Carta IEDI
Desenvolvimento Industrial e Recursos Naturais
Em um contexto em que a crise de covid-19 ilustra a importância de um país possuir competências industriais e abre novas possibilidades de fortalecimento do setor, a Carta IEDI de hoje aborda o tema da promoção do desenvolvimento e da inovação da indústria no Brasil.
Nesta ocasião são enfatizadas as potencialidades das indústrias baseadas em recursos naturais, com a análise das cadeias produtivas de petróleo e de biocombustível, a partir de dois estudos presentes no livro “Innovation in Brazil: Advancing development in the 21st century”, organizado por Elisabeth Reynolds e outros pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Outras divulgações do IEDI, como por exemplo, a Carta n. 928 “Capacidade Tecnológica e Competitividade Industrial” e a Carta n. 859 “A aproximação estratégica da indústria e agropecuária no Brasil”, já haviam tratado do assunto sob diferentes perspectivas.
No capítulo “Resource-led industrial development in the oil and gas global value chain: the case of Brazil”, o pesquisador Renato Lima de Oliveira analisa as políticas industrial e de inovação no setor de petróleo e gás (P&G) nos anos 2000. Adotando a perspectiva das cadeias globais de valor (CGV), o autor discute como a expansão das fontes de petróleo não convencionais e de alto custo afetou o espaço para as políticas governamentais e a cadeia de valor de P&G.
Nesse setor estratégico de recursos naturais não-renováveis, as empresas-líderes necessitam constantemente de novas reservas, que pertencem aos estados nacionais, detentores da propriedade dos direitos do subsolo. Isso dá aos governos dos países ricos em petróleo um grande poder de negociação frente às as empresas-líderes dessa cadeia de valor, aumentando o potencial para políticas que tentam fortalecer os elos locais, modernizar os fornecedores e melhorar a capacidade inovadora do país.
Esse foi o caso do Brasil, onde, desde a aprovação da Lei do Petróleo em 1997 e da criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), empresas privadas nacionais e estrangeiras estão autorizadas a explorar petróleo e gás no país à condição de observarem duas exigências regulatórias: direcionamento contratual de recursos para pesquisa e desenvolvimento (P&D) e requerimento de conteúdo local (RCL), incentivando o desenvolvimento dos fornecedores nacionais e a transferência de conhecimento.
O requisito regulatório de destinação de até 1% da receita das empresas concessionárias de campos de petróleo altamente produtivos para pesquisa corporativa, universidade pública ou treinamento de recursos humanos canalizou mais de R$ 19 bilhões para o sistema nacional de inovação no período 1998-2017. A Petrobras foi muito além desses requerimentos, investindo nas atividades de P&D mais de R$ 34 bilhões entre 2001 e 2014.
Entretanto, segundo o autor do estudo, em razão da falta de conexão entre as políticas industrial e de inovação, a ampliação dos gastos com P&D teve pouco impacto na cadeia doméstica de suprimentos do setor de P&G.
Oliveira destaca que, em razão da sua centralidade no desenvolvimento da exploração de petróleo offshore, a indústria da construção naval tornou-se um dos principais alvos da política industrial do governo brasileiro. Na avaliação do autor, porém, as políticas industriais de P&G tiveram sucesso apenas nos segmentos de produção e integração de módulos de plataformas e de equipamentos submarinos.
O foco exclusivo na demanda nacional, mais especificamente na demanda da Petrobras, tornou os estaleiros brasileiros vulneráveis a cortes no plano de investimentos da empresa líder em consequência da queda dos preços internacionais em 2014 e da operação anticorrupção Lava Jato.
A indústria de etanol de segunda geração (etanol 2G), por sua vez, é objeto do estudo “Innovation in advanced energy: towards a mission oriented agenda for second-generation (2G) etanol in Brazil”, de autoria do empresário Bernardo Gradin e do pesquisador Luiz Horta Nogueira.
Para os autores, o Brasil pode ser um líder mundial no desenvolvimento de uma economia de baixo carbono em virtude do seu portfólio de energia limpa, setor agrícola altamente produtivo e capacidade de produção de biocombustível totalmente integrada.
Tomando como referência o programa Proálcool, caso bem-sucedido de adoção de uma abordagem orientada à missão para desenvolvimento tecnológico que transformou o Brasil no maior e mais competitivo produtor de exportador de etanol do mundo de 1970 a 2007, os autores defendem a revitalização da indústria brasileira de biocombustível e o avanço no desenvolvimento de etanol celulósico à base de biomassa, conhecido como etanol de segunda geração (2G).
Segundo eles, o Brasil possui imensos recursos de biomassa, não apenas a partir de resíduos agrícolas (bagaço, palhas de cana etc.), mas também de possível conversão de pastagens em fontes energéticas que poderiam ser integradas a biorrefinarias avançadas e flexíveis.
No entanto, a indústria brasileira e os formuladores de políticas falharam até agora em explorar a promessa dessa tecnologia, mesmo que alguns dos programas para promover a inovação nas biorrefinarias tenham sido importantes.
Caso, por exemplo, do Programa de Apoio à Inovação dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), iniciativa conjunta do BNDES e da Finep, que viabilizou a instalação das três biorrefinarias de etanol 2G existentes no país. Também veem com otimismo o programa RenovaBio, instituído em dezembro de 2017. Porém, consideram que é necessária uma abordagem mais sistêmica e de longo prazo, que fomente a necessária “cultura de inovação”.
Para acelerar a inovação virtuosa em energia avançada na área de produção de etanol e das tecnologias de baixo carbono, Gradin e Nogueira sugerem:
1. Construir uma estrutura legal e reguladora ágil e eficaz para startups;
2. Reconhecer que a concorrência estimula inovações, abrindo o mercado brasileiro à concorrência e promovendo alianças colaborativas;
3. Proteger a propriedade intelectual e o ecossistema de inovação priorizando um investimento seguro para inventores e inovadores;
4. Investir em infraestrutura moderna;
5. Focar na criação de uma cultura de inovação e fornecer incentivos para “colaboração inteligente”;
6. Implementar um programa radical de incentivo fiscal para captura de carbono e tecnologias de baixa emissão.
Introdução
A Carta IEDI de hoje volta a explorar o tema da promoção do desenvolvimento e da inovação em indústrias baseadas em recursos naturais, com a análise das cadeias produtivas de petróleo e de biocombustível, a partir do resumo de dois capítulos do livro Innovation in Brazil: Advancing development in the 21st century, organizado por Elisabeth Reynolds e outros pesquisadores do Centro de Desempenho Industrial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (IPC/MIT).
No capítulo “Resource-led industrial development in the oil and gas global value chain: the case of Brazil”, o pesquisador associado do IPC/MIT, Renato Lima de Oliveira, analisa as políticas industrial e de inovação no setor de petróleo e gás nos anos 2000. Adotando a perspectiva das cadeias global de valor (CGV), o autor discute como a expansão das fontes de petróleo não convencionais e de alto custo afetou o espaço para as políticas governamentais e a cadeia de valor do setor de petróleo e gás (P&G).
Os potenciais e desafios da indústria de etanol de segunda geração (etanol 2G) é objeto do artigo, “Innovation in advanced energy: towards a mission oriented agenda for second-generation (2G) etanol in Brazil”, de autoria do empresário Bernardo Gradin, presidente da empresa de biotecnologia Granbio, e de Luiz Horta Nogueira, pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Unicamp. Para os autores, o Brasil pode ser um líder mundial no desenvolvimento de uma economia de baixo carbono em virtude do seu portfólio de energia limpa, setor agrícola altamente produtivo e capacidade de produção de biocombustível totalmente integrada. Nesse sentido, inspirados no sucesso do Programa Proálcool, propõem uma agenda orientada à missão de desenvolvimento de etanol 2G.
Políticas de conteúdo local e P&D na indústria brasileira de petróleo e gás
No contexto atual de produção industrial crescentemente fragmentada devido ao predomínio das cadeias globais de valor e do poder das empresas-líderes em transferir a localização das atividades econômicas pelas mais diversas razões, o setor de petróleo e gás se destaca por sua particularidade. Nesse setor estratégico de recursos naturais não-renováveis, as empresas-líderes precisam buscar constantemente novas reservas, que pertencem aos estados nacionais, detentores da propriedade dos direitos do subsolo. Isso dá aos governos dos países ricos em petróleo um grande poder de negociação frente às as empresas-líderes dessa cadeia de valor, aumentando o potencial para políticas que tentam fortalecer os elos locais e modernizar os fornecedores.
Na medida em que fontes mais acessíveis e baratas se tornam escassas, o setor de petróleo e gás tem se voltado para recursos mais difíceis de serem explorados, como águas profundas e outras fontes não convencionais, tornando-se mais intensivo em tecnologia ao longo dos anos. De igual modo, à medida que a indústria se aventura em recursos não convencionais e difíceis de extrair, os custos de produção sobem, aumentando a quantidade de bens e serviços que serão exigidos e que podem ser alvos de políticas de localização das empresas-líderes da cadeia, bem como das exigências de conteúdo local.
Os governos dos países que possuem grandes reservas de petróleo e gás podem, em grande medida, determinar as condições sob as quais as empresas-líderes, que concorrem pelos direitos de exploração do petróleo, irão operar. Por meio de requisitos de conteúdo local (RCL), os governos impõem restrições sobre como as empresas-líderes podem estruturar sua cadeia de suprimentos, reorganizando efetivamente a governança. Para cumprir com os regulamentos, as empresas-líderes são incentivadas a promover o desenvolvimento dos fornecedores nacionais, com incentivos para monitorar seu desempenho e transferir conhecimento, ou alternativamente a atrair fornecedores globais para a fabricação local.
Segundo Oliveira, esse foi o caso do Brasil, onde governos sucessivos utilizaram sua prerrogativa de regulador para promover um objetivo mais amplo de desenvolvimento industrial, tal como melhorar a capacidade inovadora do país e a cadeia de suprimentos doméstica por meio de políticas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de conteúdo local. Na avaliação do autor, o caso brasileiro também é ilustrativo dos desafios políticos envolvidos na concepção de políticas industriais, que incluem a definição de metas excessivamente ambiciosas devido a pressões distributivas e um ambiente generalizado de busca de renda.
Desde a aprovação da Lei do Petróleo em 1997 e da criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que quebrou o monopólio da Petrobras, empresas privadas, nacionais e estrangeiras, estão autorizadas a explorar petróleo e gás no Brasil à condição de observarem duas cláusulas regulatórias particularmente importantes para a demanda industrial e para inovação: o requerimento de conteúdo local e a exigência contratual de P&D. A abertura do mercado brasileiro foi um grande sucesso, com a produção de petróleo cru subindo de 0,7 milhão de barris por dia (mbpd) em 1994 para 2,6 mbpd em 2016.
Após a abertura, a Petrobras manteve sua posição dominante no mercado, mas preencheu suas lacunas de capacidade com parceria com companhias internacionais de petróleo para investir em projetos de águas profundas, com uso intensivo de capital. A estratégia valeu a descoberta das reservas abundantes do pré-sal nas bacias de Campos e Santos.
O crescimento da produção de petróleo teve efeitos importantes na economia brasileira. De acordo com o autor, embora as estimativas da participação do setor no PIB e na formação bruta de capital fixo variem significativamente entre os estudiosos do tema, existe consenso que a indústria de petróleo foi um dos segmentos de crescimento rápido da economia brasileira no período 2000-2014.
A indústria de P&G envolve um conjunto diversificado de fornecedores, desde fabricantes de aço usados em plataformas e tubulação para produtos químicos especializados e brocas consumidas no processo de perfuração de poços, para citar alguns. A cadeia de suprimentos inclui empresas para as quais a indústria de P&G a montante é o único cliente, tais como os equipamentos submarinos e alguns grandes estaleiros, além de outros que são apenas um dentre muitos, como fabricantes de válvulas e bombas.
As políticas de conteúdo local foram um fator significativo no crescimento da cadeia de abastecimento, embora, em muitos casos, a expansão da capacidade doméstica não tenha sido acompanhada pelo aumento de competitividade internacional. Oliveira destaca que alguns estudos sugerem um preço excessivo de 10% a 70% em itens como bombas, caldeiras navais, permutadores de calor e chapas de aço de fabricantes locais.
Dada a sua predominância no mercado, a Petrobras assumiu a liderança na estruturação da governança da cadeia de suprimentos, a partir do lançamento do Programa Brasileiro de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás (Prominp) pelo governo federal em 2003. Esse programa funcionou como um fórum no qual a Petrobras identificava gargalos e atuava para melhorar a capacidade e a competitividade da indústria sediada no Brasil.
Segundo o autor, no âmbito desse programa, a Petrobras, devido a pressões políticas, excedeu as obrigações de conteúdo local e começou a promover fortemente a expansão da base doméstica de suprimentos de bens e serviços para os projetos de exploração de petróleo e gás, como na indústria de construção naval. Nesse setor, como será visto a seguir, o governo tentou criar grandes players de capital brasileiro para atender às necessidades da indústria petrolífera de alto mar.
Oliveira ressalta que as regras de conteúdo local no setor de P&G mudaram ao longo do tempo, tornando-se mais estritas em respostas a incentivos eleitorais, pressões de associação empresariais e da decisão do governo federal brasileiro de utilizar o crescimento do setor de petróleo para fins de política industrial.
O endurecimento das regras a partir de 2003 levou a um aumento da frequência das auditorias e dos montantes das multas aplicadas. Segundo o autor, até novembro de 2017, a ANP realizou 410 auditorias, que resultaram em R$ 400 milhões de multas pagas ao tesouro federal, dos quais 75,7% se originaram de operadores de exploração em alto mar que falharam em cumprir com os requisitos legais de conteúdo local.
Contudo, as empresas de petróleo podem solicitar ao regulador de petróleo uma isenção de itens em suas obrigações de conteúdo local se fornecerem evidências de preços excessivos ou prazos de entrega no mercado local em comparação com os de importação. Isso aconteceu, por exemplo, com a plataforma de produção do campo pré-sal de Libra. Após meses de deliberação, a ANP concedeu ao consórcio de investimentos (Petrobras, Shell, Total, CPPC, CNOOC) licença para adquirir o casco da plataforma (e de alguns sistemas) fora do Brasil sem ter que pagar multa por isso.
De acordo com autor, na fabricação de cascos, uma atividade intensiva em trabalho e em escala, os estaleiros asiáticos são competidores particularmente difíceis de vencer. No entanto, quando esse casco está pronto, é necessário a instalação de módulos para uma plataforma de petróleo na parte superior e testes extensivos. Essa diferença foi reconhecida pelos reguladores na evolução dos requisitos de conteúdo local, que descartaram, em 2018, a obrigação de construção de cascos no Brasil.
Oliveira destaca a recente flexibilização dos RLC. Para facilitar o investimento das empresas de petróleo em um cenário de preços mais baixos, o governo brasileiro revisou o requisito de conteúdo local em 2017. Além de terem sido reduzidos pela metade, os RCL deixaram de ser utilizados como critério de oferta nos leilões de concessão.
No que se refere às atividades de P&D, todas as concessionárias atuantes em campos altamente produtivos no Brasil devem investir até 1% de suas receitas brutas de exploração em projetos de P&D nas áreas de petróleo, gás natural e biodiesel. Até a metade do montante pode ser investido nos centros internos de P&D ou junto a parceiros privados (incluídos fornecedores) com atividades de P&D no país. Os recursos remanescentes podem ser utilizados em parcerias com instituições de pesquisa ou de ensino credenciadas. De acordo com Oliveira, essa fonte sozinha canalizou mais de R$ 19 bilhões para P&D desde 1998 e ajudou a atrair centros internos de P&D de fornecedores mundiais para o Brasil, tais como Schlumberger, GE e FMC, empresas que têm ativamente desenvolvido e depositados patentes no país.
A Petrobras, contudo, foi muito além desses requerimentos mínimos de P&D, investindo mais de US$ 10 bilhões (R$ 34 bilhões) entre 2001 e 2014. Segundo Oliveira, esses números colocam a estatal brasileira no topo do ranking mundial de gastos com P&D no setor de P&G, superando grandes multinacionais como Chevron, BP e Statoil. O autor também ressalta que, até o ano de 2010, os projetos financiados pela Petrobras ajudaram a construir no Brasil 165 novos laboratórios e a reformar e ampliar outros 282. Igualmente, foram desenvolvidos 332 produtos, 253 processos e 531 tecnologias e foram publicados quase 4.000 artigos científicos.
Na avaliação de Oliveira, esse forte aumento nos recursos destinados às atividades de P&D teve, no entanto, apenas efeito indireto na cadeia local de suprimentos. As especificações e padrões elevados de qualidade exigidos pela Petrobras impulsionaram as empresas a inovar e investir em melhoria da qualidade e certificação técnica para obter contratos, evidências de modernização e inovação. Porém, 75% dos fornecedores que introduziram novos serviços ou bens em resposta às demandas do setor de P&G o fizeram por conta própria. Apenas um quarto deles em parceria com fornecedores estrangeiros (16%) ou diretamente com a Petrobras (8,3%).
Petróleo em alto mar e a promoção da indústria naval. Segundo o autor, cerca de 90% da produção brasileira de petróleo origina-se das operações em águas profundas, atividades que requerem plataformas de perfuração em alto mar para localizar reservas, plataformas para produzir P&G, navios-tanque para transportar a produção e embarcações para suprimento de plataforma offshore com equipamentos e cargas. Todos esses bens são montados em estaleiros, seguindo planos de engenharia cuidadosamente especificados.
Em razão da sua centralidade no desenvolvimento da exploração de petróleo offshore, a indústria da construção naval tornou-se um dos principais alvos da política industrial do governo brasileiro. Na avaliação de Oliveira, além da crescente demanda local por navios e plataformas para atender as necessidades da indústria petroleira de alto mar, a disponibilidade preexistente de recursos (Fundo da Marinha Mercante) e de instrumentos regulatórios para promoção do setor naval, bem como o potencial de geração de emprego pelos estaleiros, foram os fatores que levaram o governo brasileiro a adotar, nos anos 2000, uma política ambiciosa de promoção da indústria naval. Por meio de crédito subsidiado e encomendas apoiadas pelo governo, os formuladores de política incentivaram a modernização de estaleiros já existentes e buscaram atrair grandes grupos empresariais privados, como Queiroz Galvão, Camargo Correa e Odebrecht, junto com parceiros tecnológicos internacionais, como IHI, Daewoo, Kawasaki, etc., para investir em instalações de novos estaleiros.
A Petrobras participou ativamente do patrocínio aos novos estaleiros desenhando um programa específico para renovar sua frota de petroleiros por meio do programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), encomendando 49 navios construídos no Brasil com conteúdo local de 65%. A Petrobras também apoiou a criação da Sete Brasil, empresa em parceria público-privada, cujo propósito era desenvolver um fornecedor doméstico das caríssimas plataformas de perfuração em águas profundas. A possibilidade de se tornar um fornecedor para o Promef e para Sete Brasil levou a sucessivas rodadas de investimento na capacidade dos estaleiros, a maioria por grupos de capital nacional.
De acordo com Oliveira, em cerca de uma década, a posição do Brasil no ranking mundial da indústria naval saltou do 18º para o 4º, com aumento de dez vezes da tonelagem bruta compensada (TBC), que subiu de 0,2 milhão para 2,7 milhões entre 2004 e 2014. Embora permanecesse bem atrás dos líderes asiáticos China (48,6 milhões TBC), Coreia do Sul (34,3 milhões TBC) e Japão (20,7 milhões TBC), essa expansão foi resultado de uma expressiva mobilização de recursos públicos e privados para reconstruir uma indústria praticamente do zero.
Porém, na opinião do autor, diferentemente dos produtores asiáticos, os quais são profundamente inseridos nas cadeias globais de valor, o crescimento brasileiro foi inteiramente fruto de políticas públicas voltadas a ampliação da capacidade instalada da construção naval para servir o mercado local de exploração petrolífera de alto mar mediante a combinação de recursos subsidiados, encomendas governamentais e protecionismo.
O pesquisador ressalta que a base sobre a qual a indústria naval brasileira foi construída começou a trincar em 2014, quando a queda dos preços do petróleo levou a uma redução global do investimento no setor de P&G e quando grande escândalo de corrupção foi revelado envolvendo a administração da Petrobras, fornecedores e políticos.
O foco exclusivo na demanda nacional, e na Petrobras em particular, tornaram os estaleiros locais vulneráveis a cortes no plano de investimentos de uma única empresa líder, levando a uma drástica redução nos níveis de emprego do setor, que caiu de 82 mil empregados em 2014 para 43,7 mil em 2016.
Na realidade, porém, mesmo antes da crise de 2014, já havia sinais claros de que os estaleiros brasileiros operavam com baixo desempenho, incorrendo em atrasos e afetando a produção da Petrobras, como ilustra o caso do maior estaleiro do país, o EAS, uma joint venture entre Camargo Correia e Queiroz Galvão. Vencedor de uma licitação no âmbito do Promef, o estaleiro EAS atrasou, devido a problemas operacionais, a entrega do primeiro de um total de dez navios em 263 dias. Segundo Oliveira, devido à natureza sequencial da construção, o atraso no primeiro navio afetou a produção dos demais, ainda que não na mesma medida.
Para acelerar as entregas, a Petrobras desenvolveu um programa para monitorar de perto os estaleiros e encorajar a adoção de medidas para aumentar a produtividade e melhor as práticas de gestão e engenharia. Contudo, como essas iniciativas se mostraram insuficientes, a estatal cancelou ordens e redirecionou encomendas a estaleiros chineses. Oliveira ressalta que essa reorganização da cadeia de suprimento acarretou custos, incluindo multas por descumprimento dos requisitos de conteúdo local, mas foi viabilizada pela modularidade da indústria e pela disponibilidade global dos fornecedores.
Além de baixos níveis de produtividade e atrasos, outro desafio enfrentado pela indústria naval brasileira foi o superinvestimento e a maneira descentralizada de construção do parque industrial. Grandes estaleiros foram construídos em todo o litoral do Brasil, de Pernambuco ao Rio Grande do Sul, como recompensa política para os estados que atraíram esses investimentos intensivos em mão-de-obra. Segundo o autor, um caso claro de conflito entre incentivo político e eficiência da economia, pois tal fragmentação prejudicou os benefícios das economias de aglomeração, incluindo efeitos de cluster e transbordamento em instituições complementares (por exemplo, treinamento), mercados de trabalho e indústrias de fornecimento e serviços a montante.
Embora trace um retrato negativo do desenvolvimento recente da indústria naval brasileira, Oliveira destaca que nessa indústria se desenvolveram alguns nichos no quais as empresas domésticas foram capazes de assumir posição competitiva. Este seria o caso da fabricação e instalação dos módulos das plataformas de petróleo no convés dos navios. Essa atividade é realizada de acordo com as especificações do cliente, incluindo as características específicas do campo em termos de mistura de gás ou petróleo. Nesse nicho, alguns players no Brasil têm um histórico positivo, como a Brasfels, subsidiária do grupo singapurense Keppel Offshore & Marine, e a BRASA, uma joint venture entre o grupo brasileiro Synergy e a operadora offshore holandesa SBM.
Da mesma forma, o segmento intensivo de tecnologia de equipamentos submarinos possui uma forte base de fabricação local sob condições competitivas, a qual é, todavia, dominada por empresas estrangeiras. Ambos os segmentos têm, segundo o pesquisador, sobrevivido a mudanças recentes nas regulamentações de conteúdo local e podem ser classificados como sucesso parcial das políticas industriais de P&G.
Inserção global do setor brasileiro de petróleo e gás
De acordo com Oliveira, durante a última década, o crescimento da demanda, a RCL e os esforços ativos de todos os níveis do governo para atrair fornecedores estrangeiros impulsionaram o investimento direto estrangeiro (IED) no setor de P&G do Brasil e a modernização de atores locais. Muitos fornecedores globais, particularmente, aqueles com forte presença no segmento submarino, como FMC (EUA), Technip (França), Vallourec (França) e GE P&G (Estados Unidos), estão instaladas no Brasil.
A partir da análise dos contratos da Petrobras com fornecedores no período 2005-2015, Oliveira mostra que a maioria dos contratos foi realizada com empresas com operação no Brasil, muitas das quais de capital estrangeiro. Porém, em termos de valor, as importações da Petrobras foram bem superiores tanto na média como na mediana.
A Tabela abaixo traz a relação dos principais fornecedores da Petrobras no mercado internacional e no mercado doméstico. Entre os vinte maiores fornecedores internacionais da Petrobras, responsáveis por 66% das importações totais da empresa, o destaque é a subsidiária holandesa da Petrobras, que responde por cerca de 30% das operações. A maior parte das importações principais refere-se a serviços de perfuração ou produção. Em contraste, as transações no mercado doméstico são muito menos concentradas, e os bens e serviços mais diversificados, e a empresa que se destaca como principal fornecedor, a Vallourec, responde por 5% dos gastos locais totais da Petrobras. Dentre os vinte principais fornecedores no mercado doméstico, doze são subsidiárias locais de empresas mundiais, tais como a já mencionada Vallourec, além de Confab, Schumberger, Halliburton, Bran, Baker e Ommi.
Para Oliveira, o predomínio das empresas estrangeiras no mercado doméstico de suprimento comprova o alcance limitado dos esforços de modernização das empresas brasileiras. Além disso, alguns dos principais fornecedores locais, como UTC Engenharia e Odebrecht Óleo e Gás, foram severamente atingidos pelo escândalo da Lava Jato e precisaram reduzir suas operações para pagar dívidas pendentes e sobreviver.
Na avaliação do autor, pelo menos em parte, essa modernização limitada de fornecedores domésticos foi fruto da desconexão entre a política de inovação (recursos direcionados contratualmente para P&D) e a política industrial (requerimentos de conteúdo local).
Os recursos de P&D foram fundamentais para equipar laboratórios universitários, financiar o treinamento de recursos humanos e estimular as atividades de P&D dos operadores de petróleo. No entanto, os recursos não podiam ser utilizados em programas de desenvolvimento de fornecedores, uma medida criticada por associações industriais como a CNI. Somente a partir da 11ª Rodada de Licitações em 2013, 10% dos recursos direcionados a P&D pela Petrobras passaram a ser destinadas a fornecedores de bens e serviços com sede no Brasil, o que ajuda a conectar a inovação à política industrial. Houve igualmente a ampliação do leque de instituição de pesquisa aplicada com acesso aos recursos contratuais direcionados para P&D, como unidades do SENAI e institutos de inovação (15 dos quais credenciados pela ANP), ajudando a canalizar recursos para aplicações industriais.
Outro motivo para a modernização limitada de players locais destacado pelo autor é a baixa exposição ao mercado externo. A indústria brasileira de petróleo e gás atendeu principalmente o mercado doméstico e não se beneficiou das exportações como impulsionadora de atualização tecnológica. A atividade de exportação para fornecedores de P&G é marginal (menos de 10%), mesmo para itens onde os produtores locais são mais competitivos, como os equipamentos submarinos. Em muitos casos, a base de suprimentos local sequer foi capaz de atender competitivamente a demanda nacional e, como já mencionado, as empresas concessionárias de petróleo pagaram multas por não cumprirem os requisitos de conteúdo local estabelecidos pela ANP.
Lições da experiência brasileira no setor de P&G
Na conclusão de Oliveira, a experiência brasileira com política industrial e de inovação no setor de P&G é complexa e teve resultados mistos. No entanto, mostra claramente como o setor de petróleo contemporâneo pode ser alvo de políticas industriais que rompem com o paradigma de desenvolvimento do enclave, promovendo vínculos entre empresas locais e fornecedores globais.
Embora uma política industrial ativa seja possível, sua sustentabilidade ao longo do tempo, particularmente em períodos de baixo preço de petróleo, quando os recursos não convencionais se tornam menos competitivos, depende da eficácia das políticas de modernização de fornecedores bem como do isolamento das pressões políticas.
Na avaliação de Oliveira para aumentar a autonomia e capacidade do Estado na formulação e implementação de uma política industrial efetiva é fundamental evitar pressões para: a) aumentar RCL por demanda de grupos de interesse e adotar políticas protecionistas sem cláusulas de caducidade; b) localizar investimentos em regiões onde é politicamente conveniente e não economicamente eficiente; e c) envolver-se em coalizões de busca de renda, como a extração de subornos de fornecedores, que apoiarão a coalizão no poder.
Etanol de segunda geração: desafios e oportunidades
Desde 1990, a oferta de energia de fonte renovável tem crescido consideravelmente em comparação com as fontes tradicionais. Países em diferentes partes do mundo têm adotado políticas e programas para estimular o desenvolvimento de tecnologias avançadas e a oferta de energia renovável por diversas razões, incluindo mitigação de mudanças climáticas, melhoria da saúde humana, segurança energética, entre outras.
Uma dessas novas tecnologias avançadas de energia é o etanol celulósico à base de biomassas não comestíveis, que são um vasto recurso renovável, ambientalmente responsável. Segundo Gradin e Nogueira, o etanol celulósico ou etanol 2G é promissor como fonte alternativa de combustível, energia e produtos químicos de baixo carbono.
Dependendo da fonte de biomassa utilizada, os biocombustíveis e bioquímicos derivados do açúcar celulósico podem até mesmo apresentar uma pegada de carbono negativa. Caso, por exemplo, da cana-de-energia, uma variedade de cana em áreas semiáridas, cujo teor de fibra é muito maior, que atua, comprovadamente, como uma esponja que absorve o dióxido de carbono da atmosfera, convertidos em carbonos de açúcar não comestíveis e fixados no sistema de enraizamento da planta.
O conceito de uma refinaria de biomassa flexível (ou biorrefinaria) que pode alternar a produção de álcoois renováveis, ácidos, solventes e derivados de base de lignina pode em breve se tornar atraente para grandes empresas químicas que estão interessadas em fazer a transição de sua cadeia de valor para produzir produtos biológicos amigáveis ao clima.
Gradin e Nogueira sustentam que o setor de etanol celulósico enfrenta desafios em financiamento, insumos e processos, mas todos podem ser resolvidos. Primeiro, as plantas comerciais de 2G devem demonstrar que são rentáveis e replicáveis, de preferência superando os operadores históricos em retornos e rendimentos e pegada de carbono. Em segundo lugar, o capital ainda é escasso devido à percepção de risco tecnológico e de investimento. As primeiras plantas foram construídas com alguma combinação de capital de risco, crédito tributário, subsídios e recursos concessionais. Em terceiro lugar, a segurança de suprimento de biomassa e uma cadeia de valor integrada que tenha capacidade de se adaptar são pré-requisitos essenciais para os investidores. Outros insumos, como os biocatalisadores, enzimas de engenharia biológica e leveduras necessários para quebrar polímeros celulósicos em açúcares e fermentar açúcares não comestíveis em etanol, também são vistos como caros e uma barreira à competitividade de custo devido à logística e à escala. Além dos avanços tecnológicos e das reduções na curva de custos, o etanol 2G, como qualquer tecnologia, requer um ambiente regulatório estável, confiável e previsível.
Os Estados Unidos, a maioria dos países da Europa, o Japão e a China estão na corrida para o desenvolvimento e produção do etanol 2G. A tecnologia de produção de etanol 2G permite que qualquer país, independentemente de suas condições climáticas e de outros produtos agrícolas, atenda sua própria demanda de combustível, a partir da utilização de biomassa renovável, incluindo resíduos florestais ou agrícolas gerenciados, e responda aos compromissos internacionais sobre o clima. Em outras palavras, o desenvolvimento do etanol 2G tem o potencial de expandir as capacidades de produção para outros continentes, reduzindo a dependência mundial do etanol comum atualmente produzido nos Estados Unidos e no Brasil.
No mundo, grandes empresas químicas e de combustíveis, como BP, Dupont, Mossi & Ghisolfi e Abengoa, entre outras, construíram e posteriormente fecharam suas plantas de etanol celulósico. Atualmente, há apenas três plantas de etanol 2G em escala comercial em operação. Duas delas são brasileiras e pertencem às empresas Raizen e GranBio. A terceira é a planta da empresa norte-americana biocombustível avançado Poet/DSM nos Estados Unidos.
Na avaliação dos autores, a experiência do Proálcool é exemplo bem-sucedido de como o Brasil lançou e implementou um programa de inovação significativo e ousado para conter o choque do petróleo e criou uma formidável e integrada cadeia de P&D e de valor agroindustrial no setor de biocombustível, tornando possível a substituição de gasolina pelo etanol. Em virtude do seu portfólio de energia limpa, do setor agrícola altamente produtivo e de capacidade de produção de biocombustível totalmente integrada, o Brasil pode ser um líder mundial no desenvolvimento de uma economia de baixo carbono a partir da produção de etanol de segunda geração.
Na avaliação dos autores, no Brasil, o potencial de recurso de biomassa é imenso, não apenas a partir de resíduos agrícolas, como bagaços e palhas, mas também da conversão de pastagens comuns, terras degradadas, mas abundantes, em pastagens energéticas que poderiam ser integradas a biorrefinarias avançadas e flexíveis. Os autores destacam que o país possui 200 milhões de hectares de terras degradadas ocupadas com a criação extensiva de gado, cuja produção econômica por hectare poderia saltar de US$ 100 por hectare ao ano para mais de US $ 20.000 por hectare ao ano, se a terra fosse usada para produzir cana de energia para etanol 2G e produção de energia.
Panorama da indústria brasileira de etanol
A indústria brasileira de etanol se desenvolveu a partir do programa Proálcool, instituído em 1975 pelo governo militar em resposta à grave crise do petróleo no início da década de 1970. Considerado um dos poucos casos de adoção bem-sucedida de uma abordagem orientada à missão para desenvolvimento tecnológico na história brasileira, com utilização da ciência para resolução de um grave problema socioeconômico, o programa Proálcool transformou o Brasil no maior e mais competitivo produtor de exportador de etanol do mundo.
A rápida expansão da capacidade de produção exigiu esforços complementares para direcionar a demanda, o que ocorreu sob a forma de requerimentos mínimos de etanol misturados no combustível. O programa deu origem a várias inovações a jusante como o motor automotivo flex fuel, o qual utiliza sensores e softwares para otimizar o desempenho dos motores quando combinações variáveis de gasolina e etanol, incluindo 100% etanol, são utilizados.
Na visão dos autores do trabalho, o Proálcool é amplamente percebido como sucesso porque se baseia na vantagem comparativa do país na seleção, modificação e cultivo da cana-de-açúcar, forjada ao longo de mais de quatro séculos e incorporada em instituições como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Todavia, o custo do subsídio à indústria doméstica de etanol por um período de tempo prolongado gerou preocupação ao longo dos anos. Igualmente, o programa recebeu críticas por seus aspectos sociais e ambientais.
De acordo com Gradin e Nogueira, o Brasil se manteve na liderança inconteste do mercado internacional de bioetanol até 2007, quando perdeu a primeira posição para os Estados Unidos, que produz etanol a partir do milho. Em 1997, a produção brasileira anual de etanol, da ordem de 15,4 bilhões de litros, era três vezes superior à produção dos Estados Unidos (4,8 bilhões de litros). Dez anos depois, a produção brasileira, que havia aumentado para 27,5 bilhões de litros, foi superada pela produção norte-americana, que aumentou sete vezes, alcançando 35,2 bilhões de litros anuais. Com a promulgação do Ato de Independência e Segurança Energética em 2007, que introduziu um padrão de combustível renovável (RFS), os Estados Unidos se consolidaram como líder do mercado de etanol.
A despeito do avanço norte-americano, o Brasil continuou sendo um grande produtor e exportador de etanol. Porém, em 2014, as exportações brasileiras começaram a cair, enquanto cresciam ano a ano as importações de etanol produzido nos Estados Unidos. Em 2017, o Brasil registrou o seu primeiro déficit comercial de etanol, importando 1,7 bilhão de litros dos Estados Unidos (ante a exportação de 1,3 bilhão de litros). Os autores sublinham que o déficit comercial na balança de etanol poderia ter sido ainda maior não fosse a contração da economia brasileira, que registrou queda de 8% no PIB no biênio 2016 e 2017.
Gradin e Nogueira afirmam que, em 2017, mais de um terço dos produtores brasileiros de etanol estavam em situação de falência ou em grave estado financeiro. Do total de 444 plantas comerciais, 76 encerram as atividades. Do total de 368 usinas ativas, 39 estão em processo de reestruturação judicial ou em meio a processos de falência. Em outras palavras, 115 usinas, representando 25% da capacidade de produção instalada do país, estão em falência ou à beira da falência.
De acordo com os autores, ecoando a opinião de representantes do setor, a forte queda na competitividade do setor de etanol no Brasil foi resultado direto de vários fatores:
a) falta de políticas que reconheçam as externalidades positivas do setor e incentivem o investimento nesse setor;
b) o mecanismo de preços da gasolina, em particular as consequências duradouras do congelamento dos preços da gasolina e a redução dos impostos sobre combustíveis fósseis instituídos pelo governo entre 2011 e 2014, bem como, mais recentemente, uma intervenção nos preços promovida pela greve dos caminhoneiros em 2018;
c) a escassez de capital para renovar os cultivos de cana, com redução da produtividade dos produtores de cana-de-açúcar e
d) volatilidade dos preços e a falta de um mercado futuro que possa oferecer ao setor alguma previsibilidade de preço.
Ainda que as condições atuais sejam certamente diferentes daquelas da década de 1970, os autores compartilham a visão dos que defendem o retorno de uma agenda de política para revitalizar a indústria brasileira de etanol e avançar no desenvolvimento do etanol 2G com o mesmo grau de urgência e foco do Programa Proálcool.
Iniciativas governamentais recentes no setor de biocombustível
Segundo Gradin e Nogueira, entre 2001 e 2014, o BNDES e a Finep patrocinaram várias iniciativas bem-intencionadas destinadas a estimular a inovação em biocombustíveis. Uma delas foi o Programa de Apoio à Inovação dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), lançado em 2012, que destinou US$ 1,3 bilhão para apoiar projetos inovadores no setor sucroalcooleiro.
O PAISS concedeu empréstimos com juros baixos para um período de até sete anos e / ou pequenas doações seletivas a mais de 37 empresas. Foram financiadas três usinas de 2G etanol: uma em escala de demonstração para o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e duas em escala comercial: uma para Raizen e outra para a GranBio. Além de empréstimos e doações, o BNDES também fez investimentos de capital em empresas como CTC e GranBio para apoiar a construção das primeiras biorrefinarias de etanol celulósico.
Na avaliação dos autores, embora os programas setoriais ofereçam capital subsidiado de longo prazo, as taxas de juros reais e os custos totais de empréstimos para acessar esses programas os tornavam comparáveis aos mercados de capitais privados. Ademais, em razão das altas garantias exigidas nos empréstimos e do mecanismo para abrir capital da empresa no mercado de capitais local previsto no investimento em biorrefinarias avançadas, os riscos das operações recaiam principalmente nos ombros dos empresários.
Isso é bem diferente dos modelos norte-americano e europeu, nos quais os governos concedem subsídios significativos e estabelecem mandatos sistêmicos que garantem demanda subsidiada temporária aos pioneiros e estimulam a concorrência entre empresas inovadoras. Nesses países, os recursos públicos têm sido utilizados para abrir licitações para concessões puras e oferecer crédito tributário com base competitiva para as melhores ideias, inovações e investimentos para promover novas tecnologias com externalidades sociais positivas.
Em dezembro de 2017, a lei 13.576, sancionada pelo presidente Michel Temer, estabeleceu uma nova política nacional para os biocombustíveis no Brasil. A nova lei criou o programa RenovaBio, projetado para estimular soluções energeticamente eficientes, incluindo biocombustíveis, para melhorar a segurança energética e reduzir a pegada de carbono do país como parte dos esforços globais para mitigar as mudanças climáticas.
Com o objetivo de estimular eficiência e atrair investimentos para o setor de combustíveis, essa nova política, que tem horizonte de longo prazo, introduziu no país certificações semelhantes ao padrão de combustível renovável (RFS) e de combustível de baixo carbono (LCFS) adotado em Estados Unidos. Segundo os autores, a indústria de biocombustíveis comemorou essa conquista que, segundo as estimativas, pode resultar em demanda doméstica de até 40 bilhões de litros de etanol até 2030, em comparação com a demanda atual de 26 bilhões de litros. Os produtores de etanol esperam também que a RenovaBio crie um mercado futuro estável e introduza preços baseados em carbono semelhantes ao efeito dos programas dos Estados Unidos.
Espera-se que quando o programa estiver totalmente implementado, seja possível criar a plataforma necessária para uma combinação mais ampla e abrangente de programas e financiamento para apoiar a inovação em tecnologias de biorrefinarias, que poderiam atingir não apenas combustível, mas também bioquímicos e biomateriais. Dessa forma, na avaliação dos autores, o RenovaBio poderá ter um efeito transformador no esforço do Brasil para acelerar a inovação na bioeconomia.
Sugestões para acelerar inovação em bioenergia
Embora reconheçam que alguns dos programas e iniciativas existentes no Brasil para promover a inovação nas biorrefinarias têm sido importantes, Gradin e Nogueira, consideram que é necessária uma abordagem mais sistêmica e de longo prazo. Segundo eles, predomina no país a mensuração da inovação por meio de gastos com P&D. Em um modelo de “impulso pela ciência”, baseado na lógica da pesquisa acadêmica, o aumento do investimento em P&D seria a principal ou única fonte de inovação.
Uma abordagem mais eficaz seria assumir uma visão sistêmica, na qual instituições e universidades de P&D representam uma parte muito importante, mas as empresas também têm um papel central na promoção da inovação e da sua comercialização. Nessa visão, defendida pelos autores, uma rede com vínculos diretos e indiretos que combina infraestrutura pública e privada, escolas, estruturas regulatórias, instrumentos de capital e incentivos inteligentes é considerada fundamental para viabilizar a “cultura de inovação” necessária.
Na perspectiva das empresas, as políticas industriais e de inovação do Brasil ainda refletem um paradigma linear antiquado. A velocidade da mudança e o aumento da conectividade que agora está disponível para dar suporte à colaboração tornaram essa abordagem obsoleta. Como resultado, políticas bem-intencionadas, programas de incentivo e iniciativas legislativas para promover a inovação podem estar desconectadas ou até mesmo contraditórias, porque não integram um plano estratégico sistêmico de longo prazo.
Indicadores comuns, como produtividade do trabalho, número de patentes registradas, empregos de alto conhecimento criados, lançamentos de startups, velocidade de anúncio da substituição de produção / serviço, fazem parte do “painel de controle”, mas o desempenho das empresas brasileiras em mercados globalmente competitivos e o investimento direto no Brasil por empresas inovadoras internacionais são igualmente indicadores importantes.
Na avaliação dos autores, o aumento do financiamento para pesquisa e ciência públicas, por si só, não ajudará as biorrefinarias a atravessarem a lacuna, frequentemente chamada de “vale da morte”, entre desenvolvimento e comercialização bem-sucedida.
É necessário, em primeiro lugar, que governo aprove políticas eficazes de crédito tributário para promover os esforços privados de P&D e recompensar o risco assumido com tolerância temporal até o vencimento. Em segundo lugar, embora a importância e a necessidade de empreendedorismo, startups e financiamento público sejam geralmente reconhecidas, há pouco incentivo claro aos proprietários de usinas de açúcar ou novos entrantes para inovar e estabelecer biorrefinarias flexíveis. Até o momento, os incentivos públicos não foram sustentáveis nem replicáveis, e forneceram muito pouca tolerância a eventuais fracassos.
Os empréstimos públicos geralmente exigem garantias de demanda que somente balanços sólidos podem oferecer. Os riscos da inovação repousam exclusivamente sobre o empreendedor ou sobre a empresa. Nesse sentido, também pode ser arriscado usar o financiamento público para impulsionar a inovação por meio de startups no contexto do atual sistema regulatório brasileiro.
Os autores consideram que não existe uma fórmula simples para acelerar a inovação em energia avançada. O futuro da inovação no Brasil dependerá de uma soma de ações correlacionadas que serão sistematizadas e tornadas coerentes apenas por meio de amplo debate social e uma espécie de pacto nacional. Parece difícil visar a inovação como meio ou fim das políticas públicas, exceto na forma de projeto e subsídios limitados.
Com foco nos tipos de intervenção necessária para fortalecer a indústria de etanol 2G no Brasil, os autores apresentam as seguintes sugestões:
1. Construir uma estrutura legal e reguladora ágil e eficaz para startups de modo a sinalizar claramente o valor da inovação e seu papel fundamental no crescimento econômico. Essa sugestão poderia ser implementada por meio de medidas variadas e complementares, como linhas de financiamento específicas, tarifas de eletricidade produzidas por usinas de cogeração em usinas de cana-de-açúcar usando bagaço e biogás de vinhaça, e leilão de tecnologias / produtos selecionados, sempre com claro critério de eficiência. A mentalidade atual da indústria de etanol é conservadora e orientada para a agricultura. Como a burocracia e a regulamentação tornam a inovação muito arriscada, o governo deve procurar caminhos específicos para ajudar a indústria a se tornar mais ágil e inovadora.
2. Reconhecendo que a concorrência estimula inovações, abrir o mercado brasileiro à concorrência e promover alianças colaborativas. Isso pode ser realizado reduzindo a intervenção do governo em empresas e institutos públicos de pesquisa e universidades. Atualmente, o Brasil permanece insular e fechado para as importações. Há pouco incentivo da inovação para florescer em mercados protegidos; as empresas tendem a se concentrar em fazer lobby para manter a concorrência à distância.
3. Proteger a propriedade intelectual (PI) e o ecossistema de inovação priorizando um investimento seguro para inventores e inovadores. Por exemplo, um "procedimento acelerado verde" deve estar disponível para a solicitação de patentes vinculadas à bioeconomia. A agência de registro de propriedade intelectual do Brasil, o INPI, não é financiada adequadamente. Permitir ao INPI reinvestir mais da receita coletada com as taxas, tal como faz o Departamento de Marcas e Patentes dos EUA, poderia desencadear um ciclo virtuoso: o INPI poderia atender às solicitações com mais eficiência e mais pessoas registrariam invenções, gerando taxas adicionais e assim por diante.
4. Investir em infraestrutura moderna. Tais investimentos promoveriam a disseminação da inovação e permitiriam uma colaboração isenta de impostos entre as universidades, institutos de pesquisa, empresas e comunidade internacional.
5. Foco na criação de uma cultura de inovação e fornecer incentivos para “colaboração inteligente”. Tais incentivos devem ter como alvo campos estratégicos, como energia limpa e biotecnologia, induzindo investimentos em mais plantas piloto e de demonstração.
6. Implementar um programa radical de incentivo fiscal para captura de carbono e tecnologias de baixa emissão. O programa RenovaBio é uma política importante nessa direção.
Para os autores, o setor de energias renováveis e limpas no Brasil está passando por uma transformação positiva e disruptiva. Isso representa uma grande oportunidade para criar apoio público a tecnologias ambientalmente responsáveis e buscar um papel de liderança global. O bem-sucedido Proálcool comprova que o país tem vocação para programas de cima para baixo, orientados para a missão. A energia limpa pode fornecer uma plataforma estruturante para combinar os recursos naturais do Brasil e a força em ciências e tecnologia para promover a inovação virtuosa.