Carta IEDI
Auxílio Emergencial e Renda Básica Permanente: propostas em debate
No início de abril, por meio da Lei 13.982/2020, o Congresso Nacional aprovou política concedendo auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 por três meses como medida de combate aos efeitos econômicos adversos provocados pela pandemia da Covid-19 no Brasil. No final de junho, o programa foi renovado por mais dois meses, em meio à intensificação do debate sobre a criação de um programa permanente de renda básica.
Esta nota de caráter preliminar identifica as principais propostas deste tipo de programa em discussão no país, detalhando suas características, seu custo e fontes de financiamento identificadas por seus proponentes.
Os beneficiários do atual programa de Auxílio Emergencial são microempreendedores e trabalhadores informais desempregados, com renda familiar mensal total de até três salários mínimos ou per capita de até meio salário mínimo, que não recebam benefícios previdenciários ou seguro desemprego e que não tenham auferido rendimentos tributáveis superiores a R$ 28,5 mil em 2018. Aos titulares do programa Bolsa Família foi facultado o recebimento do auxílio emergencial em substituição ao valor do seu benefício se isso se mostrar mais vantajoso.
Segundo o Ministério da Cidadania1, até o mês de junho um total de 64,1 milhões de pessoas receberam o Auxílio Emergencial, totalizando um montante de R$ 87,8 bilhões, o que não inclui o pagamento da terceira e última parcela prevista, cujo depósito iniciou-se na semana do dia 23 de junho. Deste modo, foram liberados cerca de 60% dos gastos previstos com o programa pelo governo federal (R$ 152 bilhões).
Embora o programa já esteja entrando em sua terceira e última fase, problemas de desenho e sobretudo de implementação continuam presentes, ensejando críticas frequentes a seus operadores. No início de junho, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou riscos orçamentários na formatação da medida e riscos de exclusão ou inclusão de pessoas indevidas.
O TCU estimou erro de inclusão de 6 milhões de beneficiários ou 10% do total de casos contemplados na primeira fase do programa2. Entre outros fatores, isso deve-se ao uso insuficiente de dados do Imposto de Renda nas análises realizadas pela Dataprev, para verificar o limite de renda de R$ 28.5 mil em 20183. Trabalho realizado pela Rede Brasileira da Renda Básica (RBRB)4, que reúne 162 organizações e movimentos e apresenta grande atividade junto ao Congresso, também identifica o recebimento indevido do auxílio por 189.695 militares, totalizado o valor de R$ 113,816 milhões.
Em contrapartida, do orçamento total previsto para a primeira parcela, de R$ 41,3 bilhões, foram executados, de acordo com o TCU, apenas 86,6% no mês de abril, sinalizando a exclusão indevida de possíveis beneficiários de direito do programa. No número de cadastros inconclusivos era da ordem de 13,7 milhões, o que representava cerca de 15% dos pedidos recebidos e equivalia a 27% do número de cadastros aprovados na primeira parcela.
A RBRB contabiliza 10 milhões de pessoas cujos dossiês, em junho, estavam há mais de 50 dias em análise, sem resposta dos órgãos gestores do programa. Além das filas em agências da Caixa Econômica Federal, como mostraram os meios de imprensa, foram realizadas mais de 110 milhões de ligações ao canal telefônico criado pelo Ministério da Cidadania. Estes dados, segundo a RBRB, são sintomas de problemas na execução do programa.
A despeito das necessidades de ajuste, supervisão e controle maior do programa, dada a gravidade da crise econômica da Covid-19 e sua extensão para o início da segunda metade de 2020, a proximidade da conclusão da última fase do programa de Auxílio Emergencial promoveu ao longo de junho a discussão sobre sua renovação por mais alguns meses. Muitas propostas encaminhadas junto ao Congresso defendem sua prorrogação até dezembro de 2020, isto é, enquanto durar o “estado de calamidade pública”.
Entretanto, o governo federal, embora tenha sinalizado uma prorrogação em valor mensal inferior, em função do elevado custo fiscal do programa, acabou confirmando em 30/06 a concessão por mais dois meses do auxílio dos atuais R$ 6005. É possível, segundo declaração da equipe econômica, que tal valor mensal não seja pago em uma única parcela como vinha ocorrendo, mas dividido em mais de um depósito em um mesmo mês.
Na esteira dessa discussão sobre o prolongamento do programa de Auxílio Emergencial, um debate distinto, mas correlato, também vem ganhando projeção. Trata-se de transformar o Auxílio Emergencial em um programa permanente de Renda Básica, tal como vem ocorrendo em outros países do mundo, como, por exemplo, na Espanha com o Ingreso Mínimo Vital. Duas grandes razões justificam as proposições: em primeiro lugar, a evidência que a crise de Covid-19 deu à vulnerabilidade que grande parcela da sociedade brasileira possui em relação ao ciclo econômico; em segundo lugar, as transformações tecnológicas em direção à automação e digitalização, que podem ter impactos profundos sobre a geração de emprego.
Embora possa se assemelhar quanto ao objetivo e à forma, o programa de Auxílio Emergencial e um programa de Renda Básica possuem implicações distintas quanto ao seu desenho e às suas fontes de financiamento. Se existem dúvidas quanto à capacidade fiscal de estender o auxílio emergencial até o final de 2020, mesmo com redução do valor do benefício, elas são ainda maiores no caso de um programa permanente, abrindo a discussão sobre outros desenhos que possam torná-lo fiscalmente sustentável.
No caso da ampliação do auxílio emergencial, podem ser obtidas fontes provisórias de financiamento, como a criação ou elevação de impostos por determinado período ou por meio de aumento do endividamento público, havendo custos e benefícios implícitos para cada uma destas soluções. No caso de uma renda básica permanente, as fontes de financiamento devem ser definitivas e compatíveis com o custo do programa ao longo do tempo.
Nas próximas seções, este documento apresentará propostas, tanto para prolongar o auxílio emergencial como para implementar um programa de renda básica permanente, que estão em debate na imprensa brasileira e no Congresso, buscando enfatizar seu desenho, custo e fontes de financiamento.
Propostas de Ampliação do Auxílio Emergencial
De acordo com a Rede de Pesquisa Solidária, que reúne cinquenta pesquisadores de diferentes áreas, sobretudo, da USP, mas também de outras instituições, existiam no final do mês de maio oito propostas no Congresso nacional para renovação do atual programa de Auxílio Emergencial, sendo cinco de partidos de oposição (PT, PSOL e PDT) e outros três do PSDB, DEM e PP. Em junho, a lista continuou aumentando, incluindo a proposta do Cidadania6. Todos trabalham com benefícios adicionais no valor de R$ 600. A alteração deste valor, como sugerido pelo Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, exigira o envio de novo projeto ao Congresso, como já alertado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia7.
A distinção entre as propostas mencionadas anteriormente recai sobretudo no tempo de prorrogação do auxílio. Das nove propostas identificadas, seis defendem extensão do programa por mais seis meses, isto é, até dez/20, dois deles por mais três meses, ou seja, até set/20 e apenas um (PL 2283/20 de Gleisi Hoffmann do PT) até março de 2021. O custo adicional destas propostas é avaliado por seus proponentes em R$ 98,2 bilhões para mais três meses, em R$ 196,4 bilhões por mais seis meses e em R$ 495,7 bilhões até mar/21.
A Rede de Pesquisa Solidária, contudo, calculou o custo adicional em conceder mais três parcelas levando em conta o cenário de desemprego e perda de renda média da população na ausência do programa para os próximos meses. A precisa magnitude do impacto da crise de Covid-19 sobre o desemprego no país não é fácil de ser apurada em função da incompletude dos dados oficiais de se dispõem: a base do CAGED compreende apenas os empregos formais, mas os mais atingidos tendem a ser os informais; a PNAD Contínua do IBGE inclui os informais, mas os dados são divulgados apenas como uma média móvel trimestral e tem microdados divulgados com muito atraso.
O exercício realizado pela Rede de Pesquisa Solidária, que estima que para cada empregado formal demitido dois outros informais perdem sua ocupação, sugere uma taxa de desemprego de 17,1% em abr/20. A tendência de elevação, na ausência do auxílio emergencial, levaria a taxa para 26,6% se extrapolada por mais três meses. Neste cenário de desemprego e, consequentemente de maior número de beneficiários do programa de auxílio emergencial (cerca de 61,1 milhões), o custo de prorrogação seria de R$ 40,5 bilhões ao mês, totalizando R$ 121,5 bilhões na hipótese de vigorar até set/20.
Propostas de Renda Básica Permanente
1. Siqueira e Nogueira (UFPE)
Rozane B. de Siqueira e José Ricardo B. Nogueira, professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, divulgaram em março de 2020 um trabalho com proposta para programa de renda básica permanente a todos os brasileiros, isto é, um programa do tipo “renda universal” ou “renda cidadã”, no valor equivalente à linha de pobreza definida pelo Banco Mundial para países de renda média-alta de US$ 5,5/dia. Em termos mensais, a preços de 2017, como estimam os autores, isso representaria uma renda de R$ 406 ou 51% da mediana da renda disponível per capita do Brasil à época. Ou seja, por definição eliminar-se-ia a pobreza no país (em 2017, 23% das pessoas e 40% das crianças viviam com menos do que esta renda básica). As transferências de todos os outros programas assistenciais e previdenciais são reduzidos do valor da renda básica proposta.
Dois outros modelos são propostos como alterativa para este primeiro desenho. Em um deles o valor da renda básica seria ajustado segundo a idade do beneficiário. Indivíduos entre 18 e 65 anos receberiam o montante standard de R$ 406/mês, enquanto os menores de 18 anos teriam direito a metade deste valor e os indivíduos com 65 anos ou mais receberiam o dobro, isto é, R$ 812/mês. Tais valores continuam sendo descontados de demais benefícios, inclusive previdenciários. O objetivo deste desenho é reduzir o custo do programa. Um terceiro modelo proposto considera uma alíquota de imposto de renda inferior para aqueles com rendimento abaixo do dobro da mediana da renda per capita bruta (2 x R$850 para 2017).
O custo deste programa é estimado em R$ 1 trilhão no primeiro esquema e de R$ 969 bilhões no segundo e terceiro esquemas. Os autores avaliam que a eliminação de programas de transferência de renda não previdenciários existentes mais o desconto da renda básica dos benefícios previdenciários corresponderiam a 25% do custo do programa sob o primeiro modelo e a 35% sob os dois outros modelos.
Para o financiamento do valor restante, os autores propõem um imposto sobre todas as rendas, inclusive informais, com uma alíquota única de 35,7%, sem deduções, em substituição ao atual IRPF e demais contribuições previdenciárias dos trabalhadores (mas não as patronais). No segundo desenho a alíquota seria de 32,6% e no terceiro modelo, devido à redução da alíquota para os mais pobres, as demais faixas de renda teria alíquota de 47,5%.
Em artigo na Folha de São Paulo, de 23/05/20, o economista Samuel Pessôa analisa o primeiro desenho da proposta da UFPE e argumenta que há ainda alguma possibilidade de elevar a base de financiamento da renda básica de cidadania tributando melhor rendas do trabalho escondidas na forma de lucros, como os regimes tributários especiais, lucro presumido e Simples. E haveria algum espaço para elevar a tributação sobre as empresas do regime de lucro real, dado que a alíquota de 34% é um pouco menor que os 35,7%, e a figura do juro sobre o capital próprio permite alguma redução no IRPJ.
2. Daniel Duque (IBRE/FGV)
Em 27/5/20, o pesquisador do IBRE/FGV Daniel Duque divulgou proposta de desenho para um programa permanente de renda básica que assegure a eliminação da pobreza no Brasil, segundo parâmetro da ONU de US$ 1,90/dia. O que, em valores de 2018, equivaleria a uma renda mensal de R$ 142, a ser recebida por todos os brasileiros, à exceção dos seguintes casos: empregados ou empregadores formais (CLT, servidores públicos, MEIs etc.) que tenham renda de pelo menos um salário mínimo mensal. Ao considerar o parâmetro da ONU, Duque busca um programa menos oneroso do que aquele proposto pelos professores da UFPE.
Para as crianças e adolescentes (até 18 anos), defende que o montante a ser recebido coincida com a linha de pobreza definida pelo Banco Mundial, de US$ 5,5/dia, equivalente a R$ 412/mês a preços de 2018. Entre 19 e 23 anos, haveria uma redução anual gradual do auxílio até chegar ao valor referente de R$142/mês.
A majoração do auxílio para este grupo justifica-se, segundo Duque, pelo fato de que a carência de bens e serviços nesta faixa etária tem impactos de longo prazo sobre toda vida produtiva dos indivíduos, comprometendo o potencial de crescimento do país. Ademais, em função do envelhecimento populacional do Brasil, o ônus a mais desta parcela do programa tenderia a ser naturalmente reduzido ao longo do tempo.
O programa de renda básica substituiria quatro programas sociais existentes: Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Abono Salarial e Seguro Defeso, por apresentarem todos os mesmos objetivos de redução da pobreza e da vulnerabilidade econômica desta parcela da sociedade.
A partir de dados da POF 2017/18, avalia impactos substanciais sobre variáveis sociais, tais como Gini e pobreza, como mostra o gráfico a seguir.
O custo do programa sob este desenho seria de R$ 470 bilhões/ano, equivalente a algo como 6,9% do PIB. De acordo com a estimativa de Duque, com valores de 2018, cerca de 44% deste valor seriam cobertos pelos recursos alocados nos programas a serem extintos e pelos efeitos positivos da renda básica sobre o crescimento econômico, gerando adicional de receita tributária ao Estado8. O diferencial poderia ser financiado segundo as sugestões elencadas na próxima seção.
Em 19/06/20, Duque realizou alguns ajustes em sua proposta inicial de modo a reduzir a estimativa de seu custo, ampliando as restrições de acesso à renda básica e calibrando o mecanismo para um foco maior em crianças e adolescentes de baixa renda.
Estabelece que também é possível excluir aposentados e pensionistas de algum benefício público, pago pelo INSS ou pelos Regimes Próprios de Previdência Social e o benefício pago aos menores de idade pode ser gradualmente reduzido a zero conforme a renda dos adultos, com devoluções a serem feitas pelo próprio Imposto de Renda, progressivamente (alíquotas de 20%; 40%; 80% e 100%) de acordo com suas faixas. Tais exclusões, segundo o autor da proposta, se justificam devido a: (i) tais parcelas da população estarem totalmente protegidos contra a pobreza e; (ii) ser administrativamente trivial identificar tais indivíduos. O impacto da proposta sob o novo desenho é ilustrado a seguir.
Com isso, o custo do programa seria reduzido de R$ 470 bilhões/ano para R$ 385 bilhões, equivalente a 5,7% do PIB. O ganho de receita tributária do Governo mais os recursos dos programas a serem extintos cobririam cerca de 48% deste custo, o restante devendo ser financiado por outros instrumentos tratados na próxima seção.
3. Renda Universal Infantil
Pesquisadores da USP e do IPEA9 propõem um programa de renda mínima para crianças. O programa não substituiria, mas complementaria os programas de auxílio já existentes, como o Bolsa Família. Os autores observam, por exemplo, que o Bolsa Família desconsidera a volatilidade de renda que afeta quase dois terços da população, algo que, segundo eles, jamais foi abordado por política social alguma e se torna evidente a cada nova instabilidade econômica.
Um desenho de elegibilidade focalizado em crianças e adolescentes poderia ainda chegar àquela parcela de “novos vulneráveis” devido à pandemia, sem perder a priorização nos mais pobres. Isso porque cerca de 70% das crianças vivem na metade mais pobre da população.
Ao focar em crianças entre 0 e 6 anos com benefício de meio salário mínimo, Monica De Bolle10 estima um custo de 1,5% do PIB ao ano, praticamente neutro do ponto de vista fiscal, já que em parte é autofinanciável, tal como sugere trabalho do Cedeplar/UFMG, sintetizado a seguir, sendo complementado por receitas provenientes de: tributação de dividendos e da eliminação dos descontos por dependentes do IRPF.
4. Eduardo da Fonte (PP/PE) Projeto de Lei 3023/20
O projeto propõe tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 mensais. A quantidade de beneficiários da renda básica em uma mesma família será limitada a dois membros, e a mulher provedora de família monoparental receberá duas cotas (R$ 1.200).
Os beneficiários do Programa Renda Básica Brasileira seriam todos os brasileiros com mais de 18 anos, sem um emprego formal, não ser titular de benefício previdenciário ou assistencial, possuir uma renda familiar mensal total de até 3 salários mínimos e não ter recebido rendimentos acima do limite de isenção do imposto de renda de pessoas físicas no ano anterior, entre outras especificações.
O texto prevê exceções nos casos de microempreendedor individual (MEI); contribuinte individual ou facultativo do Regime Geral de Previdência Social (Lei 8.212/91); trabalhador informal (empregado, autônomo ou desempregado, inclusive intermitente inativo) inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico); e pescador artesanal.
O novo programa absorveria os recursos dos seguintes já existentes: Seguro Defeso, Bolsa Família, Programa de Apoio à Conservação Ambiental (Bolsa Verde), o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Quanto ao seu financiamento, o projeto prevê as seguintes fontes sem mensurar o volume correspondente de arrecadação: o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras de 20% para 25%; a cobrança de imposto de renda dos lucros e dividendos pagos pelas pessoas jurídicas às pessoas físicas ou jurídicas; a criação de uma contribuição com a mudança da destinação do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), mantendo-se as atuais alíquotas; e o aumento de 15% para 20% do imposto de renda sobre juros do capital próprio. Além disso, a proposta prevê que o Governo Federal utilize o superávit financeiro da União apurado no balanço do exercício anterior. Em 2019, por exemplo, o superávit financeiro atingiu a marca de R$ 44 bilhões.
Financiamento da Renovação do Auxílio Emergencial
1. Contribuição emergencial sobre alta renda
A professora Ursula Perez da UFABC11, assim como a Rede de Pesquisa Solidária, propõe a adoção de uma contribuição emergencial sobre altas rendas em 2020 complementar ao Imposto de Renda de Pessoa Física. As alíquotas seriam progressivas recaindo sobre o diferencial de renda das faixas de IRPF já existentes a partir de 15 salários mínimos.
Para os indivíduos com renda entre 15 e 40 salários mínimos seria cobrada uma alíquota de 10%, subindo para 15% para a faixa entre 40 e 80 salários mínimos e, então, para 20% para os rendimentos superiores a 80 salários mínimos. Esse desenho permitiria arrecadar cerca de R$142 bilhões12, o que, segundo a Rede de Pesquisa Solidária seria suficiente para estender o auxílio emergencial de R$ 600 por até quatro meses.
2. Autofinanciamento
O Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (NEMEA) do Cedeplar-UFMG buscou estimar, por meio de um modelo de equilíbrio geral, o quanto o programa de auxílio emergencial se “autofinanciaria” em função da injeção de dinamismo econômico que provocaria, elevando, assim, a arrecadação de impostos. Vale lembrar que ao possuir maior propensão a consumir, transferência de renda para a parcela mais pobre do país gera um efeito multiplicador elevado sobre o dinamismo geral do PIB.
Segundo os pesquisadores da UFMG, o impacto do auxílio emergencial sobre a geração de receita tributária poderia a responder por algo entre 24% e 45% de seu custo. No primeiro caso, se o programa fosse mantido apenas pelos três meses previstos e, no segundo caso, se o programa fosse estendido até dezembro de 2020, devido aos efeitos permanentes sobre a atividade econômica que a política teria ao ser mantida por mais tempo13. O exercício é interessante por tentar estabelecer os efeitos decorrentes da política e, assim, enfatizar seu custo líquido.
3. Aumento do Endividamento
Em função do estado de calamidade em vigor, haveria possibilidade de financiar o custo da prorrogação do auxílio emergência por meio do chamado “Orçamento de Guerra” e da ampliação do endividamento público. Em entrevista concedida em 25/06/20 este é o caminho apontado pelo Presidente da Câmara Rodrigo Maia14.
Financiamento Renda Básica Permanente
1. Extinção de programas existentes
Daniel Duque, do IBRE/FGV, estima que a extinção de quatro programas federais de transferência de renda poderia gerar recursos acumulados de cerca de R$ 105 bilhões por ano. Isso representaria uma contribuição ao financiamento o custo de um programa de renda básica permanente em sua Proposta 1 de 22% e em sua Proposta 2 de 27%.
Os programas a serem extintos por apresentarem o mesmo princípio de um programa de renda básica seria: Bolsa Família (US$ 30 bilhões/ano em 2018); BPC (R$ 56 bilhões/ano); Abono Salarial (R$ 17 bilhões/ano) e Seguro Defeso (R$ 2,6 bilhões/ano).
Segundo Marcos Mendes15, por sua vez, a extinção do abono salarial, salário família, seguro-defeso e Farmácia Popular geraria recursos de R$ 27 bilhões.
2. Supressão de deduções e isenções
a) Imposto de Renda de Pessoas Físicas: Daniel Duque (IBRE/FGV) estima em R$ 18 bilhões/ano o montante de recursos caso as deduções previstas do IRPF, que beneficiam notadamente os grupos de maior renda, fossem abolidas. Samuel Pessôa menciona valor de R$ 45 bilhões, segundo dados da Secretaria da Receita Federal (SRF). Já Marcos Mendes cita valor de R$ 28 bilhões com o fim das deduções por dependentes e dos gastos com educação e saúde.
b) Segundo Marcos Mendes, há ainda um desconto no IRPF para pessoas maiores de 65 anos e uma isenção total para a aposentadoria de quem tem ou teve doenças graves, cuja extinção geraria R$ 25 bilhões.
c) Isenção da Cesta Básica: Daniel Duque (IBRE/FGV) e Marcos Mendes calculam que o fim das isenções de PIS/Confins sobre itens da cesta básica geraria R$ 15 bilhões/ano.
3. Aumento de impostos
a) Segundo estimativa citada por Samuel Pessôa em sua coluna na Folha de São Paulo, de 30 de maio de 2020, se a alíquota sobre o lucro dos bancos brasileiros subisse do patamar médio efetivo de 28% em 2016/2019 para 75% (IRPJ + CSLL), como alguns projetos no Congresso defendiam16, o ganho de receita tributária seria de R$ 34 bilhões.
b) Ainda segundo estimativa de Samuel Pessôa divulgada em 30/05, se a tributação sobre o lucro de uma forma geral no Brasil subisse da média de 22,5% em 2016-2019, de acordo com a receita reportada pela SRF e a informação do lucro total das Contas Nacionais do IBGE, para uma alíquota de 35,7% como defende o projeto dos professores da UFPE, a elevação da receita seria de R$ 106 bilhões ao ano. Tal valor é muito insuficiente para cobrir o custo do programa proposto pela UFPE, mas representa pouco mais de 50% do custo residual da segunda versão do programa defendido por Daniel Duque (IBRE/FGV), já consideradas as receitas derivadas da extinção de programas atualmente em vigor e do “autofinanciamento” derivado do aumento da arrecadação provocada pelo próprio programa de renda básica.
4. Novos impostos
a) Imposto sobre Grandes Fortunas: trabalho de Henrique R. Mota, da PUC-Rio, citado por Daniel Duque (IBRE/FGV) estima que um imposto sobre grandes fortunas, tal como o proposto pela senadora Eliziane Gama (Cidadania), com alíquotas progressivas de 0,5% a 1% sobre patrimônios a partir de R$ 28 milhões arrecadaria em torno de R$ 15 bilhões/ano, já considerada uma evasão da ordem de 15%.
b) Novas alíquotas de IRPF. Ao incluir duas faixas adicionais no atual sistema de IRPF com alíquotas de 35% e 40%, a geração adicional de receita seria de R$ 50 bilhões, segundo Daniel Duque, a partir da tese de Fábio Castro (UnB).
c) Contribuição Social sobre Altas Rendas. Embora a proposta de Ursula Perez (UFABC) sugira a criação de uma contribuição provisória para financiar o prolongamento do auxílio emergencial em vigor na pandemia, pode vir a se tornar um mecanismo permanente de financiamento de programa de renda básica. Defende alíquotas progressivas de 10% sobre rendas de 15 a 40 salários mínimos (SM), de 15% para 40 a 80 SM e de 20% acima de 80 SM. A Arrecadação total seria de R$ 142 bilhões/ano17.
Notas
1 https://www.gov.br/cidadania/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/ministro-onyx-lorenzoni-destaca-acoes-do-ministerio-da-cidadania-para-enfrentar-pandemia-do-covid-19
2 https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-avalia-a-implementacao-do-auxilio-emergencial.htm
3 https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/05/30/governo-tem-48h-para-se-manifestar-sobre-problemas-no-auxilio-emergencial.htm?cmpid=copiaecola
4 http://rendabasica.com.br/?mdocs-file=5184
5 https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/07/01/ajuda-de-r-600-vai-durar-mais-2-meses-mas-duvidas-persistem.ghtml
6 https://www.arnaldojardim.com.br/site/noticias/arnaldo-jardim-destaca-projeto-de-lei-que-prorroga-pagamento-do-auxilio-emergencial/
7 https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/06/25/maia-volta-a-defender-que-auxlio-emergencial-seja-prorrogado-com-duas-parcelas-de-r-600.ghtml
8 Considera-se alíquota média de 27% calculada pelo IPEA para um novo Imposto sobre Bens e Serviços que unificasse os atuais tributos indiretos mantendo a arrecadação.
9 https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/A-import%C3%A2ncia-da-Renda-B%C3%A1sica-no-pa%C3%ADs-o-emergencial-e-o-futuro e https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,renda-basica-e-impagavel,70003322902
10 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-que-nao-custa,70003330014
11 https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/por-uma-contribuicao-social-emergencial-para-enfrentar-a-covid-19/
12 A estimativa foi feita com dados de 2018.
13 A estimativa de custo do programa não considera a forte deterioração do mercado de trabalho devido aos efeitos da covid-19. Os autores alertam: “este custo foi estimado a partir do cruzamento das bases do CadUnico e PNAD, com dados de 2019. Portanto, retratam a situação das famílias no ano de 2019. Assim, não capta novos entrantes a partir dos efeitos da crise. Exemplo: pessoas que antes da crise estavam empregadas e perdem o emprego a partir dos impactos da Pandemia”.
14 https://congressoemfoco.uol.com.br/economia/maioria-da-camara-quer-auxilio-emergencial-de-r-600-por-mais-dois-meses-diz-maia/
15 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2020/06/auxilio-aos-pobres-fazendo-contas.shtml
16 https://www.infomoney.com.br/mercados/bancos-estao-na-mira-do-congresso-com-projetos-de-alta-da-csll-e-teto-para-cheque-especial-qual-impacto-para-acoes/
17 https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/por-uma-contribuicao-social-emergencial-para-enfrentar-a-covid-19/