Carta IEDI
Medidas Econômicas para o pós lockdown
A Carta IEDI de hoje discute o documento A New Policy Toolkit Is Needed as Countries Exit COVID-19 Lockdowns, escrito por Olivier Blanchard, professor do MIT e ex-economista chefe do FMI, Thomas Philippon e Jean Pisani-Ferry, do Peterson Institute for International Economics, em que tratam de ajustamentos nas medidas adotadas contra a crise econômica da Covid-19 e de novas ações para a retomada consistente do crescimento econômico.
Segundo os autores, as respostas iniciais à crise do coronavírus, tanto na proteção de empregos como no suporte às empresas, foram semelhantes nos países, embora tenham sido mais amplos na Europa do que nos Estados Unidos. A flexibilização do lockdown, porém, não será suficiente para recolocar as economias nos trilhos do crescimento.
Como o distanciamento social continua necessário, muitas empresas enfrentarão choques adversos de produtividade e de demanda, que só deverão desaparecer à medida que as firmas forem se adaptando e que medicamentos ou vacinas eficazes contra o coronavírus forem se tornando amplamente disponíveis.
Outros choques provavelmente irão durar mais tempo, segundo Blanchard e seus parceiros. É o caso do aumento do teletrabalho desencadeado pela crise, que poderá se tornar permanente e provocar implicações no sistema de transportes e na urbanização.
Para os autores, devido à excepcionalidade da crise, a atuação dos governos será necessária ao processo de adaptação à nova realidade. Em primeiro lugar, porque muitas empresas, embora viáveis quando as restrições impostas pela pandemia forem removidas, enfrentarão problemas de fluxo de caixa e restrições ao crédito impostas pelos credores. Em segundo lugar, porque a persistência de um volume alto e duradouro de desemprego reduzem as chances de se obter novos postos de trabalho.
Para a proteção do emprego, Blanchard, Philippon e Pisani-Ferry defendem a prorrogação dos programas, mas com três tipos de ajustes: à medida que o desemprego diminuir, os pagamentos excepcionais devem ser reduzidos gradualmente, aproximando-os do seguro-desemprego usual; para incentivar as empresas a trazerem seus funcionários de volta ao trabalho, os autores propõem que a contribuição do governo sobre os salários seja aos poucos reduzida; e os programas deveriam restringir o grau de elegibilidade, aplicando-o apenas a uma fração do tempo de trabalho.
No apoio às empresas, os subsídios dados aos salários dos empregados deveriam ser mantidos por dois motivos, segundo os autores: períodos de desemprego alto e duradouro podem gerar desatualização e perda de competências da mão de obra; e a queda na produtividade devido ao distanciamento físico não irá desaparecer rapidamente em alguns setores, por isso, diminuir o custo salarial destas atividades impedirá o custo social de falências generalizadas.
As empresas que se beneficiarem dos subsídios salariais devem empregar mais pessoas, dada a redução das horas trabalhadas e à medida que o desemprego diminuir e aumentar o número de vagas, esses subsídios devem ser reduzidos.
Já os programas de garantias públicas do crédito às empresas também devem ser prorrogados, mas Blanchard e seus coautores defendem duas modificações. Primeiro, o tamanho dessas garantias deve diminuir com o tempo, à medida que essa incerteza for sendo reduzida. Segundo, o uso de garantias estatais deve estar vinculado a restrições de pagamento de dividendos e/ou maiores impostos futuros sobre a renda das empresas privadas.
Esses empréstimos, assim como os subsídios salariais, não são projetados para todas as empresas. Eles são projetados para as empresas tomarem decisões socialmente eficientes e é provável que, mesmo com subsídios e empréstimos, algumas delas fiquem insolventes. Assim, Blanchard e seus coautores defendem que um plano de reestruturação de dívidas também deve ser pensado.
Os autores argumentam que os bancos sabem muito mais sobre as pequenas e médias empresas do que o governo, mas podem permitir o fechamento de mais empresas do que o socialmente aceitável. Para equilibrar esta situação, o estudo sugere que o governo delegue a decisão aos bancos, mas com o seguinte esquema:
• Se uma empresa decretar falência, o governo deve exercer todos os seus direitos de credor. Isso deve ser conhecido com antecedência, para que os credores tenham ciência dessa possibilidade ao tomarem suas decisões.
• Se a firma continuar em funcionamento, mas precisar de reestruturação, o governo poderá aceitar exigências menores em alguns aspectos, como o diferimento de impostos e garantia de créditos, tal como os descontos (haircut) acordados pelos credores privados para a parcela do ativo dada como garantia em seus empréstimo.
• O governo também pode transformar um empréstimo em um instrumento semelhante a uma participação societária na empresa.
Quaisquer que sejam os critérios, para os autores, o governo deve resistir à tentação de interferir nos processos privados de reestruturação da dívida das PMEs e definir um menu de opções claras e especificadas previamente, para que os credores privados se encarreguem da reestruturação.
Introdução
Os pesquisadores Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI e professor do MIT, Thomas Philippon e Jean Pisani-Ferry, do Peterson Institute for International Economics, elaboraram um documento, intitulado “A New Policy Toolkit Is Needed as Countries Exit COVID-19 Lockdowns”, para apresentar novas medidas que visam estabelecer uma recuperação consistente para a crise econômica causada pela pandemia de Covid-19.
Quando ficou claro que a pandemia do Covid-19 exigiria uma paralisação generalizada das atividades e dos serviços empresariais, exceto os essenciais, a maioria dos governos adotaram medidas como seguro-desemprego adicional, subsídios, transferências, empréstimos a taxas mais baixas e benefícios fiscais, que tinham como foco exclusivo a proteção das empresas e dos empregos.
Segundo os autores, após este grande choque, o foco das políticas econômicas deve continuar sendo o da proteção das atividades, mas também o da realocação, isto é, incentivos devem ser dados para a retomada dos negócios, mas devem ser ajustados quando necessários.
Experiências da Europa e EUA
Blanchard, Philippon e Pisani-Ferry argumentam que as respostas iniciais à crise do coronavírus foram muito semelhantes entre os países da Europa, mas que os EUA tiveram uma abordagem diferente, tal como sintetizam as tabelas a seguir.
Proteção dos Empregos. A principal medida de amortecimento da crise econômica sobre a população na Europa foi a introdução (ou ampliação) de esquemas de retenção de empregos inspirados no Kurzarbeit (trabalho de curta-duração no qual jornadas e salários são reduzidos), utilizado extensivamente pela Alemanha para combater a Grande Recessão de 2007-2008. A tabela a seguir apresenta os esquemas de retenção de empregos nos países selecionados pelos autores do estudo.
Embora haja diferenças entre os países, o essencial destes esquemas é que os funcionários ficam de licença do trabalho, com seus contratos mantidos, e o governo paga a maior parte ou a totalidade dos custos para os empregadores.
Segundo os autores, trata-se de um sistema de benefícios aos trabalhadores assalariados, isto é, uma espécie de extensão do sistema padrão de seguro-desemprego que permite:
• o trabalho por meio período, com o Estado pagando benefícios em proporção ao tempo não trabalhado;
• manter os vínculos formais dos trabalhadores com a empresa mesmo que não estejam trabalhando, beneficiando a empresa e o funcionário quando a atividade recomeçar;
• pagamento mais generosos do que os relativos ao seguro-desemprego.
As empresas pagam os benefícios até um teto, na proporção do salário do empregado. Se estes benefícios forem um pouco inferiores aos salários, os trabalhadores assumem a perda, a menos que a empresa decida completar este subsídio. O governo reembolsa a empresa tão logo esta pague seus funcionários. Os reembolsos governamentais estão sujeitos a requisitos mínimos e, na Alemanha, eles são condicionados a um acordo coletivo no nível da empresa.
De maneira geral, quem arca com a folha de pagamento dos funcionários ociosos são os governos, segundo os autores do estudo. A aceitação destas medidas foi imediata, uma vez que, na Europa, a maior parte da queda nas horas trabalhadas foi absorvida pelo aumento do número de funcionários sob estes esquemas e não pelo aumento do desemprego.
Na França, um milhão de empregadores inscreveram 12,9 milhões de funcionários (quase dois terços da folha de pagamento) neste esquema. Deste total, 8,6 milhões de pessoas foram efetivamente colocadas no programa em abril, dos quais 4 milhões estavam de licença completa.
Pequenas e médias empresas (PMEs) e segmentos econômicos duramente afetados recorreram massivamente a esta forma de proteção do emprego. No segmento de hotéis e restaurantes francês, cerca de 70% dos ocupados estavam no regime de “desemprego parcial” (chômage partiel) no final de abril. Atualmente, o governo francês estima o custo deste esquema em 1% do PIB anual e, dependendo da aceitação e a duração da licença, ele poderá ser ainda maior.
Nos Estados Unidos, por sua vez, o governo utilizou uma combinação de benefícios para os trabalhadores demitidos. Ainda assim, houve dificuldades em identificar estas pessoas, uma vez que os escritórios encarregados de agilizar os trâmites dos pagamentos ficaram sobrecarregados pelo aumento de pedidos.
Auxílio às empresas. As medidas adotadas na Europa para ajudar as empresas combinaram diferimento de tributos, garantia de empréstimos e injeção de capital, como ilustra a tabela a seguir sobre medidas de garantia de crédito às empresas nos países selecionados pelos autores.
A Alemanha lançou, de acordo com o estudo, um fundo de estabilização econômica de € 600 bilhões, sendo que € 400 bilhões seriam para garantia de liquidez, € 100 bilhões para empréstimos subsidiados e € 100 bilhões para injeção de capital.
Na França, a principal ferramenta tem sido a concessão de crédito por meio de empréstimos bancários, com garantia estatal de até 80% dos empréstimos para grandes empresas (mais de 5.000 funcionários) e 90% dos empréstimos para empresas menores. No fim de maio, mais de três pontos percentuais do PIB foram concedidos em empréstimos para mais de 400 mil empresas.
Segundo Blanchard e seus coautores, os esquemas de proteção europeus foram melhores em preservar os vínculos entre empresas e trabalhadores. Eles também provaram ser mais flexíveis, pois as empresas podem adaptar sua folha de pagamento à demanda e às restrições regulatórias semanalmente.
Quanto às empresas, os Estados Unidos também adotaram uma abordagem diferente. Estabeleceram um programa de empréstimos bancários para PMEs que pode ser subsidiado de maneira total ou parcial pelo governo em função dos empregos mantidos (ou com funcionários demitidos, mas recontratados antes de 30 de junho) pela empresa.
No entanto, a implementação deste programa, segundo os autores, tem deixado a desejar. Por exemplo, a autorização de empréstimo e distribuição de recursos pelo sistema bancário têm sido desiguais; as empresas são atendidas pelo critério de “quem pediu primeiro”, sem levar em consideração seu tamanho e custo social envolvido.
De modo geral, Blanchard e seus coautores afirmam que o esquema dos EUA é mais complexo e menos protetor, sobretudo aos funcionários afastados que perdem o acesso ao seguro de saúde.
Além dessas medidas, os EUA e a Europa também implementaram programas dedicados a empreendedores individuais e startups.
Proteção e realocação de empregos e empresas
Como ainda é necessário o distanciamento social, os autores do estudo afirmam que muitas empresas enfrentarão choques adversos de produtividade e de demanda, que deverão desaparecer à medida que as firmas forem se adaptando e melhores medicamentos ou vacinas forem se tornando amplamente disponíveis.
Outros choques provavelmente irão durar mais tempo, segundo Blanchard e seus parceiros. É o caso do aumento do teletrabalho, desencadeado pela crise, que poderá se tornar permanente e provocar implicações no sistema de transportes e na urbanização.
Em tempos normais, as políticas devem permitir que as empresas se expandam e devem ajudar na realocação da mão de obra, diante das mudanças organizacionais e tecnológicas. Entretanto, os autores dizem que a excepcionalidade do momento envolve algumas particularidades que impedem a adoção de políticas de tempos normais.
Em primeiro lugar, muitas empresas não serão capazes de se expandirem devido à incapacidade de honrar os compromissos financeiros assumidos durante a crise (insolventes). Isto é, mesmo que sejam viáveis, funcionando adequadamente quando as restrições impostas pela pandemia forem removidas, esbarrariam em problemas relacionados ao fluxo de caixa, demandando recursos que, em um cenário de alta incerteza, os bancos relutariam em fornecer. Além disso, é preciso levar em consideração que a persistência de um volume alto de desemprego, e sem previsão de melhoria, irá dificultar a procura por novos postos de trabalho.
Por esses motivos, a proteção dos trabalhadores e a preservação das empresas deverão ser uma das maiores prioridade dos governos. Os três itens a seguir mostram as recomendações dos autores para o foco das políticas de proteção e realocação de trabalhadores e empresas.
Ajustes na proteção dos empregos
Blanchard, Philippon e Pisani-Ferry defendem a prorrogação dos programas de emprego parcial, que permitem manter uma vinculação entre empresas e funcionários. Para os autores também deve ser prorrogada a duração dos benefícios dados aos desempregados.
Atualmente, os esquemas de retenção de empregos provavelmente cobrem de 1/4 a 1/3 dos funcionários do setor privado em vários países europeus. Os esquemas são mais generosos do que o seguro-desemprego e têm um objetivo diferente: visam fornecer renda para trabalhadores não ativos ao mesmo tempo em que mantêm suas relações de emprego. Ou seja, amparam o funcionário e também a empresa.
Durante o lockdown, esses esquemas funcionaram bem, no entanto, os autores alertam para três tipos de ajustes.
• À medida que houver um aumento no número de vagas e o desemprego diminuir, os desempregados deverão ser incentivados a explorar novas oportunidades de trabalho. Deve ser mantido o maior número de vínculos entre empresas e trabalhadores, que facilitem a contratação destes. Ao mesmo tempo, deve-se reduzir gradualmente o valor dos pagamentos excepcionais, tornando-os compatíveis com o que é habitualmente pago como seguro-desemprego.
• Sob os regimes existentes, as empresas não arcam com o tempo que o funcionário não está trabalhando, ou seja, não há custo para a empresa manter sua mão de obra em licença. Quando seus funcionários voltarem à ativa, elas deverão arcar com o salário integral. Por isso, para incentivar as empresas a trazerem as pessoas de volta ao trabalho, os autores propõem que a contribuição do governo sobre o benefício seja gradualmente reduzida e a contribuição das empresas seja aumentada. Para lidar com o aumento dos custos de mão-de-obra e dos novos custos fixos (investimentos em segurança do local de trabalho, por exemplo), Blanchard e seus coautores propõem um esquema de subsídios salariais que será discutido, a seguir, na seção de ajustes no auxílio das empresas.
• Para evitar fraudes, os programas deveriam restringir o grau de elegibilidade para estes programas de retenção de emprego, aplicando-o apenas a uma fração do tempo de trabalho. Os autores relatam que este é um ajuste menos importante, do ponto de vista conceitual, mas empiricamente relevante. O problema é que um empregador pode reivindicar benefícios pela metade do tempo e manter o funcionário em regime integral na empresa. Isto é algo que justifica a restrição da elegibilidade.
Ajustes no suporte às empresas
Segundo o ex-economista chefe do FMI e seus parceiros no estudo que foi tema desta Carta IEDI, mesmo após o término do lockdown, as empresas enfrentarão problemas com a demanda e choques de produtividade. Em certos setores, é provável que a demanda será apenas uma fração da habitual, pelo comportamento norteado pelas regras sanitárias ou mesmo pela desconfiança da população. Além disso, muitas empresas estão lançando mão de acordos (com funcionários e clientes) que, de algum modo, impactarão em sua produtividade.
Em tempos normais, seria natural deixar as empresas sobreviverem ou fecharem, segundo sua habilidade de adaptação, e os trabalhadores que foram demitidos se realocarem, em um processo dirigido pelas próprias forças do mercado. No entanto, para Blanchard, Philippon e Pisani-Ferry, a alta taxa de desemprego e os choques sobre a produtividade e a demanda demandarão ações por parte dos governos.
Os autores propõem dois tipos de medidas:
Subsídios salariais. Os subsídios dado aos salários dos empregados deveriam ser mantidos por dois motivos:
O primeiro é que em períodos de desemprego alto, demitir mais mão de obra leva a um longo período de procura por emprego e, consequentemente, um longo período fora do mercado de trabalho, provocando desatualização e perda de competências das pessoas em busca de ocupação.
O segundo motivo é que os choques adversos de produtividade desencadeados pelo distanciamento físico não irão desaparecer rapidamente em uma quantidade considerável de atividades. Por exemplo, restaurantes terão um período considerável de redução de clientes, decorrentes das medidas de redução da capacidade, e isso implicará em um declínio substancial da produtividade. Assim, diminuir o custo de tais atividades e permitir que sobrevivam impedirão o custo social de falências generalizadas, seguidas de reconstrução do setor em larga escala.
Esse expediente exigirá um direcionamento dos gastos públicos para setores que sofrerão choques temporários e dificilmente sobreviverão sem ajuda financeira: serviços de hotelaria e alimentação, artes e recreação, transporte de passageiros (especialmente companhias aéreas), comércio varejista e, em menor grau, construção.
Os economistas estimam que, dependendo do país, esses setores representam entre 4% e 9% do PIB. Se o governo destes países assumirem uma parcela salarial, incluindo contribuições e seguro social, de 70% e uma taxa de subsídio de 30%, o custo fiscal bruto seria de 0,8% a 1,9% do PIB.
Mas, é provável que o custo fiscal líquido seja menor se cada subsídio ensejar o emprego de um trabalhador adicional. Isso, no entanto, demandaria que as empresas que se beneficiarem dos subsídios empreguem mais pessoas, dada a redução das horas trabalhadas. À medida que o desemprego diminuir e aumentar o número de vagas, esses subsídios devem ser reduzidos.
Garantia de empréstimos. O segundo tipo de suporte às empresas consiste na extensão das garantias parciais de crédito – a absorção do risco por parte dos governos – para que os bancos privados continuem emprestando a taxas mais baixas. O motivo é que em um cenário de forte incerteza, como neste provocado pela pandemia, os bancos tendem a se tornar relutantes em conceder novos empréstimos e tais garantias públicas funcionam como uma absorção parcial do risco macroeconômico.
A maioria dos países implementou programas desta natureza durante o lockdown, que segundo os autores do estudo, devem continuar com duas modificações.
• Primeiro, o tamanho dessas garantias deve diminuir com o tempo. As garantias se justificam pela extrema incerteza macro e microeconômica criada pela pandemia. À medida que essa incerteza for sendo eliminada, as garantias devem ser retiradas gradualmente.
• Segundo, o uso de garantias estatais deve estar vinculado a restrições de pagamento de dividendos e/ou maiores impostos futuros sobre a renda das empresas privadas. As restrições de pagamento de dividendos já são impostas às grandes empresas que exigem suporte governamental.
Esses empréstimos, assim como os subsídios salariais, não são projetados para todas as empresas. Eles são projetados para as empresas tomarem decisões socialmente eficientes e é provável que, mesmo com subsídios e empréstimos, algumas delas fiquem insolventes. Assim, Blanchard e seus coautores defendem que um plano de reestruturação de dívidas também deve ser pensado.
Plano de Reestruturação de Dívidas
Para os autores do estudo, lidar com as dívidas herdadas da crise de Covid-19 será complexo e caro. Por isso, serão necessárias propostas para que a reestruturação possa ocorrer de forma organizada, levando em consideração reivindicações privadas e públicas, problemas de informação e encargos administrativos.
Ao sair do lockdown, as empresas irão diferir em termos de saúde e algumas terão níveis excessivos de dívidas. Por isso, os autores fazem uma categorização:
• empresas particularmente viáveis (o valor presente de seus lucros excede o valor de recuperação) e solvente (o valor presente dos lucros excede a dívida corrente);
• empresas inviáveis e, portanto, não solventes; e
• empresa viáveis, mas que ficaram insolventes com o choque e, portanto, precisam de reestruturação de dívidas.
Se a empresa é viável e tem pouca ou nenhuma dívida, é preciso garantir que ela acesse liquidez para financiar suas operações. Tendo isso em vista, o foco é nas empresas endividadas, isto é, em empresas insolventes, que podem ou não ser viáveis.
Como observam os autores do estudo, mesmo com subsídios salariais e garantias de empréstimos, o valor social de uma empresa pode exceder substancialmente seu valor privado. Os efeitos de rede em uma economia frágil e deprimida são mais relevantes neste momento do que o habitual, pois a falência de uma empresa pode ter efeitos importantes sobre seus fornecedores e consumidores. Além disso, se houver um número alto de empresas necessitadas de reestruturação de dívidas, poderá haver uma sobrecarga judicial que deve ser evitada.
O governo como um dos credores não tem informação nem a capacidade administrativa para implementar planos eficientes de reestruturação. Para a maioria das empresas, os dois principais credores são bancos e o governo. Os autores argumentam que os bancos sabem muito mais sobre as PMEs do que o governo, mas podem permitir o fechamento de mais empresas do que o socialmente aceitável.
Para equilibrar essas características, os autores sugerem que o governo delegue a decisão aos bancos com o seguinte esquema:
• Se uma empresa decretar falência, o governo deverá exercer todos os seus direitos de credor. Isso deve ser conhecido com antecedência, para que os credores tenham ciência dessa possibilidade ao tomarem suas decisões;
• Se a firma continuar em funcionamento, mas precisar de reestruturação, o governo poderá aceitar exigências menores em alguns aspectos, como o diferimento de impostos e garantia de créditos, tal como os descontos (haircut) acordados pelos credores privados para a parcela do ativo dada como garantia em seus empréstimo;
• O governo também pode transformar um empréstimo em um instrumento semelhante à uma participação societária na empresa.
Qualquer que sejam os detalhes, para os autores, o governo deve resistir à tentação de interferir nos processos privados de reestruturação da dívida das PMEs e definir um menu de opções claras e especificadas previamente, para que o banco credor privado se encarregue da reestruturação.
Assim, o governo evita pressões políticas e garante consistência no tratamento de casos individuais. Com as opções bem definidas, os bancos serão levados a escolher a solução socialmente ideal. O estado deve implementar essa política rapidamente, uma vez que a demora potencializa o cenário de incerteza vivido pelos agentes econômicos.
Novos instrumentos e benefícios
Basicamente, os autores propõem a introdução de dois novos instrumentos.
• Subsídios salariais temporários para apoiar setores e empresas severamente atingidos pela redução da demanda e o choque de produtividade decorrentes do distanciamento social. Estes subsídios ajudam a limitar as demissões e o correspondente aumento do desemprego. E, nesta nova fase, se projetados adequadamente, seus custos podem ser limitados.
• A introdução de procedimentos de reestruturação de dívidas para as PMEs que tiverem excesso de dívida herdada. Ao invés de confiar em procedimentos de falência (que são ineficientes e demandam tempo considerável, sobrecarregando os tribunais), os autores propõem incentivos para que credores privados elaborem planos de reestruturação para PME viáveis, mas insolventes. Isto é, são propostos benefícios para os bancos aceitarem uma reestruturação das dívidas das empresas. Isso ajudaria na retomada das empresas e nos investimentos.
Os autores apontam quatro principais vantagens para esses esquemas propostos:
1. Confiar nos dois instrumentos permite que o público se adapte a uma variedade de situações. Algumas empresas não possuem problemas no balanço patrimonial, mas sofrem com custos que pesam excessivamente em sua conta operacional; algumas são rentáveis, mas estarão sobrecarregadas por dívidas herdadas no período em que tiveram que parar suas operações. Para Blanchard e seus parceiros, um único instrumento para resolver esses dois problemas seria ineficiente e caro.
2. A estratégia é flexível, pois torna possível responder em tempo hábil as mudanças nas condições de saúde pública e nas suas implicações para a produção.
3. Esta abordagem minimiza o uso de capacidade administrativa limitada do governo e minimiza o risco de que ele seja sobrecarregado por uma onda de falências.
4. O método leva em consideração o risco de captura da política econômica, que é inerente a intervenções discricionárias.
Em suma, as medidas tomadas para proteger empresas e empregos durante o lockdown cumpriram amplamente seus objetivos, embora em grau maior na Europa do que nos EUA. As políticas pós-lockdown devem dar suporte à recuperação.
Do lado da demanda, isso exigirá mais apoio fiscal por parte do governo. Do lado da oferta, isso implica colocar gradualmente mais ênfase na recuperação de empregos e empresas viáveis, enquanto elimina progressivamente os esquemas atualmente existentes. A inflexão deve ser gradual, viabilizando a restauração de empregos e da saúde das empresas existentes.