Carta IEDI
Brasil pós-Covid-19: as propostas do IPEA
A Carta IEDI de hoje dá continuidade a uma série de divulgações do Instituto com proposições e indicações para uma reativação econômica pós pandemia mais consistente e sustentável. Edições anteriores trataram os estudos do ex-economista chefe do FMI Olivier Blanchard (Carta n. 1026) e da UNCTAD (Carta n. 1025).
Nesta edição, o tema é o recém-divulgado documento “Brasil pós-covid-19: contribuições do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada”, que traz um conjunto de propostas de políticas para a melhoria das condições de emprego e renda da população e para a recuperação da atividade econômica no pós-pandemia da Covid-19.
Como é destacado no texto, em razão da emergência sanitária, social e econômica, as propostas concentram-se em programas ou instrumentos específicos, de curto e médio prazo, e não em estratégias genéricas.
Organizadas em torno de 4 eixos, as propostas trazem indicação dos instrumentos jurídicos e ações necessárias, bem como das fontes de recursos para sua execução. Algumas das propostas exigem ampliação temporária do gasto público, enquanto outras sugerem novos modelos de financiamento com incentivo à participação do setor privado.
O primeiro eixo, centrado na reconstrução produtiva, congrega dez propostas que têm como objetivo: promover a rápida recuperação econômica a partir do suporte às atividades produtivas, em especial as executadas por micro e pequenas empresas; garantir a manutenção da oferta de bens e serviços em setores estratégicos; aumentar a eficiência da intervenção pública; e preservar e gerar novos empregos.
Nesse primeiro eixo, destacam-se as seguintes propostas:
• Concessão de empréstimo com juros iguais a zero e um ano de carência, proporcional ao faturamento médio mensal para todas as micro e pequenas empresas (MPEs) do país, de acordo com a atividade da empresa, e condicionado à manutenção dos empregos, com análise simplificada de risco e garantia do Tesouro Nacional.
• Criação de uma indústria de reciclagem automotiva, gerando um ciclo sustentável de vendas, a partir da retirada de circulação de carros em condições inapropriadas, os quais seriam encaminhados à reciclagem.
• Uso estratégico das compras públicas para sustentar e fomentar as atividades de MPEs e, ao mesmo tempo, estimular a competição, incluindo a criação de um marketplace governamental e fomento de plataforma de matching entre empresas fornecedoras de grande porte e fornecedores subcontratados de pequeno porte.
• Criação de um programa de financiamento ao Complexo Industrial da Saúde, com foco nos desafios sanitários e epidemiológicos do SUS voltado para o aumento da capacidade produtiva e inovadora do setor, com ênfase em médias e pequenas empresas e em startups.
• Realização de encomenda tecnológica para o desenvolvimento de sistema autônomo inteligente, com uso de sensores e inteligência artificial, de gestão de recursos e melhoria da capacidade de atendimento público e privado de saúde.
• Mobilização de recursos privados para o investimento em ciência e tecnologia no país, com estímulo, por meio de incentivos fiscais a doações de pessoas físicas e empresas, à criação de fundos privados de apoio a universidades e instituições de ciência e tecnologia.
O segundo eixo, dedicado ao setor externo, reúne três propostas com vistas a contribuir para a plena recuperação da economia mediante a promoção comercial de bens e serviços brasileiros e a atração de capitais estrangeiros, bem como para o combate do protecionismo no comércio internacional e ajuda coordenada aos países em desenvolvimento.
A proposta de estímulo às exportações prevê ações no sentido de facilitar o acesso das empresas ao crédito do BNDES e ao seguro de crédito às exportações, bem como agilizar a devolução do crédito tributário, além do aprimoramento do ambiente regulatório do comércio exterior e da produção.
No que se refere à atração de capitais estrangeiros, o IPEA sugere buscar objetivamente parcerias internacionais para a expansão dos investimentos no país, especialmente em projetos de infraestrutura e novas plantas produtivas, bem como ampliar o uso das linhas de crédito existentes em bancos e fundos multilaterais para novos projetos, tanto em infraestrutura física quanto social e em saúde.
O terceiro eixo, voltado ao setor de infraestrutura, em conceito amplo, inclui oito propostas para garantir, no curto prazo, a atratividade de contratos público-privados já em andamento, facilitar a atuação de capital privado, e, ao mesmo tempo, gerar novos empregos e equacionar problemas históricos relacionados a condições básicas de infraestrutura social. Dentre as quais, destacam-se:
• Facilitar a participação de capital externo na infraestrutura, com retirada de entraves burocráticos para a participação estrangeira em concessões; flexibilização de exigências de capital e conhecimento técnico; e mecanismos de compartilhamento de riscos, com garantia de hedge cambial pelo Tesouro.
• Permitir e difundir a construção ferroviária privada por meio da revisão de subsídios concedidos à cadeia produtiva de minérios e grãos para exportação, bem como de renúncia de valores de outorga, em troca de investimentos em infraestrutura de transportes.
• Apoiar a cadeia produtiva de painéis solares, de modo a aumentar a competitividade dos equipamentos nacionais e possibilitar a geração de empregos crescentes nos seus fabricantes, e proporcionar menores custos ao programa Mais Luz para a Amazônia.
• Ampliação do acesso à banda larga de qualidade, com incentivo à participação do setor privado na expansão das redes de acesso mediante redução da carga tributária incidente sobre a construção de redes e a prestação de serviços nos municípios mais pobres.
O foco do quarto e último eixo são as políticas sociais, com intuito de amenizar o aumento das já elevas desigualdades socioeconômicas do país devido a pandemia. Esse eixo reúne um conjunto de doze propostas voltadas: ao mercado de trabalho formal, com incentivo à jornada parcial de 20 horas; à proteção de grupos vulneráveis; ao fortalecimento da agricultura familiar; e às áreas de Saúde e de Educação, com destaque para a estruturação de um sistema nacional de financiamento estudantil no ensino superior, profissional e tecnológico, com pagamentos vinculados à renda futura do aluno.
Esse quarto eixo também inclui uma proposta de participação nacional no esforço internacional de desenvolvimento de vacinas para o novo coronavírus, de modo assegurar o acesso ao fornecimento suficiente quando as vacinas estiverem disponíveis.
Introdução
Desde o mês de março, o Brasil convive com os efeitos das necessárias medidas de isolamento social devido à pandemia da Covid-19, que atingiram mais seriamente os setores de serviços e a indústria de transformação, e em particular, as empresas de pequeno porte, ocasionando forte retração do emprego e da renda.
Com o propósito de subsidiar as ações do governo brasileiro em prol da sobrevivência das empresas mais afetadas e da melhoria das condições de emprego, de renda e de vida das populações mais vulneráveis, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou recentemente o documento “Brasil pós-covid-19: contribuições do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada”, que é objeto desta Carta IEDI.
O documento traz um amplo conjunto de trinta e três propostas que, ao mitigar os impactos sanitários e socioeconômicos da crise, podem contribuir para a recuperação da atividade econômica no pós-pandemia da Covid-19.
Concentrando-se em programas ou instrumentos específicos, de curto e médio prazo, e não em estratégias genéricas, as propostas estão organizadas em torno de 4 eixos: 1) atividade produtiva e reconstrução das cadeias de produção; 2) inserção internacional; 3) investimento em infraestrutura; 4) proteção econômica e social de populações vulneráveis. Cada uma deles traz indicação dos instrumentos jurídicos e ações necessárias, bem como das fontes de recursos para sua execução.
Os principais aspectos das propostas de cada eixo são apresentados a seguir. Maior destaque, contudo, será dado às propostas relacionadas à reconstrução produtiva.
Eixo 1 - Atividade produtiva e reconstrução das cadeias de produção
O primeiro eixo, centrado na reconstrução produtiva, tem como objetivos: promover a rápida recuperação econômica a partir do suporte às atividades produtivas, em especial as executadas por micro e pequenas empresas; garantir a manutenção da oferta de bens e serviços em setores estratégicos; aumentar a eficiência da intervenção pública; e preservar e gerar novos empregos. Integram esse primeiro eixo, um total de dez propostas:
1.Reformas do sistema legal brasileiro de recuperação de empresas para preservar negócios de empresas economicamente viáveis, garantir empregos, impedir a desvalorização de ativos e assegurar o adequado funcionamento dos mercados de crédito. Essa proposta, que poderia ser viabilizada mediante Substitutivo de projetos de lei já existentes no Congresso, prevê a extensão de possibilidade de falência e recuperação a pessoas físicas e jurídicas sem fins lucrativos, a ampliação do escopo da recuperação, a suspensão de ações e execuções, o estabelecimento de regras para realocação rápida e segura dos ativos do devedor, simplificação de procedimentos e recursos, entre outras ações.
2.Concessão de empréstimo com juros iguais a zero e um ano de carência, proporcional ao faturamento médio mensal para todas as micro e pequenas empresas (MPEs) do país (cerca de 7.750.000 empresas), de acordo com o setor de atividade, e condicionado à manutenção dos empregos, com análise simplificada de risco e garantia do Tesouro Nacional. Os empréstimos, com valor médio estimado de R$ 17.438,67, seriam operacionalizados por instituições bancárias, de pagamentos e transferência financeira, que seriam remuneradas a 1,5% dos valores nominais concedido. O pagamento da amortização do empréstimo sob a forma de um percentual fixo do faturamento (5% do faturamento bruto descontadas as despesas com pessoal) se daria por meio de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que poderia ser criada por Lei Ordinária. O custo efetivo da proposta para o Tesouro Nacional seria de R$ 17,4 bilhões (0,24% do PIB de 2020) se o programa durar 2 meses ou R$ 71,2 bilhões (0,98% do PIB de 2020) se durar 5 meses, com financiamento mediante emissão de títulos públicos, que poderão ser resgatados nas datas das amortizações dos empréstimos.
3.Criação de uma indústria de reciclagem automotiva, a partir da retirada de circulação de carros em condições inapropriadas, os quais seriam encaminhados à destruição para reciclagem dos materiais, originando assim um ciclo sustentável de vendas para a indústria automobilística. A retirada dos veículos da circulação e encaminhamento à reciclagem geraria um crédito ao proprietário na compra de um novo carro, com menor impacto ambiental. O IPEA estima que indústria de reciclagem automotiva no Brasil teria um potencial de mobilizar US$ 7,5 bilhões ao ano e de empregar 30 mil pessoas, gerando oportunidade para mão de obra de baixa qualificação. A concretização dessa iniciativa, sem custos para o Tesouro Nacional, exigiria uma lei federal.
4.Uso estratégico das compras públicas para sustentar e fomentar as atividades de micro e pequenas empresas (MPEs) e, ao mesmo tempo, estimular a competição, incluindo a criação de um marketplace governamental e fomento de plataforma de matching entre empresas fornecedoras de grande porte e fornecedores subcontratados de pequeno porte. Para tanto, seria necessário a ampliação dos limites de dispensa e convite, a simplificação da documentação exigidas das MPEs, maior subdivisão de itens de compra, com valores que possam ser atendidos pelas micro e pequenas empresas, e simplificação do pagamento, com maior utilização do Cartão de Pagamento do Governo Federal. O IPEA também sugere a realização de acordo com o Sebrae para prestação de apoio técnico-jurídico às MPEs no fornecimento público. Além de não gerar aumento de custo para o governo, essa proposta pode acarretar diminuição de preços.
5.Criação de um programa de financiamento ao Complexo Industrial da Saúde, com foco nos desafios sanitários e epidemiológicos do Sistema Único de Saúde (SUS) voltado para o aumento da capacidade produtiva e inovadora do setor, com ênfase em pequenas e médias empresas (PMEs) e em startups. No caso das PMEs, o Estado, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), atuaria como garantidor dos empréstimos privados destinados aos investimentos em inovação. No caso das startups, recursos do FNDCT seriam prioritariamente aportados, sob a forma de investimento, naquelas empresas que produzissem soluções ligadas aos desafios do SUS. Com duração de cinco anos, o custo total dos investimentos do programa seria da ordem de R$ 1 bilhão, financiados mediante descontingenciamento dos recursos bloqueados do FNDCT.
6.Realização de encomenda tecnológica para o desenvolvimento de sistema autônomo inteligente, com uso de sensores e inteligência artificial, de gestão de recursos e melhoria da capacidade de atendimento público e privado de saúde, que forneça informação, em tempo real, sobre a capacidade máxima de atendimento hospitalar federal em âmbito nacional. Tal sistema permitiria a gestão e alocação eficiente de recursos, de acordo com a localização do paciente, diagnóstico e capacidade de atendimento em todo território nacional. Essas encomendas tecnológicas poderiam ser realizadas pelo Ministério da Saúde mediante o uso do artigo 20 da Lei de Inovação. O custo total global dessa iniciativa seria de R$ 1 bilhão, com execução máxima de dois anos, financiados com os recursos atualmente contingenciados do FNDCT.
7. Ampliação dos recursos destinados à subvenção econômica do MCTI/Finep para R$ 400 milhões nos próximos dois anos, sendo R$ 100 milhões destinados a um programa de pesquisa e inovação em saúde, por meio do descontingenciamento de recursos já arrecadados FNDCT, atualmente destinados ao superávit primário. Embora seja um dos principais mecanismos de apoio à inovação disruptiva no Brasil, os recursos orçamentários atualmente destinados à subvenção econômica totalizam apenas R$ 50 milhões (ante R$ 200 milhões anuais nos anos 2000). O IPEA destaca que no setor da saúde, a subvenção econômica como fonte de recursos à inovação radical e com maior incerteza é ainda mais relevante, em razão das novas descobertas científicas que têm ampliado as possibilidades de desenvolvimento de novos produtos, como medicamentos, vacinas e equipamentos.
8.Mobilização de recursos privados para o investimento em ciência e tecnologia (C&T) no país, com estímulos à criação de fundos privados de apoio a universidades e instituições de ciência e tecnologia (ICTs), mediante de incentivos fiscais a doações de pessoas físicas (ex-alunos) e empresas. A implementação dessa proposta exigira modificação na legislação existente, como o capítulo III da Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005).
9.Criação de programa de grandes concursos tecnológicos nacionais para resolução de problemas concretos da sociedade e empresas, nos quais o Estado atuaria como articulador de pessoas físicas e jurídicas interessadas em responder ao desafio. Esses concursos seriam financiados com recursos privados, na forma de doação, com organização e apoio gerencial público. A Lei no 8.666/1993 fornece o arcabouço jurídico para a realização de concursos de tal natureza.
10. Melhoria da eficácia dos Fundos Constitucionais de Financiamento Regional, com introdução imediata e medidas de custo relativamente baixo para eliminar entraves na operacionalização dos recursos Fundos Constitucionais (FNO, FNE e FCO), e ampliar os empréstimos para micro e pequenos empreendedores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A implementação dessa iniciativa pressupõe a realização de parceiras com órgãos de assistência técnica para assessoramento aos empreendedores e com escolas técnicas para promover qualificação da mão de obra local.
O Quadro abaixo traz um resumo das propostas do Eixo 1.
Eixo 2 – Inserção internacional
De acordo com o IPEA, uma dimensão relevante da agenda estrutural de reformas da economia brasileira é a redefinição de sua integração econômica com o mundo. Pois, ainda que o Brasil se mantenha como um parceiro atrativo, alguns fatores estruturais e conjunturais aumentam a probabilidade de o país ingressar no mundo pós-pandemia em uma posição frágil.
Assim, embora o setor exportador tenha sido pouco afetado pela crise da Covid-19, em razão do desempenho do agronegócio, o segundo eixo de propostas é dedicado ao setor externo, reunindo proposições voltadas à promoção comercial de bens e serviços brasileiros e à atração de capitais estrangeiros, bem como ao combate do protecionismo no comércio internacional e ajuda aos países em desenvolvimento.
As propostas têm enfoque de curto prazo, para o período de recuperação da economia pós-Covid-19, mas também buscam soluções de médio prazo quanto à inserção internacional da economia brasileira:
1. Estímulo às exportações por meio de ações no sentido de facilitar o acesso das empresas às distintas modalidades do financiamento às exportações do programa BNDES-Exim e ao Proex, de racionalizar o processo decisório do Fundo de Garantia às Exportações (FGE), com ampliação do volume de exportações cobertas pelo seguro de crédito às exportações, bem como agilizar a devolução do crédito tributário, além do aprimoramento do ambiente regulatório do comércio exterior e da produção. O IPEA sugere ainda a implementação de novas diretrizes na política nacional de promoção comercial e internacionalização de empresas e a exploração das oportunidades de negócio no comércio internacional agrícola, dada as capacidades e vantagens competitivas da agricultura brasileira. A concretização dessas iniciativas exigiria o aumento de aportes do Tesouro Nacional para programas de crédito e de apoio às exportações e o reforço de instituições-chave, bem como a priorização de recursos orçamentários já alocados no orçamento para o ano de 2020.
2.Atração de capitais estrangeiros mediante parcerias internacionais para a expansão dos investimentos em projetos de infraestrutura e novas plantas produtivas, bem como ampliação do uso das linhas de crédito existentes em bancos e fundos multilaterais para novos projetos, tanto em infraestrutura física quanto social e em saúde. O IPEA defende a realização de atividades de prospecção de parcerias internacionais privadas para projetos de infraestrutura e de ampliação da capacidade produtiva da economia brasileira bem como ações de cooperação internacional para reforçar a disponibilidade de recursos internacionais para investimentos produtivos, ampliando a participação em fontes alternativas de financiamento como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), e para a construção de um mercado de garantia de créditos no Brasil. A execução dessa proposta exigiria aumento de aportes do Tesouro Nacional para garantias em novos projetos com financiamento externo.
3.Combate ao protecionismo, por meio de uma atuação pragmática na integração regional e em foros internacionais em defesa do multilateralismo e do comércio internacional baseado em regras e da ajuda coordenada de alívio e renegociação de dívidas de países em desenvolvimento. Dentre as ações sugeridas, destacam-se o fortalecimento da presença brasileira em fóruns internacionais regulatórios, como Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Econômica de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); o prosseguimento de negociações comerciais com parceiros atuais e abertura de negociação de novos acordos e o fortalecimento da agenda de integração regional, sobretudo temas de infraestrutura, integração produtiva e facilitação de comércio. Esse conjunto de iniciativas não exige aumento de recursos orçamentários para sua implementação, mas apenas priorização daqueles já alocados no orçamento de 2020.
Maiores detalhes sobre as propostas do Eixo 2 são apresentados no Quadro abaixo.
Eixo 3 – Investimentos em infraestrutura
O terceiro eixo, voltado ao setor de infraestrutura, em conceito amplo, tem como objetivo garantir, no curto prazo, a atratividade de contratos público-privados já em andamento, facilitar a atuação de capital privado, e, ao mesmo tempo, gerar novos empregos e equacionar problemas históricos relacionados a condições básicas de infraestrutura social.
Na avaliação do IPEA, dadas as diversidades e disparidades socioespaciais expressivas do Brasil, a dimensão territorial deve nortear as obras de infraestrutura. Os investimentos em infraestrutura, notadamente em mobilidade urbana, saneamento básico e logística, podem amplificar o potencial de cidades e áreas metropolitanas, contribuindo para alavancar o desenvolvimento de suas regiões e do país.
Esse eixo inclui um total de oito propostas:
1.Execução de programa de manutenção emergencial de rodovias com o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para um esforço nacional de recuperação de rodovias, com foco em melhorias pontuais de pavimento e recuperação das sinalizações horizontais e verticais, com licitação de grande conjunto de pequenas obras de recuperação rodoviária e criação de linha de financiamento a estados e municípios para essa finalidade. O IPEA estima que a recuperação das rodovias, além de preservar o valor do ativo, reduzir os custos de logística e o número de acidentes, tem um potencial de geração de 100 mil empregos por ano para cada R$ 1 bilhão de investimento. Com utilização de recursos orçamentários da União, de estados e de municípios, a implementação da proposta resultaria em investimentos da ordem de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões, incluindo empréstimos aos estados e municípios.
2.Criar câmara de revisão de concessões, com o objetivo de unificar o recebimento de pedidos de revisão, organizar informações sobre a saúde financeira dos concessionários e dar suporte às negociações, por meio da definição de parâmetros. O IPEA sugere que as negociações sejam individuais e específicas a cada caso concreto, mas alinhadas à estratégia geral do governo federal. A execução dessa proposta não exigiria recursos orçamentários adicionais. Haveria apenas a necessidade a realocação de servidores e adequação da estrutura interna do Ministério da Economia.
3.Facilitar a participação de capital externo em infraestrutura econômica, com retirada de entraves burocráticos para a participação estrangeira em concessões, com flexibilização de exigências de capital e de conhecimento técnico, facilitação da concessão de licenças de trabalho para os funcionários estrangeiros, e mecanismos de compartilhamento de risco de demanda e de financiamento, com garantia de hedge cambial pelo Tesouro. De acordo com o IPEA, ao executar operações de hedge cambial em nome das empresas concessionárias, o Tesouro contribuiria para reduzir o custo dessas operações, permitindo que as empresas privadas captassem financiamento em moeda estrangeira nos mercados internacionais, com prazos e custos mais favoráveis que no mercado doméstico.
4.Ampliar o acesso a serviços de saneamento básico, com ênfase nas áreas irregulares, comunidades isoladas e pequenos municípios, mediante a criação de forças-tarefa para regularização fundiária, simplificação de normas que impedem expansão de saneamento em áreas irregulares e da retomada, em caráter de urgência, dos editais do Ministério da Cidadania e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para a promoção de soluções e tecnologias já existentes que garantam acesso ao saneamento às comunidades isoladas. O IPEA também sugere a criação de programa de adesão voluntária dos consumidores, para postergação do pagamento de contas de água por um prazo preferencialmente não superior a um ano, oferecendo como garantia ativos físicos (automóveis e imóveis). Embora o setor de saneamento já conte com um sistema de financiamento, para aumentar a capacidade de investimento no curto prazo sugere-se o redirecionamento dos recursos de fundos infraconstitucionais destinados a áreas específicas que não estejam sujeitos às vinculações previstas na Constituição Federal, o que exigiria a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 187/2019.
5.Permitir e difundir a construção ferroviária privada por meio da revisão de subsídios concedidos à cadeia produtiva de minérios e grãos para exportação, bem como de renúncia de valores de outorga, em troca de investimentos em infraestrutura de transportes. A execução dessa proposta exigiria uma lei específica, iniciada por Medida Provisória, definindo um novo modelo de autorização para o setor ferroviário, o qual facilitaria os investimentos privados.
6. Apoiar, por meio de incentivos fiscais, a cadeia produtiva de painéis solares, de modo a aumentar a competitividade dos equipamentos solares nacionais e possibilitar a geração de empregos crescentes nos seus fabricantes e proporcionar menores custos ao programa Mais Luz para a Amazônia por meio de crédito subsidiado do BNDES. A concretização dessa iniciativa exigira, segundo o IPEA, ampliar a lista anexa do Decreto 6.233/2007, que regulamenta o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores, para inclusão dos principais insumos utilizados na fabricação de painéis solares, incluir os insumos e máquinas utilizados na fabricação de módulos e células fotovoltaicas, baterias e inversores fotovoltaicos na lista de códigos tributários da Lei nº 13.969/2019, bem como dinamizar o programa Fundo Clima do BNDES e as linhas de crédito do Banco do Nordeste.
7.Ampliar o acesso à banda larga de qualidade, com incentivo à participação do setor privado na expansão das redes de acesso, mediante a redução da carga tributária incidente sobre a construção de redes e a prestação de serviços nos municípios mais pobres, bem como da revisão de contratos de concessão que, ao manterem obrigações obsoletas, consomem direta e indiretamente a capacidade de investimento das empresas. A implementação da proposta seria financiada com a realocação de recursos já existentes e redução de custos regulatórios e tributários.
8.Reduzir os impactos econômicos negativos da pandemia sobre o transporte público e manter o acesso dos usuários ao serviço, com benefícios para os prestadores e usuários, mediante parcerias com governos estaduais e municipais para financiar a construção de corredores exclusivos de ônibus, redução de tributos incidentes sobre óleo diesel e compra de crédito das empresas de transporte coletivo para repasse aos beneficiários de programas sociais. A proposta prevê ainda a adoção de medidas de médio e longo prazo para reconfigurar o modelo de financiamento do transporte público coletivo urbano, com sistemas de cobrança por uso de vias e vagas de estacionamento públicas e redirecionamento de tributos já existentes.
As propostas do Eixo 3 são sumarizadas no Quadro abaixo.
Eixo 4 – Proteção econômica e social de populações vulneráveis
O quarto e último eixo tem como foco as políticas sociais, com intuito de amenizar o inevitável aumento, em razão dos impactos econômicos da pandemia, das já elevadíssimas desigualdades socioeconômicas do país. Esse eixo reúne um conjunto de doze propostas voltadas ao mercado de trabalho formal, à proteção de grupos vulneráveis (crianças, jovens e cuidadores familiares de idosos), ao fortalecimento da agricultura familiar, bem como às áreas de Saúde e de Educação.
Esse quarto eixo também inclui uma proposta de participação do Brasil no esforço internacional de desenvolvimento de vacinas para o novo coronavírus, de modo assegurar o acesso ao fornecimento suficiente quando as vacinas estiverem disponíveis.
Esse eixo inclui as seguintes propostas:
1. Implementação de programas de subsídio temporário à contratação de novos trabalhadores, sem registro prévio no e-Social. A proposta seria viabilizada por meio de lei ordinária, contemplando duas modalidades de trabalho por tempo determinado: jornada parcial e jornada de 40 horas semanais. O subsídio, proporcionalmente maior nas novas contratações de trabalhadores com jornada parcial; assumiria a forma de desconto na contribuição patronal à previdência social para empresas não optantes do Simples Nacional e de redução das alíquotas destinadas ao Sistema S para as optantes do Simples Nacional. O benefício seria concedido para as contratações de novos trabalhadores com salário menor ou igual a três salários-mínimos, que resultem na ampliação do número de empregados.
2.Prorrogação de reduções na jornada implementadas via MP no 936/2020, que instituiu o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda (Bem), com reduções graduais nas despesas do governo com os benefícios emergenciais. A proposta prevê lei ordinária, definindo os parâmetros da prorrogação da redução da jornada de trabalho, com diminuição do percentual de redução de 70% para 50% ou 25%, e proibição de renovação da suspensão de contratos, a qual, contudo, poderia ser transformada em redução de jornada (70%, 50% ou 25%). O IPEA sugere ainda a compensação do aumento de custo salarial por meio do adiamento do pagamento de algum dos impostos federais até o final do ano.
3.Unificação e ampliação de benefícios voltados para a infância, com a criação de um benefício infantil universal para crianças e adolescentes até 18 anos incompletos, no valor do benefício variável do Programa Bolsa Família (hoje, R$ 41 por mês), com extinção do benefício básico e do benefício variável ao adolescente (BVJ) do Bolsa Família; o salário família; e a dedução por filhos dependentes no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). O custo estimado da proposta seria de R$ 26,6 bilhões/ano, dos quais R$ 19,1 bilhões/ano seriam provenientes da extinção de benefícios existentes. O documento não indica a fonte de recurso para o financiamento adicional de cerca de R$ 7,5 bilhões/ano.
4.Criação de uma Estratégia Integrada para promover o emprego e a educação dos jovens vulneráveis, com vistas a reduzir a inatividade e a elevada taxa de desemprego dos jovens vulneráveis inscritos no Cadastro Único por meio da criação de oportunidades de participação em atividades de ensino, formação e emprego. Essa iniciativa consiste no somatório de ações e programas já existentes, financiados com recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), do orçamento da Seguridade Social, do Fundeb, bem como da Secretaria Nacional de Juventude do Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos.
5.Geração de empregos por meio de ajuda para os cuidadores familiares de idosos por meio da implementação do Programa Respiro para garantir tempo livre aos cuidadores familiares, mediante a contratação e treinamento de cuidadores domiciliares, e da criação de uma política de apoio ao cuidador informal e ao atendente pessoal não remunerado de pessoa em situação de dependência. O IPEA sugere que o Estado atenda os segmentos mais vulneráveis, como os beneficiários de Benefício de Prestação Continuada (BPC) e/ou Bolsa-Família e estimule o setor privado a oferecer esses serviços às famílias que podem arcar com os custos. Essa iniciativa seria financiada com recursos do Financiamento pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
6.Proteção e geração de ocupações na agricultura familiar e abastecimento alimentar, promovendo o desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar, a partir de investimentos no seu potencial produtivo, e a proteção aos agricultores familiares de situações de vulnerabilidade. As ações sugeridas incluem: o fortalecimento dos assentamentos existentes e dos programas de compras institucionais de alimentos produzidos pela agricultura familiar, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a dinamização do programa de construções de cisternas, o fortalecimento dos instrumentos de crédito destinados à agricultura familiar, como o Pronaf. O IPEA considera que se os patamares de investimento do PAA retornassem ao nível de R$ 1 bilhão, alcançado em 2011 e 2012, o programa beneficiaria 208 mil agricultores familiares e 12 milhões de consumidores.
7.Reposição de profissionais de saúde afastados no período da pandemia e adequação do número de profissionais de saúde à nova realidade do SUS, com revisão dos incentivos à formação de profissionais e gestão das bolsas de residência médica para áreas de medicina intensiva e cardiologia. A fonte de recursos para essa iniciativa seria o programa de bolsas de residência do Ministério da Educação, programa de formação do SUS (Ministério da Saúde) e incentivos profissionais.
8.Encomenda tecnológica (ETEC) a ser realizada pelo Ministério da Saúde, com custo total global para o projeto de R$ 1,5 bilhão e execução máxima de três anos, com vistas ao desenvolvimento de vacina “tríplice” ou solução tecnológica para imunização ou proteção da população brasileira contra as arboviroses que causam dengue, Chikungunya e Zika. O financiamento da inciativa seria assegurado pelo descontingenciamento de recursos já arrecadados junto FNDCT atualmente destinados ao superávit primário.
9.Distribuição de tablet ou laptop, para fins educativos, aos alunos da rede pública, em consonância com a meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE) relativa ao acesso a ambientes de aprendizagem virtuais, com conteúdos interativos e recursos de pesquisa. A compra dos equipamentos seria financiada com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cuja dotação orçamentária depende de aprovação do Congresso.
10.Ampliação da oferta de educação em tempo integral na educação básica quando da retomada das aulas presenciais pós-pandemia. Essa proposta, que depende de coordenação com as redes municipais e estaduais de educação, teria como fonte de recursos o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
11.Criação de Sistema de Financiamento Estudantil com pagamentos vinculados à renda futura, de modo a criar condições para que jovens com renda familiar per capita de até um salário mínimo disponham de meios para, caso seja sua intenção, fazer um curso técnico e/ou um curso superior. A concretização dessa proposta exigiria a aprovação pelo Congresso de Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) para flexibilizar o instituto da gratuidade em instituições públicas de ensino superior e para criar uma contribuição especial a ser paga por ex-estudantes com renda acima da faixa de isenção do IRPF a ser coletada pela Receita Federal, bem como uma Lei Complementar para definição do órgão ou entidade paraestatal responsável pela gestão do sistema. Segundo o IPEA, haveria ganho fiscal com a extinção do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), cujo saldo devedor atingiu R$ 105 bilhões em agosto de 2019. Ademais, os arranjos propostos, envolvendo imunidades tributárias, renúncias fiscais, reforma do instituto da gratuidade e contribuição especial, tornariam o crédito educacional atrativo para bancos, para fintechs e para as próprias instituições de ensino superior privadas, ampliando assim um mercado atualmente restrito.
12.Participar do esforço internacional de desenvolvimento de vacinas através de apoio financeiro direto a empresas estrangeiras que estejam mais avançadas no desenvolvimento de vacinas para o novo Coronavírus. Já existem instrumentos legais disponíveis, tais como Encomenda Tecnológica pelo Estado e subvenção econômica a projetos de inovação via Finep, que podem ser imediatamente empregados.
Maiores detalhes são apresentados no Quadro abaixo.