Carta IEDI
Depois do colapso
Passada a paralisação inicial de muitas empresas para adoção de protocolos de segurança sanitária e reorganização de processos internos, que contribuíram para o colapso de abril, o desempenho da produção industrial em maio de 2020 compensou parte de suas quedas anteriores, registrando alta de +7%, descontados os efeitos sazonais.
Isso, porém, não significa que a recuperação já tenha se iniciado. Tanto é que o nível de produção permaneceu 21% abaixo daquele de fev/20, isto é, antes da pandemia de Covid-19, e 34,1% inferior ao pico histórico de mai/11. Para alguns setores, a sobreposição desta crise com a de 2014-2016 gerou perdas ainda mais pesadas, como em bens de consumo duráveis (77% abaixo do pico de jun/13) e bens de capital (57,9% menor que o pico de set/13).
Outro sinal negativo, segundo os dados do IBGE, foi a queda de -21,9% na comparação com maio do ano passado, não muito distante do desempenho registrado em abr/20 (-27,4%). Com isso, a utilização da capacidade instalada do setor permaneceu muito aquém de seu nível histórico (-16%)
A fraca amenização do quadro industrial deve-se principalmente à pouca melhora de bens intermediários (-14,6%), que é o núcleo do sistema industrial, produzindo insumos para as demais atividades. Além disso, bens de capital (-39,4%) e bens de consumo duráveis (-69,7%) e semi e não duráveis (-19,3%) continuaram com quedas recordes, só perdendo para abril.
Em relação a um ano atrás, a produção em mai/20 foi menor em 22 dos 26 ramos da indústria acompanhados pelo IBGE, isto é, em 84,6% do total. Os piores casos continuaram sendo veículos e autopeças (-74,5%) e outros equipamentos de transporte (-71,2%), seguidos por vestuário e acessórios (-60,8%) e couros e calçados (-56,3%).
Além dos fatores internos relacionados à pandemia, como a manutenção do isolamento social e continuado aumento de casos de Covid-19 no país, muito deste quadro adverso para a indústria também está relacionado com a contração do comércio internacional. A queda do volume de exportações de manufaturados chegou a -30,8% em mai/20 e a -19,7% no acumulado dos cinco primeiros meses do ano.
Duas informações, entretanto, apontam para mais alguma recomposição da trajetória industrial nos próximos deles. A primeira delas diz respeito aos estoques, que voltaram a se reduzir e a ficar abaixo do desejado pelas empresas. Isso significa que o acúmulo de estoques não tende a ser um obstáculo à recuperação da produção.
A outra informação favorável é em relação à confiança do setor. Neste caso, porém, os sinais positivos ainda não são fortes e consistentes. Em junho, os indicadores tanto da FGV como da CNI apontaram melhora, mas ainda ficaram na zona de pessimismo. Ademais, este movimento foi menos importante no componente do indicador referente à avaliação dos empresários da situação atual, sugerindo a persistência de adversidades expressivas também em junho.
Resultados da Indústria
Em maio de 2020, a produção industrial cresceu +7% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, compensando parcialmente o recuo de -18,8%. Apesar disso, em abr/20 o setor continuou 21% abaixo do nível de produção de fev/20, isto é, antes dos primeiros efeitos da pandemia e 34,1% aquém no último pico histórico atingido em mai/11.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior foi ainda muito adverso: -21,9%, isto é, o mesmo patamar de perda registrado no mês de abril. Vale mencionar a contribuição de um efeito calendário desfavorável, já que mai/20 teve dois dias úteis a menos do que mai/19.
Deste modo, o saldo geral no acumulado dos primeiros cinco meses de 2020 não escapou do vermelho: -11,2%, o que significa que a indústria perdeu neste período mais do que havia perdido em 2015 como um todo, o pior ano da crise recente de 2014-2016. A maior parte desta retração está concentrada no segundo trimestre do ano, dado que houve forte deterioração a contar pelo resultado de -24,5% no bimestre abr-mai/20 vis-à-vis o declínio de -1,7% no 1º trim/20.
Já no acumulado dos últimos doze meses findos em maio/20, a indústria registrou -5,4%, em uma trajetória desfavorável em que não apresenta uma variação positiva desde mar/19.
Em relação aos macrossetores, na comparação de maio de 2020 com abril de 2020, descontados os efeitos sazonais, houve recomposição das perdas passadas em todos os quatro macrossetores acompanhados pelo IBGE. A reação mais intensa coube a bens de consumo duráveis, com +92,5%, sendo seguidos por bens de capital (+28,7%) e bens semi e não duráveis (+8,4%). Bens de intermediários foram o macrossetor que menos cresceu em maio, registrando +5,2% na série com ajuste, o que significou uma compensação de apenas 1/3 da queda de abril (-15,1%).
Na comparação de maio de 2020 com maio de 2019, variações negativas marcaram o desempenho de todos os macrossetores industriais, acompanhando o total da indústria (-21,9%). O resultado mais adverso foi verificado em bens de consumo duráveis, com -69,7%; foi seu quarto mês consecutivo de declínio da produção. Vale observar que este macrossetor foi um dos primeiros afetados por reunir cadeias produtivas com dificuldades de obter componentes, peças e insumos importados já nos primeiros meses do ano, em função do surto de Covid-19 na China; além disso, tem sido prejudicado pelo aumento da incerteza e dificuldades de acesso ao crédito pelas famílias. Em seguida, vieram os bens de capital, com recuo de -39,4%, bens de consumo semi e não duráveis, com -19,3%, e bens intermediários, com -14,6%.
O declínio interanual de -69,7% em bens de consumo duráveis derivou, sobretudo, do encolhimento da fabricação automóveis (-86,0%), eletrodomésticos da “linha branca” (-49,7%), eletrodomésticos da “linha marrom” (-30,8%), motocicletas (-85,7%) e pelos grupamentos de móveis (-37,7%) e de outros eletrodomésticos (-49,0%).
O macrossetor de bens de capital, por sua vez, cuja produção levou um tombo de -39,4% frente a mai/19, foi muito influenciado pela queda no grupamento de bens de capital para equipamentos de transporte (-59,8%), para fins industriais (-36,1%), de uso misto (-21,7%), para construção (-41,1%), agrícolas (-21,2%) e para energia elétrica (-14,5%).
Já bens de consumo semi e não-duráveis, que recuaram -19,3%, tiveram seu resultado condicionado por quedas nos grupamentos de semiduráveis (-53,9%), alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico (-9,9%), não-duráveis (-13,8%) e carburantes (-15,4%).
Quanto a bens intermediários, cuja produção retrocedeu -14,6% ante mai/19, receberam influência negativa de produtos associados às atividades de veículos automotores, reboques e carrocerias (-70,8%), metalurgia (-28,0%), outros produtos químicos (-17,0%), produtos de minerais não-metálicos (-24,9%), produtos de borracha e de material plástico (-24,9%), produtos de metal (-27,3%) e máquinas e equipamentos (-41,1%), entre outros.
No acumulado do ano de 2020 até o mês de maio, frente a igual período do ano anterior, os bens de consumo duráveis foram novamente os que pior se saíram: -37,1%. Bens de capital apresentaram a segunda maior queda, com -21%, sendo seguidos por bens de consumo semi e não duráveis (-11,2%) e bens intermediários (-6,7%).
Por dentro da Indústria de Transformação
O aumento de +7% da produção industrial geral em maio de 2020 ante abr/20, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhado de variação de +12,1% na indústria de transformação e de -5,6% do ramo extrativo, que se encontra no vermelho desde set/19.
Em relação a maio de 2019, o desempenho do ramo extrativo também foi negativo em -5,8%, anulando parte do crescimento obtido em abril (+9,8%). A indústria de transformação, por sua vez, manteve-se em um nível de queda fulminante: -23,8%, depois de registrar -31,1% em abril.
Frente a abr/20, na série com ajuste sazonal, o acréscimo de +7% da indústria geral foi acompanhado por 20 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências positivas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (+244,4%), cuja produção foi quase integralmente interrompida em abril; coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+16,2%); bebidas (+65,6%); minerais não-metálicos (+16,9%), metalurgia (+9,5%), produtos de borracha e de material plástico (+13,5%), couro, artigos para viagem e calçados (+49,7%) e produtos de metal (+13,4%), entre outros. Em direção oposta, registraram queda, além do ramo extrativo (-5,6%), as atividades de celulose, papel e produtos de papel (-6,4%) e perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (-6,0%), entre outros.
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou recuo de -21,9% na produção em mai/20, variações negativas marcaram o desempenho de 22 dos 26 ramos, 72 dos 79 grupos e 81,9% dos 805 produtos pesquisados. As maiores influências adversas vieram de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-74,5%); máquinas e equipamentos (-35,5%); metalurgia (-28,0%); confecção de artigos do vestuário e acessórios (-60,8%); produtos de borracha e de material plástico (-26,4%); outros produtos químicos (-17,1%); máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-36,5%) e couro, artigos para viagem e calçados (-56,3%), entre outros.
Por outro lado, ainda na comparação com mai/19, entre os ramos da indústria de transformação no azul estão: produtos alimentícios (+2,9%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+1,6%).
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de maio de 2020 declinou -30,8%. Desde a segunda metade do ano passado, os resultados têm sido majoritariamente negativos. O desempenho de abr/20 e mai/20 sinaliza para um aprofundamento expressivo das perdas em comparação com as do 1º trim/20 (-10,8%). No acumulado dos cinco primeiros meses do ano há declínio de -19,7%
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria caíram -10,3% na comparação com maio de 2019. Diferentemente de nosso desempenho exportador, as importações ainda acumulam variação positiva nos cinco meses de 2020: +2,5%, algo que não deve se sustentar dado o intenso declínio da atividade econômica doméstica.
Utilização de Capacidade
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, despencou de 75,3% em março para 57,3% em abril de 2020, já descontados os efeitos sazonais, com a paralisação de muitas unidades produtivas. Em maio, segundo levantamento mais recente, o nível de utilização se recompôs muito parcialmente, ficando em 60,3%, isto é, ainda longe da média histórica, que é de 80%.
Já segundo dos dados da CNI, depois de atingir o vale de 67% em abr/20, progrediu para 69,7% em maio, já descontados os efeitos sazonais. Ainda assim, porém, continuou muito abaixo da média histórica do indicador (80,7%) antes do impacto da crise de Covid-19.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, o indicador da evolução dos estoques de produtos finais da indústria em maio de 2020 recuou 2 pontos em relação a abril, para 46,2 pontos. Por ter ficado abaixo da marca de 50 pontos indicou queda de estoques. Ou seja, frente à paralisação de unidades e da forte redução da produção devido à reorganização de suas linhas para cumprir protocolos de segurança sanitária, parte da demanda das empresas foi suprida por seus estoques. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 46 pontos (-2,1 pontos frente a abr/20) e na indústria extrativa ficou em 48,2 pontos (-2,5 pontos).
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral ficaram abaixo do nível planejado (50 pontos), com um indicador de satisfação em 47,4 pontos em mai/20, patamar 2,4 pontos abaixo do de abril. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 48,4 pontos e 47,3 pontos, respectivamente, isto é, também abaixo do planejado em ambos os casos.
No grupo da indústria de transformação, 22 dos 26 ramos acompanhados pela CNI, isto é, 84,6% do total, tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em maio de 2020. Esta proporção é a mais elevada do ano, indicando o espalhamento do processo de redução de estoques.
Dentre os ramos abaixo de 50 pontos, estão os ramos de móveis (37,7 pontos), outros equipamentos de transporte (38,6 pontos), bebidas (39 pontos), minerais não metálicos (39 pontos), vestuário (40,2 pontos) e produtos de metal (42,7 pontos), entre outros. Em contraste, ficaram com estoques efetivos acima do planejado apenas quatro ramos: veículos automotores (51,6 pontos), informática, eletrônicos e ópticos (52,9 pontos), calçados (54,3 pontos) e couros (59 pontos)
Confiança e Expectativas
Em março, diante do agravamento da pandemia do Covid-19 no Brasil e seus impactos negativos sobre as atividades econômicas, o Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI) reverteu a trajetória de melhora relativa verificada entre nov/19 e fev/20, recuando para 60,6 pontos. Em abril, despencou para um dos piores patamares já atingidos: 34,3 pontos, aí permanecendo no mês de maio. Em junho, porém, houve algum sinal de melhora, mas muito insuficiente para retirar o setor da zona de pessimismo, isto é, continuou abaixo da marca de 50 pontos: 42,6 pontos.
O estado da confiança em junho de 2020 resultou basicamente de seu componente de expectativas em relação ao futuro, que progrediu de 39,5 pontos em maio para 49,8 pontos. As avaliações das condições correntes, entretanto, não deu sinais de reversão, ficando em 28,3 pontos, o que deixa claro a gravidade do quadro econômico também no mês de junho.
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, que havia atingido 101,4 pontos em fev/20, recuou para 58,2 pontos em abr/20 e passou a apresentar alguma recomposição a partir de maio (61,4 pontos). Em junho ficou em 77,6 pontos. Apesar da melhora frente ao mês anterior, ao permanecer abaixo da linha dos 100 pontos, continuou indicando pouca confiança dos empresários. Tal resultado foi influenciado tanto por seu componente de expectativas em relação ao futuro, que passou de 54,9 pontos em maio para 76,2 pontos em junho, como por seu componente da situação atual, que saiu de 68,6 pontos para 79,2 pontos no mesmo período. Fica evidente, então, que um quadro de pessimismo que se instaurou no mês de abril ainda persiste.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Este indicador, que declinou de 52,3 pontos em fev/20 para um nível inferior a 40 pontos em abr-mai/20, registrou 51,6 pontos em junho, indicando melhora das condições de negócio neste último mês do semestre. Por isso, o quadro geral apontado pelo indicador sugere alguma recuperação da crise de Covid-19 na entrada da segunda metade do ano.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)