Carta IEDI
Interação entre universidade e empresa no Brasil e no Mundo
A colaboração entre universidade e empresas é um importante fator para a competitividade dos países e de suas indústrias. Aqueles que contam com pesquisa pública forte e com habilidade para inovar a partir de seus resultados apresentam, segundo a OCDE, maiores ganhos de produtividade e têm maior facilidade para responder aos desafios socioeconômicos.
Recorrentemente ressaltada por especialistas, a ausência de fortes elos entre a academia e o setor empresarial é uma das deficiências de nosso sistema de inovação brasileiro. Mas esta é uma situação que tem progredido e, em muitos casos, não é tão aguda como parece. Esta é a mensagem do artigo do diretor da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, intitulado “Benchmarking university/industry research collaboration in Brazil”.
Além do trabalho do professor Brito, esta Carta IEDI também analisa o relatório da OCDE do final de 2019 intitulado University-Industry Collaboration: Evidence and Policy Option, que mostra que inúmeros países adotam políticas abrangentes para fortalecer os elos e impulsionar a troca de conhecimento entre ciência e indústria. São políticas nas quais o Brasil pode se inspirar.
A partir das evidências coletadas em estudos de caso realizados ao longo do período 2017-2018, a OCDE oferece uma visão abrangente de 21 instrumentos de política utilizados em seus países membros, de natureza financeira, regulatória e ditos “suaves”.
Ademais, também se discutem as principais tendências recentes, com destaque para a criação de spin-offs a partir de pesquisas acadêmicas, ênfase na cocriação de conhecimento, estabelecimento de organizações intermediárias para coordenar oferta e demanda de novas tecnologias e o surgimento de plataformas digitais.
Em seu artigo, Brito aprofunda o tema das relações entre universidades e empresas no Brasil utilizando quatro indicadores pouco explorados: a) gastos das empresas em apoio à pesquisa universitária, b) quantidade e intensidade de coautoria de universidades-empresas em artigos científicos, c) número de patentes depositadas e licenciadas e indicadores relacionados e d) número de empresas criadas por estudantes e professores universitários.
A partir da análise desses indicadores, Brito refuta a visão de que a interação entre universidades e empresas em pesquisa científica e tecnológica no Brasil seja incipiente, especialmente em alguns casos.
Exemplo disso é que a proporção dos recursos de empresas em relação aos aportes dos governos nos gastos com atividades de P&D na USP e na Unicamp (dados de 2016) é não apenas superior à média das universidades norte-americanas, como também as colocaria entre as 25 universidades dos Estados Unidos com as maiores despesas totais em P&D.
Segundo Brito, assim como a propriedade conjunta, o licenciamento de patentes é um importante instrumento de transferência de tecnologia para empresas e de obtenção de financiamento pelas universidades.
O aumento das atividades de patenteamento nas universidades tem sido um dos objetivos das políticas de inovação no Brasil. Como resultado, enquanto nos EUA se verifica depósito de uma patente para cada US$ 2,7 milhões em gastos com P&D, em média, essa relação é muito menor na Unicamp (40% inferior) e USP (11% inferior).
Embora haja pouca informação a respeito, o surgimento de startups dentro de universidades brasileiras é outra realidade no país. Dados para o ano de 2016 mostram que, em conjunto, as empresas originadas na Unicamp sustentam 28 mil empregos, geram receitas anuais da ordem de R$ 3 bilhões e mais de ¼ delas (26%) possui escritório no exterior.
Brito mostra que, ao menos, a Unicamp não deixa nada a desejar em comparação com universidades dos EUA, apresentando alta relação entre sua atividade de startup e os gastos de P&D (proxy da atividade inovadora e da vitalidade da instituição).
Outro dado que sugere maior integração universidade-empresas é o número de artigos em coautoria como porcentagem do total da produção científica das universidades no Brasil, que tem crescido de forma consistente ao longo dos anos, mas permanece distante do patamar das universidades norte-americanas.
O autor apresenta uma lista com as 40 empresas com maior número de artigos em coautoria com pesquisadores das universidades brasileiras no período 2011-2017. Entre essas, apenas 15 são brasileiras, com destaque para Petrobras na 1ª posição (1.050 coautorias) e a Vale na 7ª, Eletrobrás na 9ª, Fibria em 11ª e Embraer na 14ª posição.
Em sua avaliação, o predomínio das empresas estrangeiras nessa lista reflete o pequeno número de empresas brasileiras com atividades avançadas de P&D e, ao mesmo tempo, revela que as universidades brasileiras possuem capacidade de pesquisa internacionalmente competitiva e de última geração para atrair o interesse de parceiros estrangeiros e para contribuir para o P&D industrial.
Em síntese, o estudo de Brito aponta para a conclusão de que o volume de P&D do setor empresarial brasileiro é pequeno quando comparado ao dos países desenvolvidos, assim como o número de pesquisadores empregados pela indústria.
Essas disparidades limitam o potencial de interação frutífera universidade-empresa, reduzindo a capacidade do setor empresarial brasileiro de absorver avanços inovadores e se envolver com pesquisadores de universidades. Porém, a colaboração de pesquisa entre universidade e indústria está bem estabelecida e tem aumentado no decorrer do tempo.
Aproximando Universidades e Empresas: evidência da OCDE
Inúmeros países adotam políticas abrangentes para fortalecer os elos e impulsionar a transferência de conhecimento entre ciência e indústria de modo a estimular a inovação, como mostra o recém-divulgado relatório da Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), University-Industry Collaboration: Evidence and Policy Option, objeto dessa Análise IEDI.
A partir das informações coletadas em estudos de caso realizados ao longo do período 2017-2018 pelo Grupo de Trabalho sobre Política Tecnológica e de Inovação, o relatório oferece, em seus capítulos 4 e 5, um panorama de 21 instrumentos de política utilizados nos países-membro da OCDE, bem como discute as tendências recentes nos enfoques das políticas, com destaque para a promoção da criação de spin-offs a partir das pesquisas acadêmicas.
Instrumentos de política para a promoção de transferência de conhecimento
Os principais instrumentos de políticas utilizados nos países da OCDE para apoiar a transferência de conhecimento entre ciência e indústria podem ser classificados em três amplas categorias:
• Instrumentos financeiros, que incluem diferentes tipos de transferência de recursos do Estado para empresas, universidades ou institutos públicos de pesquisa (IPP), condicionados a colaboração entre eles.
• Instrumentos regulatórios fornecem incentivos às diferentes partes envolvidas na transferência de conhecimento entre ciência e indústria, incluindo leis que afetam a carreira dos pesquisadores, o financiamento das universidades e a propriedade de direitos de patentes,
• Instrumentos ditos “suaves” se referem a modos menos intervencionistas de política públicas focados na facilitação de relacionamento e abrangem a mobilização, criação de rede de contato, integração e construção de confiança.
Os instrumentos de política diferem em diversos outros aspectos, tais como o grupo alvo (empresas, universidades/IPPs, pesquisadores), o canal principal de transferência de conhecimento abordado e a orientação da política (demanda ou oferta).
De acordo com a OCDE, a transferência de conhecimento das universidades e IPPs para as empresas se dá por meio de canais formais e informais. Os canais formais incluem: spin-offs acadêmicos, pesquisa colaborativa, contratos de pesquisa, patenteamento e licenciamento de invenções de universidades, consultoria acadêmica, mobilidade dos pesquisadores. Já os canais informais de interação abrangem a criação de redes de contato conferências, educação continuada fornecida pelas universidades às empresas etc.
Os tipos de instrumentos utilizados nos países da OCDE são normalmente bastante similares. Essa convergência é resultado do aprendizado com os pares e da difusão de políticas, incluindo recomendações de organismos internacionais e trocas de informação entre países.
Todavia, de acordo com o relatório da OCDE, se observa significativa diferença entre os países no que se refere à importância atribuída a cada instrumento, seja em termos de orçamento, seja em termos de número de iniciativas, à concepção detalhada ou implementação de cada instrumento, em termos de grupos alvos, critério de elegibilidade, horizonte temporal, método de monitoramento, etc.
Por exemplo, programas competitivos de financiamento de projetos de P&D colaborativos são amplamente empregados nos países da OCDE, mas se observa grande variação em termos de orçamento, duração da subvenção, beneficiário direto, critério de seleção. A abordagem mais comum é oferecer uma subvenção máxima superior a 1 milhão de euros (40% dos casos) ao longo de 25-36 meses (75% dos casos), mas alguns países oferecem subvenções menores por um período mais curto.
No que se refere à promoção da mobilidade de pesquisadores, alguns países focam na mobilidade das empresas para universidades, outros das universidades para as empresas e outros estimulam ambas simultaneamente. Alguns programas oferecem subsídios financeiros, mas as condições variam entre os países no que se refere à proporção do salário subsidiado e a média de duração do subsídio.
Alguns países também oferecem vouchers de inovação para promover pesquisa contratual e consultoria acadêmica. Porém, os formatos dos vouchers variam consideravelmente, tanto em termos do montante como do critério de elegibilidade. Em muitos países, o foco reside na concessão de vouchers para PMEs sob a condição de que contratem serviços de provedores certificados de conhecimento nas universidades ou IPPs.
As diferenças observadas entre os países refletem distintos estilos de execução de políticas, que podem ser explicados ou refletir o contexto específico do país em termos do nível de desenvolvimento, tamanho intensidade do P&D etc. Em particular são importantes os seguintes fatores: característica do setor empresarial, características das universidades e IPPs, condições macroeconômicas, maturidades dos elos entre ciência e indústria.
Tendências e enfoques recentes
A natureza dinâmica do leque de instrumentos de política utilizado pelos países foi observada em vários estudos de caso realizados pela OCDE nos anos recentes. Entre as tendências identificadas destacam:
i) o apoio crescente dos formuladores de política aos novos modos de cocriação de ciência-indústria que empurram a fronteira dos modelos lineares de transferência de conhecimento tradicionais;
ii) as políticas de transferência de conhecimento estão se adaptando ao novo contexto criado pelo avanço da digitalização;
iii) as políticas de transferência de conhecimento estão crescentemente assumindo uma dimensão internacional;
iv) novas práticas estão sendo adotadas para impulsionar a criação de empresas (spin-offs) derivadas de tecnologia desenvolvida em universidades e IPPs.
Segundo a OCDE, cada vez mais predomina o entendimento de que as relações entre universidades/IPPs e a indústria são interativas e bidirecionais. A cocriação (ao invés de simples transferência) de conhecimento por empresas e instituições de pesquisa é fundamental para permitir que os ecossistemas de inovação se beneficiem otimamente da pesquisa científica.
Cocriação significa que as relações ciência-indústria mais intensas são construídas à medida que o conhecimento é desenvolvido em conjunto através de instalações compartilhadas e equipes mistas. O envolvimento direto do governo e da sociedade civil também é uma característica de várias estruturas ambiciosas de cocriação de conhecimento.
Iniciativas relevante de cocriação de conhecimento incluem laboratórios de pesquisa conjuntos e projetos de pesquisa conjunta, o estabelecimento de novas instituições intermediárias e o desenvolvimento de novas diretrizes para o gerenciamento de propriedade intelectual. Inúmeros países da OCDE estão promovendo o desenvolvimento conjunto de laboratórios conjuntos de pesquisa e parceria público privada para cocriação de conhecimento.
Os exemplos destacados no relatório incluem, entre outros: o Centros Catapultas lançados em 2015 no Reino Unido, que reúnem cientistas, engenheiros e empresários para trabalhar nos estágios finais das atividades de P&D em áreas estratégicas; Laboratórios colaborativos (CoLab) de Portugal, criados em 2018, que integram atividades de pesquisa de universidades, laboratórios públicos, organizações intermediárias, empresas e associações empresariais; o programa LabCom da França, lançado em 2013, para apoiar a criação de laboratórios conjuntos para empresas, universidades e IPPs; o programa Centros para Educação Superior e Cooperação industrial (FIEK) lançado em 2017 na Hungria para encorajar novos modelos organizacionais para os vínculos de longo prazo entre empresas e universidades
O relatório também destaca que, mais recentemente, alguns países têm desenvolvidos novos tipos de escritórios de transferência de tecnologias (ETTs), com ênfases regionais ou setoriais, baseados na associação de diversas instituições que agrupam serviços para melhorar a qualidade e eficiência do apoio aos diferentes estágios do ciclo de comercialização das pesquisas. Experiências recentes ilustrativas dessas tendências foram verificadas no Chile, na França e na Colômbia. Outros países criaram organizações intermediárias especializadas nas necessidades das pequenas e médias empresas (PMEs). Esses foram os casos do Canadá (Centros de Acesso Tecnológico) e da Coreia do Sul (Plataforma de Comercialização de Patentes).
Além de parcerias estratégicas de pesquisa de longo prazo, a cocriação pode envolver outros canais de transferência de conhecimento, tais como a mobilidade do capital humano. Isso implica criar condições que permitam a mobilidade de duas vias e de porta giratória para os pesquisadores das universidades e dos IPPs ingressar temporariamente na indústria e para que pesquisadores do setor industrial participarem temporariamente das atividades da universidade. Alguns mecanismos para alcançar esses objetivos incluem programas de doutorado industrial baseados em supervisão conjunta e cofinanciamento; períodos sabáticos para professores; alocação profissional para professores universitários e cátedras de professor adjunto para profissionais da indústria.
Outa tendência recente observada pela OCDE é a progressiva abertura e diversificação dos ecossistemas de inovação em consequência das facilidades geradas pela transformação digital. As empresas estão se engajando crescentemente em interações com instituições de pesquisas e outras empresas por três razões principais.
• Em primeiro lugar, porque isso permite que elas obtenham acesso e exposição a um conjunto mais rico de conhecimentos e habilidades complementares às suas próprias competências (por exemplo, análise de dados). O acesso a tal talento é crítico, pois as inovações na era digital são complexas e requerem novas combinações de habilidades.
• Em segundo lugar, essas colaborações permitem compartilhar os custos e os riscos do investimento incerto na inovação digital. As empresas muitas vezes enfrentam diversos caminhos potenciais de desenvolvimento de pesquisa e tecnologia, cujo domínio requer investimento de escala elevada com resultados incertos. Engajar-se com os outros é uma maneira de se expandir em diferentes áreas, compartilhando coletivamente os custos.
• Terceiro, os custos reduzidos de comunicação permitem interações mais densas entre os atores engajados na inovação (por exemplo, empresas, instituições públicas de pesquisa), independentemente de sua localização.
Novas plataformas digitais – estruturas baseadas na internet que organiza a interação entre diferentes atores – facilitam a união entre parceiros acadêmicos e industriais, complementando assim o papel dos ETTs.
Nessas plataformas, as universidades e os institutos públicos de pesquisas podem divulgar suas invenções, conhecimentos e capacidades e as empresas podem anunciar suas necessidades particulares. Os dois lados podem então interagir e fechar contratos. Essas plataformas são particularmente úteis para os pequenos empreendedores, uma vez que permitem identificar nichos de mercado.
Ademais, com avanço das tecnologias digitais, os resultados e dados da pesquisa estão se tornando mais facilmente e livremente disponíveis por meio de dados abertos e práticas de acesso aberto, enquanto as interações da ciência e da sociedade civil são melhoradas mediante a ciência aberta. Esses desenvolvimentos estão influenciando os mecanismos de transferência de conhecimento entre indústria e ciência e exigem novas abordagens políticas.
De acordo com a OCDE, as políticas de transferência de conhecimento nos seus países membros estão adotando um escopo internacional mais forte ao conectar-se à rede global de inovação e construir a massa crítica necessária para lidar com os desafios globais, como a mudança climática. O relatório destaca os exemplos da Parceira de Pesquisa Cientifica e Tecnológica para o Desenvolvimento Sustentável que financia cooperação em ciência e tecnologia entre o Japão e os países em desenvolvimento e das Iniciativas Programáticas Conjuntas da União Europeia.
Promoção de spin-off. A criação de empresas derivadas de tecnologia desenvolvida em universidades ou instituições públicas de pesquisa é canal importante para a transferência de conhecimento. Segundo a OCDE, a dinâmica das spin-offs é vista como um fator crítico da competitividade nacional na economia baseada no conhecimento. Por essas razões, a promoção de spin-offs acadêmicos tem atraído a atenção dos países da OCDE como um meio de transferir rapidamente novos conhecimentos científicos para uso comercial.
Esquemas de financiamento específicos foram introduzidos, incubadoras e parques científicos criados, e esquemas de incentivos para criar e trabalhar em spin-offs. De acordo com a OCDE, universidades e IPPs também investiram na promoção de spin-off tanto como fonte de receita como oportunidade de maiores retornos.
Segundo a OCDE, a política de apoio aos spin-offs pode beneficiar não somente os setores de alta tecnologia, como TIC, farmacêutica e aeronáutica, mas também os setores mais tradicionais, como agricultura, turismo e têxteis. De fato, a dinâmica de spin-off em torno de aplicações de tecnologias digitais, big data e inteligência artificial pode abranger uma variedade de setores industriais. Novos desdobramentos baseados em aplicações de tais tecnologias em setores tradicionais podem contribuir muito para a economia, desenvolvendo novos nichos de mercado, construindo novas redes e aumentando a produtividade das empresas.
Em vários países da OCDE, nos últimos anos, as políticas de suporte à criação de novas empresas por pesquisadores estão se concentrando nos estágios mais avançados do ciclo de vida dos spin-offs, em razão da preocupação crescente com crescimento e sustentabilidade, dado que apenas uma pequena proporção desses empreendimentos se transforma em empresas de alto crescimento, contribuindo para o crescimento econômico e geração de empregos.
Portanto, as abordagens recentes de política priorizam a qualidade dos spin-offs, fornecendo apoio firme àqueles com forte potencial. Também maior atenção está sendo concentrada na promoção de iniciativas de criação de empresas por estudantes e pesquisadores em início de carreira (pós-doc) e não somente nas iniciativas de professores e cientistas já estabelecidos.
Nos estudos de caso realizados com uma amostra de seis organizações de tecnologia e pesquisas aplicadas (OTPs) que se dedicam ao desenvolvimento e à transferência de ciência e tecnologia para a indústria _ Comissariado de Energia Nuclear (CEA) na França, o Fraunhofer na Alemanha, o Centro Tecnológico da Catalunha (Eurecat) e o Tecnalia, ambos na Espanha, a Organização Holandesa de Pesquisa Científica Aplicada (TNO) e Centro de Pesquisa Técnica da Finlândia (VTT) _ a OCDE constatou o desenvolveram novos programas para promover os spin-offs e o aumento substancial dos investimentos desses organizações em tais empresas. As seguintes linhas de apoio sequenciais são oferecidas por essas instituições em seus esforços para estimular a criação de spin-offs de sucesso:
• Sensibilização e treinamento especializado em empreendedorismo para os funcionários da OTPs.
• Rodadas regulares de apresentações por equipes de pesquisa para identificar o desenvolvimento técnico relevante e selecionar os projetos mais promissores.
• Programas internos de incubação de empresas para projetos selecionados, incluindo treinamento especializado, coaching, tutoria; criação de rede com agentes externos (por exemplo, fundos de capital de risco, business angels, potenciais clientes ou parceiros, etc.) e subvenções específicas (por exemplo, para patenteamento, prova de conceito ou desenvolvimento de protótipos).
• A possibilidade de spin-offs se beneficiarem do espaço de escritório dentro da instituição após a criação da empresa, durante um determinado período e sob condições econômicas variáveis dependendo da instituição.
• Em alguns casos, as OTPs assumem participação acionária na nova empresa, fazendo uma contribuição monetária ou em espécie.
Recomendações Principais. A OCDE ressalta que, quando os governos adotam novos instrumentos de política para promover a cocriação de conhecimento, inovações digitais e spin-offs acadêmicos, o impacto desses instrumentos depende não somente de suas próprias características, mas também das outras políticas em vigor.
Diferentes instrumentos de política podem reforçar e complementar uns aos outros quando utilizados simultaneamente. Porém, podem igualmente resultar em contradições, se um instrumento reduz a eficácia de outros, e/ou em excessiva complexidade, casos em que o emprego de muitos instrumentos confunde o público-alvo ou resulta em aumento das dificuldades operacionais e dos custos administrativos.
De acordo com a OCDE, para aumentar o impacto da transferência de conhecimento, os governos devem levar em consideração ao formular e desenhar as políticas as seguintes recomendações:
• Transferência de conhecimento deve ser adaptada e responder às necessidades específicas da indústria e da pesquisa, uma vez que a relevância dos diferentes canais de transferência de conhecimento varia entre os países, setores científicos e setores da indústria, bem como ao longo do tempo com a maturidade dos vínculos entre ciência e indústria. Isso significa que, ao formular políticas de transferência de conhecimento, os países precisam considerar suas estruturas econômicas e institucionais específicas, incluindo o nível de desenvolvimento socioeconômico, condições macroeconômicas, intensidade do P&D, especialização industrial, características das universidades e institutos de pesquisa e suas áreas fortes de pesquisa pública, entre outros fatores.
• As políticas devem apoiar as instituições de pesquisa públicas no desenvolvimento de atividades de transferência de conhecimento que estejam alinhadas com sua força de pesquisa. A ênfase exagerada em canais específicos, como registro de patentes, pode negligenciar certos pontos fortes, como o potencial para promover o empreendedorismo empresarial e o spin-off acadêmico.
• Universidades e institutos públicos de pesquisa devem aproveitar as oportunidades para a transferência de conhecimento proporcionada pelas tecnologias digitais, novas ferramentas como as comunidades online de especialistas, chamadas públicas e informações coletivas podem ser utilizadas para facilitar a correspondência entre oferta e demanda de inovação.
• Formuladores de política precisam considerar as interações entre os instrumentos de política quando desenham e avaliam as políticas de transferência de conhecimento, com intuito de fortalecer as sinergias e reduzir as redundâncias e contradições potenciais. As combinações de políticas também precisam ser simplificadas para evitar confusões para os grupos alvos dessas políticas e reduzir o custo de execução.
• As políticas devem apoiar formas estratégicas de cocriação orientadas para o longo prazo. Novas abordagens políticas para promover os laços entre ciência e indústria são mudanças progressivas do modelo linear de curto prazo de transferência de conhecimento entre indústria e pesquisa em apoio a prioridades econômicas, e em direção a um modelo interativo de longo prazo de cocriação de conhecimento que envolva várias partes interessadas da indústria, sociedade civil, pesquisa e governo.
• Regulamentações nacionais devem dotar as universidades e os institutos públicos de pesquisa com autonomia para organizar suas atividades de intercâmbio de conhecimento, de modo que estas sejam mais direcionadas às suas necessidades e pontos fortes. Igualmente, os regulamentos deveriam ser revistos para facilitar a participação da indústria e da sociedade civil nos conselhos diretores das universidades e institutos públicos de pesquisa e promover a consulta a partes interessadas nos processos decisórios dessas instituições.
Os avanços do Brasil
O professor Carlos Henrique de Brito Cruz, atual diretor científico da Fapesp, analisou as relações entre universidade e empresas no Brasil em seu artigo “Benchmarking university/industry research collaboration in Brazil”, publicado no livro “Innovation in Brazil: Advancing development in the 21st century”, lançado em 2019 e organizado por Elisabeth Reynolds e outros pesquisadores do Centro de Desempenho Industrial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (IPC/MIT).
Nesse artigo, o professor Brito faz uso de quatro indicadores, pouco explorados no Brasil, para avaliar o estado das relações entre universidades e empresas no Brasil:
a. gastos das empresas em apoio à pesquisa universitária,
b. quantidade e intensidade de coautoria de universidades / empresas em artigos científicos,
c. número de patentes registradas e indicadores relacionados e
d. número de empresas criadas por estudantes e professores universitários.
A partir da análise desses indicadores em perspectiva comparada, o autor refuta algumas visões equivocadas compartilhadas por muitos no governo e na academia. A primeira é que a interação entre universidades e empresas em pesquisa científica e tecnológica no Brasil ainda é incipiente. A segunda é que o licenciamento de patentes para empresas poderia gerar recursos suficientes para substituir o funding governamental para as atividades de pesquisas nas universidades, o que não ocorre nem nos Estados Unidos.
Pesquisa patrocinada pela indústria
O volume de recursos financeiros alocados anualmente pelo setor industrial às universidades para apoiar as atividades de pesquisa é um indicador da intensidade da pesquisa colaborativa universidade/indústria.
O autor ressalta que, em muitas universidades, os contratos para pesquisas patrocinadas não somente complementam os recursos governamentais como também apoiam a exploração acadêmica em novas promissoras áreas de pesquisa.
A pesquisa colaborativa de universidades e empresas desempenha igualmente um papel importante no treinamento de estudantes e pós-doutores, especialmente nas áreas de ciências aplicadas.
Nos Estados Unidos e Europa, as universidades possuem escritórios de pesquisa patrocinada que ajudam a identificar e desenvolver oportunidades para pesquisas conjuntas com a indústria. No Brasil, as universidades mais orientadas à pesquisa têm organizado agências de inovação (ou núcleos de tecnologia inovadora) com este propósito.
Para as universidades brasileiras, os recursos para pesquisa provenientes da indústria são particularmente interessantes, dado a maior flexibilidade na utilização comparativamente aos recursos governamentais.
Organizações governamentais, como Finep, Fapesp e Embrapii, possuem programas para fomentar a colaboração entre a universidade e a indústria, oferecendo recursos a serem igualados pela indústria e pela universidade que hospeda as atividades de pesquisa.
A partir de dados do Anuário Estatístico da Unicamp, do Centro de Estatística para Ciência e Engenharia da National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, séries estatísticas especiais da USP e relatórios do MIT para o Departamento do Tesouro norte-americana, o autor apresenta a proporção dos recursos empresariais (E) em relação aos aportes dos governos (G) nos gastos com P&D para as 25 principais universidades americanas orientadas à pesquisa e para USP e Unicamp no ano de 2016.
Assim, mostra que a proporção dos recursos de empresas em relação aos aportes dos governos nos gastos com atividades de P&D na USP e na Unicamp é não apenas superior à média das universidades norte-americanas e encontra-se na mesma faixa do MIT, mas também coloca essas universidades, que são as mais fortes em termos de pesquisa no Brasil, em uma boa posição em relação às 25 universidades dos Estados Unidos com as maiores despesas em P&D. Apenas seis universidades norte-americanas têm índices E/G acima do índice da Unicamp de 14%.
Na avaliação de Brito, embora não haja dados disponíveis, é muito provável que outras universidades orientadas à pesquisa no Brasil, como ITA, UFSCAR, UFRJ, UFSC e UFMG, apresentem um nível semelhante de interação universidade / indústria ao da USP e Unicamp. De qualquer modo, mesmo utilizando esse indicador com a devida cautela, os resultados encontrados para USP e Unicamp demostram que é incorreto afirmar que no Brasil há pouca colaboração entre universidades e empresas.
Coautoria em artigos científicos
O número de artigos em coautoria de pesquisadores universitários e do setor empresarial é outro indicador disponível para mensurar a colaboração entre universidade e indústria.
A partir dos dados do Web of Science (WoS), Brito mostra que o volume de artigos em coautoria com pesquisadores de empresas como porcentagem do total da produção científica das universidades tem crescido no Brasil.
A evolução da coautoria universidade/empresa como proporção do total de artigos publicados nas 5 universidades brasileiras com os maiores números de artigos em coautoria com o setor corporativo apresenta crescimento consistente para USP, Unicamp e UFSC ao longo de vários anos, enquanto a UFRJ registra um forte aumento após 2013, praticamente dobrando essa participação em apenas 4 anos. O ITA registra a proporção mais elevada (em torno de 6%), com um aumento acentuado após 2007, embora com um pequeno número total de publicações (apenas 188 em 2016).
Em relação às universidades brasileiras, o autor destaca a singularidade da UFRJ que registra uma alta taxa de colaboração com a Petrobras, que representa 34% do total de artigos em coautoria com pesquisadores do setor industrial (17% para o conjunto das universidades brasileiras da amostra). Esse resultado pode ser explicado pela proximidade geográfica entre o setor de pesquisa da Petrobras e o COPPE, centro de tecnologia da UFRJ.
No que se refere especificamente ao estado de São Paulo, entre 2015 e 2017, o percentual de 2,5% de artigos em coautoria com empresas para universidades paulistas foi semelhante à participação encontrada em 28 países europeus e acima da participação da Espanha e da base de referência global. Por outro lado, a participação do Brasil está muito aquém do percentual encontrado na França e na Alemanha.
Comparando as taxas de coautoria universidade/indústria para universidades brasileiras e norte-americanas selecionadas no período 2015-2017, o autor destaca que mesmo para um país com forte tradição de pesquisa colaborativa entre universidades e empresas, como os Estados Unidos, esse indicador apresenta grande variação.
Com participação de coautoria da ordem de 11% do total de artigos, o MIT tem a maior taxa da amostra. Entre as universidades americanas selecionadas, a menor taxa (4%) é a da Texas Tech University (TTU). Entre as universidades brasileiras da amostra, as taxas variam de 1,7% na Unesp a 4,4% no ITA.
Segundo Brito, as diferenças significativas entre as universidades americanas e brasileiras refletem, sobretudo, os distintos ambientes em que essas universidades operam. Além disso, enquanto o setor corporativo no Brasil empregava 39.364 pesquisadores em 2014, nos Estados Unidos o número de pesquisadores nas empresas estava próximo de 960 mil nesse mesmo ano. Ou seja, nos Estados Unidos, o número de possíveis coautores da indústria é 16 vezes maior do que no Brasil.
No estudo, é apresentada ainda a relação das 40 empresas com maior número de artigos em coautoria com pesquisadores das universidades brasileiras no período 2011-2017. Entre essas, apenas 15 são brasileiras, com destaque para Petrobras na 1ª posição (1050 coautorias) e a Vale na 7ª, Eletrobrás na 9ª, Fibria em 11ª e Embraer, 14ª.
Na avaliação do autor, o predomínio das empresas estrangeiras na lista das 40 empresas com maior número de artigos em coautoria com pesquisadores acadêmicos reflete o pequeno número de empresas brasileiras com atividades avançadas de P&D.
Ressalta-se que a predominância estrangeira também revela que as universidades brasileiras possuem atividade de pesquisa internacionalmente competitiva e de última geração para atrair o interesse de parceiros estrangeiros e para contribuir para o P&D industrial, capacitação que tem sido percebida mais pelas companhias estrangeiras do que pelas brasileiras.
Brito pondera, entretanto, que a estratégia protecionista que domina a política econômica brasileira há décadas pode estar afastando as empresas brasileiras das cadeias de valor globais e reduzindo sua capacidade ou interesse em buscar P&D inovador e avançado.
Intensidade da copropriedade em patentes e licenciamentos
As patentes são a principal ferramenta para medir inovações. O aumento das atividades de patenteamento nas universidades tem sido um dos objetivos centrais de muitas das políticas de inovação implementadas no Brasil nas últimas duas décadas.
As patentes também são instrumentos úteis para facilitar a interação universidade/indústria, seja mediante a propriedade conjunta, seja mediante o licenciamento de patentes pertencentes à universidade.
A quantidade de patentes depositadas é o indicador mais utilizado para demonstrar a contribuição das universidades para a inovação. Porém, em razão da grande diferença do ambiente institucional das universidades brasileira vis-à-vis suas congêneres norte-americanas no que se refere à flexibilidade de contratação de pesquisadores, o autor prefere utilizar, para efeito de comparação, um indicador que relaciona a quantidade de patentes depositadas com os gastos de P&D realizados pelas universidades.
Nas universidades norte-americanas, em média, verifica-se o depósito de uma patente para cada US$ 2,7 milhões em gastos com P&D. Os dados para as universidades paulistas revelam uma relação muito mais baixa de quantidade de patentes depositadas com os gastos de P&D realizados. A Unicamp e USP registram, respectivamente, 40% e 11% da média das universidades norte-americanas.
Outro indicador relevante da transferência de inovações tecnológicas da universidade para o setor empresarial é número de patentes nas quais universidades e empresas compartilham a titularidade.
Segundo o autor, os dados do INPI para universidades brasileiras selecionadas mostram que, no período 2004-2008, a Unicamp compartilhou com empresas 15 das 272 patentes depositadas, na USP 14 entre as 256 patentes foram compartilhadas com empresas, na UFMG, 7 entre 157 patentes e na UFRJ, 6 das 141 patentes registradas.
Um terceiro indicador relacionado à propriedade intelectual é o percentual de patentes licenciadas e o montante de receita obtida com o licenciamento. Segundo Brito, esta questão é muito mal compreendida no Brasil. Tanto no governo como na academia inúmeras pessoas têm a impressão equivocada de que a maioria das universidades norte-americanas ganha muito dinheiro com o licenciamento de propriedade intelectual.
Utilizando dados da pesquisa da Associação de Gerentes de Tecnologia das Universidades (AUTM) realizada em 2016 com 164 universidades norte-americanas, o autor destaca que cerca de metade das universidades participantes obtiveram receita bruta de licenciamento inferior a 1% de suas despesas com P&D naquele ano, 70% obtiveram receita abaixo de 2% e apenas três obtiveram receitas acima de 20% de suas despesas em P&D.
Naquele mesmo ano, a Unicamp, única universidade com dados disponíveis sobre receita com licenciamento de patente, o percentual foi de 0,2% das suas despesas com P&D.
Em sua visão, o licenciamento é um importante instrumento de transferência de tecnologia. Porém, é um erro considerar que as receitas com licenciamento possam substituir os recursos públicos no financiamento das atividades de pesquisas.
Startups criadas no ambiente universitários
O número de empresas criadas por estudantes universitários, docentes e funcionários é um outro indicador útil para certos aspectos da colaboração em pesquisa.
Diferentemente da pesquisa conjunta com a indústria que, em geral, envolve empresas de grande e médio porte, a constituição de startups concentra-se em interações e oportunidades que envolvem pequenas empresas.
No Brasil, há pouca informação disponível sobre as empresas criadas a partir de pesquisas nas universidades. Segundo Brito, a Unicamp, que mantém a mais completa base de dados de startups lançadas desde 1974, é uma exceção.
Nesta universidade, as principais atividades de startups ocorrem nas áreas de tecnologia de informação e de engenharia. Dados para o ano de 2016 mostram que, em conjunto, as empresas originadas na Unicamp sustentam 28 mil empregos, geram receitas anuais da ordem de R$ 3 bilhões. Mais de ¼ delas (26%) possui escritório no exterior.
A partir dos dados da AUTM e do Anuário Estatístico da Unicamp para o ano de 2016, o autor compara a atividade de startup na Unicamp e nas universidades norte-americanas em correlação com os gastos de P&D, utilizando esses últimos como proxy da atividade inovadora e da vitalidade de cada instituição. Ele ressalta que a Unicamp se sai bastante bem no cotejo com as universidades norte-americanas.
Na avaliação do autor, o fato de as universidades brasileiras não exigirem, até o momento, que estudantes ou professores compartilhem propriedade ou royalties de empresas criadas como resultado de seu trabalho na universidade pode impulsionar formação de novas empresas de base tecnológica no país.
Contudo, no que se refere ao desempenho das startups, em particular o seu crescimento ao longo do tempo, o ambiente de capital de risco no Brasil é um importante limitador. O mercado de capital de risco nos Estados Unidos mobilizou mais de US$ 70 bilhões em 2017, enquanto no Brasil foram mobilizados modestos R$ 8,3 bilhões.