Carta IEDI
Capacidade Tecnológica e Competitividade Industrial
A Carta IEDI de hoje aborda o livro “Imperativo do fortalecimento da competitividade industrial no Brasil: evidências em nível das empresas”, publicado em 2018 pela FGV e que apresenta os resultados de uma pesquisa inédita liderada pelo professor Paulo Figueiredo, coordenador do Programa de Pesquisa em Aprendizagem Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil, da Ebape/FGV. O trabalho examinou a relação entre o processo de acumulação de capacidades tecnológicas e seus impactos na competividade industrial no Brasil.
A pesquisa, que contou com pesquisadores da FGV e de universidades federais do Rio de Janeiro e Goiás, analisou empresas de tamanho variado em cinco setores industriais baseados em recursos naturais: mineração, siderurgia, petróleo e gás, sucroenergético e celulose e papel, combinando aplicação de questionário, entrevistas e visitas com análise de dados quantitativos para o período 2002 a 2015.
Duas questões principais nortearam o estudo. Os autores procuraram esclarecer até que ponto, e de que modo, empresas destes setores industriais no Brasil têm acumulado capacidades tecnológicas tanto para atividades operacionais como para inovação. E, também, como esse processo de acumulação de capacidades tecnológicas tem influenciado o alcance e o fortalecimento (ou enfraquecimento) da competitividade industrial.
O conceito de inovação adotado pelos autores é abrangente, podendo ter origem em forte base de engenharia nas empresas e até mesmo do chão de fábrica. Ou seja, vai muito além do desenvolvimento de tecnologias de ponta. Com isso são consideradas um conjunto mais amplo de ações e de empresas, já que no contexto brasileiro poucas são as empresas inovadoras mais intensivas em atividades sofisticadas de P&D.
Deste modo, os autores foram capazes de identificar alta incidência de inovação também em setores considerados de baixa e média intensidade tecnológica, como aqueles baseados em recursos naturais, e não apenas naqueles mais intensivos em P&D, usualmente mais inovadores.
Em alguns dos setores pesquisados, como celulose e papel, petróleo e gás e sucroenergético, há, inclusive, segundo o estudo, empresas que alcançaram níveis de acumulação de capacidade inovadora avançada e que ocupam posições de liderança mundial em certas áreas tecnológicas específicas.
Foram encontrados, contudo, dois aspectos que não podem ser desconsiderados: (1) significativas diferenças entre setores e entre empresas em cada um deles no que se refere à acumulação de capacidades tecnológicas; (2) assimetria na acumulação tecnológica entre diferentes áreas de uma mesma empresa.
Como consequência, em geral, empresas com padrões mais elevados de acumulação de capacidades tecnológicas apresentaram maiores ganhos de produtividade do trabalho e maiores receitas de exportação. Os autores argumentam que essas diferenças nos padrões de acumulação de capacidade para áreas tecnológicas específicas se refletem, então, no desempenho competitivo das empresas.
As evidências encontradas e discutidas por Figueiredo e seus coautores sugerem a possibilidade de fazer destes setores baseados em recursos naturais, sejam eles minerais ou agropecuários, um dos eixos de fortalecimento industrial do Brasil, como argumentou o IEDI no documento “Indústria e o Brasil do Futuro”. Ainda mais, quando novos paradigmas estão no horizonte também destes setores em função do desenvolvimento de tecnologias inovadoras, subjacentes à indústria 4.0.
Por isso, os autores do livro sublinham que as políticas públicas devem reconhecer que essas indústrias baseadas em recursos naturais oferecem oportunidades relevantes para acumulação de capacidades tecnológicas, definidas como estoques de recursos de conhecimento para gerir e gerar mudanças tecnológicas, incluindo capital humano, capital físico e o capital organizacional. Com o acúmulo destas competências, as empresas estão melhor posicionadas para inovar e ter competitividade.
Entre as iniciativas de política para o fortalecimento da competitividade do Brasil sugeridas pelos autores, podemos mencionar os seguintes aspectos:
• Uma estratégia eficaz deveria promover um avanço de capacidade tecnológica e de produtividade e incentivar um maciço deslocamento de empresas dos níveis básicos e intermediários para níveis progressivamente mais alto de capacidade tecnológica inovadora.
• Políticas horizontais bem desenhadas podem ser uma escolha melhor do que fortes incentivos a um pequeno grupo de empresas escolhidas.
• Políticas industriais leves (provisão de bens públicos e subsídios) de estímulo à atividade de inovação são preferíveis a políticas pesadas (que alteram preços relativos) voltadas à proteção de setores mais inovadores.
• Uma política de inovação colaborativa e sistêmica, ainda que envolva a coordenação do Estado, deve ser realizada em um ambiente de pressão competitiva internacional. Porém, é importante possibilitar às empresas brasileiras condições de concorrência similares às de seus pares estrangeiros.
• Adotar com urgência medidas específicas para a formação e treinamento de profissionais com foco nas atividades inovadoras no âmbito das empresas, tais como design, engenharia e P&D.
• Aproximar a pesquisa básica e o conhecimento aplicado, de modo a avançar em seu alinhamento com as necessidades e objetivos das empresas.
Competitividade e seus Determinantes
O livro “Imperativo do fortalecimento da competitividade industrial no Brasil: evidências em nível das empresas”, publicado em 2018 pela FGV Editora, traz os resultados de pesquisa inédita, que examinou a relação entre o processo de acumulação de capacidades tecnológicas e seus impactos na competividade.
Realizada pelo professor Paulo Figueiredo, coordenador do Programa de Pesquisa em Aprendizagem Tecnológica e Inovação Industrial no Brasil, da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV), e por pesquisadores da FGV, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a pesquisa analisou empresas de tamanho variado em cinco setores industriais baseados em recursos naturais: mineração, siderurgia, petróleo e gás, sucroenergético, celulose e papel, combinando entrevistas e visitas técnicas com análise de dados quantitativos para o período 2002 a 2015.
A perspectiva sobre o processo de acumulação de capacidades tecnológicas em nível de empresas de setores industriais específicos possibilita, segundo os pesquisadores, captar nuances, pormenores e especificidades empresariais, setoriais e regionais do processo de acumulação de capacidades tecnológicas. Tal abordagem é útil tanto para nortear desenho e implementação de estratégias empresariais e governamentais como para decisão de investimento em inovação.
Duas questões principais nortearam a pesquisa. Os autores procuraram esclarecer até que ponto, e de que modo, empresas de um conjunto de setores industriais no Brasil têm acumulado capacidades tecnológicas tanto para atividades operacionais como para inovação. E, também como esse processo de acumulação de capacidades tecnológicas tem influenciado o alcance e o fortalecimento (ou enfraquecimento) da competitividade industrial.
Do ponto de vista de uma empresa, o conceito de competitividade diz respeito à capacidade de superar os seus concorrentes na preferência dos consumidores. Quando generalizado a um setor, o conceito expressa a competitividade média dos seus componentes. Contudo, de acordo com Figueiredo e seus coautores, existe significativa controvérsia quando esse conceito é aplicado a uma economia ou a um país, reflexo de distintas interpretações sobre o processo de desenvolvimento.
Há relativo consenso em torno da ideia de que o conceito de competitividade deve ser entendido como a capacidade de um país melhorar o bem-estar de seus habitantes. Todavia, os estudiosos ainda divergem quanto aos fatores determinantes do aumento de produtividade e, portanto, do bem-estar. Ponto comum entre distintas abordagens para a competitividade reside na importância atribuída à inovação como uma das principais fontes de crescimento econômico.
Os autores destacam duas visões opostas na literatura econômica: de um lado, a que preconiza que a competitividade de um país repousa em suas vantagens comparativas em cada estágio de desenvolvimento. De acordo com essa interpretação, a estrutura industrial ideal é endogenamente determinada pela abundância relativa dos fatores de produção. De outro lado, se situa a visão de que a competitividade do país é construída a partir do desenvolvimento de setores industriais que viabilizam o afastamento das vantagens comparativas da dotação de fatores.
Para o grupo que considera que o processo de desenvolvimento deve se basear na exploração de vantagens comparativas, o aumento da competitividade pode ser alcançado mediante a acumulação de fatores de produção ou aumento de produtividade. A produtividade depende da eficiência na combinação dos fatores, o que por sua vez é função de diversos aspectos, como: instituições, disponibilidade e qualidade de infraestrutura, ambiente macroeconômico e de negócios, entre outros. Nesse ponto, os conceitos de produtividade e competitividade se entrelaçam.
Para os que defendem a importância da estrutura econômica na determinação da competitividade de um país, grande relevância é atribuída ao papel da indústria manufatureira, dado que poderia gerar: i) maior valor agregado, ii) maior exploração de economias de escala, iii) maiores efeitos multiplicadores sobre os demais setores econômicos e maiores possibilidades de engajamento nas cadeias globais de valor, iv) maiores oportunidades tecnológicas e efeitos de transbordamento. Mudanças na composição da estrutura produtiva de economias em desenvolvimento na direção da indústria de transformação aumentaria a capacidade exportadora do país, impulsionando crescimento sustentável e sem restrição externa.
Ressaltando que, entre essas duas visões antípodas, existe uma miríade de interpretações intermediárias, os autores salientem o relativo consenso em torno da interpretação de que, do ponto de vista de um país, competitividade é manter ou ampliar, em particular nos países em desenvolvimento, o padrão de vida de seus habitantes. Se a renda per capita é tomada como proxy do padrão de vida, a competitividade de um país poderia ser definida como a capacidade de aumentar a renda per capita de forma sustentável.
Figueiredo e coautores consideram que a abordagem da complexidade econômica concilia as duas visões antagônicas de desenvolvimento econômico. De acordo com essa abordagem, países com cestas de produtos mais diversificadas e exclusivas tendem a crescer mais. Haveria assim um vínculo entre complexidade e competividade, a qual está relacionada à estrutura de exportação. No entanto, algumas atividades decorrentes da divisão internacional de trabalho não podem ser importadas e necessitam ser desenvolvidas localmente. Esses seriam os casos dos direitos de propriedade, regulação, infraestrutura, habilidades específicas de mão de obra, ambiente de negócios, etc. Tais capacidades são acessíveis a poucos países.
A competitividade de um país residiria, portanto, na diversidade de capacidades que não podem ser transacionadas internacionalmente. O que explicaria a competitividade de um país, ou seja, sua habilidade de transformar fatores de produção em riqueza, seria o estoque de capacidades, produtivas e tecnológicas. Segundo os pesquisadores, de modo análogo, a inovação decorre do processo de acúmulo de capacidades tecnológicas pelas empresas, tais como capital humano, sistemas técnico-físico e sistemas organizacionais. Combinando essas duas interpretações, “é possível analisar a competitividade das empresas como resultado, entre outras coisas, da acumulação de capacidades tecnológicas”.
Competitividade e Políticas Públicas
Na interpretação dos pesquisadores, o desenvolvimento do setor industrial deve ser encarado como um modo de atingir o objetivo final de aumentar a competitividade da economia. As políticas públicas de desenvolvimento produtivo na indústria podem ser classificadas de acordo com duas dimensões:
• Quanto a seu tipo: provisão de bens públicos ou intervenção no mercado;
• Quanto à transversalidade: limitada a poucos setores (vertical) ou de alcance setorial mais amplo (horizontal).
Do ponto de vista dessa nomenclatura, a política industrial é definida como eminentemente seletiva, ou seja, associada às políticas verticais, mas também pode incluir medidas horizontais. Já a provisão horizontal de bens públicos recebe a denominação de política de competitividade.
No que se refere à política industrial, os autores assinalam que é possível ainda distinguir entre:
• Política industrial leve: provisão de bens públicos para determinados setores e subsídios para P&D, para investimento em capital, para treinamento de mão de obras, que altera preços relativos de atividades;
• Política industrial pesada: intervenções de mercado que distorcem os preços relativos de setores, tais como subsídios e proteção comercial a setores específicos.
De acordo com os autores, ações de política de desenvolvimento industrial seriam justificadas para a correção de falhas de mercado e provisão de bens públicos. Se não existem falhas de mercado (ou se são inferiores às falhas de governo) não há espaço para política industrial.
A existência de externalidades é um tipo de falha de mercado que justificaria algum tipo de política industrial. No que se refere às externalidades associada ao encadeamento dos setores, apoiando-se nas contribuições de Ricardo Haussmann e outros, os pesquisadores consideram que as políticas públicas deveriam tentar posicionar os países mais próximo possível da cesta de exportação de países ricos, alterando sua estrutura de produção na direção de áreas mais densas do espaço de produção (mais produtos próximos entre si) e, portanto, mais sujeitas ao aproveitamento de externalidades. Isto porque, certos produtos estariam relacionados entre si, de modo que a produtividade em determinado produto seria maior se o país já tivesse alcançado alta produtividade em um produto próximo. Os países que promovem tal alteração tendem a crescer mais.
Porém, isso não significa necessariamente, segundo os autores da pesquisa, que a política pública deva proteger setores sofisticados ou forçar encadeamentos. Proteção alta e política agressiva de conteúdo local não conseguem fazer com que a produção mais sofisticada seja feita de forma competitiva, dado que isso exige acúmulo de capacidades tecnológicas e produtivas.
Os autores destacam igualmente a presença de externalidade no aprendizado dinâmico (learning by doing), que escapam da apropriação individual pelas empresas, justificando a política pública. Externalidades associadas ao aprendizado dinâmico têm sido recorrentemente relacionadas aos spillovers de conhecimento em determinados setores, que exibem externalidades locais, normalmente associadas a atividades de inovação.
A existência de externalidades impede a completa apropriação dos ganhos de inovação pelas empresas e conduz a investimentos menores nessa atividade do que seria desejável do ponto de vista da sociedade. Portanto, as externalidades presentes na pesquisa básica e nos investimentos em inovação no âmbito das empresas justificaria igualmente a existência de políticas públicas de fomento à inovação.
Todavia, como um dos principais motores da inovação é a pressão competitiva dos rivais, é mais adequado, na avaliação dos pesquisadores, adotar políticas industriais leves de estímulo à atividade de inovação ao invés de políticas pesadas voltadas à proteção de setores pretensamente mais inovadores. A proteção excessiva e por tempo ilimitado diminui os incentivos à inovação e reduz os ganhos de transbordamento do conhecimento.
Acumulação de Capacidade Tecnológica para Inovação
Os autores adotam uma visão abrangente de inovação, que vai além da alta tecnologia de fronteira, podendo originar-se de uma forte base de engenharia nas empresas e até mesmo do chão de fábrica. “Inovação é entendida como um processo e não como um evento isolado, muito menos como linha de chegada”. Tal como representado na figura baixo, a atividade de inovação envolve desde a cópia legal de produtos e processos (imitação duplicativa) até a criação das mais sofisticadas tecnologias e sistemas de produção à base de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e engenharia.
Os pesquisadores destacam que, muitas vezes, a ideia de inovação é reduzida ou limitada às atividades altamente complexas derivadas de esforço científico em sofisticados laboratório de P&D. Porém, segundo eles, é um equívoco relacionar inovação apenas a P&D, utilizando os dados de P&D e os rankings de patentes como proxies de atividades de inovação.
As atividades P&D representam apenas parte dos insumos para a inovação, enquanto as patentes são prevalentes apenas em alguns setores industriais de países desenvolvidos. Nas economias emergentes, onde é rara a incidência de laboratórios de P&D, grande parte das inovações não se origina de P&D e tampouco se relaciona a atividades “patentárias”.
Mesmo nas economias desenvolvidas, parte expressiva das inovações mais importantes tem origem em recombinação de tecnologias existentes por engenheiros e técnicos em áreas diversas. Essas atividades de inovação menos sofisticadas podem ser ponto de partida ou precondição para avanços na direção de atividades de P&D. Por isso, ressaltam que é importante considerar essa massa crítica das fases anteriores do processo de desenvolvimento de capacidades.
No caso do Brasil, como sublinham os autores, coexistem poucas empresas inovadoras mais intensivas em atividades sofisticadas de P&D e outras muito mais numerosas que inovam pela transformação de tecnologias já existentes em novos produtos. Há evidência de que setores mais intensivos em P&D são usualmente mais inovadores. Porém, observa-se alta incidência de inovação igualmente em setores de baixa e média intensidade tecnológica.
A pesquisa colocou foco especial nos fatores que levam as empresas a inovar e não na inovação em si. Tais fatores são: a acumulação de capacidades tecnológicas para atividade de produção e inovação, os mecanismos subjacentes de aprendizado tecnológico e os impactos gerados em termos de competitividade.
As capacidades tecnológicas são definidas, pelos autores, como estoques de recursos de conhecimento para gerir e gerar mudanças tecnológicas, incluindo capital humano (cientistas, engenheiros, técnicos, operadores e gestores), capital físico (laboratórios, hardware, banco de dados, software, etc.) e o capital organizacional. Segundo eles, as capacidades tecnológicas podem ser diferenciadas em duas categorias:
• Operacionais ou de produção, entendidas como os recursos necessários para produzir bens e serviços com dado grau de eficiência; e
• Inovadoras, se referem aos recursos de conhecimento que possibilitam às empresas realizar diferentes tipos e graus de atividades inovadoras em processos, produtos, sistemas técnico-físico, serviços e na organização.
As atividades tecnológicas das empresas, realizadas individualmente ou em parcerias, foram mensuradas e classificados pelos pesquisadores de acordo com níveis de novidade e complexidade, em uma escala que vai desde capacidade básica para inovação até nível de liderança mundial.
Essa taxonomia dos níveis de capacidade tecnológicas alinhada à visão abrangente de inovação não pressupõe, segundo os autores, nem linearidade nem homogeneidade em termos de acumulação de níveis de capacidade para funções tecnológicas específicas dentro de uma mesma empresa individual. Ademais, é possível ocorrer, ao longo do tempo, enfraquecimento de capacidades inovadoras já acumuladas ou reversão tecnológica. Igualmente, uma empresa pode alcançar certas capacidades inovadoras sem que a acumulação de capacidades operacionais esteja inteiramente consolidada, o que os autores denominam de acumulação incompleta.
Segundo os pesquisadores, essa abordagem, ainda pouco difundida no Brasil, permite captar a dinâmica de acumulação de capacidade para funções e atividades tecnológicas específicas dentro de uma mesma empresa ou entre empresas de uma mesma indústria. Daí sua importância como “clarificadora, iluminadora e apoiadora do processo de desenho, redesenho, implementação, e ajuste de estratégias de desenvolvimentos de capacidades tecnológicas” em empresas industriais.
Os mecanismos de aprendizagem tecnológica se referem aos procedimentos pelos quais as empresas formam, constroem e acumulam suas capacidades tecnológicas para produção e inovação. Os esforços de aprendizagem são de dois tipos: internos, com geração de conhecimento dentro da própria empresa; e externos mediante aquisição externa de conhecimento produzidos por outras organizações, como universidades, institutos de pesquisa, consultorias especializadas, fornecedores, empresas rivais, entre outros. Ambos envolvem aquisição de conhecimento via contratação de profissionais, treinamentos, e mecanismo de aprendizagem para assimilar ou absorver conhecimento obtidos externamente. A aprendizagem é um processo, constituído por vários fluxos de conhecimento externos e internos, que permitem que organizações e países acumulem suas capacidades tecnológicas.
Os pesquisadores destacam que, nas economias emergentes, a aquisição de conhecimento externo é um dos principais mecanismos utilizados pelas empresas para criar e acumular suas capacidades tecnológicas. Isso exige, todavia, a existência de uma base organizacional no âmbito da empresa apta a absorver internamente os conhecimentos e habilidades adquiridos de variadas fontes externas. Exemplos de mecanismos de aprendizagem, tácito e codificado, interorganizacionais e intraorganizacionais são apresentados no quadro abaixo.
A forma como as empresas acumulam suas capacidades tecnológicas impacta em seu desempenho competitivo. Por meio da inovação, é possível ampliar mercado, criar novas demandas, antecipar demandas do mercado e, por consequência, assegurar mercados doméstico e internacional. Para avaliar os impactos da acumulação de capacidades tecnológicas, os pesquisadores analisaram os seguintes indicadores de desempenho: produtividade do trabalho e do capital; capacidade para exportar; implementação de atividades derivadas da capacidade inovadora e da aprendizagem.
Os autores reconhecem também que influências indiretas, tanto em nível da indústria como da economia, contribuem para o ato de inovar, tais como a existência de universidades e centros de pesquisa e as políticas desenvolvidas intencionalmente com objetivo implícito e explícito de promover o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). Contudo, dado a ênfase da pesquisa no nível das empresas, essa variável não foi objeto de análise.
Evidências Encontradas
Como já mencionado, o estudo se concentrou em cinco setores industriais: celulose e papel, petróleo e gás, etanol, aço e mineração. Em cada um, foram examinadas empresas de tamanho variado, que conjuntamente respondem por cerca de 80% da produção e do faturamento do setor. Foram consideradas ligações tecnológicas entre as empresas estudadas e seus principais fornecedores, assim como com consultorias especializadas, universidades e institutos de pesquisa.
A pesquisa envolveu exame intra e intersetorial e em nível de empresas, ao longo do período 2002-2015. Os dados empíricos primários foram coletados por meio de aplicação de questionários (64 respondidos dos 103 enviados) combinada com realização de entrevistas (34) e visitas às instalações das empresas. As informações foram complementadas por dados secundários de fontes oficiais industriais e governamentais. Igualmente foram realizados workshops com gestores empresariais, gestores governamentais, dirigentes de associações industriais e de agências reguladoras e pesquisadores.
A análise das informações quantitativas e qualitativas evidenciou que as empresas estudadas alcançaram níveis relevantes de capacidades tecnológicas inovadoras. Porém, há variabilidade entre elas em termos de padrões de acumulação de capacidades nas áreas tecnológicas relevantes para as atividades específicas da indústria. Em todos os setores pesquisados, as empresas apresentam distintos padrões de acumulação de capacidade tecnológica. Ademais, tal variabilidade foi constatada, em vários casos, dentro de uma mesma empresa.
Em alguns dos setores pesquisados, como celulose e papel, petróleo e gás e sucroenergético, há empresas que alcançaram níveis de acumulação de capacidade inovadora avançada e de liderança mundial em certas áreas tecnológicas específicas. Enquanto outras, enfrentam maior desafio de implementar esforços de aprendizagem para avançar em atividades intensivas em conhecimento. Em alguns setores, a sustentabilidade da competitividade da indústria depende cada vez mais de esforços contínuos de mecanismos de aprendizagem que abram as portas da diversificação industrial de forma mais intensa em áreas de ponta, como biotecnologia, nanotecnologia, energia renovável.
Os resultados encontrados sugerem que, de modo geral, os mecanismos internos e externos de aprendizagem têm relação positiva com os níveis de capacidade tecnológica, embora não tenha sido possível estabelecer uma relação causal entre as variáveis. A pesquisa corrobora a ideia de que parte das capacidades tecnológicas inovadoras é acumulada por meio de parceiras com os fornecedores, clientes, competidores e demais organizações da cadeia de valor.
Os pesquisadores também constataram que empresas que têm sido mais proativas em estabelecer parcerias e arranjos colaborativos com outras organizações para a realização de atividades inovadoras registram níveis mais elevados de acúmulo de capacidade tecnológica.
Em alguns setores, como o sucroenergético, a criação, aprofundamento e renovação de capacidades tecnológicas inovadoras dependem cada vez mais de estratégias de aprendizagem baseadas em colaboração interorganizacional. Pois, embora o Brasil detenha a liderança mundial em termos de capacidade tecnológica inovadora na área de produção de etanol de primeira geração, na área de feedstock, no entanto, a capacidade inovadora está acumulada fora das empresas nas demais organizações do sistema setorial de inovação, como o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e rede de universidades para o desenvolvimento do setor sucronergético (Redisa).
Diferenças observadas no desempenho competitivo das empresas refletem seus distintos padrões de acumulação de capacidade para áreas tecnológicas diferentes. Em geral, empresas com padrões mais elevados de acumulação de capacidades tecnológicas apresentaram maiores ganhos de produtividade do trabalho e maiores receitas de exportação. Todavia, em alguns dos setores pesquisados, tais relações são menos evidentes.
Nos setores de mineração e de petróleo e gás, por exemplo, não se observou uma relação clara entre maiores esforços em elevar o nível de capacidade inovadora e melhor desempenho exportador, avaliando em termos de maior receita com exportação. No setor de mineração, os autores sublinham que os resultados em termos de desempenho exportador das empresas estão, provavelmente, muito relacionados com a trajetória dos preços internacionais do minério e o nível de atividade econômica dos parceiros comerciais do Brasil.
Já no setor de petróleo e gás, apenas na área tecnológica de perfuração de poços, no qual as empresas desenvolveram produtos inovadores e atrativos para exploração em águas profundas em qualquer parte do mundo, foi verificado uma clara relação entre o nível de acumulação de capacidade e o maior volume de exportação. Nas demais áreas tecnológicas pesquisadas, não foi verificada tal relação, em parte, segundo os pesquisadores, devido às exigências de especificidades técnicas definidas pela Petrobras, que é o principal cliente das empresas.
Em resumo, a pesquisa realizada pelos autores com empresas de diferentes indústrias baseadas em recursos naturais confirmou dois fatos estilizados:
• Existência de significativas diferenças entre indústrias e entre empresas de uma mesma indústria no que se refere à acumulação de capacidades tecnológicas.
• Há diferenças, as vezes substanciais, na acumulação tecnológica entre diferentes áreas de uma mesma empresa.
Nas empresas pesquisadas, foi identificado um volume expressivo de atividade inovadora. Os autores sublinham que as políticas públicas devem reconhecer que essas indústrias oferecem oportunidades relevantes para acumulação de capacidades tecnológicas e inovação.
Segundo os pesquisadores, uma das principais limitações da pesquisa foi o período de análise das trajetórias de acumulação de capacidades tecnológicas: doze anos. Ademais, não obstante a amostra pesquisada ter sido altamente representativa das empresas de industrias baseadas em recursos naturais, o número de observações estatísticas não foi suficientemente grande para permitir sólida inferência da relação de causalidade entre as variáveis analisadas.
Com base nas evidências encontradas, os autores concluem que a complexidade e variabilidade das atividades inovadoras reduzem a efetividade de recomendações concebidas na perspectiva de que os setores industriais são homogêneos. Portanto, para serem bem-sucedidas tanto as estratégias empresariais como as políticas públicas devem levar em conta as diferenças na acumulação de capacidades no setor industrial e dentro de uma mesma empresa.
Recomendações de Política
Embora a trajetória do desenvolvimento econômico, em perspectiva histórica, esteja associada ao desenvolvimento industrial, os autores consideram que para a superação da armadilha da renda média não bastaria deslocar a estrutura produtiva da economia em direção a determinados setores, mas também garantir que tais setores sejam competitivos. Nesse sentido, defendem que a acumulação de capacidades tecnológicas é dos fatores mais importantes para fortalecer a competitividade brasileira.
Para os autores, o fortalecimento da competitividade não significa deslocar a economia na direção de setores tradicionalmente reconhecidos como de “alta tecnologia”. Algumas indústrias intensivas em recursos naturais, consideradas como de “baixa ou média” intensidade tecnológica, realizam atividades inovadoras altamente sofisticadas e permitem uma série de oportunidades de acumulação de capacidades tecnológicas, de inovação e de diversificação.
O Brasil tem, como já mencionado, uma grande proporção de empresas nos níveis mais baixos de capacidade tecnológica. Dessa forma, uma estratégia eficaz deveria promover um avanço significativo em termos de capacidade tecnológica e produtividade e de incentivar um maciço deslocamento de empresas dos níveis básicos e intermediários para níveis progressivamente mais alto de capacidade tecnológica inovadora. Políticas horizontais bem desenhadas podem ser uma escolha melhor do que fortes incentivos a um pequeno grupo de empresas escolhidas.
O estudo não recomenda a adoção de uma postura protecionista na política pública de inovação, defendendo a ideia de que restrições às importações podem desestimular o processo de aprendizado e a acumulação de capacidades tecnológicas dentro das empresas.
A busca por uma política pública de inovação, em perspectiva colaborativa e sistêmica, ainda que envolva a coordenação do Estado, deve ser realizada sob um ambiente de pressão competitiva internacional. Porém, é importante possibilitar as empresas brasileiras condições de competitividade similares aos seus pares estrangeiros. Vale lembrar que os custos financeiros e tributários são mais altos no Brasil do que nos países dos seus competidores.
Na avaliação dos autores, o esforço de incremento das atividades inovadoras no âmbito das empresas, objeto declarado das políticas públicas, está esbarrando na falta de profissionais qualificados. Nos anos recentes, houve piora na disponibilidade de engenheiros e cientistas. De acordo com os pesquisadores, o Brasil perdeu posição nesse quesito do Índice de Competitividade Global caindo da 67ª posição em 2006 para 114ª posição em 2014. Isso pode explicar porque os investimentos diretos estrangeiros no Brasil não têm gerado externalidade em termos de conhecimento tecnológico e aumento de produtividade.
É preciso, portanto, adotar com urgência medidas específicas para a formação e treinamento de profissionais com foco nas atividades inovadoras no âmbito das empresas, tais como design, engenharia e P&D. São necessárias ações para aumentar e melhorar a oferta de recursos humanos, criando massa crítica altamente qualificada para atingir objetivos de inovação. Também consideram importante formar e treinar capital humano para lidar com futuras rotas tecnológicas que se abrem em certas indústrias, como o avanço da biotecnologia e da nanotecnologia.
No setor de petróleo e gás, os autores consideram recomendável que as empresas persigam metas de internacionalização. Nesse sentido, é necessário alinhamento estratégico com a Petrobras. A internalização da indústria de petróleo e gás tem sido uma alta prioridade nas políticas públicas em outros países. Na Noruega, por exemplo, o objetivo da política para o setor contempla o mercado internacional. Produtos e sistemas avançados criados naquele país competem com sucesso no mercado global, incluindo o Brasil.
Segundo os autores, a distribuição das capacidades tecnológicas para além dos muros das empresas, assim como as parcerias externas no processo de inovação, é irreversível e confirma a fragmentação das atividades inovadoras. Isso coloca desafios aos formuladores e gestores de políticas públicas de inovação. No Brasil, historicamente, não houve alinhamento da pesquisa básica com as necessidades e objetivos das empresas, tampouco uma relação mais próxima e o conhecimento aplicado.
A criação da Embrapii, tendo como referência a experiência da Embrapa, teve como objetivo a aproximação das instituições de ciência e tecnologia e empresas industriais. O programa Inova Empresas (2011) e os dispositivos das Leis de Inovação (2004) e do Bem (2005) também foram avanços nessa direção.
Entretanto, as evidências empíricas disponíveis mostram que, em grande medida, o aumento de colaboração resulta de esforços individuais de conexão por parte de alguns cientistas e pesquisadores e não de ações institucionais mais organizadas. Mesmo tendo melhorado no Índice de Competividade Global, o Brasil perdeu espaço no quesito colaboração entre universidades e empresas para inovação.
Os pesquisadores sugerem também que a política existente poderia ser simplificada para incluir uma abordagem de inovação associada não apenas a P&D e que favoreça a maior participação de pequenas e médias empresas (PMEs). As empresas de menor porte, não se beneficiam do incentivo fiscal da lei do Bem, uma vez que, em geral, não são tributadas pelo lucro real, regime tributário exigido para a cobertura dos gastos com P&D. Mesmos empresas maiores não acessaram o programa de incentivo por conta da burocracia e complexidade envolvidas, o que mostra a necessidade de maior simplificação e divulgação do acesso ao financiamento público destinado à inovação.