Carta IEDI
Desafios empresariais face à Covid-19
A pandemia de coronavírus tem provocado alterações profundas nas atividades das empresas e no cotidiano das pessoas no Brasil e no mundo todo. Os impactos sobre a economia já se mostram expressivos, mas ainda não se sabem ao certo a profundidade e a duração da crise.
Neste contexto de incerteza aguda não há muitas alternativas além de se trabalhar com distintos cenários, constantemente atualizados à medida que novos fatos e informações vão sendo conhecidos. Estratégias de longo prazo precisam considerar que mudanças derivadas da pandemia podem ter vindo para ficar.
É o que muitas consultorias vêm sugerindo às empresas, de modo a tornarem-se mais resilientes no presente aproveitarem melhor as oportunidades no futuro.
A McKinsey, em documento recente, propõe planejamento empresarial levando em conta duas dimensões da crise de Covid-19: econômica e epidemiológica. Desenhou três cenários com diferentes graus de sucesso para as medidas de combate à pandemia em cada dimensão.
Em pesquisa com mais de dois mil executivos mundiais, a consultoria aponta, em abr/20, que 31% deles acreditava que as políticas de saúde pública e as de mitigação da crise econômica teriam apenas grau mediano de sucesso. Ou seja, em geral, preveem novas ondas de contágio do vírus e lenta retomada do crescimento de longo prazo.
Isso sugere que devemos estar preparados para talvez enfrentar um quadro mais adverso do que o cenário básico apresentado recentemente pelo FMI, em que previa declínio de -3% do PIB global em 2020. O próprio Fundo alertou para o peso da incerteza no atual contexto, sendo possível que o PIB mundial caia -6% se a pandemia se prolongar na segunda metade do ano.
Assim, torna-se fundamental que governos e empresas planejem um retorno organizado das atividades, assim que, tal como a OMS orienta, a curva epidemiológica da Covid-19 autorize. As experiências mundiais de saída do confinamento estão mostrando diferentes graus de sucesso, portanto é preciso manter-se aprendendo e se adaptando.
A Bain Company enfatiza também a importância de se buscar identificar qual será o “novo normal”, passados os piores momentos da pandemia. Para a consultoria, diante de tantas mudanças, os líderes precisam avançar e não retroceder, elencando os novos comportamentos que estão surgindo e os antigos que serão preservados. Isso passa pela maior digitalização em todas as frentes.
O isolamento social, a despeito dos enormes problemas a ele relacionados, pode abrir oportunidades. Certas mudanças, destaca a Bain, podem ser interessantes às empresas, como o fortalecimento do trabalho em equipe, redução de burocracias, ação e planejamento mais velozes, relações mais diretas entre CEOs e executores, mais disposição de questionar e menos comportamento defensivo.
Em resumo, para as empresas, enfrentar a crise do coronavírus significa resistir aos obstáculos que estão aparecendo em seu caminho, mas também se adaptar ou se reinventar para poder aproveitar as oportunidades que surgirão no “novo normal”.
Cenários para a crise de Covid-19
Em documento recente, o FMI (Fundo Monetário Internacional, 2020) apontou que em 2020 a crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19, batizada de “great lockdown”, deve fazer o PIB global retroceder 3% neste ano. No Brasil, a crise do Covid-19 deve ser ainda mais aguda, pois o PIB deve sofrer queda de 5,3%.
Na primeira quinzena de maio já foram mais de 4 milhões de casos confirmados de Covid-19 em todo o mundo e cerca de 300 mil mortes. A subnotificação faz ainda com que estes números estejam bastante subestimados.
Nos EUA, mais de 33 milhões de estadunidenses pediram seguro desemprego nas últimas sete semanas, com taxa oficial de desemprego de 14,7% em abril. Dados preliminares indicam que no primeiro trimestre de 2020 o PIB caiu 4,8% nos EUA e 14,4% na zona do Euro.
Na Ásia e na Europa, bem como em alguns estados dos EUA, diversos governos nacionais e locais começaram a reabrir suas economias, de acordo com suas realidades epidemiológicas.
Entretanto, como previne o FMI, a pandemia pode não regredir no segundo semestre deste ano, o que poderia levar a novos períodos de isolamento, agravamento das condições financeiras e mais rupturas nas cadeias de valor mundiais. Segundo estima do Fundo, neste caso a retração do PIB mundial poderia ser agravada para uma queda de 6% em 2020.
A Bain & Company criou um índice para acompanhar o impacto global do surto de coronavirus, com uma escala de 1 a 10 em grau de gravidade. Desde a primeira quinzena de abril, o índice está mantido em 7, o que significa que os impactos econômicos se espalharam para múltiplos mercados e já duram mais de um trimestre. Na avaliação da consultoria, as respostas de políticas dos governos estão modestamente modificando o dano econômico resultante da pandemia.
Se as condições econômicas continuarem se deteriorando - por exemplo, devido a reabertura malsucedida e a consequente extensão ou retorno de medidas duras de contenção - o índice pode se elevar novamente.
McKinsey & Company ressalta que a pior reação ao se confrontar com alta incerteza é negar a gravidade da pandemia ou banalizar suas consequências. “Devemos tentar vincular a incerteza à razão e pensar em soluções em um número limitado de cenários que podem evoluir”.
Nesse sentido, a consultoria propôs que o planejamento empresarial analisasse o impacto do Covid-19 em duas dimensões: econômica e epidemiológica.
Para avaliar a crise epidemiológica, as varáveis incluem a) as características do vírus e de sua doença, como modos de transmissão e taxas de mortalidade; e b) resposta à saúde pública, como bloqueios, proibições de viagens, distanciamento físico, testagem, rastreamento de contatos, capacidade de prestação de serviços de saúde, viabilidade de vacinas e melhores métodos de tratamento.
Para avaliar o impacto econômico, analisam-se a) o desemprego, fechamento de negócios, falhas corporativas, inadimplência, queda de preços de ativos, volatilidade do mercado e vulnerabilidades do sistema financeiro; e b) respostas de políticas econômicas para mitigar esses efeitos indiretos, relacionadas ao suporte a problemas financeiros das empresas, para evitar demissões e manter a renda dos trabalhadores etc.
Quanto às políticas epidemiológicas, a McKinsey diferencia três "arquétipos" de intervenções e resultados:
• As políticas de saúde pública conseguem controlar a disseminação em cada região em dois ou três meses, de tal modo que o distanciamento físico pode ser eliminado rapidamente (como visto na China, Taiwan, Coréia e Cingapura).
• As políticas são bem-sucedidas no início, mas o distanciamento físico precisa continuar por vários meses adicionais para evitar a recorrência viral.
• Falhas em controlar a propagação do vírus por um longo período de tempo, até que as vacinas estejam disponíveis ou até a imunidade da população seja alcançada.
Quanto aos efeitos das políticas econômicas, podem-se prever três níveis de eficácia:
• Ineficaz: a dinâmica cíclica da recessão entra em ação; falências generalizadas e inadimplências de crédito; potencial crise bancária;
• Parcialmente eficaz: as políticas compensam os danos econômicos em algum grau; uma crise bancária é evitada; mas se registram altos índices de desemprego e negócios não se recuperam;
• Altamente eficaz: uma forte resposta política evita danos estruturais à economia; com recuperação depois que o vírus é controlado aos níveis pré-crise.
Combinando-se estes resultados, tem-se 9 possíveis cenários, ilustrados no gráfico a seguir, que variam por país e região. Os cenários sombreados, A1 – A4, são os mais desejáveis, pois a Covid-19 é controlada e não se realizam danos econômicos estruturais catastróficos.
Mesmo se estiverem vivenciando os cenários otimistas, praticamente todos os países devem enfrentar quedas do PIB no segundo trimestre de 2020, provavelmente, sem precedentes. E ainda, uma segunda onda potencial de Covid-19 já está sendo prevista pelos especialistas no terceiro e no quarto trimestres deste ano.
De acordo com a pesquisa com 2.079 executivos globais conduzida pela McKinsey entre 02 e 10 de abril de 2020, 31% acredita que o mundo deve experimentar o cenário A1, 16% o A3 e 15% o B1. Somente 6% acreditava no mais otimista dos cenários (A4) e 3% no mais pessimista (3%). Ainda segundo as previsões da consultoria, a consolidação do cenário A1 implica uma queda de 6,5%no PIB mundial em 2020 (mais forte, portanto, que a previsão de -3% do FMI).
Estratégias para resistir e se preparar para o “novo normal”
Cada empresa de diferentes localidades pode avaliar os cenários futuros observando os respectivos indicadores epidemiológicos e econômicos durante as próximas semanas, conforme sugere a McKinsey:
Diante de múltiplos horizontes, saber planejar e agir é essencial. Na série de documentos COVID-19 Briefing Materials/ Global Health and crisis response, a McKinsey estabelece o passo a passo das ações “5-Rs” para lidar com a crise do Covid-19:
1) Resolva: Enfrente os desafios imediatos que o Covid-19 representa para a força de trabalho, clientes, tecnologias e parceiros de negócios da sua instituição;
2) Resiliência: Enfrente os desafios de curtíssimo prazo de fluxo de caixa e mais gerais durante os confinamentos e efeitos econômicos em cadeia das ações contra o vírus;
3) Retorno: Elabore um plano detalhado para os negócios voltarem a sua escala o mais rápido possível assim que ficarem claros o ciclo do vírus e suas repercussões econômicas;
4) Reimaginação: “Re-imagine” o novo normal após essa ruptura e as implicações para que a sua instituição se reinvente;
5) Reforma: Tenha clareza de como mudará o ambiente competitivo e regulatório na sua indústria.
De forma similar, a Bain & Company também propôs princípios para os líderes agirem agora para proteger e administrar os negócios de hoje e planejarem e reequiparem os negócios para o futuro:
I. Agir agora para mover e proteger os negócios hoje:
a) Responder à crise e proteger os negócios
• Colocar a segurança dos funcionários e clientes em primeiro lugar
• Montar um time de líderes seniores para enfrentar os desafios imediatos
• Construir modelos de cenários mais agressivos do que qualquer um da equipe jamais imaginou
• Foco em receitas, custos, caixa, operações e organização
b) Assegurar continuidade dos negócios e estabilidade.
• Mudar o gerenciamento da crise de reativo para o proativo
• Planejar uma série de ações mais severas para preservar a viabilidade dos negócios e identificar o que os desencadearia
• Foco na sustentabilidade dos funcionários, especialmente na equipe de resposta a crises
• Reduzir ou eliminar atividades não essenciais
II. Planejar agora reequipar os negócios para o futuro:
a) Acelere através da recuperação
• Previsão da demanda por região, canal e segmento
• Desenvolver planos operacionais, organizacionais e financeiros flexíveis para capturar a demanda reprimida (ou ajustar a demanda atendida)
• Construir resiliência em operações e outras funções para futuros riscos
• Preparar estrutura de custos e balanço para o futuro adquirindo novos recursos
b) Reequipe para o novo mundo
• Redescobrir a necessidade bruta do cliente, evitando discussões de "cliente médio"
• Repensar as prioridades estratégicas e investir ou adquirir recursos essenciais para superar os próximos capítulos da evolução do seu setor
• Use digitalização e parcerias para ajudar sua organização e operações a aumentar a resiliência, escala e velocidade
• Iniciar uma jornada de aprendizado para acelerar suas iniciativas mais críticas e criar negócios futuros.
Estes esquemas ajudam a entender as diferentes fases da jornada, mas não necessariamente seguem uma ordem única, podendo também se sobrepor ou se repetir. A essa altura da crise, pode-se supor que as empresas brasileiras já tenham ultrapassado o 1º e talvez também o 2º ou 3º R do modelo da McKinsey ou a fase I do esquema da Bain.
Assim as empresas têm que planejar como será o retorno das atividades e o novo normal, bem como as reformas necessárias, mesmo que a curva epidemiológica no Brasil ainda esteja na fase ascendente enquanto a infraestrutura de saúde nacional esteja próxima ou no limite em diversas cidades – situação em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) não recomenda relaxar o isolamento e outras medidas restritivas.
Para preparar os escritórios, fábricas e estabelecimentos comerciais em geral para receber funcionários e clientes, a McKinsey elenca intervenções de ao menos 3 ordens (observando-se a regulação trabalhista e sanitária em vigor):
a) Interações humanas saudáveis
• Assegurar que os empregados e clientes fiquem mais de 1,5m de distancia
• Higienizar superfícies de alto contato
• Separar empregados e clientes de indivíduos potencialmente doentes
• Garantir desinfecção de itens em contato com público em geral
• Controle de temperatura na entrada
b) Operação ininterrupta dos negócios
• Licença flexível por motivo de doença, para que trabalhadores possam ficar em casa se doentes
• Flexibilidade de funções (back-up cadeias de fornecedores e contratos)
• Administrar ausências e possibilitar trabalho remoto, com rotação de dias/ semanas
• Operação em múltiplas localidades sem viagens
c) Ambiente de trabalho seguro
• Limitar estruturalmente o contato físico entre empregados (como barreiras entre estações de trabalho)
• Melhorar as condições do edifício e fluxo de ar (ventilação, banheiros com aparelhos sem necessidade de toque)
• Educação sobre bons hábitos de higiene (lavar mãos, desinfecção)
• Limpeza profunda rotineira e direcionada
• Prover equipamentos individuais de proteção (máscaras, luvas).
A consultoria sugere que para planejar as atividades no novo normal, as empresas precisam adaptar seus negócios, acelerar transformações estruturais na força de trabalho por segmento, construir planos operacionais para a segurança dos empregados e marcar temporalmente a transição de acordo com ambiente local.
No que tange as mudanças em curso para o novo normal das organizações, identificam-se 3 diretrizes no artigo recente de James Allien, da Bain & Company, a partir de entrevistas com os renomados professores Robert Sutton, psicólogo organizacional da Stanford Graduate School of Business, e Hayagreeva "Huggy" Rao, professor de Ciências e Engenharia de Gestão.
Frente a tantas mudanças, os líderes precisam avançar e evitar retroceder, elencando quais novos comportamentos vão ser preservados e quais antigos devem se manter, alinhando com a equipe.
Em primeiro lugar, recomenda-se preservar o melhor do lockdown. Apesar de todos os seus problemas, o isolamento trouxe mudanças que podem ser interessantes na organização, com mais trabalho em equipe, menos burocracia, ação e planejamento mais velozes, mais conversas diretas entre o CEO e os executores, mais disposição de questionar e menos comportamento defensivo. Em geral, as melhores mudanças incluem três elementos:
• Experimentação de baixo para cima (bottom-up): nas empresas globais, as equipas locais estão experimentando a um ritmo diferente, respondendo a situações únicas e evolutivas.
• Equipes menores: equipes de quatro a seis membros (ou, "duas filas Zoom") são mais eficientes e constroem relações mais fortes.
• Menos "regras, ferramentas e tolos": eliminar fricções e complexidades desnecessárias para não sobrecarregar os empregados com "regras, ferramentas e tolos" que tornam mais difícil fazer o seu trabalho e que desperdiçam dinheiro e talento.
Em segundo lugar, o novo normal vai requerer que as empresas “paguem a dívida organizacional”, aquilo que prejudica a eficiência e a própria estrutura da empresa, que já estava presente antes da pandemia ou foi desenvolvido durante a mesma.
Por exemplo, a falta de coordenação entre as atividades e pessoas da empresa, mudanças na cadeia de valor – com diferentes compradores e mais contribuintes invisíveis, e a necessidade de se eliminar algumas formas de trabalho durante a pandemia que se tornarão insustentáveis.
Por fim, será necessário comprometer-se com um novo contrato social, que reequilibre as três áreas da organização: indivíduos, equipes (local) e a coordenação central. Segundo o artigo, agora as empresas precisam, mais do que nunca, de uma cultura de responsabilização clara e eficiente.
Porém, após um período de aumento do desemprego e diante da tendência de aceleração da automação e digitalização, tal cultura precisa se preocupar com as questões que envolvem a "dignidade do trabalho" – reduzindo preocupações e cobranças contraproducentes sobre as pessoas em nome de mais motivação e melhor desempenho.