Carta IEDI
A Covid-19, a indústria e o emprego
Esta Carta IEDI tem como base os microdados da PNAD Contínua do IBGE e atualiza o acompanhamento do emprego na indústria de transformação que tem sido feito regularmente pelo Instituto.
Os impactos da pandemia do novo coronavírus no emprego têm sido intensos. O número de ocupados no total do setor privado, assim como na indústria, no 2º trim/20 atingiu seu menor nível desde o início da PNADc/IBGE, em 2012. Foram perdidas 10,7 milhões de ocupações em comparação com o ano passado no setor privado e na indústria foi 1,1 milhão de postos de trabalho.
Isso equivale, em termos de taxa de variação, a uma queda de -13,1% na ocupação do conjunto dos setores econômicos do setor privado (-13,4% exceto indústria de transformação) entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020. Na indústria de transformação, entretanto, o recuo foi menos intenso: -11,1%.
Na indústria, dos 24 ramos analisados, houve redução da ocupação em 20 deles. Por ser intensivo em mão de obra, dificultando a adoção do distanciamento social, vestuário foi o ramo com maior perda (-22,1% ante 2º trim/19), respondendo por cerca de 30% da queda total da indústria de transformação. Também ocuparam posições de destaque minerais não metálicos (-21,3%), produtos de madeira (-19,8%) e fumo (-19,4%), entre outros.
O desempenho do emprego com carteira assinada foi um pouco menos adverso, refletindo seus custos mais elevados de demissão, o perfil destes postos mais sujeitos ao teletrabalho e muitas vezes ocupados por funcionários de maior qualificação, bem como os esforços de empresas e governo em sua preservação, com o desenho de programas emergenciais face à Covid-19. No setor privado como um todo a redução do emprego com carteira foi de -9,4% ante 2º trim/19. Mais uma vez, na indústria a queda foi menor: -8,5%.
Como também era de se esperar, a massa de rendimento real dos ocupados teve redução expressiva no conjunto do setor privado (-7,1%), mas também neste aspecto o desempenho da indústria ajudou a arrefecer as perdas. A redução da massa de rendimento real no setor industrial foi a metade do restante do setor privado, de -3,6% ante 2º trim/19, e muito aquém do recuo de outros importantes setores, como a construção (-13,3%), comércio (-8,3%) e serviços (-7,4%).
Este desempenho negativo da massa de rendimento, que é a base do consumo das famílias, foi condicionado pela redução da ocupação, pois houve elevação significativa dos rendimentos médios reais em todos os setores, incluindo a indústria. Para o setor privado em seu agregado, o aumento foi de +6,8% na comparação interanual e na indústria, de +8,8%.
Esta evolução, porém, sugere que a pandemia afetou principalmente os postos de trabalho de menores rendimentos, fazendo com que a média aumentasse, tanto na comparação com o segundo trimestre de 2019 quanto em relação ao primeiro de 2020.
Os dados da PNAD contínua analisados nesta Carta IEDI mostram que, por diferentes ângulos, a indústria, embora não tenha se blindado, conseguiu amortecer os impactos negativos da Covid-19 sobre o quadro geral do emprego no setor privado. A indústria desempregou menos, notadamente nos postos com carteira assinada, e atenuou a contração da massa de rendimentos.
Introdução
Esta Carta IEDI tem como base os microdados da PNAD Contínua do IBGE e atualiza o acompanhamento do emprego na indústria de transformação que tem sido feito regularmente pelo Instituto. Nesta edição são enfatizados os resultados do 2º trim/20, que refletem na plenitude os impactos da crise derivada da pandemia de Covid-19 no mercado de trabalho.
A análise é centrada no desempenho do emprego industrial, notadamente da indústria de transformação, em relação aos resultados do total do setor privado da economia e dos demais setores de atividades. A despeito da ênfase no 2º trim/20, também serão tratadas as tendências recentes anteriores à pandemia.
A ocupação no setor privado em 2020
Como já era de se esperar, foi intensa a magnitude da perda de postos de trabalho no 2º trim/20, com a abrupta elevação da incerteza e a paralisia de muitas atividades econômicas, decorrente das medidas de isolamento e distanciamento social no combate à Covid-19.
Em números absolutos, a ocupação total do setor privado diminuiu em 10,7 milhões de pessoas no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2019. Na comparação com o primeiro trimestre de 2020, a redução do emprego foi de 9,6 milhões.
Estes resultados contrastam com o desempenho no 1º trim/20, quando apenas os primeiros efeitos da pandemia podiam ser percebidos. Neste período, houve aumento de 71 mil ocupados em relação ao mesmo período do ano anterior e declínio de apenas 2 milhões frente ao último quarto de 2019, sob efeito da sazonalidade de início de ano.
Em termos setoriais, devido à sua maior intensidade em mão de obra, os serviços foram os principais responsáveis pela redução do emprego no 2º trim/20: 5,2 milhões de ocupados a menos do que no mesmo trimestre do ano passado. Em seguida, vieram o comércio (-2,3 milhões), construção (-1,3 milhão) e, por fim, a indústria (-1,1 milhão).
A possibilidade de continuar funcionando desde que adotados protocolos de segurança sanitária e principalmente o fato de ter relações formais de trabalho, abrindo a possibilidade de recorrer a adiantamento de férias e aos programas de redução de jornada e salários com compensação do governo, contribuíram para que a indústria preservasse mais o emprego de seus funcionários.
Para o futuro, a recuperação desse contingente de ocupações destruídas dependerá da sobrevivência das empresas após a normalização da situação sanitária do país. Na ausência de vacina ou tratamento eficazes, é fundamental a manutenção dos programas emergenciais do governo às empresas e às famílias, mas com ajustes e recalibragens, de modo a serem retirados com gradualidade e previsibilidade.
O impacto da pandemia sobre o emprego industrial
Em termos das taxas de variação da ocupação do setor privado, o emprego na indústria de transformação foi o segundo que menos caiu no 2º trim/20 em comparação com o mesmo período do ano passado, reforçando a melhor condição do setor em preservar o emprego, como mencionado anteriormente. Nem por isso, contudo, a Covid-19 deixou de infligir perdas substanciais para a ocupação no setor.
O contingente de ocupados na indústria de transformação recuou -11,4%. Se consideradas as atividades extrativas, a indústria como um todo registrou -10,4%. Em outros grandes setores da economia as perdas foram mais intensas: -19,4% na construção; -13,9% nos serviços e -13,1% no comércio. Deste modo, no conjunto do setor privado excetuada indústria de transformação, o número de ocupados caiu -13,4%.
Na comparação do segundo trimestre com o imediatamente anterior, em que pese alguma sazonalidade, a indústria de transformação também reteve mais trabalhadores. Neste período, sua redução foi de -9,7%, enquanto para os demais as perdas foram de dois dígitos: comércio (-12,3%), serviços (-13,5%) e construção (-16,6%).
A agropecuária, menos atingida pelo isolamento social e devido a uma safra bastante favorável, foi o setor que teve o menor impacto, embora a ocupação tenha recuado -3,5% frente ao 1º trim/20 e -7,9% na comparação com o 2º trim/19.
Os efeitos sobre o emprego formal
A ocupação com carteira assinada apresentou quedas menos pronunciadas em relação ao conjunto dos ocupados, refletindo esforços de empresas e governo para a preservação do emprego por meio de programas de financiamento da folha, suspensão temporária de contrato e redução de jornada e salário, com compensação do governo.
Mesmo assim, houve redução de -9,2% no número de ocupados com carteira (equivalente a -3,1 milhões de pessoas no 2º trimestre de 2020), na comparação com o mesmo período do ano anterior. Também neste caso o desempenho da indústria não foi tão adverso como nos demais setores. A indústria geral registrou -7,3% e a indústria de transformação, -8,5%. Já os serviços tiveram queda de -9,3%, enquanto comércio e construção chegaram a perdas de dois dígitos: -10,3% e -15,3%, respectivamente.
Destaca-se que nos últimos três trimestres analisados, o emprego com carteira assinada na indústria de transformação apresentou desempenho superior, em relação ao conjunto dos demais setores. Na comparação interanual, notam-se resultados positivos no final de 2019, no início 2020 e redução menos intensa no auge da pandemia (-8,5% da indústria de transformação contra -9,4% do total do setor privado, excluída a indústria).
Por dentro do emprego industrial
No segundo trimestre de 2020, a ocupação diminuiu em 20 segmentos da indústria de transformação, na comparação interanual, mas elevou-se em quatro setores, com destaques positivos para Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (+30,7%) e Fabricação de produtos diversos (+10,6%).
Por outro lado, as maiores perdas de ocupação foram em Confecção de artigos do vestuário e acessórios (-22,1%), Fabricação de produtos de minerais não-metálicos (-21,3%) e Fabricação de produtos de madeira (-19,8%).
Em relação ao emprego com carteira assinada, também se nota expansão em quatro segmentos. Contudo, registrou-se, nesta comparação que o setor Fabricação de produtos alimentícios apresentou alta de 0,7% na ocupação formal. Os maiores recuos do emprego com carteira foram em Impressão e reprodução de gravações (-33,1%), Fabricação de celulose, papel e produtos de papel (-24,0%) e Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (-22,3%).
Desempenho da massa de rendimento e do rendimento médio real
A massa de rendimento real do total dos ocupados no setor privado diminuiu -7,1% no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo trimestre de 2019. Na comparação entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, a redução foi da ordem de -8,6%. No primeiro trimestre de 20120, a título de comparação, a massa de rendimento real havia apresentado variação positiva de 1,9% e de 0,2% nestas duas comparações, respectivamente.
A queda no segundo trimestre de 2020 da massa de rendimento real dos ocupados na indústria foi, a seu turno, metade do declínio do total do setor privado. Variou -3,6% ante o mesmo período do ano anterior. Isto é, desempenho bem menos negativo do que aqueles observados na construção (-13,3%), no comércio (-8,3%) e nos serviços (-7,4%).
Neste contexto, no segundo trimestre de 2020, o peso da massa de rendimento da indústria de transformação no total da massa do setor privado ganhou 0,4 ponto percentual e atingiu 14,9%, o maior patamar desde 2016. Nos setores de serviços e do comércio, notam-se redução dessa participação com perdas de, respectivamente, -0,4 e -0,3 ponto percentual neste período.
O desempenho menos negativo da massa de rendimento da indústria de transformação traduz a sua estrutura ocupacional mais complexa, com postos de trabalho mais qualificados e de difícil reposição. Caso fossem desligados, na fase de retomada das atividades com a flexibilização das medidas de isolamento social, as empresas industriais poderiam perder competências acumuladas, capacidade de produção e mercado. Além disso, em se tratando majoritariamente de emprego com carteira assinada (65% no 2º trim/20), há custo importantes de demissão para as empresas industriais. Esta decisão em um contexto de grande incerteza, como no caso do choque da Covid-19, além de onerosa é arriscada, caso o nível de atividade se recuperasse rapidamente. Por estas razões, foram importantes os programas oficiais que introduziram flexibilidades temporárias na gestão da mão de obra.
O desempenho do rendimento médio real sugere que os efeitos da pandemia no fechamento de postos de trabalho ocorreram principalmente nas ocupações com menores rendimentos, em termos agregados. Embora a ocupação e o emprego com carteira assinada tenham diminuído em praticamente todos os setores da economia, e em quase todos os segmentos da indústria de transformação, o rendimento médio real aumentou, na comparação interanual e também em relação ao primeiro trimestre de 2020.
Isso significa dizer que os desligamentos causados pelas medidas de combate a pandemia se localizaram nos postos de trabalho menos qualificados e de menores salários. Ocupações de maior rendimento, além de estarem associadas com funções específicas ou de maior qualificação técnica, também tendem a ser mais facilmente realizadas remotamente, contornando os empecilhos criados pelo isolamento social. Ou seja, ao saírem os rendimentos de menores valores da base de cálculo da PNADc, a média salarial dos trabalhadores que permaneceram no emprego aumentou.
Antes dos efeitos mais agudos da pandemia, o rendimento médio no primeiro trimestre de 2020 havia aumentado 1,5%, na comparação interanual, para o conjunto dos ocupados no setor privado. Na indústria de transformação essa variação foi superior, com alta de 2,0%.
Já, no segundo trimestre de 2020, houve aumento de 6,8% do rendimento total do setor privado, na comparação interanual e a indústria manteve um resultado acima da média do setor privado com crescimento de 8,8%. Nos demais setores, a expansão no rendimento real foi a seguinte: na construção (+7,5%), nos serviços (+7,1%) e no comércio (+4,8%). Mais uma vez mostra-se o efeito amortecedor da indústria no choque adverso da Coovid-19.
No caso dos empregados com carteira assinada, a elevação do rendimento médio real acompanhou essa trajetória geral, com elevação de 3,7% entre os ocupados no setor privado. Na indústria, novamente, o resultado se situou acima da média do setor privado com elevação de 4,4%. A construção apresentou a maior alta dentre os setores com +11,6%, muito provavelmente refletindo a dispensa dos trabalhadores menos qualificados, em geral, sem carteira assinada. No comércio e nos serviços, os aumentos foram menores de, respectivamente 3,9% e 2,0%.
Observa-se que, na indústria de transformação, em 12 segmentos, entre os quais outros equipamentos de transporte, máquinas e equipamentos e papel e celulose, houve o mesmo movimento de aumento do rendimento médio real dos ocupados com carteira assinada, que pode ter sido em decorrência da redução de postos de trabalho de menores salários.
No caso dos outros 12 segmentos, nota-se redução do rendimento, isso pode ter decorrido de duas situações. Uma pela contratação de pessoas com salários menores, eventualmente na Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos e na Fabricação de produtos diversos, combinada com o aumento da ocupação com carteira. E outra de redução mais homogênea do pessoal ocupado nesses segmentos, com possível redução também de jornada e salários nos rendimentos maiores.