Carta IEDI
Dois meses da crise de covid-19
A pandemia do coronavírus está provocando uma crise recorde na indústria brasileira em 2020. E isso sem que a recuperação dos últimos três anos tivesse sido capaz de recompor as perdas do período 2014-2016. Ou seja, estamos assistindo a uma sobreposição de crises industriais, de modo a tornar o quadro econômico do país muito mais complexo e desafiador, ainda mais quando uma nova revolução tecnológica avança no restante do mundo.
Na passagem de março abril de 2020, a produção industrial recuou -18,8% já descontados os efeitos sazonais. Como consequência, em apenas dois meses a pandemia de covid-19 já retirou da indústria mais de ¼ de sua atividade. O nível de produção de abr/20 comparado com aquele de fev/20 encolheu -26,1% no setor como um todo.
Muito disso decorre das medidas de isolamento social, necessárias para o combate da disseminação do coronavírus, mas também reflete a queda acentuada das exportações de manufaturados, que segundo o IBGE chegou a -32% em abr/20, rupturas de cadeias de fornecedores e o quadro de elevado medo e incerteza, bloqueando decisões de investimento e de consumo de muitos bens industriais.
As perdas foram não apenas intensas, mas também bastante difundidas: todos os quatro macrossetores industriais ficaram no vermelho, assim como 84% dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE. Os resultados foram particularmente ruins em bens de consumo duráveis e bens de capital, cujas produções caíram, respectivamente, -79,6% e -41,5% em abr/20 frente ao mês anterior, livre dos efeitos sazonais.
A produção de veículos liderou as perdas com -88,5%, enquanto o ramo de outros equipamentos de transporte, que inclui a produção de aeronaves, apresentou o segundo pior desempenho: -76,3%. Os resultados de ramos que compõem bens de capital não ficaram muito atrás, como a queda de -33,8% de máquinas e aparelhos elétricos e de -30,8% de máquinas e equipamentos.
Mas não foram apenas bens cujos mercados demandam confiança e condições adequadas de financiamento que apresentaram retrocessos intensos. Vestuário (-37,5%), têxteis (-38,6%) couros e calçados (-48,8%) também estão entre os mais afetados, pois seu consumo tende a ser mais facilmente adiado pelas famílias em momentos de crise e sua produção é intensiva em mão de obra, exigindo maiores adaptações para assegurar protocolos de proteção sanitária.
Levantamento do IEDI com 93 segmentos industriais detalhou ainda mais os resultados divulgados pelo IBGE. Nada menos do que 77% do total (ou 72 segmentos) registraram desempenho negativo no acumulado de jan-abr/20 frente ao mesmo período do ano anterior. Destes com perda de produção, quase 20% apresentaram quedas mais intensas do que -20%, tais como a produção de automóveis, de outros equipamentos de transporte, de artigos de malharia e de calçados.
Os indicadores de confiança junto aos empresários industriais, que em mai/20 permaneceram em seus níveis mais baixos, sugerem que a gravidade do quadro deve permanecer nos próximos meses, embora possa haver alguma pouca atenuação devido às medidas emergenciais de política econômica do governo e à adequação das linhas de produção para respeitar protocolos de distanciamento físico.
Segundo FGV, a confiança da indústria aumentou de 58,2 pontos em abr/20 para 61,4 pontos em mai/20 e a utilização da capacidade subiu 3%. Ainda assim, a confiança segue abaixo da marca de 100 pontos, indicando forte pessimismo, e a utilização da capacidade encontra-se muito abaixo da média histórica de 80%.
Ao que tudo indica, a contração da demanda, com o aumento do desemprego e queda da renda, e as alterações na organização da produção continuarão prejudicando o resultado da indústria nos meses que seguem. As projeções do Boletim Focus/BCB apontam para quedas de -4,83% da produção industrial e de -5,35% do PIB industrial em 2020 como um todo.
Resultados da Indústria
Em abril de 2020, a produção industrial recuou -18,8% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais. Este desempenho, que reflete o primeiro mês completo de isolamento social devido à pandemia do coronavírus, um período que muitas empresas lançaram mão de antecipação de férias e de suspensão da produção a fim de formularem e implementares protocolos de distanciamento social e segurança sanitária. Com isso, atingimos, em abr/20 o nível mais baixo de produção da série histórica. O impacto da pandemia até agora, aferido pela comparação de abr20/fev20 chega a -26,1%.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior foi ainda mais adverso: -27,2%, contando ainda com um efeito calendário desfavorável, já que abr/20 teve um dia útil a menos do que abr/19.
Deste modo, o saldo geral no acumulado do primeiro quadrimestre de 2020 não escapou do vermelho: -8,2%, o que significa que a indústria perdeu nos quatro primeiros meses deste não o equivalente de sua queda de 2015 como um todo, o pior ano da crise recente de 2014-2016.
Já no acumulado dos últimos doze meses findos em abr/20, a indústria registrou -2,9%, em uma trajetória desfavorável em que não apresenta uma variação positiva desde mar/19.
Em relação aos macrossetores, na comparação de abril de 2020 com março de 2020, descontados os efeitos sazonais, não houve expansão em nenhum dos quatro acompanhados pelo IBGE. O declínio mais pronunciado, pela segunda vez consecutiva, ficou a cargo de bens de consumo duráveis, com -79,6%, sendo seguidos por bens de capital (-41,5%) e bens intermediários (-14,8%). Bens de consumo semi e não duráveis, em boa medida devido a alimento e produtos de limpeza, higiene e perfumaria, cujo consumo foi menos afetado pelo isolamento, e a fármacos e farmoquímicos, em função da natureza sanitária da crise, foram o macrossetor que menos caiu, mas ainda assim registrou -12,4% na série com ajuste.
Na comparação de abril de 2020 com abril de 2019, variações negativas também marcaram o desempenho de todos os macrossetores industriais, acompanhando o total da indústria (-27,2%). O resultado mais adverso foi verificado em bens de consumo duráveis, com -85%, depois de recuar em fev/20 e mar/20 na mesma comparação. Vale observar que este macrossetor reúne muitas das cadeias produtivas em dificuldade de obter componentes, peças e insumos importados e é fortemente afetado pelo aumento da incerteza e dificuldades de acesso ao crédito pelas famílias devido à pandemia do coronavírus. Em seguida, vieram os bens de capital, com recuo de -52,5%, bens de consumo semi e não duráveis, com -25,2%, e bens intermediários, com -17,1%.
O declínio interanual de -85% em bens de consumo duráveis derivou, sobretudo, da paralisação da fabricação de automóveis (-99,9%), mas também de fortes perdas em eletrodomésticos da “linha branca” (-75,2%), eletrodomésticos da “linha marrom” (-49,4%), motocicletas (-98,8%) e nos grupamentos de móveis (-63,8%) e outros eletrodomésticos (-58,9%).
O macrossetor de bens de capital, por sua vez, cuja produção levou um tombo de -52,5% frente a abr/19, foi muito influenciado pela queda no grupamento de bens de capital para equipamentos de transporte (-82,9%), pressionado, principalmente, pela menor fabricação de caminhões e aviões, e também pelo desempenho negativo de bens de capital para fins industriais (-41,5%), de uso misto (-32,3%), agrícolas (-34,5%), construção (-34,2%) e energia elétrica (-7,0%).
Já bens de consumo semi e não-duráveis, que recuou -25,2%, teve seu resultado condicionado quedas nos grupamentos de semiduráveis (-65,2%) e de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (-18,7%), além dos grupamentos de carburantes (-19,9%) e de não-duráveis (-9,0%).
Quanto a bens intermediários, cuja produção retrocedeu -17,1% ante abr/19, receberam influência negativa de produtos associados às atividades de produtos de veículos automotores, reboques e carrocerias (-83,7%), metalurgia (-33,7%), minerais não-metálicos (-36,2%), produtos de metal (-37,7%), produtos de borracha e de material plástico (-32,5%) e outros produtos químicos (-15,1%), entre outro. Vale citar também os resultados negativos assinalados pelos insumos típicos para construção civil (-33,7%) e de embalagens (-11,1%), que apresentaram as quedas mais elevadas desde o início da série histórica.
No acumulado do ano de 2020 até o mês de abril, frente a igual período do ano anterior, os bens de consumo duráveis foram novamente os que pior se saíram: -27,8%. Bens de capital apresentaram a segunda maior queda, com -15,8%, sendo seguidos por bens de consumo semi e não duráveis (-9,0%) e bens intermediários (-4,4%).
Por dentro da Indústria de Transformação
O tombo de -18,8% da produção industrial geral em abril de 2020 ante mar/20, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhado de variação de -23% na indústria de transformação, sendo que esta fração da indústria, à exceção de jan/20, só apresenta variações negativas desde nov/19. O ramo extrativo, a seu turno, ficou estável (0%), depois de uma série de sete meses no vermelho.
Em relação a abril de 2019, o desempenho do ramo extrativo também foi positivo em +10,1%, ajudado por uma base baixa de comparação, já que o desatre de Brumadinho afetou muito este ramo na entrada do ano passado. A indústria de transformação, por sua vez, teve uma queda fulminante de -31,1%, o pior resultado nesta comparação de sua série histórica.
Frente a mar/20, na série com ajuste sazonal, o decréscimo de -18,8% da indústria geral foi acompanhado por 22 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências negativas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-88,5%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-18,4%), metalurgia (-28,8%), máquinas e equipamentos (-30,8%), bebidas (-37,6%), produtos de borracha e de material plástico (-25,8%), produtos de minerais não-metálicos (-26,4%), produtos de metal (-26,8%) e máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-33,8%), entre outros ramos. Os três únicos ramos com aumento da produção em abr/20 foram: alimentos (+3,3%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (+6,6%) e papel e celulose (+0,3%).
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou recuo de -27,2% na produção em abr/20, variações negativas marcaram o desempenho de 22 dos 26 ramos, 72 dos 79 grupos e 80,0% dos 805 produtos pesquisados. As maiores influências adversas vieram de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-92,1%), metalurgia (-33,7%), máquinas e equipamentos (-41,3%), bebidas (-50,7%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-64,9%), produtos de minerais não-metálicos (-36,3%), couro, artigos para viagem e calçados (-70,2%) e produtos de borracha e de material plástico (-33,8%), entre outros.
Por outro lado, ainda na comparação com abr/19, além do setor extrativo, como mencionado anteriormente, os três ramos da indústria de transformação no azul foram: produtos alimentícios (+6,0%); perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (+4,9%) e celulose, papel e produtos de papel (+1,0%).
Levantamento do IEDI a partir dos dados do IBGE mas com uma abertura mais detalhada dos diferentes segmentos industriais mostra a difusão de quedas intensas ao longo do setor como um todo. De 93 segmentos identificados, nada menos do que 77% (ou 72 deles) registraram desempenho negativo no acumulado de jan-abr/20 frente ao mesmo período do ano anterior. Esta proporção era de 66% em jan-abr/19, implicando um aumento de +18% no número de segmentos no vermelho.
Destes com perda de produção, quase 20% apresentaram quedas mais intensas do que -20% em jan-abr/20, tais como a produção de veículos, de outros equipamentos de transporte, de artigos de malharia e de calçados. Já em jan-abr/19, apenas 5% dos segmentos em declínio tinham apresentado resultados neste patamar.
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de abril de 2020 declinou -32%. Desde a segunda metade do ano passado, os resultados têm sido majoritariamente negativos. O desempenho de abr/20 sinaliza para um aprofundamento expressivo das perdas do 1º trim/20 (-10,8%). No acumulado dos quatro primeiros meses do ano há declínio de -16,6%
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria variaram -0,5% na comparação com abril de 2019. Diferentemente de nosso desempenho exportador, as importações acumularam variação positiva neste primeiro quadrimestre de 2020: +6%, superior ao resultado de igual período de 2019 (+3,8%).
Utilização de Capacidade
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, despencou de 75,3% em março para 57,3% em abril de 2020, já descontados os efeitos sazonais, com a paralisação de muitas unidades produtivas. Em maio, segundo levantamento mais recente, o nível de utilização se recompôs muito parcialmente, ficando em 60,3%, isto é, ainda longe da média histórica, que é de 80%.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, o indicador da evolução dos estoques de produtos finais da indústria em abril de 2020 recuou 1,8 ponto, para 48,2 pontos. Por ter ficado abaixo da marca de 50 pontos indicou queda de estoques. Ou seja, frente à paralisação de unidades ou a forte redução da produção, parte da demanda das empresas foi suprida por seus estoques. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 48,1 pontos (-1,8 ponto frente a mar/20) e na indústria extrativa ficou em 50,7 pontos (+1,7 ponto).
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral ficaram praticamente no nível planejado, com um indicador de satisfação em 49,8 pontos em abr/20, mesmo patamar de março. Ou seja, segundo a medição da CNI, os estoques mantiveram -se na marca de 50 pontos, que indica equilíbrio dos estoques. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 50,4 pontos (acima do planejado) e em 49,8 pontos, respectivamente.
No grupo da indústria de transformação, 14 dos 26 ramos acompanhados pela CNI, isto é, 54% do total, tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em abril de 2020. Esta proporção é inferior àquela de jan/20 (81% do total), fev/20 (69%) e março (65,4%). Isso mostra que embora o indicador geral permanece muito próximo da linha de equilíbrio, um número crescente de ramos está sentido um encolhimento de sua demanda maior do que os cortes de produção, de modo a gerar aumento de estoques.
Dentre os ramos abaixo de 50 pontos, estão os ramos de alimentos (35,5 pontos), bebidas (36,9 ponto), fumo (37,5 pontos) e têxteis (38,9 pontos), entre outros. Em contraste, ficaram com estoques efetivos acima do planejado os ramos de móveis (57,8 pontos), outros equipamentos de transporte (56 pontos) e veículos automotores (55,6 pontos), entre outros.
Confiança e Expectativas
Com a virada do ano e os sinais de melhora relativa do final de 2019, a confiança do empresariado industrial, segundo o Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI), progrediu a partir de nov/19, inclusive no mês de fev/20, chegando a 65,2 pontos.
Em março, diante do agravamento da pandemia do covid-19 no Brasil e seus impactos negativos sobre as atividades econômicas, o Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI) reverteu a trajetória de melhora relativa verificada entre nov/19 e fev/20, recuando para 60,6 pontos. Em abril, despencou para 34,3 pontos e aí permaneceu no mês de maio. Este patamar é dos piores já atingidos pelo setor. Por se encontrar abaixo da marca de 50 pontos, este indicador registra claro pessimismo dos empresários.
O estado da confiança em maio de 2020 resultou tanto de seu componente de expectativas em relação ao futuro como das avaliações das condições correntes. No primeiro caso ficou em 34,4 pontos e no caso do segundo componente, em 34,1 pontos.
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, que havia atingido 101,4 pontos em fev/20, recuou para 58,2 pontos em abr/20 e pouco progrediu em mai/20, quando registrou 61,4 pontos. Influenciou este movimento mais seu componente de expectativas em relação ao futuro, que passou de 49,6 pontos para 54,9 pontos em maio, do que seu componente da situação atual, que saiu 67,4 pontos para 68,6 pontos em maio. Vale lembrar que no caso do indicador da FGV a marca que separa as zonas de pessimismo e otimismo é a de 100 pontos: abaixo dela, pessimismo e acima, otimismo. Fica evidente, então, que um quadro de pessimismo se instaurou a partir do mês de abril.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Este indicador, que declinou de 52,3 pontos em fev/20 para 36 pontos em abr/20, pouco melhorou em mai/20, ao registrar 38,3 pontos. Vale observar que valores abaixo de 50 pontos sugerem piora das condições de negócio e acima desta marca, melhora. Por isso, o quadro geral apontado pelo indicador sugere forte deterioração dos negócios com a chegada da pandemia de covid-19.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)