Carta IEDI
Cobrindo perdas da Covid-19
No mês de julho de 2020, a indústria brasileira deu continuidade à sua reativação depois do choque da Covid-19, que em abr/20 paralisou muitas de suas unidades produtivas. O progressivo relaxamento das medidas de isolamento social contribuiu para que o setor registrasse +8% na passagem de junho para julho, já descontados os efeitos sazonais.
Este desempenho veio acompanhado de grande amplitude de variações positivas entre os diferentes ramos industriais. Dos 26 acompanhados pelo IBGE, 25 ramos acusaram aumento de produção na série com ajuste sazonal. Além disso, houve aumento da utilização da capacidade instalada, redução de estoques e melhora na confiança do setor. Estes são todos sinais favoráveis para o resultado industrial nos próximos meses.
Ainda assim, o impacto inicial da Covid-19 ainda não foi superado. O nível de produção industrial continua 6% abaixo daquele de fev/20, isto é, antes dos efeitos da pandemia no país. Esta defasagem para bens de capital e sobretudo bens de consumo duráveis é ainda mais expressiva: respectivamente 15,8% e 15,2% abaixo de fev/20.
Contudo, mais um mês de crescimento semelhante ao que temos visto e será coberto o vale produzido no bimestre mar-abr/20. O que ainda não se sabe é qual será o padrão de crescimento a partir deste ponto. E isso é importante, porque a atual crise se sobrepôs à de 2014-2016.
Com bases de comparação mais altas e redução dos programas emergenciais do governo, o dinamismo, mesmo que positivo, pode vir a ser modesto. Isso porque, na ausência de vacina ou tratamento eficaz para a Covid-19, ainda haverá desdobramentos negativos da pandemia, como desemprego elevado, rendimentos mais modestos para as famílias, agentes endividados, comércio internacional combalido e grandes incertezas em relação futuro.
Por ora, o terceiro mês seguido de reação industrial ensejou revisão de expectativas de mercado a respeito do desempenho do setor no acumulado de 2020. O ano ainda será negativo, mas ao que tudo indica em uma intensidade menor.
Em dois meses, as projeções do Boletim Focus do Banco Central para a produção física da indústria em 2020 saíram de -9% no início de jul/20 para -7,4% no final de ago/20. Depois da divulgação do último dado do IBGE foi para -6,4%. É importante a recuperação não perder fôlego nos próximos meses, sobretudo porque 2019 já tinha sido um ano de adversidades (-1,1%).
Em jul/20, as maiores taxas de crescimento foram apresentadas por bens de consumo duráveis e bens capital, isto é, quem mais tem perdas a recuperar. No primeiro caso houve avanço de +42% frente ao mês anterior com ajuste sazonal e amenização do ritmo de queda na comparação com o mesmo período do ano anterior, de -35% em jun/20 para -15,9% em jul/20. No segundo caso, a alta foi de +15% na série com ajuste e na comparação interanual a perda foi reduzida de -22,4% para -15,4%.
Bens intermediários, que consistem no núcleo da indústria ao produzir diferentes insumos para todo o setor, registrou clara aceleração mês após mês, passando de +5,5% em mai/20 para +8,4% em jul/20, já descontados os efeitos sazonais. Além disso, também foi único macrossetor a crescer em comparação com jul/19: +1,4%. Esta evolução é outro sinal favorável para a indústria.
Bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, ao compreenderem muitos produtos essenciais ou então com mercados positivamente impactados pelo caráter sanitário da crise atual, cresceram +4,7% frente a jun/20 e apresentam um nível inferior de queda em relação ao ano passado, de -5,2% ante jul/19.
Resultados da Indústria
Em julho de 2020, a produção industrial cresceu +8,0% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, dando continuidade à trajetória positiva iniciada no mês de maio. Apesar disso, o setor continuou 6% abaixo do nível de produção de fev/20, isto é, antes dos primeiros efeitos da pandemia e 21,2% aquém no último pico histórico atingido em mai/11.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior foi mais uma vez negativo, embora menos intenso do que nos meses anteriores: -3%. Vale mencionar que não houve nenhum efeito calendário no mês em questão, já que não há diferença entre o número de dias úteis de jul/20 e jul/19.
Deste modo, o saldo geral no acumulado de janeiro a julho de 2020 não escapou do vermelho: -9,6%. A maior parte desta retração está concentrada no segundo trimestre do ano. Já no acumulado dos últimos doze meses findos em jul/20, a indústria registrou -5,7%, em uma trajetória desfavorável em que não apresenta uma variação positiva desde mar/19.
Em relação aos macrossetores, na comparação de julho com junho de 2020, descontados os efeitos sazonais, houve recomposição das perdas passadas em todos os quatro macrossetores acompanhados pelo IBGE. A reação mais intensa coube a bens de consumo duráveis, com +42%, sendo seguidos por bens de capital (+15%) e bens intermediários (+8,4%). Bens semi e não duráveis foram o macrossetor que menos cresceu em julho, registrando +4,7% na série com ajuste.
Na comparação de julho de 2020 com julho de 2019, por sua vez, variações negativas marcaram o desempenho de quase todos os macrossetores industriais, acompanhando o total da indústria (-3%). O resultado mais adverso foi verificado em bens de consumo duráveis, com -16,9%; foi seu sexto mês consecutivo de declínio da produção. Vale observar que este macrossetor foi um dos primeiros afetados pela pandemia por reunir cadeias produtivas com dificuldades de obter componentes, peças e insumos importados já nos primeiros meses do ano, em função do surto de Covid-19 na China; além disso, tem sido prejudicado pelo aumento da incerteza e dificuldades de acesso ao crédito pelas famílias. Em seguida, vieram os bens de capital, com recuo de -15,4% e bens de consumo semi e não duráveis, com -5,2%. Bens intermediários foram o único macrossetor em alta: 1,4%.
O declínio interanual de -16,9% em bens de consumo duráveis derivou, sobretudo, do encolhimento da fabricação de automóveis (-38,4%). Em sentido contrário, ampliaram produção os ramos de eletrodomésticos da “linha branca” (+28,7%) e da “linha marrom” (+27,3%), de motocicletas (+6,6%), móveis (+5,7%) e de outros eletrodomésticos (+2,6%).
O macrossetor de bens de capital, por sua vez, cuja produção recuou -15,4% frente a jul/19, foi muito influenciado pela queda de capital para equipamentos de transporte (-32,1%), para fins industriais (-12,8%), para construção (-14,4%), de uso misto (-2,9%) e para energia elétrica (-0,7%). O único impacto positivo foi assinalado pelo grupamento de bens de capital agrícola (+12,1%).
Já bens de consumo semi e não-duráveis, que recuaram -5,2%, tiveram seu resultado condicionado por quedas nos grupamentos de semiduráveis (-24,8%) e de carburantes (-13,1%). O segmento de não-duráveis (-1,7%) também assinalou queda na produção. Em sentido oposto, o grupamento de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico cresceu +4,0%.
Quanto a bens intermediários, cuja produção cresceu +1,4% ante jul/19, receberam influência positiva de produtos associados às atividades de produtos alimentícios (+18,7%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+13,9%), outros produtos químicos (+5,4%), indústrias extrativas (+0,9%) e celulose, papel e produtos de papel (+1,5%). Pressões negativas vieram de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-33,5%), metalurgia (-11,2%), máquinas e equipamentos (-13,1%), e borracha e de material plástico (-3,4%), entre outros.
No acumulado de janeiro-julho de 2020, frente a igual período do ano anterior, os bens de consumo duráveis foram novamente os que pior se saíram: -33,8%. Bens de capital apresentaram a segunda maior queda, com -20,3%, seguidos por bens de consumo semi e não duráveis (-9,4%) e bens intermediários (-5,3%). Todos tiveram perdas concentradas no 2º trim/20, que esteve integralmente sob efeito da pandemia de Covid-19.
Por dentro da Indústria de Transformação
O aumento de +8,0% da produção industrial geral em julho de 2020 ante jun/20, já realizado o ajuste sazonal, foi acompanhado de variação de +8,6% na indústria de transformação e de +6,7% do ramo extrativo, que se encontrava no vermelho de set/19 até mai/20.
Em relação a julho de 2019, o desempenho da indústria de transformação, entretanto, continuou negativo em -3,6%. O ramo extrativo, por sua vez, retornou ao azul, variando +0,9%, depois de dois meses seguidos de queda.
Frente a jun/20, na série com ajuste sazonal, o acréscimo de +8,0% da indústria geral foi acompanhado por 25 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências positivas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (+43,9%); metalurgia (+18,7%); máquinas e equipamentos (+14,2%); coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+3,8%), outros produtos químicos (+6,7%), e produtos alimentícios (+2,2%), entre outros, além do ramo extrativo. Impressão e reprodução de gravações, com queda de 40,6%, registrou o único resultado negativo nesta comparação.
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou recuo de -3% na produção em jul/20, variações negativas marcaram o desempenho de 11 dos 26 ramos, 49 dos 79 grupos e 56,6% dos 805 produtos pesquisados. As maiores influências adversas vieram de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-34,7%); confecção de artigos do vestuário e acessórios (-34,6%); metalurgia (-11,2%); couro, artigos para viagem e calçados (-33,4%); máquinas e equipamentos (-10,0%) etc. Em sentido oposto, as atividades em alta incluíram produtos alimentícios (+9,4%); bebidas (+16,0%); coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+4,1%), outros produtos químicos (+4,8%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+9,1%) etc.
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de julho de 2020 declinou -10,2%. Desde a segunda metade do ano passado, os resultados têm sido majoritariamente negativos, mas o desempenho recente trouxe um aprofundamento expressivo das perdas. No acumulado dos seis primeiros meses do ano há queda de -17,7%
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria caíram -28,0% na comparação com julho de 2019, na esteira do forte retrocesso da demanda interna, em função da pandemia. Com isso, as importações acumuladas em 2020, que deixaram o terreno positivo no mês de maio, registraram recuo de -5,3% em janeiro-julho.
Utilização de Capacidade
Depois de o nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, ter despencado com a paralisação de muitas unidades produtivas, para 57,3% em abril de 2020, o desenho de protocolos de segurança sanitária nas empresas, o recurso a programas emergenciais do governo e, mais recentemente, a progressiva flexibilização do isolamento social vêm possibilitando a retomada de alguma atividade, elevando a utilização da capacidade instalada para 60,3% em maio, 66,6% em junho e 72,3% em julho. A despeito desta melhora, que teve continuidade em ritmo mais modesto no mês de agosto (75,3%), o nível de utilização permanece abaixo da média histórica anterior à Covid-19, que é de 79,5%.
Esta mesma trajetória de retomada parcial da utilização da capacidade é verificada nos dados da CNI. Após atingir o vale de 66,6% em abr/20, progrediu a partir de maio chegando a 75,4% em julho, já descontados os efeitos sazonais. Ainda assim, tal como ocorre na série da FGV, continuou muito abaixo da média histórica do indicador (80,7%) antes do impacto da crise de Covid-19.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, o indicador da evolução dos estoques de produtos finais da indústria em julho de 2020 subiu 0,5 ponto em relação a junho, para 45,5 pontos. Por ter ficado abaixo da marca de 50 pontos indicou queda de estoques.
Ou seja, frente à paralisação de unidades e à forte redução da produção em meses anteriores com uma reativação não integral das atividades, parte da demanda das empresas foi suprida por seus estoques sem que fossem restaurados totalmente. Além disso, a necessidade de fazer caixa também concorre para a redução de estoques para níveis inferiores aos normais.
No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador registrou 45,4 pontos (+0,6 ponto frente a jun/20) e na indústria extrativa ficou em 46,9 pontos (-4,5 pontos).
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral ficaram, mais um vez, abaixo do nível planejado (50 pontos), com um indicador de satisfação em 46 pontos em jul/20, mesmo patamar de junho. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 51,2 pontos e 45,7 pontos, respectivamente, isto é, acima do planejado no primeiro caso e abaixo do nível de equilíbrio (50 pontos) no segundo caso.
No grupo da indústria de transformação, 22 dos 26 ramos acompanhados pela CNI, isto é, 84,6% do total, tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em julho de 2020. Esta proporção, que é a mesma de maio e junho, é a mais elevada do ano, indicando o espalhamento do processo de redução de estoques.
Dentre os ramos abaixo de 50 pontos, estão os ramos de outros equipamentos de transporte (33,3 pontos), minerais não metálicos (38,6 pontos), impressão e reprodução (38,9 pontos), bebidas (39,3 pontos), móveis (39,8 pontos) e vestuário (41,1 pontos), entre outros. Em contraste, os únicos que ficaram com estoques efetivos acima do planejado foram: calçados (62,5 pontos), couros (58,3 pontos), farmacêuticos (54,2 pontos) e biocombustíveis (51,4 pontos).
Confiança e Expectativas
O Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI), depois de recuar intensamente em abril, para 34,3 pontos, vem dando sinais de melhora desde junho. Agora em agosto registrou 57,5 pontos. Deste modo, voltou a superar a marca de neutralidade dos 50 pontos, entrando na zona de otimismo. Apesar disso, encontra-se 7,7 pontos abaixo do nível de fev/20, isto é, antes do choque a Covid-19.
O estado da confiança em agosto de 2020 resultou basicamente de seu componente de expectativas em relação ao futuro, que progrediu de 56,1 pontos em julho para 62,7 pontos. Ou seja, há esperança de dias melhores, embora a realidade presente continue desafiadora. É o que mostram as avaliações das condições atuais, cujo indicador ficou em 47,2 pontos, isto é, ainda abaixo da marca de 50 pontos e por isso refletindo pessimismo dos empresários, embora tenha registrado melhora relativa ao mês anterior (35,0 pontos).
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação (ICI) da FGV, que recuou para apenas 58,2 pontos em abr/20, passou a apresentar alguma recomposição a partir de maio. Agora em agosto, registrou 98,7 pontos. Para este indicador é a marca de 100 pontos que indica neutralidade, sendo que abaixo dela temos a região de pessimismo e acima dela, de otimismo. Assim, os empresários industriais seguiram pessimistas em ago/20.
Tal resultado foi influenciado tanto por seus dois componentes, mas o progresso mais substancial neste último mês veio das expectativas em relação ao futuro, que passou de 90,5 pontos em julho para 99,6 pontos em agosto. Assim, as expectativas sobre o futuro aproximaram-se muito da região de neutralidade. O componente da situação atual, por sua vez, saiu de 89,1 pontos em julho, para 97,8 pontos em agosto, também apontando adversidades.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Este indicador, que declinou para um nível inferior a 40 pontos em abr-mai/20, voltou a ficar acima dos 50 pontos desde então, indicando melhora das condições de negócio nestes últimos três meses. Em agosto, registrou 64,7 pontos. Por isso, o quadro geral apontado pelo indicador sugere reação na entrada da segunda metade do ano.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)