras atividades econômicas, seu dinamismo ou com a falta dele promove crescimento ou declínio de outros setores. Isso acontece em relação à agropecuária, mas também com os serviços, como indica o resultado deste setor no 1º tri/19.
O faturamento real do setor de serviços manteve-se no positivo, a despeito do declínio pronunciado de março (-2,3% ante mar/18), mas continuou crescendo muito pouco, como tem sido o padrão desde meados do ano passado: +1,1% frente ao mesmo período do ano anterior. Restringiram seu crescimento os segmentos que refletem mais de perto o dinamismo da atividade econômica e industrial do país: transporte, seus auxiliares e correio (-1,6%) e serviços profissionais, administrativos e complementares.
Quem tem contribuído para os resultados positivos dos serviços são aqueles segmentos baseados na demanda das famílias. É o caso, evidentemente, dos serviços prestados às famílias, mas também de outros segmentos que igualmente fazem parte do consumo familiar, como serviços de informação e comunicação e outros serviços.
O dinamismo do consumo das famílias, entretanto, não está livre de limitações importantes, dado o contingente de mais de 13 milhões de desempregados no país. A situação poderia ser outra se a indústria, que gera empregos de maior qualidade e maior rendimento, ainda liderasse a criação de vagas como ocorria no final de 2017 e início de 2018.
Um indício dessas limitações da ampliação do consumo das famílias é o comportamento do comércio varejista em 2019. Entre janeiro e março, as vendas reais do varejo ficaram virtualmente estagnadas (+0,3% ante 1º trim/18) e, se incluídos os segmentos de automóveis, autopeças e material de construção, seu dinamismo caiu à metade daquele do final de 2018, passando de +4,4% do 4º trim/18 para +2,3%.
A desaceleração do comércio tem sido provocada, em sua maior parte, por segmentos mais dependentes da renda corrente das famílias, como supermercados, alimentos, bebidas e fumo; combustíveis e tecidos, vestuário e calçados. Mas nem por isso o quadro daqueles segmentos mais impulsionados pelo crédito se mostrou mais promissor.
Houve queda nas vendas de móveis e eletrodomésticos (-1,9% ante 1º trim/18) e forte declínio das taxas de crescimento de veículos e autopeças (+8,4%) e de outros artigos pessoais e domésticos (+4,1%), que incluem as lojas de departamento.
Indústria
Os dados do IBGE são muito contundentes em mostrar que a indústria entrou em uma nova fase recessiva. Já são dois trimestres consecutivos de retração, qualquer que seja a comparação utilizada, afetando grande parte do parque industrial. À medida que este quadro se prolonga, vai ficando cada vez mais difícil falar em recuperação para o setor.
A perda de produção no 1º trim/19 chegou a -2,2% frente ao mesmo período do ano anterior, significando não apenas a continuidade do sinal negativo, mas também um agravamento em relação ao resultado de -1,2% do 4º trim/18. Em relação ao período imediatamente anterior, já descontados os efeitos sazonais, também houve declínio nestes dois últimos trimestres (-1,4% e -0,7%, respectivamente).
Dentre os grandes macrossetores industriais, todos mergulharam novamente no vermelho, mesmo bens de capital, que ainda conseguia se manter na faixa positiva no final do ano passado, sucumbiu e registrou a queda mais acentuada do 1º trim/19 (-4,3%). Bens de consumo duráveis foi quem teve o segundo pior resultado: -3,5% ante o mesmo período do ano anterior.
Bens intermediários, por sua vez, registraram -2,0%, enquanto bens de consumo semi e não duráveis não caíram tanto quanto os demais macrossetores industriais, mas neste caso há um longo processo de estagnação que parece estar resvalando mais claramente para uma etapa recessiva: -1,4%.
Se o quadro da indústria como um todo, bem como de seus macrossetores, já é bastante complicado, do ponto de vista regional há estados que conseguem apresentar um desempenho ainda mais adverso, como São Paulo.
Convém pontuar, porém, o quão difundidas foram as variações negativas neste primeiro trimestre de 2019. Do total de 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 10 delas ficaram no vermelho na comparação frente ao mesmo período do ano anterior. Ou seja, 67% tiveram um começo de ano recessivo. No mês de março, o balanço chegou a ser pior, com 12 localidades (80%) em declínio.
Ao todo, 6 localidades das 10 que tiveram queda no 1º trim/19 caíram mais do que o total Brasil (-2,2% ante 1º trim/18). Ainda que não tenha tido uma das quedas mais intensas, o desempenho de São Paulo é dos mais graves sobretudo por sua duração. A indústria paulista já soma três trimestres consecutivos de queda: -1,0% no 3º trim/18; -4,0% no 4º trim/18 e -2,6% no 1º trim/19.
Com isso, o nível da produção industrial de São Paulo em mar/19 encontrava-se cerca de 5% abaixo daquele de jun/18. O retrocesso paulista tampouco foi causado por um ou outro ramo. No 1º trim/19, 72% dos seus ramos apresentaram resultados negativos (com destaque para veículos, alimentos, eletrônicos e máquinas e equipamentos) e dentre estes 70% registram queda há pelo menos dois trimestres consecutivos. Ou seja, em São Paulo as perdas são intensas, disseminadas e reincidentes.
Como São Paulo, há também outros casos que passam por dificuldades que não são de hoje, a exemplo do Amazonas, em queda nos últimos três trimestres, da região Nordeste como um todo, que viu poucos sinais de recuperação até agora, além de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás. Em resumo, praticamente todas as grandes regiões do país têm enfrentado um novo recuo industrial.
A única exceção a esta realidade adversa tem sido a região Sul, cujos estados em maior ou menor grau conseguiram se manter no azul. A indústria do Rio Grande do Sul, que cresceu +5,5% no 1º trim/19, é aquela que apresenta o maior número de ramos em alta. Ao todo, 71% deles cresceram no período, com destaque para veículos, produtos de metal, máquinas e equipamentos e couro e calçados. O único senão desta trajetória gaúcha é a desaceleração que vem ocorrendo desde o 3º trim/18.
Santa Catarina, por sua vez, cresceu +2,8% em jan-mar/19 ante o mesmo período do ano anterior. Tal resultado foi alavancado por 67% dos ramos de sua indústria, sobretudo por máquinas e aparelhos elétricos, máquinas e equipamentos, produtos de metal, metalurgia e minerais não metálicos. Só não cresceu mais devido a quedas em ramos de peso no estado, como alimentos e confecção e vestuário.
Já o Paraná teve aumento de +7,7% da produção em jan-mar/19, o melhor desempenho do trimestre entre todas as localidades acompanhadas pelo IBGE. Neste caso, porém, as altas foram mais concentradas do que nos demais estados do Sul, atingindo 54% dos ramos da indústria paranaense. Três ramos foram os que realmente puxaram o resultado: alimentos, veículos e derivados de petróleo e coque, que juntos representam 60% da estrutura industrial do estado.
Comércio
Além do quadro recessivo na indústria, 2019 também começou com o comércio varejista pisando no freio. Entre janeiro e março, as vendas reais do varejo ficaram virtualmente estagnadas e, se incluídos os segmentos de automóveis, autopeças e material de construção, seu dinamismo caiu à metade daquele do final de 2018.
No acumulado do primeiro trimestre de 2019, as vendas reais do varejo restrito variaram apenas +0,3% frente ao mesmo período do ano anterior. Em seu conceito ampliado, o crescimento obtido foi maior, de +2,3%, mas bem abaixo da alta de +4,4% do 4º trim/18.
Outro sinal de inflexão do setor, tem sido a evolução titubeante na margem, que conta com correção sazonal. Em seu conceito restrito, o varejo ficou virtualmente parado desde a queda de -2,2% em dez/18: +0,5% em jan/19, 0% em fev/19 e +0,3% em mar/19. Já o varejo ampliado tem intercalado variações positivas e negativas, sem que isso leve a algum lugar: em mar/19 encontrava-se no mesmo nível de venda de nov/18.
Deste modo, o indicador de tendência de mais longo prazo, aferida a partir do acumulado em doze meses frente ao mesmo período do ano anterior, mostra, no início de 2019, um momento mais agudo da trajetória de desaceleração verificada desde o segundo trimestre do ano passado. A involução foi de +7% em abr/18 para +3,9% em mar/19 no conceito ampliado e de +3,8% em mar/18 para +1,3% em mar/19 no conceito restrito.
A perda de dinamismo nesta fase mais recente tem sido provocada, em sua maior parte, por segmentos do varejo mais dependentes da renda corrente das famílias, como supermercados, alimentos, bebidas e fumo; combustíveis e tecidos, vestuário e calçados. Este tem sido o custo da permanência do desemprego em patamares elevados e da preponderância de ocupações de menor qualidade no pouco emprego que vem sendo gerado.
Nem por isso o quadro daqueles segmentos dependentes do crédito se mostrou mais promissor. Cresceram menos que vinham crescendo e houve casos de quem voltou ao vermelho.
Assim, os segmentos do varejo podem ser divididos em quatro situações. No primeiro caso, estão aqueles que voltaram a cair no 1º trim/19, como supermercados, alimentos, bebidas e fumo (-0,9% ante 1º trim/18) e móveis e eletrodomésticos (-1,9%). Já o segundo caso compreende os ramos que praticamente ficaram estagnados, como combustíveis (0%) e tecidos, vestuário e calçados (+0,5%).
Em franca desaceleração é a situação das vendas reais de outros artigos pessoais e domésticos (+4,1% ante 1º trim/18), que inclui as lojas de departamento, e de veículos e autopeças (+8,4%). Estes dois segmentos mais o de móveis e eletrodomésticos, que se saiu pior ainda, podem ter sido influenciados pela desaceleração do crédito às famílias no 1º trim/19, cujas concessões perderam ¼ de seu dinamismo na entrada do ano e tiveram majoração de suas taxas médias de juros, segundo os dados do Banco Central.
Em uma quarta situação bastante distinta ficaram as vendas de equipamentos e materiais para escritório, informática e de comunicação e de material de construção ao registraram aceleração em jan-mar/19. No primeiro caso, em que a evolução tecnológica joga um papel importante, passaram de +0,9% no 4º trim/18 para +3,9% e no segundo caso de +2,5% para +3,6%, respectivamente, muito provavelmente em função da melhora do quadro da construção urbana.
Serviços
Como se sabe, a indústria estabelece relações de demanda bastante fortes com outras atividades econômicas a ponto de, com seu dinamismo ou com a falta dele, promover crescimento ou declínio de outros setores. Isso acontece em relação à agropecuária, mas também com o setor de serviços e os dados do 1º trimestre de 2019 divulgados pelo IBGE mostram bem este fato.
No 1º trim/19, o faturamento real dos serviços manteve-se no positivo, a despeito do declínio pronunciado de março (-2,3% ante mar/18), mas continuou crescendo muito pouco, como tem sido o padrão desde meados do ano passado. O resultado agora foi de +1,1% frente ao mesmo período do ano anterior, muito restringido por aqueles segmentos que refletem mais de perto o dinamismo da atividade econômica e industrial do país.
Foram duas pedras no caminho do setor de serviços neste início de ano. O maior obstáculo coube ao segmento de serviços de transporte, seus auxiliares e correio, que voltou a registrar queda: -1,6% frente ao 1º trim/18, algo que não ocorria desde início de 2017. Este é um dado que indica, sem margem de dúvida, que a economia brasileira não vem se saindo bem e pode estar deixando para trás sua fase de recuperação.
Outro entrave compreendeu os serviços profissionais, administrativos e complementares, que são prestados às empresas. Neste caso a queda tem sido menos intensa, porém persistente. Ao registrar -0,7% no 1º trim/19, este segmento completou 17 trimestres seguidos de perda de faturamento real.
O mau desempenho nestes dois ramos, que se vinculam mais diretamente à indústria, pode vir a retirar ainda mais dinamismo dos serviços caso a produção industrial siga, nos próximos meses, a trajetória descendente que vem apresentando. Por ora, os serviços como um todo, que foi o último grande setor da economia a começar a se recuperar, ainda não sofreram uma inflexão, mas o risco não está totalmente descartado. Em março, o acumulado em doze meses (+0,6%) já apontou uma pequena reversão da tendência de melhora, a primeira desde fev/17.
Assim, quem tem contribuído para os resultados positivos dos serviços são aqueles segmentos baseados na demanda das famílias. É o caso, evidentemente, dos serviços prestados às famílias, mas também de outros segmentos que igualmente fazem parte do consumo familiar, como serviços de informação e comunicação e outros serviços.
A trajetória recente em todos estes três segmentos em crescimento no 1º trim/19 é de aceleração, o que, se assim permanecer, poderá compensar eventuais deteriorações nos dois segmentos anteriores, cuja demanda segue um perfil mais corporativo.
Os serviços prestados às famílias atingiram um ritmo de crescimento de +4,4% ante o 1º trim/18, impulsionados por seu componente de serviços de alojamento e alimentação (+5,2%), já que o componente outros serviços prestados às famílias parou de cair mas tampouco tem conseguido crescer (+0,1% tanto no 4º trim/18 como no 1º trim/19).
Serviços de informação e comunicação cresceram +3,4%, quase o dobro do resultado do 4º trim/18, devido ao componente tecnologia da informação, cuja alta no 1º trim/19 foi de +14,1%, estimulada pelas inovações da área e a consequente mudança nos hábitos de famílias e empresas.
Já o segmento de outros serviços, que reúne um conjunto bastante diversificado de atividades, embora de forma mais modesta, também reforçou seu ritmo de expansão ao passar de +2,9% no 4º trim/18 para +3,2% no 1º trim/19.