Carta IEDI
O início da crise econômica do coronavírus
Embora as medidas de isolamento social, necessárias para se combater a pandemia de covid-19, tenham sido amplamente adotadas apenas na segunda metade de março de 2020, o nível de atividade econômica já apontou forte contração. O problema foi agravado pela dificuldade de se obter insumos importados e pela escalada da incerteza que tem afetado tanto as famílias como as empresas.
Neste ambiente, os setores mais atingidos foram o varejo, em seu conceito ampliado, que inclui os ramos de veículos, autopeças e material de construção, e a indústria, registrando respectivamente -13,7% e -9,1% frente a fev/20, já descontados os efeitos sazonais. O setor de serviços também retrocedeu (-6,9%), mas contou com atividades que permitiram amortecer parcialmente suas perdas.
Com isso, o Banco Central avalia, por meio de seu indicador IBC-Br, que funciona como uma proxy do PIB, que o nível geral de atividade da economia recuou -5,9% na passagem de fev/20 para mar/20, já descontados os efeitos sazonais. A divulgação destes dados fez com que as projeções para o PIB em 2020 recuassem de -4,11% em 08/05/20 para -5,12% em 15/05/20, segundo o Boletim Focus/BCB.
Na indústria, embora variações negativas tenham marcado a grande maioria de seus ramos (88,5% do total), os piores resultados foram registrados pela fração do setor que produz bens mais complexos, com maior participação de componentes e peças importados e cuja demanda exige confiança e se realiza normalmente por meio de financiamentos: bens de consumo duráveis e bens de capital, que registraram -23,5% e -15,2%, respectivamente.
Do ponto de vista regional, a diversificação das atividades dos principais polos industriais do Brasil evitou, neste momento inicial da crise do coronavírus, que os estados do Sudeste tivessem perdas muito profundas. Foi o caso de São Paulo, cuja produção caiu -5,4% ante fev/20, mesmo sendo o estado mais atingido pela covid-19, mas também do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O quadro foi muito mais grave para a indústria das regiões Sul, Norte e Nordeste do país. Rio Grande do Sul (-20,1%) e Santa Catarina (-17,9%) registraram as quedas mais intensas de toda sua série histórica com ajuste sazonal, mas Amazonas e Pará não ficaram atrás e também registraram perdas de dois dígitos. O Nordeste como um todo recuou -9,3%, em boa medida devido ao Ceará.
No comércio varejista, todo o consumo que as famílias puderam adiar foi adiado, reduzindo fortemente as vendas de tecidos, vestuário, calçados, veículos, móveis, eletrodomésticos, material de construção etc. Todos estes segmentos correspondem aos piores resultados do varejo.
Quem funcionou como contrapeso foram as vendas de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, que cresceram +14,6% ante fev/20, com ajuste sazonal, em função do impulso das famílias em estocar alimentos e demais produtos para consumo no lar face às medidas de isolamento. Por este fator, o varejo total em seu conceito restrito variou -2,5%, isto é, em linha com seu padrão histórico.
Nos serviços, os segmentos que mitigaram perdas maiores foram o de informações e comunicações, que passou a ser mais demandado como forma de adaptação de famílias e empresas ao isolamento social, e os serviços profissionais, administrativos e complementares, cujas atividades mais especializadas e de maior qualificação podem mais facilmente serem realizadas remotamente.
Apesar disso, nenhum ramo dos serviços escapou da queda. O caso mais grave coube aos serviços prestados às famílias (-31,2%), que geralmente são mais intensivos em mão de obra e tendem ser mais consumidos pelas pessoas de maior renda, que mais rapidamente restringiram sua circulação. Também retrocederam fortemente os serviços de transporte, refletindo o baixo nível de atividade econômica geral.
Indústria
Os primeiros efeitos do coronavírus sobre a indústria já começaram a aparecer nas estatísticas oficiais do IBGE. O tombo na passagem de fevereiro para março foi de -9,1%, descontados os efeitos sazonais, embora as medidas de isolamento social, necessárias para o combate da pandemia, passaram a ser amplamente adotadas apenas na segunda metade de março.
As perdas foram amplamente disseminadas entre os diferentes ramos industriais e também entre seus vários parques regionais. Dos 26 segmentos da indústria, 23 perderam produção na passagem de fevereiro para março, já descontados os efeitos sazonais, assim como todas as 15 localidades pesquisadas pelo IBGE, embora alguns parques não tenham registrado quedas tão excepcionais quanto outros.
Setorialmente, os recuos mais intensos ficaram a cargo de bens de consumo duráveis (-23,5% ante fev/20) e bens de capital (-15,2%), embora nenhum dos macrossetores industriais tenham se livrado do sinal negativo. Bens de consumo semi e não duráveis, diretamente impactados pelo retraimento do consumo derivado do isolamento social, recuaram -12% e Bens intermediários, -3,8%.
Regionalmente, São Paulo, que possui o maior número de casos de covid-19 confirmados e um dos primeiros a determinar o isolamento social, não esteve entre os piores resultados de mar/20.
Ainda na série com ajuste sazonal, a variação de -5,4% da indústria paulista foi a mais intensa desde a paralisação dos caminheiros. Apesar disso, manteve-se longe do nível da retração de mai/18 (-12,4%) e se saiu melhor do que o total Brasil agora em mar/20.
Outros estados cuja redução da produção industrial não chegou a destoar do padrão recente e também apresentaram resultados menos graves que o Brasil como um todo compreenderam Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso e Goiás.
Assim, o Sudeste, muito provavelmente em função da maior diversidade de sua indústria, e o Centro-Oeste, com forte concentração na produção de alimentos e no processamento de produtos agrícolas, conseguiram amortecer os impactos iniciais da crise do coronavírus. Os estados do Sul, Norte e Nordeste do país não tiveram esta sorte e recuaram fortemente.
O desempenho do Nordeste (-9,3%) como um todo se aproximou muito do total Brasil, mas entre os estados acompanhados pelo IBGE que compõem a região há grande disparidade de resultados. Enquanto a indústria na Bahia registrou -5,0%, a queda chegou a nada menos do que -21,8% no Ceará.
Perdas de dois dígitos foram mais comuns no Norte e no Sul do país. Foram os casos de Amazonas, com -11%, e Pará, com -12,8%. Por sua vez, Santa Catarina e Rio Grande do Sul registraram as quedas mais intensas de toda série histórica com ajuste sazonal: -17,9% e -20,1%, superando, em ambos os casos, o tombo provocado pela greve dos caminhoneiros em mai/18 (-14,8% e -13,9%, respectivamente).
Comércio
Com o fechamento da grande maioria de estabelecimentos de rua e dos shopping centers a partir da segunda metade do mês, o comércio varejista não escapou da queda de suas vendas em março de 2020. O resultado, porém, foi menos adverso do que os da indústria e o de serviços, mas isso só no varejo restrito. Incluídos os ramos de veículos e material de construção, o retrocesso foi intenso.
Frente a fev/20, já descontados os efeitos sazonais, as vendas reais do varejo restrito caíram -2,5%. A razão deste resultado não tão ruim foi o pico de compra de alimentos e outros itens básicos pelas famílias como reação às medidas de isolamento social. Além disso, a expansão do varejo online nos últimos anos também permite a manutenção do canal de vendas mesmo no contexto de isolamento.
Assim, representando pouco mais de 1/3 do varejo total, o segmento de supermercados, alimentos, bebidas e fumo registrou alta de +14,6% frente a fev/20. Passado o impulso inicial das famílias de estocagem de alimentos e demais produtos para consumo no lar, este desempenho positivo provavelmente não deve se repetir na mesma intensidade nos próximos meses, enfraquecendo este pilar de dinamismo do varejo.
Outro segmento que também ampliou vendas em março, embora em um ritmo mais modesto, foi o de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e perfumaria, diretamente relacionado com a natureza sanitária da crise atual. Suas vendas reais variaram +1,3% ante fev/20, com ajuste.
Excluídos os itens de primeira necessidade, as famílias adiaram o consumo de tudo aquilo que poderia ser adiado: roupas, calçados, itens de uso pessoal e doméstico, móveis, eletroeletrônicos, sem falar na troca de automóveis e na compra de material de construção, cujo declínio levou o varejo ampliado a registrar -13,7%.
O consumo destes bens, que no Brasil envolve em maior ou menor grau a necessidade de financiamento, deve continuar pressionado nos próximos meses, não apenas pelo isolamento social, mas também pela aguda incerteza em que vivemos atualmente e pelo medo do desemprego.
As quedas mais acentuadas em mar/20 foram verificadas nas vendas de tecidos, vestuário e calçados (-42,2%), veículos e autopeças (-36,4%) e móveis e eletrodomésticos (-25,9%), mas todos os demais segmentos registraram recuos de dois dígitos.
Segundo o IBGE, de todos os comerciantes que identificaram uma causa para a perda de receita de vendas em março, 43,7% apontaram a crise de covid-19 como justificativa. Esta parcela tende a aumentar a partir de abril, quando o isolamento social passou a atingir a integralidade do mês nos principais centros urbanos do país.
Serviços
O faturamento real do setor de serviços também registrou queda expressiva e bastante difundida em termos geográficos e entre seus diferentes ramos, mas algumas poucas atividades funcionaram como amortecedores. Trata-se de um mês adverso e heterogêneo.
Frente a fevereiro, já descontados os efeitos sazonais, o recuo chegou a -6,9%. Isto é, um resultado não tão ruim quanto o da indústria e melhor do que o do varejo, mas ainda assim destoou da evolução recente do setor de serviços.
Entre os segmentos de serviços, houve quem perdeu muito mais do que o setor como um todo. O maior retrocesso foi registrado pelos serviços prestados às famílias (-31,2%), o que não causa surpresas por dois motivos: geralmente são atividades mais intensivas em mão de obra e tendem ser mais consumidos pelas pessoas de maior renda, que mais rapidamente restringiram sua circulação. Aqui se sentem os efeitos mais graves do isolamento.
Com o nível geral de atividade econômica caindo bruscamente, o segundo tipo de serviços mais atingido foi o de transportes (-9,0% ante fev/20, com ajuste). Sendo a base da logística de mercadorias no país, o transporte terrestre perdeu -10,6% de seu faturamento real, porém, a mais prejudicada foi a aviação: -27,5%.
Refletindo os pesados retrocessos em transportes aéreo e terrestre e nos serviços prestados às famílias, o agrupamento especial identificado pelo IBGE para atividades turísticas registraram -30% frente a fev/20, a queda mais intensa da série com ajuste sazonal.
A situação do turismo é preocupante por possuir muitas pequenas e médias empresas, por reunir atividades bastante empregadoras e pela importância que o turismo tem em algumas regiões do país, como o Nordeste, que já vinha de um momento difícil devido aos vazamentos de petróleo na virada do ano.
Os serviços como um todo só não se saíram pior porque o segmento de informações e comunicações (-1,1%) amenizou a deterioração ao perder pouco de seu faturamento. Isso porque alguns destes serviços passaram a ser mais demandados como forma de adaptação de famílias e empresas ao isolamento social. A amenização, contudo, foi muito limitada e vale lembrar que informação e comunicação não cresce desde final do ano passado.
Os serviços profissionais, administrativos e complementares (-3,6%) também tiveram sua queda mitigada, ao menos por enquanto, devido à maior capacidade de teletrabalho em atividades mais especializadas. Entretanto, em seu componente de serviços administrativos e complementares, que reúne funções terceirizadas de menor qualificação, a perda de faturamento foi grave, chegando a -7,0% frente a fev/20.