Carta IEDI
Políticas de Mitigação dos Impactos Econômicos do Coronavírus: experiência internacional e Brasil
O presente levantamento pretende sistematizar e informar o leitor sobre como diversos países vêm agindo para minimizar os efeitos econômicos da pandemia do Coronavírus. Reúne cinco países além do Brasil: Alemanha, China, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido. Não avaliamos o impacto dessas políticas nacionais, nem fizemos juízo de valor a respeito delas, mas sim apontamos os eixos e as ações centrais de cada uma delas.
A pandemia do coronavírus (COVID-19), que se iniciou na China e se espraiou rapidamente para todos os continentes, vem sendo enfrentada pelos países com medidas de isolamento social, em graus variados, para conter o avanço exponencial do contágio e a sobrecarga dos sistemas nacionais de saúde.
Embora essencial, segundo as autoridades sanitárias, o isolamento social acentua a limitação ou até mesmo suspende a atividade econômica, o que afeta a oferta de bens e serviços e causa ruptura das cadeias de suprimento de insumos. Diante deste quadro, governos e bancos centrais estão adotando medidas para assegurar a viabilidade das empresas, preservar empregos e sustentar a renda da população.
A Carta IEDI de hoje sistematiza ações de política monetária, macroprudencial e fiscal implementadas até o momento. Em função da progressão da pandemia e de seus efeitos econômicos, o rol de ações está em constante alteração, sobretudo naqueles casos em que se optou por não adotar planos ambiciosos desde o início. Por isso, cabe alertar que esta Carta utilizou informações disponíveis somente até o dia 01/04/20.
Os principais bancos centrais do mundo colocaram em prática os ensinamentos da crise global de 2008 e vêm reagindo de forma rápida e intensa nos mercados financeiros, tentando estabelecer algum nível de coordenação internacional e consolidando práticas de atuação que desenvolveram no período anterior de turbulência, a exemplo dos programas de quantitative easing (QE).
De modo geral, as medidas adotadas pelas autoridades monetárias buscam fornecer liquidez adicional para os bancos e para os mercados financeiros, garantir que o sistema bancário permaneça resiliente e assegurar a manutenção dos fluxos de crédito para as empresas e famílias.
Nos EUA, o Federal Reserve (Fed) saiu na frente na adoção de medidas de estímulo monetário, trazendo sua taxa básica de juros e a de redesconto para próximo de zero, no dia 15/03/20, e por meio de outras medidas injetou US$ 3 trilhões em liquidez adicional na economia norte-americana.
Além disso, entre 15/03 e 19/03, o Fed acordou uma redução do custo de swaps de liquidez em dólares em linhas que mantém com os principais bancos centrais do mundo (Banco do Canadá, da Inglaterra, Banco Central Europeu, Banco do Japão e Banco Nacional da Suíça) e ampliou temporariamente estas linhas para outros países como Austrália, Brasil, Dinamarca, Coréia, México, Nova Zelândia, Noruega, Singapura e Suécia.
Diferentemente do que ocorreu na crise de 2008, o Banco Central Europeu (BCE) também agiu com rapidez e expressividade, adotando medidas como a oferta de € 3 trilhões em liquidez por meio das operações de refinanciamento, para que os bancos possam continuar emprestando, e a criação do Programa de Compra de Emergência Pandêmica, para adquirir ativos no montante de até € 750 bilhões.
No Brasil, o Banco Central (BCB) também agiu com os instrumentos à sua disposição: reduziu a taxa básica de juros para 3,75% ao ano e introduziu um amplo conjunto de medidas, aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional, nas áreas monetária e macroprudencial para aumentar a capacidade dos bancos em conceder crédito, facilitar a renegociação das dívidas e ampliar a liquidez do sistema financeiro. Em conjunto, essas medidas têm um impacto potencial estimado em R$ 1,2 trilhão.
O BCB também busca aprovação no Congresso para que possa adquirir diretamente títulos privados, lhe permitindo adotar programa de QE como outros bancos centrais. Na ausência deste instrumento, os bancos públicos são um meio para evitar o empoçamento da liquidez criada e ampliar o acesso aos recursos por empresas e famílias.
Outros países cuja institucionalidade conta com a presença de bancos públicos, como a Alemanha, também estão fazendo uso deles. Entre outras ações, o alemão KfW foi autorizado a emprestar com garantia estatal até € 550 bilhões às empresas no âmbito do pacote intitulado Escudo de Proteção às Empresas e aos Trabalhadores.
Ao lado dos estímulos monetários, os países têm adotado medidas fiscais importantes, com grande ampliação de gastos públicos. Em alguns casos, os governos romperam com sua tradição na busca por equilíbrio fiscal.
No âmbito na União Europeia, o recurso à cláusula geral de escape no Pacto de Estabilidade e Crescimento abriu caminho para que a Espanha anunciasse o maior pacote de estímulo econômico de sua história (€ 200 bilhões). Na Alemanha, foi proposta a suspensão do chamado “freio da dívida”, para financiar por meio do endividamento a ampliação adicional do gasto público.
Na China, durante o surto, foram adotadas dedução de impostos e isenção de taxas para empresas e contribuintes de setores relevantes. Quando a epidemia começou a diminuir, o governo central se concentrou em ações para reativar a economia. O isolamento social da região da cidade de Wuhan pode não apenas ter contribuído para evitar maior disseminação do covid-19 em território chinês, mas também ter limitado a magnitude das medidas econômicas adotadas relativamente a seu PIB, chegando a 2,5% segundo estimativas de analistas.
No Ocidente, alguns países, como Alemanha e do Reino Unido, adotaram mais cedo ações significativas de estímulo fiscal, enquanto em outros, como Estados Unidos e Brasil, a reação se deu depois. De modo geral, os meios utilizados foram o diferimento de impostos, a transferência de renda a famílias e empresas, garantia pública de empréstimos, subsídios para o pagamento de parte dos salários, reforço dos gastos em saúde e pesquisa científica. Os países mais ambiciosos na proteção do nível de atividade ampliaram subsídios, previram injeção de capital em empresas etc.
Chama atenção também o ritmo de escalada dos programas fiscais anunciados. Em praticamente vinte dias, a reação dos EUA passou dos iniciais US$ 8,3 bilhões para US$ 2 trilhões em 25/03/20. No Reino Unido, foi de £ 30 bilhões para £ 414,2 bilhões em nove dias.
Entre as ações da Alemanha estão a cobertura pelo governo federal de 60% da remuneração dos empregados para as empresas em dificuldade que não demitirem (“Kurzarbeitergeld”), com liberação rápida de recursos; subvenções diretas e adiantamentos reembolsáveis de até € 800 mil por empresa afetada (“Bundesregelung Kleinbeihilfen 2020”) e a criação de um fundo de estabilização econômica da ordem de € 600 bilhões, principalmente para grandes empresas.
No Reino Unido, as empresas contam com garantias públicas de empréstimos, programa para fornecer subsídios para empresas até 80% dos salários dos trabalhadores com dotação, diferimento e cortes de impostos, entre outras ações.
A expressividade de todos estes planos de combate à crise do covid-19 deve ser realçada. Segundo estimativa do ING Bank, a Alemanha gastará com garantias e estímulos fiscais diretos algo como 30% de seu PIB. Reino Unido e Espanha, por sua vez, podem atingir entre 17% e 20% do PIB e os EUA, por enquanto, mobilizaram montante equivalente a 9,5% do PIB.
No Brasil, as medidas ainda estão sendo divulgadas e algumas delas dependem de aprovação do Congresso Nacional, devendo ainda ter definida a sua forma de implementação. Constam do rol de ações o diferimento do pagamento de impostos e contribuições federais, transferência de renda a trabalhadores informais e desempregados, ampliação dos beneficiários do Bolsa Família, compensações parciais do corte de rendimento das pessoas decorrente da redução de jornada de trabalho e salários.
O montante total de R$ 750 bilhões das medidas anunciado pelo Ministério da Economia, no final de março, não representa gastos públicos adicionais em sua integralidade, contabilizando também créditos disponibilizados, antecipação de despesas etc. A Tendências Consultoria estima que a expansão dos gastos anunciados até o momento chega a R$ 345 bilhões, o equivalente a 4,7% do PIB. Já a FGV avalia que os programas governamentais anunciados somam 5,2% do PIB e as medidas de crédito de natureza fiscal (exceto ações do Banco Central) representam 1,9% do PIB, totalizando 7,1% do PIB.
Introdução
A pandemia do Coronavírus (COVID-19), que se iniciou na China e se espraiou rapidamente para todos os continentes, vem sendo enfrentada com medidas de isolamento em graus variados. Embora seja essencial para conter o avanço exponencial do contágio e a sobrecarga dos sistemas nacionais de saúde, o isolamento está ocasionando limitação ou suspensão da atividade econômica, afetando tanto a oferta, com a ruptura das cadeias de suprimento de insumos, como a demanda de serviços e produtos e as expectativas dos agentes econômicos.
Os países reagiram em momentos distintos visando combater os efeitos da crise sanitária bem como seus inevitáveis impactos na renda e no emprego dos mais diversos setores da atividade econômica, com destaque para os setores de serviço e comércio varejista. Na China, as primeiras medidas de estímulo foram adotadas no começo de fevereiro, enquanto nos países ocidentais, as respostas às consequências econômicas da pandemia tiveram início na primeira quinzena de março e estão em evolução com o agravamento da crise.
Os governos e os bancos centrais estão adotando medidas para conter os danos e preservar empregos e garantir que as pessoas tenham dinheiro para continuar gastando, mesmo que não estejam trabalhando. As iniciativas adotadas buscam igualmente evitar que a recessão, em razão da interrupção da produção de bens e serviços, se traduza em falências empresariais e se transforme em crise financeira.
Esta Carta IEDI traz um levantamento das ações de política monetária, macroprudencial e fiscal implementadas em um conjunto de países, além do Brasil: Alemanha, China, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido. Como Alemanha e Espanha integram a Área do Euro, as medidas de política aqui apresentadas são aquelas adotadas pelo Banco Central Europeu (BCE).
Para elaboração dessa Carta foram utilizadas informações disponíveis até o dia 1 de abril. Foram consultados documentos oficiais disponibilizados nos sites dos governos e dos bancos centrais. Também foram consultados: Deutsch Bank Research - Government support for German companies in the corona crisis, 19 March 2020; artigos publicados na coletânea Mitigating the COVID Economic Crisis: Act Fast and Do Whatever It Takes, CERP Press, 2020, organizada por Richard Baldwin e Beatrice Weder di Mauro, e Manoel Pires - As políticas que estão sendo adotadas para o combate ao COVID-19: Experiência internacional e o Brasil, – Observatório Fiscal FGV, 23/03/2020, bem como artigos publicados nos jornais Valor Econômico, o Globo e Financial Times.
As ações dos Bancos Centrais
Para evitar que a paralisia da atividade econômica resultantes do impacto do COVID-19 na economia se transforme em crise financeira, os principais bancos centrais nos países desenvolvidos e em desenvolvimento estão empregando um amplo arsenal de medidas de política monetária e macroprudencial. De modo geral, as medidas adotadas visam fornecer liquidez adicional para os bancos e para os mercados financeiros, garantir que o sistema bancário permaneça financeiramente e operacionalmente resiliente e assegurar a manutenção dos fluxos de crédito para as empresas e famílias.
Banco Popular da China (PBoC). Para manter a liquidez do mercado e atender às necessidades de capital de giro das empresas e outros financiamentos, o Banco Popular da China (PBoC) facilitou o crédito por meio de instrumentos políticos convencionais, incluindo operações de mercado aberto, a taxa de requerimento de reservas, linhas de empréstimo, refinanciamento e política de redesconto. Comparativamente aos seus congêneres norte-americano e europeu, o banco central chinês tem atuado de forma bem menos audaciosa.
Até o momento, as principais medidas adotadas pelo PBoC foram:
• Em 3 de fevereiro de 2020, o PBoC expandiu as operações de recompra reversa em 1,2 trilhão de yuanes (cerca de US$ 174 bilhões). Isso significa que o banco central ampliou o montante dos empréstimos para manter estáveis os mercados monetários (mercados para empréstimos de curto prazo) e permitir que os bancos tivessem mais dinheiro disponível, além de adicionar outros 513 bilhões de yuanes (US$ 71 bilhões) em 4 de fevereiro.
• Em 13 de fevereiro, o PBoC emitiu títulos offshore denominados em rembimi no valor de US$ 4,3 bilhões em Hong Kong.
• Em 16 de fevereiro, o PBoC também cortou em 0,10% a taxa de facilidade de empréstimos de médio prazo em um ano (a taxa pela qual empresta aos bancos). Em seguida, cortou as taxas prime de um ano e cinco anos (taxa pela qual os bancos emprestam às empresas com boa classificação de crédito) em 0,10% e 0,05%, respectivamente.
• Em 13 de março, em resposta à turbulência financeira global, o banco central reduziu em 0,5 a 1 ponto percentual o índice de reservas planejadas, liberando 550 bilhões de yuanes (cerca de US$ 79 bilhões) em recursos de longo prazo para serem emprestados.
• Em 26 de março, o PBoC anunciou o leilão de 9,9 bilhões de yuanes (US$ 1,4 bilhão) em notas de 6 meses.
Seguindo as orientações do governo, as instituições financeiras cortaram a taxa de juros dos empréstimos e forneceram crédito adicional aos fabricantes relacionados a vírus e aos setores de varejo e entrega de necessidade diária, bem como aos produtores de produtos médicos críticos. Para as pequenas e médias empresas (PME), os bancos comerciais foram orientados a rolar contingências de dívida.
O banco central também exigiu que os bancos comerciais melhorassem a qualidade dos serviços, incluindo o estabelecimento de um “canal verde” para negócios relacionados ao COVID-19 e o aumento de pagamentos eletrônicos e serviços online. As instituições financeiras ofereceram crédito adicional ao setor comercial para a importação de produtos médicos do exterior.
A Comissão Reguladora Bancária da China (CBRC) solicitou aos bancos comerciais que ajustassem os acordos de pagamento de empréstimos pessoais para hipotecas e cartões de crédito e atrasos nos prazos de pagamento.
Em 12 de março, o setor bancário havia concedido 1,4 trilhão de yuanes de crédito à economia. As instituições financeiras implementaram uma série de medidas de apoio financeiro, especialmente para as PME, incluindo redução das taxas de juros, aumento da rolagem de dívida e empréstimos para renovação e fornecimento de linhas de crédito específicas para a retomada da produção. O banco central chinês incentivou as empresas financeiras baseadas na Internet, como a Ant Financial e seu banco virtual MYbank, a facilitar o acesso ao financiamento para pequenas e microempresas.
Federal Reserve (Fed). No Ocidente, o banco central norte-americano saiu na frente na adoção de medidas de estímulo monetário. Além de trazer as taxas de juros dos fundos federais (federal funds rate) e do redesconto para próximo de zero, no dia 15 de março, o banco central norte-americano tem agido para: i) para preservar a estabilidade financeira; ii) estimular os bancos a emprestar; ii) apoiar diretamente grandes empresas, por meio de programas recém-criados de compra de títulos e empréstimos a corporações com baixo risco de crédito; iv) apoiar a famílias e consumidores; iv) apoiar estados e municípios.
Em ordem cronológica, as principais ações do Fed foram as seguintes:
• No dia 12 de março, o Fed ampliou massivamente suas operações compromissadas, as operações de acordo de recompra reverso (reverso repo operations), adicionando US$ 1,5 trilhão de liquidez no mercado monetário. No dia 16 de março, essas operações foram aumentadas em US$ 500 bilhões adicionais. Antes que a turbulência do Coronavírus atingisse o mercado monetário norte-americano, o Fed estava oferecendo US$ 100 bilhões em repo overnight e US$ 20 bilhões em repo de duas semanas. Agora oferece US$ 1 trilhão em repo overnight e US$ 500 bilhões com prazo de um mês e US$ 500 bilhões em repo de três meses.
• No dia 15 de março, além de ter efetuado cortes na taxa básica de juros de ponto percentual para o intervalo de 0,0 e 0,25% e na taxa de desconto, que foi reduzida de 1,5% para 0,25%, o Fed relançou a política de relaxamento quantitativo (Quantitative Easing - QE), anunciando compras de US$ 500 bilhões de títulos do Tesouro e US$ 200 bilhões em ativos lastreados em hipotecas para normalizar o funcionamento desses mercados. Nesse mesmo dia, o Fed reduziu a zero as exigências de compulsório, com entrada em vigor no dia 26 de março, visando ampliar a liquidez dos bancos, e favorecer a ampliação de empréstimos para empresas e famílias. O presidente do Fed também exortou os bancos, que estão operando com níveis substanciais de capital e liquidez além dos mínimos regulatórios, a usar suas reservas (buffers) de capital e liquidez para emprestar a famílias e empresas afetadas pelo Coronavírus,
• No dia 17 de março, o Fed introduziu dois novos programas para ampliar a liquidez do mercado de títulos de crédito corporativos de curto prazo: o Commercial Paper Funding Facility (CPFF), que permite ao Fed criar um veículo de propósito especial para adquirir comercial papers, empréstimos de curto prazo e sem garantia feitos por empresas para despesas diárias, com cobertura de até US$ 10 bilhões do Fundo de Estabilização de Câmbio (FSE) do Tesouro, e o Primary Dealer Credit Facility (PDCF), que oferecerá empréstimos com baixas taxas de juros (atualmente 0,25%) por até 90 dias a 24 grandes instituições financeiras conhecidas como dealers principais, tendo como colateral títulos de dívida municipal e dívida corporativa com grau de investimento.
• No dia 18 de março, o Fed anunciou o relançamento do Mecanismo de Liquidez dos Fundos Mútuos do Mercado Monetário (MMLF), criado na época da crise financeira de 2008, que financia os bancos para que possam comprar ativos dos principais fundos do mercado monetário e, desse modo, garantir que os resgates dos investidores possam ser atendidos. Tal como no caso do CPFF, o Tesouro oferece cobertura de até US$ 10 bilhões para as perdas que o Fed incorrer. Na esfera da política macroprudencial, o Fed incentivou os bancos a usar os amortecedores de liquidez e capital para apoiar os tomadores de empréstimos. Igualmente, está incentivando o uso da janela de desconto.
• Em 23 de março, o Federal Reserve lançou outro amplo conjunto de estímulos monetários, incluindo: criação da Primary Market Corporate Credit Facility (PMCCF) para comprar títulos e empréstimos que os bancos concedem a grandes empresas; criação da Secondary Market Corporate Credit Facility (SMCCF) Facilidade de Crédito Corporativo do Mercado Secundário (SMCCF) para comprar títulos e fundos negociáveis em bolsa (ETFs) de modo a fornecer liquidez ao mercado de títulos corporativos; a reativação do Term Asset Loan Facility (TALF) para comprar títulos lastreados em ativos como empréstimos para automóveis, empréstimos para estudantes ou empréstimos para pequenas empresas. Cada um desses três veículos de propósitos especiais funcionará até 30 de setembro de 2020, a menos que seja prorrogado, e o Departamento do Tesouro cobrirá até US$ 10 bilhões em perdas com empréstimos, cada um do FSE. No total, eles fornecerão até US$ 300 bilhões em novos financiamentos.
• Também no dia 23 de março, o Fed aumentou suas compras de títulos do Tesouro e títulos lastreados em hipotecas em US$ 625 bilhões adicionais esta semana e se comprometeu a continuar comprando quantos ativos forem necessários para “apoiar o bom funcionamento do mercado”, ao mesmo tempo em que ampliou o leque de títulos lastreados em hipotecas que comprará, incluindo títulos lastreados em hipotecas comerciais das agências governamentais, como a Fannie Mae. Igualmente, expandiu o MMLF para incluir mais tipos diferentes de fundos do mercado monetário, incluindo notas municipais de demanda de taxa variável (VRDNs) e certificados de depósito bancário, e o CPFF para incluir uma variedade mais ampla de títulos comerciais de alta qualidade e isentos de impostos como títulos elegíveis, bem como reduziu as taxas de juros para empréstimos do CPFF.
Tomadas em conjunto essas medidas de estímulo monetário adotadas pelo Fed no mês de março totalizam US$ 3 trilhões. Todavia, alguns analistas consideram que essa liquidez adicional será insuficiente ante a escala sem precedentes de interrupção econômica causada pela atual crise do COVID-19.
O Fed tem, igualmente, atuado para minimizar as pressões internacionais sobre o mercado monetário, ampliando a liquidez em dólar no exterior. No dia de 15 de março, o banco central norte-americano e seus congêneres dos principais países desenvolvidos com os quais mantém acordos permanentes de swaps, Banco do Canadá, Banco da Inglaterra, Banco Central Europeu, Banco do Japão e Banco Nacional da Suíça, concordaram em reduzir o preço dos acordos de linha de swap de liquidez em dólares estadunidense em 25 pontos-base. Essas linhas de swap em moeda estrangeira ajudam os bancos centrais a garantir que haja dólares disponíveis para pessoas e empresas que desejam contrair empréstimos denominados em dólares, em oposição à moeda local. Ao diminuir o preço desses swaps, fica mais fácil e barato emprestar dinheiro em dólares fora dos Estados Unidos.
Para aumentar a eficácia das linhas de swap no fornecimento de liquidez a prazo, os bancos centrais estrangeiros com operações regulares de liquidez na moeda norte-americana também concordaram em oferecer semanalmente em cada jurisdição dólares com vencimento em 84 dias, além das operações com vencimento em 1 semana atualmente oferecido.
O Fed anunciou também o estabelecimento, no dia 19 de março, de acordos temporários de swaps com bancos centrais da Austrália, Brasil, Dinamarca, Coréia, México, Nova Zelândia, Noruega, Singapura e Suécia, em montantes que variam de US$ 30 bilhões a 60 bilhões cada. Acordos temporários de swaps desse tipo haviam sido utilizados no auge da crise financeira internacional de 2008.
Banco Central Europeu. Frente à pandemia do COVID-19, o Banco Central Europeu (BCE), agiu com relativa rapidez, adotando uma postura proativa muito distinta da observada na crise financeira internacional de 2008. As primeiras medidas de estímulo monetário foram adotadas no dia 12 de março:
• €166 bilhões adicionais em compras de títulos ao longo de 2020.
• Flexibilização das exigências de capital dos bancos, permitindo que emprestassem mais.
• Embora tenha mantido inalterada a taxa básica de juros em 0%, o BCE reduziu a taxa de juros (-0,75%) e os requisitos de empréstimos para suas operações de refinanciamento de longo prazo (TLTRO) – um programa de empréstimos de longo prazo para bancos que visa manter a liquidez do sistema estável. Um total de € 3 trilhões em liquidez está sendo disponibilizado por meio das operações de refinanciamento para que os bancos possam continuar emprestando para os agentes econômicos mais afetados pela disseminação do Coronavírus, em particular pequenas e médias empresas.
Em 18 de março, o BCE anunciou um programa de compra de ativos, denominado Programa de Compra de Emergência Pandêmica (PEPP). O banco central diz que comprará até € 750 bilhões (aproximadamente US$ 800 bilhões) em títulos adicionais ao longo de 2020 para apoiar os fundos mútuos do mercado monetário. As compras serão realizadas até o final de 2020 e incluirão todas as categorias de ativos elegíveis no programa de compra de ativos (APP) existente. Será concedida uma renúncia aos requisitos de elegibilidade para valores mobiliários emitidos pelo governo grego para compras no âmbito do PEPP.
Na avaliação de Christine Lagarde, presidente do BCE, a pandemia de Coronavírus é uma emergência coletiva de saúde pública sem precedentes na história recente. É também um choque econômico extremo que requer uma reação política ambiciosa, coordenada e urgente em todas as frentes para apoiar pessoas e empresas em risco. Por essa razão, na medida em que alguns limites auto impostos possam dificultar as ações que o BCE deve tomar para cumprir seu mandato, o Conselho do BCE considerará revisá-los na medida necessária para tornar sua ação proporcional aos riscos enfrentados.
Na mesma ocasião, o BCE decidiu expandir a gama de ativos elegíveis no âmbito do Programa de Compras do Setor Corporativo (CSPP) para papel comercial não financeiro. Todos os papéis comerciais com qualidade de crédito suficiente passaram a ser considerados elegíveis para compra no CSPP.
O BCE também anunciou que os supervisores bancários europeus liberaram cerca de €120 bilhões em capital bancário extra, o que pode representar uma capacidade de empréstimo considerável por bancos da área do euro. Estima-se que com o relaxamento dos requisitos de capital, os bancos poderão conceder € 1,8 trilhão em novos empréstimos para as empresas e família. A autoridade monetária europeia alertou os bancos para que evitem utilizar essa folga de capital para distribuir dividendos aos seus acionistas. No dia 29 de março, esse alerta se tornou uma proibição. Até pelo menos o mês de outubro de 2020, os bancos europeus estão proibidos de pagar dividendo e também de recomprar ações para remunerar os acionistas.
No dia 26 de março, o BCE decidiu flexibilizar seu plano de compra de bônus adicionais de € 750 bilhões para o combate às consequências da pandemia do Coronavírus. Quase todas as restrições que se aplicavam aos programas anteriores do BCE de compras de ativos foram removidas ou bastante relaxadas, o que pode, segundo os analistas, abrir espaço para contestações jurídicas.
Uma dessas restrições removidas diz respeito ao “limite por emissor”, o qual visava assegurar que o BCE não comprasse um volume muito grande de bônus de um só país e fosse acusado de financiar diretamente governos nacionais, o que é contra a lei da União Europeia. As compras de ativos no PEPP serão efetuadas levando em consideração a proporcionalidade do tamanho da economia e da contribuição ao capital do BCE. Todavia, as compras sob o PEPP deverão ser realizadas de maneira flexível, permitindo flutuações na distribuição de fluxos de compra ao longo do tempo no tipo de ativos e entre jurisdições.
O banco central também expandiu o critério para considerar os títulos aptos ao novo programa. Passou a incluir bônus soberanos com vencimento de mais de 70 dias. Antes, eram considerados elegíveis apenas papéis com vencimentos entre 1 e 30 anos.
Banco da Inglaterra (BoE). Em 11 de março, o banco central do Reino Unido lançou as primeiras medidas de estímulo monetário, incluindo:
• Redução da taxa básica de juros em 0,5%.
• Redução dos requisitos de capital para os bancos britânicos, permitindo que usem o chamado “buffer de capital contracíclico”, que é dinheiro mantido em reserva para aumentar a resistência dos bancos aos choques financeiros globais. Tal redução permitirá a concessão de quase US$ 390 bilhões em novos empréstimos.
No dia 19 de março, em uma reunião extraordinária, o BoE decidiu cortar 0,15 ponto percentual adicional na taxa de juros básica, reduzida a 0,1% a.a. Ao mesmo tempo, anunciou compras até £ 183 bilhões (cerca de US$ 228 bilhões) em títulos do governo do Reino Unido e títulos corporativos privados.
Banco Central do Brasil (BCB). Além de ter realizado, no dia 18 de março, um corte adicional de 0,5% na Selic, a taxa básica de juros no Brasil, a autoridade monetária brasileira vem adotando, desde meados de março, medidas para reduzir as desfuncionalidades do mercado e para ampliar a liquidez e liberar capital do sistema bancário de modo a viabilizar o aumento dos empréstimos.
As primeiras ações do BCB se concentraram no mercado de câmbio, pressionado pela forte saída de investidores estrangeiros do país. O BCB intensificou suas operações de swap cambial e retomou, no dia 9 de março, a venda de dólares no mercado à vista, instrumento que não utilizava desde novembro de 2019, bem como lançou, no dia 18 de março, um mecanismo de compra com compromisso de revenda (repos) para refinanciar os títulos da dívida soberana denominados em dólar (global bonds) em posse das instituições financeiras nacionais. E no dia 19 de março, o BCB aderiu ao programa temporário do Federal Reserve de swaps cambiais, já mencionado, que disponibilizou uma linha de liquidez em dólares da ordem de US$ 60 bilhões para a autoridade monetária brasileira, com duração de pelo menos seis meses, ampliando o potencial de oferta de dólares no mercado doméstico.
No mercado monetário, o BCB também reforçou sua atuação como doador de recursos no mercado aberto, ampliando o prazo em até doze meses das operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais. Essa medida amplia a liquidez das instituições financeiras. Ademais, reduziu o spread do nivelamento de liquidez de 65 pontos-base (bps) para 10 bps, taxa punitiva que os bancos pagam ao final do dia para equacionar eventuais desequilíbrios momentâneos de liquidez, de modo a mitigar os impactos operacionais causados pelos efeitos do Covid-19.
No dia 16 de março, o Conselho Monetário Nacional (CMN), que consiste no poder deliberativo máximo do sistema financeiro nacional, aprovou medidas para estimular a ação anticíclica do sistema financeiro brasileiro, ampliando a capacidade dos bancos em conceder crédito e facilitando a renegociação das dívidas:
• Flexibilização das regras de aprovisionamento, dispensando por seis meses, os bancos e as cooperativas de aumentar as provisões no caso de repactuação das dívidas de famílias e empresas. Essa medida irá facilitar as renegociações de dívidas, permitindo ajustes dos fluxos de caixa. O BCB estima que cerca de R$ 3,2 trilhões de crédito possam se beneficiar dessa medida.
• Redução pela metade do percentual do requerimento de capital adicional (ACPP) dos bancos, que amplia em R$ 653 bilhões a capacidade dos bancos em conceder crédito. O percentual de 1,25% irá vigorar por 12 meses, com reversão gradual a partir de março de 2021.
No dia 23 de março, o BCB anunciou novas medidas aprovadas pelo CMN com vistas a ampliar a capacidade de empréstimo do sistema bancário e assegurar a liquidez do mercado financeiro e dos bancos de menor porte:
• Redução temporária nas alíquotas dos compulsórios sobre depósitos a prazo, que baixaram de 25% para 17%. Essa medida deve resultar na liberação de R$ 68 bilhões a partir do dia 30 de março.
• Criação de uma linha temporária especial de liquidez (LTEL) de até R$ 91 bilhões para o BCB conceder empréstimos aos bancos com garantia de debêntures adquiridas entre 23 de março e 30 de abril e assim dinamizar o mercado secundário desses títulos de crédito privado. Fundos de investimento estão encontrando dificuldades para vender esses papéis no mercado secundário. A expectativa é que os bancos atuem provendo liquidez e ajudando a formar parâmetros de preços, aliviando as pressões sobre os fundos de investimento.
• Aumento do limite para recompra pelos bancos de letras financeiras (LFs) de emissão própria, de 5% para 20%. Como esses papéis estão, em grande medida, com os fundos de investimento, essa medida irá ampliar a liquidez dos fundos.
• Recriação do sistema especial de seguro de depósito para bancos pequenos e médios, garantindo que essas instituições mantenham fontes de captação e a oferta de crédito nos segmentos em que atuam. Essas instituições terão autorização para a captação de depósito a prazo com garantia especial (DPGE1) do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), com valor mínimo de R$ 1 milhão e máximo de R$ 10 milhões.
• Flexibilização do direcionamento obrigatório de captações por meio das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).
• Não dedução no capital dos efeitos tributários decorrente de overhedge de investimentos em participações no exterior. Essa medida amplia a folga de capital dos bancos em R$ 47 bilhões e permite um aumento na concessão de crédito da ordem de R$ 520 bilhões.
No dia 23 de março, o presidente do BCB anunciou também que a autoridade monetária poderá comprar títulos de dívida de empresas diretamente. Embora essa seja uma proposta de emenda constitucional (PEC) que ainda está em elaboração, o anúncio mostra uma mudança da autoridade monetária brasileira. Se iniciativa for concretizada, o BCB será dotado de instrumentos de política monetária não convencional e poderá realizar ações de relaxamento monetário (QE) à semelhança dos seus congêneres internacionais, prática atualmente vedada pela Constituição brasileira.
As decisões do CMN nas áreas monetária e macroprudencial têm, em conjunto, um impacto potencial estimado em R$ 1,2 trilhão. Como as ações adotadas por outros bancos centrais, tais medidas do BCB poderão ser ampliadas, caso se revelem insuficientes para assegurar que a ampliação da liquidez se traduza em efetivo aumento de empréstimos para as empresas e para as famílias. No Brasil, como no exterior, em um momento de forte incerteza e de aumento da aversão aos riscos, os bancos podem não emprestar sem o suporte de um mecanismo de garantia de crédito bancado pelo Tesouro.
No caso brasileiro, ganha importância o sistema financeiro público, algo que se verifica também em outros países. Com capilaridade, os bancos públicos podem ser rapidamente mobilizados para atuar de forma compensatória, de modo a garantir que a liquidez adicional proporcionada pelo BCB chegue efetivamente às empresas e indivíduos necessitados em condições razoáveis de custo e prazo. Com a flexibilização das exigências de capital pelo CNM no dia 16 de março, essas instituições têm folga adicional de capital para ampliar a oferta de crédito.
A Caixa Econômica Federal (CEF) desde a primeira quinzena de março tem atuado de forma ativa, com ampliação de crédito às empresas e famílias, redução de juros de empréstimos, introdução da possibilidade de interrupção temporária do pagamento de dívidas e suporte à liquidez de bancos menores.
Em 13 de março, a CEF anunciou medidas que somavam R$ 75 bilhões, sendo R$ 40 bilhões na ampliação das linhas de crédito para capital de giro de pequenas e médias empresas e instituições do setor imobiliário; R$ 30 bilhões na compra de carteiras de crédito de bancos pequenos e médios com atuação em consignado e financiamento de automóveis; e R$ 5 bilhões adicionais para financiamento agrícola.
Em 19 de março, o banco ampliou recursos para a linha de crédito consignado e reduziu os juros do crédito pessoal e permitiu pausa de até 60 dias no pagamento de dívidas pessoais. Além disso, a CEF também cortou em até 45% as taxas de juros das operações de capital de giro às empresas e introduziu carência de 60 dias em seu pagamento. O mesmo também ocorreu para linhas de compra de máquina e equipamentos. Ao financiamento habitacional também foi permitido pausa de até duas prestações. Por fim, foram liberados R$ 3 bilhões em crédito a hospitais e instituições de saúde.
Em 26 de março, a CEF reforçou em R$ 33 bilhões adicionais suas atividades com capital de giro e compra de carteiras de crédito de bancos menores e também anunciou reduções substanciais nas taxas de juros de empréstimos de cheque especial, cartão de crédito e capital de giro.
Até o momento, estima-se que a CEF já tenha desembolsado R$ 20 bilhões do total de R$ 75 bilhões anunciados em 13 de março pelo seu presidente a ser utilizado em ações para conter os danos econômicos da pandemia.
O Banco do Brasil (BB) também anunciou, no dia 18 de março, a intenção de ampliar a oferta de crédito à economia em R$ 100 bilhões. Segundo declaração do presidente do BB, metade desse reforço será destinado às empresas nas linhas de capital de giro, antecipação de recebíveis e investimento. O banco possibilitou a pausa de duas prestações para os clientes micro e pequenas empresas e a diluição dos juros ao longo do prazo do contrato
O BNDES anunciou no dia 22 de março um conjunto de medidas anticíclicas contra os impactos negativos do Coronavírus, que representam um montante de R$ 55 bilhões. Duas delas, R$ 20 bilhões de recursos do PIS-Pasep e a linha de capital de giro de até R$ 5 bilhões para as PMEs, já constavam do pacote de estímulo divulgado pelo governo federal no dia 16. A novidade é a suspensão temporária de pagamentos (stanstill) de amortizações de financiamentos diretos para empresas no valor de R$ 19 bilhões e de R$ 11 bilhões nos financiamentos indiretos do banco.
No dia 29, BNDES anunciou também o lançamento de uma linha emergencial de financiamento, com orçamento de R$ 2 bilhões, para o setor de saúde, com vistas a ampliação de leitos emergenciais e da oferta de equipamentos e material hospitalar, tais como máscaras cirúrgicas, respiradores e monitores. Os empréstimos serão concedidos com prazo de 60 meses, com dois anos de carência, a um custo de TJLP + 5,26% ao ano (1% de remuneração do BNDES e 4,26% de prêmio de risco).
Ainda no dia 29 de março, o BNDES e o governo federal também anunciaram a criação de uma linha de crédito emergencial para empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões exclusivamente para cobertura de folha de pagamento, com recursos majoritariamente vindos do Tesouro Nacional, como será visto na próxima seção.
Embora importantes, as medidas de estímulo monetário podem não ser suficientes para atenuar ou conter os danos da paralisação súbita da produção de bens e serviços e da queda da demanda. Outras medidas também adotadas por vários países são de natureza fiscal para proteger empresas e a renda das famílias.
Medidas de Política Fiscal
Ante os graves efeitos da pandemia do Coronavírus, as autoridades políticas e econômicas de muitas nações estão se comprometendo a fazer tudo o que for possível para conter os danos da paralisação súbita da produção de bens e serviços e da queda da demanda, em consequência da crise atual. Alguns países adotaram mais rapidamente ações significativas de estímulo fiscal para proteger empresas e trabalhadores, casos da Alemanha e do Reino Unido, seguidos por outros, como Estados Unidos e Brasil.
Alemanha. Antes mesmo de a Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, flexibilizar as regras fiscais e de auxílio estatal, o que só ocorreu no dia 19 de março, o governo alemão anunciou a decisão de “gastar o que for preciso” com o objetivo de atenuar os impactos do Coronavírus na economia.
A primeira medida do governo Merkel para mitigar os impactos econômicos da pandemia foi adotada no dia 8 de março para proteger o mercado de trabalho. A Agência Federal de Emprego foi autorizada a facilitar as condições de acesso ao programa de subsídio de curto duração para que o trabalho formal de longo período possa ser reduzido, com cortes de salários. Esse instrumento, o “Kurzarbeitergeld”, garante a cobertura pelo governo federal de 60% (67% se tiver filhos) da remuneração dos empregados para as empresas em dificuldade que não demitirem.
Ademais, as empresas afetadas não precisarão pagar as contribuições sociais pelo valor do subsídio de curta duração, cujo prazo foi estendido para 12 meses. Para ter acesso ao auxílio as empresas em dificuldade têm de comprovar que precisam cortar a remuneração de pelo menos 10% dos seus empregados. Anteriormente, o percentual mínimo exigido era 30%. Esse instrumento foi utilizado na crise financeira internacional de 2008, subsidiando o salário de cerca de 1,5 milhão de alemães e preservando 300 mil empregos.
No dia 13 março, o governo anunciou um conjunto de medidas, intitulado Escudo de Proteção às Empresas e aos Trabalhadores. No âmbito desse pacote de estímulo, o banco federal de desenvolvimento, o Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW), foi autorizado a emprestar, com garantia estatal, até € 550 bilhões (cerca de US$ 610 bilhões) a empresas, de todos os tamanhos. O KfW irá operar dois programas de empréstimos:
1. Um programa que cobre até 90% do risco de empréstimos para empresas de todos os tamanhos. Os empréstimos elegíveis podem ter prazo de vencimento de até 5 anos e atingir € 1 bilhão por empresa, dependendo das suas necessidades de liquidez.
2. No outro programa, o KfW participa em conjunto com bancos privados para fornecer empréstimos maiores. Para esse esquema, o risco assumido pelo Estado alemão pode cobrir até 80% de um empréstimo específico, mas não mais de 50% da dívida total de uma empresa. Os empréstimos somente serão concedidos até o final deste ano e estão limitados a uma duração máxima de seis anos. Além disso, em seus acordos com os bancos comerciais, o KfW garantirá que a vantagem oferecida pelos empréstimos subsidiados seja repassada às empresas que precisam de liquidez.
Foi lançado igualmente um esquema o de apoio às empresas afetadas pelo surto de Coronavírus. Denominado “Bundesregelung Kleinbeihilfen 2020”, o esquema prevê subvenções diretas e adiantamentos reembolsáveis de até € 800 mil por empresa afetada. Os auxílios para empresas na produção primária de produtos agrícolas não podem exceder 100 mil euros e no setor das pescas e da aquicultura o limite é 120 mil euros por empresa.
Além disso, o governo autorizou o diferimento de pagamento de impostos (renda, imposto sobre valor agregado e impostos corporativos). Também foi prometida uma concessão de um pequeno alívio fiscal às empresas, por exemplo, por meio de um subsídio de depreciação para bens digitais ou a opção de empresas não incorporadas serem tributadas como empresas corporativas.
Além de fornecer liquidez, o governo sinalizou que está preparado para injetar capital em empresas selecionadas que são fundamentalmente sólidas, mas que agora enfrentam problemas de solvência. Isso já foi feito durante a crise de 2008 com vários bancos para deter o colapso financeiro.
No dia 23 de março, em uma ação inédita para um governo extremamente comprometido com a austeridade fiscal, a primeira ministra Angela Merkel propôs a suspensão do chamado “freio da dívida” e um aumento suplementar de gasto, financiado por dívida, da ordem de € 156 bilhões (US$ 172 bilhões) para cobrir auxílios destinados a enfrentar a crise do COVID-19 (€ 122,8 bilhões) e a queda esperada na receita fiscal (€ 33,5 bilhões). A proposta de estímulo fiscal aprovada pelo Parlamento no dia 25 de março inclui:
• € 50 bilhões para ajuda de emergência, com pagamentos em dinheiro, às pequenas empresas, freelancers e trabalhadores independentes para evitar falências. Trabalhadores independentes e empresas com até 5 funcionários recebem até € 9 mil. Trabalhadores por conta própria e empresas com até 10 funcionários recebem até € 15 mil. Essa ajuda é concessão única de três meses para custos operacionais que não precisam ser reembolsados.
• € 7,5 bilhões em programas de rede de segurança para trabalhadores independentes. De modo a garantir a subsistência e moradia desses trabalhadores, os benefícios deverão ser pagos muito rapidamente.
• € 3,5 bilhões em equipamentos de proteção individual e desenvolvimento de vacina contra o Coronavírus.
• US$ 60,7 bilhões em outras medidas fiscais que ainda serão anunciadas.
O governo também criou um fundo de estabilização econômica da ordem de € 600 bilhões, voltado principalmente para grandes empresas, que pode fornecer ajuda em larga escala, que complementa o auxílio à liquidez já decidido por meio dos programas especiais do KfW. O fundo conta com € 100 bilhões para ações corporativas e € 400 bilhões para garantias. Além disso, pode refinanciar programas KfW que já foram aprovados, com até € 100 bilhões. Um programa de ajuda de € 1 bilhão de euros é disponibilizado pelo KfW para fornecer liquidez a empresas, trabalhadores independentes e por conta própria. As empresas afetadas têm acesso aos empréstimos do KfW por meio dos seus bancos.
Considerando todas as medidas anunciadas desde meados de março, o governo alemão gastará, de acordo com estimativas realizadas pelo ING Bank, o equivalente a 30% do PIB com garantias e estímulo fiscal direto para combater o impacto econômico do COVID-19.
Brasil. O governo brasileiro vem reagindo à crise do Coronavírus com sucessivos anúncios de medidas em resposta às ameaças ao tecido econômico e social do país e prepara medidas adicionais para implementação próxima. Por enquanto, os recursos envolvidos nas ações anunciadas são mais modestos do que outros países.
Em 16 de março, o governo federal anunciou um pacote de estímulo fiscal da ordem de R$ 147 bilhões (cerca de US$ 30 bilhões). Dadas as regras fiscais em vigor, este montante não representa uma despesa nova, sendo composto, basicamente, por diferimentos, antecipações de pagamentos e recursos que serão transferidos de outras contas do orçamento. O pacote inclui:
• Antecipação de pagamentos das duas parcelas do 13º dos aposentados para abril e maio. Essa medida deve liberar R$ 46 bilhões para a economia.
• Redução de 50 % na contribuição das empresas ao sistema S por um período de 3 meses. Essas contribuições incidem sobre a folha de pagamento em percentuais que variam por setor de atividade. Essa redução representaria uma folga para as empresas da ordem de R$ 2,2 milhões.
• Diferimento de impostos federais por três meses para as micro e pequenas empresas.
• Diferimento do prazo de pagamento do FGTS por três meses.
• Transferência de valores não sacados do PIS/PASEP para o FGTS, com permissão de saque. Segundo o governo, há cerca de R$ 22 bilhões em contas individuais do PIS/PASEP relativas a depósitos realizados até 1988.
• Antecipação do pagamento do Abono Salarial para junho. Esse auxílio é pago anualmente para os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos e colocará à disposição das famílias cerca de R$ 13,1 bilhões.
• Ampliação do Programa Bolsa-família, com a inclusão de mais de um milhão de beneficiados.
• Destinação de R$ 4,5 milhões do saldo do DPVA, seguro obrigatório de veículos para cobertura de danos pessoais, para o Sistema Único de Saúde.
• Ampliação em até R$ 5 bilhões do crédito a micro e pequenas empresas pelo PROGER/FAT.
• Isenção do Imposto Importação, do IPI-Vinculado à Importação e do IPI de produtos médico-hospitalares até o final do ano e desoneração do IPI sobre produtos necessários ao combate do COVID-19.
Em outra iniciativa, no dia 26 de março a Câmara dos Deputados aprovou a concessão de um auxílio emergencial de R$ 600 por mês para trabalhadores informais, triplicando o valor proposto no projeto de lei encaminhado pelo governo. Poderão receber a ajuda financeira os trabalhadores autônomos que não estiverem recebendo benefícios previdenciários e seguro desemprego. O auxilio é limitado a duas pessoas de uma mesma família, mas para mulheres, que forem mãe e chefe de família, o montante do auxílio emergencial será de R$ 1.200. Os auxílios serão pagos por três meses com base em informações do Cadastro Único. No dia 30 de março, o Senado aprovou esse auxílio emergencial, estendendo a cobertura para trabalhadores intermitentes e trabalhadores autônomos que não estejam registrados como microempreendedor individual (MEI). A decisão foi sancionada pelo Presidente Bolsonaro.
No dia 27 de março, o governo brasileiro anunciou uma linha de crédito de R$ 40 bilhões para financiamento de folha de pagamento de pequenas e médias empresas por um período de dois meses. Serão beneficiadas 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de pessoas. Direcionado a empresas com faturamento anual de R$ 360 mil a R$ 10 milhões, o programa estabelece teto de dois salários mínimos por funcionário e proibição para demissão de funcionários beneficiados. O custo da linha será exatamente o da taxa Selic, de 3,75% ao ano, sem spread, com prazo de carência de 6 meses, com outros 36 meses para o pagamento. O Tesouro irá arcar com 85% dos custos do programa e os restantes 15% serão bancados pelos bancos privados.
Simulações da consultoria Tendências estimam que todas ações que efetivamente implicam expansão do gasto anunciadas até o momento cheguem a R$ 345 bilhões, o equivalente a 4,7% do PIB. Já a FGV avalia que os programas governamentais anunciados somam 5,2% do PIB e as medidas de crédito de natureza fiscal (exceto ações do Banco Central) representam 1,9% do PIB, totalizando 7,1% do PIB. Um problema que, de uma forma ou de outra afeta todos os programas dos países aqui reunidos e o Brasil não foge à regra, diz respeito à rapidez e eficácia com que as medidas adotadas serão implementadas e atenderão ao público alvo, daí a necessidade de elevada coordenação entre as instâncias do setor público e de suas agências e empresas.
Em 1 de abril, medidas adicionais foram adotadas tanto no campo tributário como na área trabalhista. Foram adiados os pagamentos previstos para os meses de abril e maio de PIS/Pasep, Cofins e contribuição à Previdência para os meses de agosto e outubro, representando algo como R$ 80 bilhões, e zerada a alíquota de IOF incidente sobre operações de crédito, o que deve responder por R$ 7 bilhões adicionais. Além disso, foi também prolongado o prazo de entrega da declaração de imposto de renda de pessoal física de final de abril para final de junho.
Na área trabalhista, o governo regulamentou a suspensão de contratos de trabalho ou a redução de jornada de trabalho e salários, com compensação parcial das perdas pelos cofres públicos. Embora para as faixas mais baixas de renda tal compensação possa ser quase integral, estando garantido o recebimento de ao menos 1 salário mínimo e tendo sido evitada a redução da hora trabalhada, pode haver perdas de rendimento sobretudo para as faixas salariais mais altas. Segundo o governo federal, esta medida deverá envolver recursos de R$ 51,2 bilhões, elevando o montante total do esforço fiscal anunciado pelo Ministério da Economia de R$ 750 bilhões para cerca de R$ 888,2 bilhões.
China. Desde janeiro, o governo central chinês tem anunciado políticas de mitigação dos impactos do surto do Coronavírus na economia. Segundo as estimativas realizadas por Jonathan Anderson, presidente da consultoria chinesa Emerging Advisors Group, no artigo “China’s changing economic priorities and the impact of COVID-19” até o momento os incentivos fiscais às empresas e gastos orçamentários adicionais, totalizaram apenas cerca de 2,5% do PIB.
Durante o surto, políticas de dedução de impostos e isenção de taxas foram introduzidas para empresas e contribuintes de setores relevantes, incluindo serviços médicos, transporte público e entrega de necessidades diárias. As indústrias severamente atingidas pela epidemia, incluindo transporte, alimentação, alojamento e turismo, bem como empresas e indivíduos que doaram produtos médicos críticos, também foram elegíveis para deduções fiscais. O governo central forneceu subsídios na forma de pagamentos de empréstimos para produtores de produtos relacionados ao combate do vírus e para startups que foram severamente afetadas.
De acordo com os pesquisadores Yi Huang, Chen Lin, Pengfei Wang and Zhiwei Xu no artigo “Saving China from the coronavirus and economic meltdown: Experiences and lessons”, o Ministério das Finanças liberou um total de 110,48 bilhões de yuanes (cerca de US$ 15,6 bilhões) de fundos especiais para prevenção e controle de epidemias, dos quais 71,43 bilhões de yuanes (cerca de US$ 10 bilhões) foram utilizados. A autoridade fiscal também aumentou os 1,85 trilhão de yuanes da cota de títulos do governo local para mitigar o impacto adverso da epidemia. De janeiro a fevereiro, quase 70% da cota (aproximadamente 1,2 trilhão de yuanes) de títulos de governo locais já haviam sido emitidos.
Os governos municipais lançaram, igualmente, suas próprias medidas de estímulo, incluindo a oferta de fundos e créditos para indústrias e empresas, a redução dos pagamentos de aluguel e dedução de impostos e taxas para indústrias e indivíduos severamente afetados.
Devido à sua menor resiliência, as PMEs na China foram mais severamente afetadas pela epidemia. Desde fevereiro, os governos central e locais adotaram políticas direcionadas destinadas a apoiar o desenvolvimento das PME. Isso inclui provisões para pagamentos diferidos de seguridade social e certos impostos, reduções de aluguel, extensões de empréstimos, reduções de taxas de juros de empréstimos e aumentos de subsídios, entre outras.
Quando a epidemia da China começou a diminuir, o governo central se concentrou em relançar a economia, com o lançamento de um pacote de políticas para apoiar a retomada do trabalho e da produção. As pequenas empresas ficarão isentas do imposto de valor adicionado por certo período; algumas contribuições de seguro social dos funcionários terão suas alíquotas zeradas ou reduzidas pela metade por algum tempo; e os governos locais foram incentivados a renunciar aos impostos sobre o uso da terra urbana para incentivar os proprietários a reduzir ou renunciar aos aluguéis.
O governo central exigiu que as concessionárias reduzissem o preço da eletricidade para reduzir o custo associado à retomada da produção. O governo também está subsidiando companhias aéreas nacionais e estrangeiras para apoiar a retomada de voos internacionais.
Em meados de março, muitos governos locais na China distribuíram cupons de gastos pré-pagos para aumentar os gastos dos consumidores, mas os valores são, segundo os autores, relativamente pequenos.
Já Hong Kong anunciou, em 26 de fevereiro, um pacote de estímulo fiscal significativo da ordem de US$ 15 bilhões, como parte de seu orçamento para 2020-2021. Entre outras medidas, o pacote inclui:
• Subvenção em dinheiro no montante de HK 10 mil (cerca de US$ 1200) a todos os residentes permanentes adultos.
• Pagamento de aluguel de um mês para pessoas que moram em habitações públicas.
• Corte de impostos sobre folha de pagamento, renda, propriedade e impostos comerciais.
• Empréstimos garantidos pelo governo, com juros baixos, para empresas.
• Pagamento de um mês extra a pessoas que recebem benefícios de velhice ou invalidez.
Espanha. A decisão do Comissão Europeia de ativar a cláusula geral de escape no Pacto de Estabilidade e Crescimento tornou possível aos países-membros da União Europeia utilizar maior recursos fiscais para mitigar os impactos da pandemia de Coronavírus, concedendo apoio a trabalhadores, desempregados e pessoas em dificuldade, além das empresas de qualquer tamanho.
Nesse contexto, em 16 de março, o primeiro ministro espanhol anunciou o maior pacote de estímulo econômico da história da democracia espanhola. Serão mobilizados até € 200 bilhões (equivalente a 20% do PIB), incluindo € 117 bilhões em dinheiro público e € 82 bilhões em dinheiro privado.
As medidas anunciadas pelo primeiro-ministro Pedro Sanchez concentram-se em quatro áreas prioritárias: famílias, trabalhadores, empresas e pesquisa.
• Famílias: € 600 milhões serão destinados ao financiamento das prestações básicas dos serviços sociais, com atenção especial ao atendimento domiciliar de idosos e dependentes; proteção será estendida ao suprimento de energia e serviços de água, e as telecomunicações serão garantidas; foi estabelecida uma moratória no pagamento dos pagamentos de hipotecas para os devedores em uma situação de vulnerabilidade especial.
• Proteção do emprego: Medidas contemplam que os trabalhadores assalariados possam adaptar ou reduzir seu horário de trabalho para atender às necessidades de conciliação derivadas dessa crise. As medidas priorizam a suspensão de contratos e a redução do horário de trabalho como uma opção à demissão de trabalhadores. O primeiro ministro instou os empregadores a não demitir seus funcionários.
• Liquidez das empresas: o governo aprovou a criação de uma linha de avais e garantias públicas no valor de até € 100 bilhões, o que permitirá mobilizar entre € 150 bilhões e € 200 bilhões no sistema econômico se o setor privado também for incorporado. Da mesma forma, foram acordadas garantias adicionais de € 2 bilhões para empresas exportadoras, o que facilitará a reestruturação de empréstimos a explorações agrícolas afetadas pela seca e a implementação de programas de apoio à digitalização será acelerada. As administrações públicas ajudarão as empresas contratadas a mitigar as consequências do COVID-19 nos contratos do setor público. O executivo também reformulou os regulamentos sobre investimentos estrangeiros para impedir que empresas de países fora da União Europeia assumam o controle de entidades espanholas em setores estratégicos, aproveitando a queda conjuntural no valor de suas ações.
• Recursos para a pesquisa de vacina: O governo dotará com € 30 milhões o Conselho Superior de Pesquisa Científica (CSIC) e Instituto de Saúde Carlos III para reforçar a pesquisa científica para o desenvolvimento de uma vacina para o COVID-19.
Antes do anúncio desse amplo pacote fiscal, a Espanha já tinha aprovado € 18,2 bilhões para apoiar cuidados de saúde, famílias, PME e setores mais afetados pelo COVID-19, incluindo hotelaria. Igualmente, havia adiado a cobrança de impostos de até 30 bilhões de euros para trabalhadores independentes e PMEs.
Com a aprovação pela Comissão Europeia do Marco Temporário de Auxilio Estatal no dia 19 de março, o governo espanhol anunciou dois esquemas de garantias de empréstimos e refinanciamento para pequenas e médias empresas e trabalhadores independentes e para empresas de grande porte, afetados pelo surto de Coronavírus. Com orçamento total aproximado de € 20 bilhões, esses esquemas visam limitar os riscos associados à emissão de empréstimos a empresas severamente afetadas pela paralisação econômica e garantir assim que essas empresas e trabalhadores independentes tenham liquidez necessária para dar continuidade as suas atividades. O risco assumido pelo Estado é limitado a um máximo de 80% para trabalhadores independentes e PME e de 70% para grandes empresas.
Estados Unidos. Embora o primeiro caso de contágio do COVID-19 nos Estados Unidos tenha sido registrado no dia 20 de janeiro, foi somente em 6 de março de 2020 que o Presidente Trump assinou uma lei de gastos emergenciais de US$ 8,3 bilhões, atualmente chamada de "Fase Um" de esforços de estímulo, para financiar ações para combater a pandemia. Esse primeiro pacote de estímulo, incluiu, entre outras temas:
• Financiamento de pesquisa para vacina.
• Recursos aos governos estaduais e locais para combater a propagação do vírus.
• Alocação de recursos para ajudar nos esforços para impedir a propagação do vírus no exterior.
No dia 12 de março, seguindo as orientações do governo no sentido de aumentar a resiliência das pequenas empresas à disrupção econômica provocada pelo Coronavírus, a Small Business Administration (SBA), a agência federal para pequenas empresas, anunciou uma linha de empréstimos direcionados e com juros baixos para pequenas empresas que sofrem perda temporária de receita como resultado do Coronavírus. Essa linha de empréstimos em caso de catástrofe econômica prevê até US$ 2 milhões em capital de giro a pequenas empresas, em estados e territórios designados, que sofrem danos econômicos substanciais. Esses empréstimos podem ser usados para pagar dívidas fixas, folha de pagamento e contas que não podem ser pagas devido ao impacto do desastre. A taxa de juros é de 3,75% para pequenas empresas sem crédito disponível em outro local e de 2,75% para organizações sem fins lucrativos. As empresas com acesso ao crédito privado não são elegíveis.
Em 13 de março, o presidente Trump decretou estado de emergência, o que permitiu ao governo federal distribuir até US$ 50 bilhões em ajuda a estados, cidades e territórios.
Em 17 de março, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, anunciou que pessoas físicas e jurídicas terão mais 90 dias para pagar o imposto de renda, que estava previsto para 15 de abril. As pessoas físicas poderão postergar o pagamento dos impostos, sem multas ou juros, em até US$ 1 milhão e empresas em até US$ 10 milhões. Essa medida, segundo estimativas da receita federal norte-americana (IRS) liberará US$ 300 bilhões em liquidez extra durante esse período.
Em 18 de março de 2020, o presidente Trump sancionou o Ato de Resposta ao Coronavírus para as Famílias, lei proposta pela líder democrata na Câmara Nancy Pelosi e aprovada pelo Senado, que, além de incluir provisões para testes gratuitos do COVID-19, prevê licença médica remunerada e licença familiar por razões relacionadas ao COVID-19 e criou o crédito reembolsável pago por licença médica e o crédito pago por licença para cuidado infantil para empregadores qualificados. Com essa lei, a Fase 2, as empresas norte-americanas com menos de 500 funcionários contarão com suporte financeiro, no montante total de US$ 100 milhões, para conceder licença remunerada integral aos funcionários de até 10 dias, seja para as próprias necessidades de saúde do funcionário ou para cuidar de familiares, e de até 12 semanas com 67% do salário. A Lei isentou as empresas com menos de 50 funcionários da obrigação de conceder licença para cuidar de criança cuja escola está fechada, nos casos em que a viabilidade do negócio esteja ameaçada.
A operacionalização desse auxílio ficou a cargo do Departamento do Tesouro, o IRS, e do Departamento do Trabalho, que no dia 20 de março, colocaram à disposição dos empregadores de pequeno e médio porte dois novos créditos tributários de folha de pagamento reembolsáveis, projetados para reembolsá-los imediata e integralmente, por cada dólar, pelo custo de fornecer licença relacionada ao Coronavírus a seus funcionários. Os empregadores elegíveis poderão reivindicar esses créditos com base nas licenças qualificadas concedidas entre a data efetiva e 31 de dezembro de 2020. Créditos equivalentes estão disponíveis para trabalhadores independentes com base em circunstâncias semelhantes.
Em 25 de março de 2020, no que está sendo chamado de Fase 3 das respostas aos impactos econômicos do Coronavírus, o Senado norte-americano aprovou por unanimidade um pacote de estímulo da ordem de US$ 2 trilhões, equivalente a mais de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano. No dia 27, a Lei de Auxílio, Alívio e Segurança Econômica de Coronavírus (CARE Act) foi aprovada na Câmara e sancionada no mesmo dia pelo presidente Trump.
No pacote estão incluídos:
• US$ 301 bilhões em pagamentos diretos em dinheiro, totalizando US$ 1.200 para quem ganha até US$ 75.000 e US$ 500 por criança.
• Programa de empréstimos do governo de US$ 500 bilhões para empresas afetadas pela crise, com a possibilidade de o governo assumir participação nas empresas que recebem os empréstimos. Isso inclui US$ 17 bilhões para empresas consideradas importantes para a segurança nacional, incluindo a Boeing. Também inclui US$ 29 bilhões em empréstimos e garantias de empréstimos para companhias aéreas. As empresas que recebem empréstimos teriam restrições sobre recompras e dividendos e não poderão fazer demissões por 6 meses.
• US$ 367 bilhões em empréstimos para pequenas empresas garantidos pelo governo federal, com o que for gasto em aluguel, serviços públicos ou folha de pagamento, sem a necessidade de reembolso. Os empréstimos seriam limitados a US$ 10 milhões por empresa e cobririam até US$ 100.000 por ano em salários por empresa.
• 250 bilhões de dólares para expandir o seguro-desemprego de modo a incluir trabalhadores freelancers e autônomos, aumentar a duração para 39 semanas e adicionar US$ 600 por semana por quatro meses.
• US$ 221 bilhões em reduções nos impostos das empresas, incluindo a possibilidade de diferir os impostos sobre a folha de pagamento pelo resto do ano, e permitir que temporariamente as empresas solicitem deduções por perdas atuais em relação aos lucros passados para reivindicar reembolsos.
• US$ 150 bilhões em dinheiro para os governos estaduais.
• US$ 117 bilhões para hospitais e veteranos.
• US$ 25 bilhões em transporte público para compensar a perda de receita
• US$ 32 bilhões em doações em dinheiro para cobrir salários em companhias aéreas. As companhias aéreas que recebem o dinheiro não podem pagar dividendos ou recomprar ações, além de não poderem conceder benefícios ou cortar pagamentos até setembro. O pagamento de executivos também é limitado.
• US$ 48 bilhões para programas de agricultura e nutrição.
• US$ 27 bilhões para financiar medicamentos e vacinas para o Coronavírus.
• US$ 10 bilhões para o serviço postal para ajudar a lidar com os problemas causados pela pandemia.
A lei estabelece que as empresas que operam com hipotecas apoiadas pelo governo federal concedam pausa no pagamento do serviço da dívida por até 360 dias aos mutuários afetados pelo vírus. Além disso, elas não podem iniciar ou processar execuções hipotecárias ou despejos relacionados a execuções hipotecárias por um período de 60 dias, datado de 18 de março. Os proprietários de propriedades multifamiliares com hipotecas apoiadas pelo governo federal podem obter uma indenização por 90 dias, com a condição de que não expulsem os inquilinos por falta de pagamento de aluguel ou taxas.
Também estabelece a suspensão dos pagamentos de empréstimos para estudantes até 30 de setembro, sem juros acumulados. Para pessoas que decretaram falência, a lei estende igualmente o prazo de pagamento da dívida de 5 para 7 anos, e garante que as pessoas que pedem falência não precisem usar seu cheque de estímulo para pagar dívidas passadas.
A lei de estímulo estabelece ainda o adiamento da aplicação de uma nova regra contábil que exige que os bancos mantenham mais capital e permite que o Controlador da Moeda autorize os bancos a concederem empréstimos maiores do que o normal. Bancos com menos de US$ 10 bilhões em ativos terão índices de alavancagem máxima mais alto. Os bancos também terão mais margem de manobra para trabalhar com os mutuários que estão atrasados nos pagamentos de empréstimos ao consumidor.
Reino Unido. A semelhança dos seus congêneres europeus e norte-americano, o governo britânico tem ampliado as medidas de estímulo fiscal contra os efeitos econômicos do Coronavírus. Consideradas todas as medidas já anunciadas, o estímulo fiscal no Reino Unido supera 17% do PIB.
Em 11 de março, ao apresentar o orçamento para o ano fiscal 2020/21, o ministro das Finanças do Reino Unido, Rishi Sunak, anunciou um primeiro pacote de estímulo fiscal da ordem de £ 30 bilhões (cerca de US$ 37 bilhões). Entre outras coisas, inclui:
• Corte de impostos para os varejistas.
• Garantias e subvenções em dinheiro para pequenas empresas.
• Um mandato para fornecer licença remunerada de doença para pessoas que precisam fazer quarentena e um subsídio para cobrir os custos de subsídio de doença para pequenas empresas.
• Acesso ampliado aos benefícios governamentais para trabalhadores autônomos e desempregados.
Para as pequenas e médias empresas, o Esquema de Empréstimos por Interrupção nos Negócios pelo Coronavírus (CBILS) prevê duas linhas de apoio:
1. Fornecimento de garantias que cobrem 80% das linhas de crédito para PME com um volume de negócios de até £ 45 milhões de libras esterlinas (aproximadamente US$ 56 milhões) para cobrir suas necessidades de capital de giro e investimento. Este esquema será implementado por meio do British Business Bank, banco de desenvolvimento britânico.
2. Subvenções diretas para apoiar as PME afetadas pelo surto de Coronavírus até o limite global de £ 600 milhões de libras esterlinas (aproximadamente US$ 750 milhões).
Outro pacote de estímulo fiscal bem maior foi anunciado em 17 de março, incluindo, entre outras medidas:
• £304 bilhões (cerca de US$ 379 bilhões) em garantias públicas de empréstimos comerciais para empresas afetadas. A garantia pública reduz risco dos empréstimos bancários, uma vez que se o devedor não pagar ao banco, o governo cobrirá o prejuízo.
• £ 18,5 bilhões (US$ 23 bilhões) em cortes de impostos e concessão de financiamento a empresas afetadas pelo vírus, como empresas de varejo e redes hoteleiras.
Em 20 de março, o governo do Reino Unido anunciou outra rodada de medidas fiscais, incluindo:
• Um programa para fornecer subsídios para empresas que arcarem com até 80% dos salários dos trabalhadores, se as empresas os mantiverem em folhas de pagamento em vez de demiti-las. Foi definido um teto de até £ 2.450 por mês por pessoa. Esse programa deve custar £ 77 bilhões (aproximadamente US$ 95,1 bilhões).
• Um aumento nos créditos tributários líquidos para as pessoas que estão desempregadas em £ 960 por ano, com gastos totais no valor de £ 6,8 bilhões (cerca de US$ 8,5 bilhões).
• £ 1 bilhão para apoiar inquilinos.
• Diferimento do imposto sobre valor agregado, estimado em £ 329,4 bilhões (cerca de US$ 36,6 bilhões).
O que vem pela frente
Como assinala o FMI no documento de política Policy Steps to Address the Corona Crisis, publicado no dia 16 de março, passos significativos foram dados pelos bancos centrais, autoridades fiscais, reguladoras e de supervisão nos últimos dias, indo na direção certa, mas é preciso fazer mais. À medida que o vírus se espalha pelo mundo, ações decisivas e coordenadas são essenciais para proporcionar estabilidade à economia global e aos mercados financeiros, aumentar a confiança e impedir efeitos econômicos profundos e prolongados.
Nesse sentido seguem as sugestões apresentadas por Jason Furman, pesquisador da universidade de Harvard e ex-economista-chefe do governo Obama, no seu artigo “Protecting people now, helping the economy rebound later” que integra a coletânea Mitigating the COVID Economic Crisis: Act Fast and Do Whatever It Takes, CERP Press, 2020. Ele sugere que os formuladores de política econômica enfrentem as restrições de incerteza, tempo e capacidade durante a pandemia inédita para os atuais habitantes do planeta de uma maneira ambiciosa e multifacetada:
1. Melhor fazer muito ao invés de pouco.
2. Use os mecanismos existentes o máximo possível.
3. Invente novos programas sempre que necessário.
4. Diversifique e não tenha medo de duplicação ou “vencedores” não intencionais na resposta.
5. Mobilize o setor privado o máximo possível.
6. Verifique se a resposta é dinâmica e persistente.