Carta IEDI
Cadeias Globais de Valor: megatendências e impactos da Covid-19
O caráter agudo e inesperado da crise econômica e social derivada da pandemia de Covid-19 poderá desencadear transformações importantes na economia mundial. Uma delas diz respeito às cadeias globais de valor (CGV), como pontua recente relatório divulgado pela UNCTAD, que será analisado nesta Carta IEDI. O tema vem ganhando atenção no mundo e não é de agora, como sugerem as Cartas IEDI n. 1012, 989, 980 e 978 , entre outras.
A UNCTAD, departamento das Nações Unidas para o comércio e desenvolvimento, avalia as possíveis direções que o sistema global de produção pode tomar até 2030, depois da escalada de tensões comerciais entre diferentes países, notadamente entre EUA e China em 2019, e após as rupturas do fornecimento de insumos e componentes ocasionadas pelas pandemia em 2020.
Para a UNCTAD, as cadeias internacionais de produção estão passando por uma “tempestade perfeita”, pois a crise de Covid-19 antecipou e intensificou desafios decorrentes de três megatendências: a Nova Revolução Industrial em direção à chamada indústria 4.0; o crescente nacionalismo econômico; e o imperativo da sustentabilidade socioambiental do crescimento econômico.
Com a Nova Revolução Industrial, o avanço da digitalização deve aumentar a importância de ativos intangíveis e impulsionar a servitização, de modo a concentrar ainda mais valor nas extremidades da “smile curve”. Deve também melhorar a coordenação de cadeias mais complexas, incentivando sua internacionalização.
Outras tecnologias, porém, não necessariamente terão os mesmos efeitos. No caso da automação avançada (inteligência artificial e robotização), ao tornar as atividades mais intensas em capital e reduzir a competitividade da mão de obra mais barata de países emergentes, pode incentivar a verticalização e o reshoring a países desenvolvidos e valorizar a atividade fabril, suavizando a “smile curve”.
Já a fabricação aditiva por meio de impressoras 3D, segundo a UNCTAD, tende a ter impactos setor-específicos, ao menos até 2030, sobretudo em cadeias mais longas e menos verticalizadas. Esta tecnologia viabiliza a produção em menores escalas, permitindo sua aproximação dos mercados consumidores, e favorece uma governança mais descentralizada, com captura de valor pelas extremidades da “smile curve”.
O ritmo e a extensão da adoção destas principais tecnologias dependerão, entretanto, do ambiente político para o comércio exterior e o investimento estrangeiro. Segundo a UNCTAD, neste âmbito a megatendência verificada é de maior intervencionismo e protecionismo dos países, o que tende a enfraquecer o multilateralismo, a favor de acordos regionais e bilaterais.
Na última década, a competição tecnológica entre os países não apenas levou ao resgate das políticas industriais em mais de 100 países, segundo a UNCTAD, como também estimulou ações para acumular e proteger o desenvolvimento tecnológico e assegurar soberania em setores e ativos considerados estratégicos.
Como consequência, têm surgido novas restrições ao comércio e ao investimento internacional, impondo custos às CGV, sobretudo àquelas mais verticalmente especializadas. A Carta IEDI n. 1004 , de jun/20, já havia notado que não apenas a UNCTAD, mas também outras organizações, identificam estas tendências mundiais.
Com a Covid-19, a UNCTAD acredita que os países poderão conceder um “prêmio” às empresas que diversificarem seus parceiros comerciais, evitando a dependência de poucos fornecedores/mercados, o que as multinacionais devem fazer por meio de maior regionalização. A natureza da crise do coronavírus também pode contribuir para resgatar o multilateralismo.
O desafio ambiental, por sua vez, impõe pressões sobre as CGV a partir de diferentes canais: demanda dos consumidores, diretrizes adotadas pelos bancos e mercados de capitais que financiam as empresas, políticas de combate às mudanças climáticas adotadas pelos países e a própria ocorrência de desastres ambientais, que exigirão maior resiliência das CGV.
Para a UNCTAD, os efeitos negativos da mudança climática serão particularmente expressivos em países em desenvolvimento, sobretudo, naqueles especializados em alimentos e produtos agrícolas, dificultando ainda mais sua inserção e upgrading nas cadeias globais. Já os países com mercados domésticos maiores e padrões comerciais mais diversificados absorveriam melhor os choques climáticos.
Os efeitos dessas megatendências são multifacetados e integrados, por vezes se reforçam mutuamente, por vezes empurram as cadeias de valor para direções opostas. A UNCTAD identifica quatro possíveis trajetórias para as CGV no horizonte de até 2030, não mutuamente excludentes: reshoring, regionalização, replicação e diversificação.
Para a UNCTAD, as cadeias de valor, o comércio e os investimentos estão caminhando para um período de turbulência que irá apresentar amplos desafios e oportunidades para os países em desenvolvimento.
Como os fluxos internacionais estão desacelerando e as indústrias se reestruturando, os países precisam atentar para as transformações internacionais em curso, buscando identificar oportunidades, e cuidar da demanda doméstica e regional para atrair investimentos em novas áreas de infraestrutura e em atividades relevantes para gerar empregos e promover o desenvolvimento sustentável, segundo os compromissos assumidos na ONU.
Introdução
O Relatório de Investimento Mundial (WIR) da UNCTAD destinou um de seus capítulos para analisar as “megatendências” das cadeias globais, isto é, as transformações que a produção global organizada em cadeias de valor deve atravessar na próxima década. Na avaliação da UNCTAD, no início dos anos 2020, o efeito combinado da pandemia e das megatendências provoca uma "tempestade perfeita" no sistema de produção internacional gerando ou acelerando mudanças profundas.
Muitas destas tendências já vinham sendo observadas e que com a pandemia devem se acelerar por causa das rupturas incorridas nas cadeias globais de valor (CGV). Para exemplificar os desafios, a UNCTAD lembra que as 1.000 maiores empresas multinacionais (EMNs) globais e suas fornecedoras possuem mais de 12.000 instalações (fábricas, armazéns e outras operações) nas áreas atingidas pelas restrições de mobilidade para combater a propagação da COVID-19.
As rupturas durante a pandemia têm levado as empresas multinacionais a pensarem em alternativas para criar cadeias de fornecimento mais resilientes no longo prazo. Em paralelo, os governos e as sociedades estão preocupados em aumentar a autonomia nacional ou regional na capacidade de produção especialmente de bens e serviços essenciais, como, por exemplo, artigos relacionados a cuidados de saúde (medicamentos, EPIs etc.).
As megatendências foram agrupadas pela UNCTAD em três temas principais:
- Tendências tecnológicas e a Nova Revolução Industrial (NRI);
- Tendências de governança econômica global / Fragmentação na economia internacional;
- Tendências de desenvolvimento sustentável.
A produção internacional entre 1990 e 2020
O termo "produção internacional" refere-se às redes globais de produção das empresas multinacionais (EMNs) que geram e coordenam 80% do comércio mundial, formando CGV entre suas afiliadas, parceiros contratuais e/ou fornecedores.
O valor agregado gerado pelas empresas multinacionais em seus países de origem e filiais estrangeiras é de cerca de 1/4 do PIB global e cerca de 1/3 da produção do setor privado. Vale lembrar que o grau de internacionalização varia muito entre as diferentes indústrias.
No início dos anos 90, acelerou-se o processo de internacionalização das EMNs, desde uma estrutura relativamente simples a redes complexas de produção internacionais, explorando em escala global as diferenciais de custos de mão-de-obra e produtividade entre os países.
Este processo se aproveitou dos avanços das tecnologias de informática e comunicação, que contribuíram para a fragmentação das cadeias ao nível de atividades e tarefas, apoiada pelas políticas nacionais de liberalização do comércio e do investimento.
Assim, de 1990 a 2010 houve expressivo crescimento da produção internacional, aumento de 10 vezes do estoque global de Investimento Externo Direto (IED) e de 5 vezes do comércio global, em grande parte intrafirma (entre afiliadas da mesma EMN) ou nas cadeias coordenadas por EMNs. Foram os “anos dourados” da globalização.
Nos anos 2000, ocorreram ainda mudanças nos padrões de IED, com mercados emergentes atuando cada vez mais como remetentes de IED, com maior participação dos serviços nos fluxos de capitais devido à internacionalização das indústrias deste setor e à servitização de atividades industriais, com mudanças no perfil das modalidades de investimentos a favor de fusões e aquisições (F&A).
Entretanto, a partir da crise financeira global de 2008/2009, a dinâmica de crescimento de produção internacional estagnou, de forma que as exportações mundiais desaceleraram em relação ao crescimento do PIB e o componente financeiro de expansão do IED predominou em relação ao investimento na capacidade produtiva.
Neste período, o valor do IED em projetos de greenfield (isto é, aquele que amplia ou cria unidades novas de produção) na indústria de transformação foi bem menor do que na década anterior, até mesmo na Ásia.
A UNCTAD enfatiza que a governança e a coordenação das CGVs podem se dar através de estratégias que vão desde baixos níveis de controle sobre fornecedores externos de uma determinada cadeia de valor até o controle total através da internalização/verticalização. Ou seja, vão além de somente uma escolha entre comércio e IED, existindo diversos níveis intermediários de organização através de contratos, licenças, franquias etc.
Tais modalidades de produção internacional não patrimonial (ou não-proprietária, NEMs) são amplamente utilizadas na maioria das indústrias, chamadas modelo de negócios de ativos leves (light-assets) - em que uma empresa possui relativamente menos ativos de capital em comparação com o valor de suas operações, como geralmente adotado por startups.
Logo, as operações das empresas multinacionais no exterior tornaram-se mais intangíveis, menos concentradas nos investimentos em ativos físicos. Ou seja, modalidades não proprietárias de organização permitiram que as EMNs tivessem acesso aos mercados internacionais através de contratos, em vez de IED, mantendo um grau significativo de controle sobre as operações.
Como resultado disso, no ranking anual do WIR/UNCTAD com as 100 maiores empresas mundiais, o número de EMNs de tecnologia com ativos leves passou de 4 em 2010 para 15 ao final da década.
Hoje em dia as modalidades não proprietárias se tornaram comuns não somente em atividades de fabricação e montagem, com baixo valor adicionado à cadeia de valor, mas também em serviços intangíveis a montante e a jusante, como contrato de pesquisa e desenvolvimento (P&D), back office e serviços ao cliente.
Os determinantes da adoção destas modalidades para coordenar e controlar as atividades das redes de produção das multinacionais são, em geral, específicas de cada setor, em função da importância relativa da propriedade intelectual, da complexidade e das condições de reprodução das especificações necessárias para se produzir bens e serviços etc.
A difusão das tecnologias digitais proporcionou a alavancagem do comércio de serviços, com ascensão meteórica das empresas digitais e de tecnologia entre as maiores EMNs do mundo. Mas, como lembra a UNCTAD, formas leves de investimento internacional de ativos estão apenas começando, bem como a transformação digital em maior escala das cadeias de fornecimento de empresas que não nasceram digitais (especialmente da indústria de transformação).
Na última década, principalmente a partir de 2015, também se intensificou o protecionismo - com aumento de medidas restritivas e reguladoras do IED (ver Carta IEDI n. 1004 ) e medidas tarifárias e não-tarifárias no comércio - e a atuação mais ativa dos Estados, por meio de políticas industriais para atrair investidores internacionais em setores prioritários através de esquemas de incentivos e zonas econômicas especiais.
Neste período, segundo a UNCTAD, também se reduziram as oportunidades de arbitragem sobre o custo do trabalho ou fiscal, contribuindo para o retorno dos investimentos estrangeiros aos países das matrizes.
Ademais, a preocupação com a sustentabilidade tem feito com que as EMNs adequem suas operações aos padrões ambientais exigidos pelos governos e instituições multilaterais. A UNCTAD argumenta que estas transformações colocadas pelos desafios ambientais implicarão uma mudança significativa de operação e gestão das empresas na próxima década, que coincide com o prazo final de implementação dos Objetivos Sustentáveis de Desenvolvimento (ODSs).
As estruturas atuais da produção internacional
As configurações da produção internacional são apresentadas pela UNCTAD com base nas seguintes dimensões-chave das cadeias de valor: o comprimento, a distribuição geográfica e a governança (estratégias de controle sobre os segmentos da CGV).
Tais arquétipos são aproximações imperfeitas, pois existem diversos outros fatores envolvidos na organização das cadeias de valor, bem como diferenças significativas dentro das indústrias, dependendo de segmentos de mercado, segmentos da cadeia de valor e estratégias individuais das empresas e Estados em cada localidade.
O conceito de "curva do sorriso” se adequa transversalmente a essas diversas dimensões, postulando uma estrutura na qual o alto valor das tarefas intensivas em conhecimento e propriedade intelectual concentram-se nos extremos da curva, e tarefas de fabricação e montagem de baixo valor agregado no meio.
Porém, quanto ao comprimento ou grau de fragmentação, o termo "cadeia de valor" pode ser enganoso porque transmite uma impressão de que as atividades se configuram em filas, quando podem ser, na verdade, redes complexas mais parecidas com "teias”.
Os indicadores de comprimento das cadeias de valor foram construídos a partir de critérios para modularidade, economias de escala e especialização, e intensidade de inovação. De acordo com a análise da UNCTAD, a indústria automotiva apresenta a cadeia de valor mais longa, com a maior proporção de valor adicionado estrangeiro e produção organizada tipicamente em uma estrutura multi-camadas liderada por um fabricante original do equipamento (OEM) com várias camadas de fornecedores.
Por sua vez, a indústria farmacêutica tem uma cadeia de valor mais curta, com poucas etapas entre as atividades de alto valor adicionado e a produção/ embalagem de medicamentos - geralmente próximos aos mercados.
A distribuição geográfica depende de características estruturais únicas de cada indústria, tais como recursos produtivos, intensidade relativa de capital e tecnologia, comercialização etc. Também são relevantes aspectos políticos como, por exemplo, regras de investimentos e comércio, direitos de propriedade intelectual, normas sociais e ambientais.
Segundo os cálculos da UNCTAD, a agroindústria se dispersa bastante geograficamente porque se caracteriza pela baixa intensidade de capital e tecnologia, alta comercialização e, muitas vezes, se beneficia de políticas facilitadoras. Por outro lado, a indústria eletrônica se concentra geograficamente, com apenas 14 países contribuindo com 80% do valor adicionado nas exportações globais.
O comprimento e a distribuição geográfica das cadeias de valor geralmente as tornam mais regionais do que globais, tendência que recentemente se intensificou no Leste Asiático e América do Norte, mas diminuiu na Europa.
A regionalização pode se manifestar de diferentes formas. Em algumas indústrias, como a eletrônica, as etapas de produção se concentram em uma região para atender os mercados globais. Em outros setores, como o automotivo, atende-se principalmente a própria região, com replicação das estruturas da cadeia de valor em diversas regiões do globo.
A governança depende da importância relativa da propriedade intelectual e da intensidade de capital. Na indústria farmacêutica, ambos aspectos são importantes e levam à internalização de atividades e à preferência por internacionalizar através de investimentos diretos - recorrendo-se preferencialmente a modalidades de produção não proprietárias (NEMs), por causa das economias de especialização e de escala, da possibilidade de codificar o conhecimento, de especificações do produto e de menores custos de transação. Nas indústrias têxteis, vestuário, eletrônica, máquinas e automóveis prefere-se, em oposição, o comércio à distância.
Conjugando todos estes aspectos, a partir de indicadores próprios, a UNCTAD identificou quatro arquétipos da produção internacional, resumidos na tabela abaixo:
Megatendência 1 - Tecnologia e a Nova Revolução Industrial
Para abordar o impacto da nova revolução industrial (NRI) sobre o futuro da produção internacional, a UNCTAD dividiu o fenômeno em três processos amplos: digitalização, automação/robotização e impressão em 3D.
A digitalização compreende o uso de tecnologias digitais nos processos de produção e a robotização, o emprego de máquinas para substituir o trabalho físico, enquanto a impressão em 3D pode ser tomada como uma sinergia entre ambas para fabricar um objeto sólido a partir de um desenho digital (como vai adicionando camadas de material para construir um objeto, também é chamada "fabricação aditiva").
O escopo, o grau de adesão e a maturidade técnica e de mercado dessas tecnologias variam bastante entre as indústrias. Estas três tendências tecnológicas identificadas pela UNCTAD afetam de forma diferente os determinantes do comprimento, distribuição geográfica e governança das cadeias de valor, como se detalha a seguir.
Digitalização. A digitalização cobre a fronteira das tecnologias baseadas na Internet: a Internet das Coisas (IoT), nuvem, realidade aumentada e virtual (AR e VR), e tecnologias baseadas em plataformas, incluindo comércio eletrônico, fintechs e blockchains – em geral instrumentalizando análises de grande quantidade e complexidade de dados (bigdata).
Embora possa servir a todas as atividades econômicas, a digitalização está intrinsecamente ligada aos serviços intangíveis. Por isso, intensifica os processos de servitização da produção. Em resumo, o impacto das TIC avançadas não se limita à coordenação das máquinas físicas e operações nos processos de fabricação, mas também envolve tarefas e serviços humanos.
A digitalização proporciona processos de produção mais integrados, redução na governança e nos custos de transação, uma coordenação mais eficaz de cadeias de valor complexas e melhor acesso às CGV para pequenas e médias empresas fornecedoras.
Por exemplo, as máquinas conectadas via IoT permitem uma melhor capacidade de planejamento e avaliação do uso e funcionalidade dos produtos, através do fornecimento e processamento de big data em tempo real para informar e otimizar o processo de produção.
A análise de grandes dados, aprimorada pelo armazenamento e computação em nuvem, pode alavancar fontes externas de informação. O desenvolvimento de uma poderosa previsão baseada em IA permite melhor planejamento e gerenciamento das operações dispersas, reduzindo incerteza e riscos.
As plataformas de comércio eletrônico e os mercados on-line facilitam e tornam mais transparentes as transações de mercado. Pelo lado da oferta, à montante, as empresas adquirem insumos e serviços de material mais eficientemente. E mais fornecedores podem participar das CGV, incluindo pequenos fornecedores de áreas geograficamente periféricas.
A jusante, a comercialização de produtos pode alcançar mercados remotos sem uma presença física, com desintermediação ampliada, reduzindo custos de transação e vazamentos de valor ao longo da cadeia de valor.
Pagamentos digitais via fintechs favorecem transações e financiamentos transfronteiriços, tornando-os mais simples e seguros. Ademais, já se verificam avanços na teleconferência e na realidade virtual e aumentada, que ampliam efetividade do teletrabalho, enquanto o armazenamento em nuvem e a computação possibilitam a realização de tarefas complexas e com grande volume de dados a partir de computadores pessoais padrão, sem falar nos softwares de tradução que superam amplamente as barreiras linguísticas.
A IoT e Big Data também elevam o valor proveniente de serviços na fabricação de bens finais (serviços físicos) e novos serviços são adicionados ao produto final, geralmente com significativo componente digital (serviços embutidos). Ambos efeitos aumentam consideravelmente a participação dos serviços no comércio e nas CGV.
Estas tecnologias digitais também ampliam a importância dos intangíveis na cadeia de valor, particularmente P&D e inovação a montante e inteligência de mercado e serviços pós-venda a jusante, deslocando o valor agregado para os extremos da curva do sorriso. A mercantilização simultânea de serviços de menor valor agregado e a servitização da fabricação devem aplanar a parte central da curva sorriso.
Portanto, a desagregação, o offshoring e a servitização ampliam as possibilidades de mercado para fornecedores externos, alterando os custos de oportunidade para a terceirização nas decisões das empresas multinacionais de atividades de baixo valor agregado. Concomitantemente, polarizam a curva de valor em nichos de conhecimento de alto valor agregado e serviços de dados intensivos, tipicamente internalizados e retidos pelas grandes multincionais.
Como previne a UNCTAD, esta configuração tem implicações críticas para o desenvolvimento dos países. Embora a digitalização possa ter algum efeito de inclusão, por exemplo, permitindo mais acesso a pequenos fornecedores de países em desenvolvimento em atividades de baixo valor agregado, também tende a ampliar o abismo de valor agregado a favor dos países desenvolvidos, com maiores competências tecnológicas, que apostam nas extremidades da curva sorriso.
Ademais, a digitalização das CGV fortalece, naturalmente, as multinacionais digitais, cujas atividades nobres das redes de produção se concentram em algumas poucas economias desenvolvidas, particularmente nos Estados Unidos.
Automação. A automação faz uso de robôs avançados, a nova geração de máquinas industriais, de aplicação tanto na produção como nos serviços. A penetração de robôs industriais avançados já é muito expressiva em alguns setores industriais - como o automotivo ou eletrônica - e espera-se que cresça ainda mais.
A aplicação de robótica em serviços de médio e alto valor agregado envolve, geralmente, o uso de inteligência artificial. A substituição do trabalho humano por robôs inteligentes em serviços está ainda em fase embrionária, segundo a UNCTAD, mas vem crescendo rapidamente. Nos próximos 10 anos, os robôs de "colarinho branco" vão se multiplicar, mas devem continuar mais concentrados na manufatura do que nos serviços.
Sabe-se que nos últimos 30 anos as multinacionais, principalmente de economias desenvolvidas, deslocaram atividades dos processos de produção para países em desenvolvimento com o objetivo de explorar as diferenças nos custos de mão-de-obra.
Contudo, robôs industriais mais acessíveis e baratos tem o potencial de reverter esta tendência, que, combinada ao aumento do custo da mão-de-obra em mercados emergentes e aos riscos geopolíticos crescentes, pode desencadear uma onda de revalorização de atividades de fabricação nas economias desenvolvidas (o chamado reshoring).
Mas existem diversos cenários possíveis. Economias industrializadas em desenvolvimento, como Índia, Brasil e o México, além da China, já possuem um estoque significativo de robôs industriais, de forma que as multinacionais com produção local não devem sair destes países, por se beneficiarem da base de habilidades disponíveis e para minimizar as interrupções, garantindo acesso aos mercados domésticos. Embora nos próximos 10 anos a tendência de revalorização das atividades fabris deva se intensificar, não afetará todas as indústrias e países igualmente.
Além da revalorização da atividade fabril, a automação torna possível a realização de sequências de tarefas descontinuamente. Mais além, provoca internalização na medida em que os robôs requerem investimento de capital significativo em favor de uma governança mais direta por parte das multinacionais, com presença mais forte nos países de origem – ao invés de alavancar IED.
A robotização da transformação industrial substituindo mão-de-obra de baixa qualificação eleva o valor adicionado dos tangíveis, tornando a curva do sorriso mais suave (ver figura a seguir). Além disso, os ganhos de produtividade associados com o uso de robôs deslocam a curva inteira para cima.
Impressão em 3D. Existem diversos tipos de impressoras 3D, desde aquelas de baixo custo com código aberto, para uso privado ou em pequena escala, até aquelas patenteadas de alto valor para impressão em escala industrial. Atualmente, as impressoras 3D são usadas para produzir um conjunto limitado de produtos, incluindo alguns produtos de borracha, plásticos, minerais não metálicos.
A natureza dos produtos e componentes do processo, particularmente o tipo de material de entrada, representa uma restrição à aplicação das impressoras 3D. Por exemplo, são inadequados madeira maciça, cortiça, couro, têxteis naturais, papel e tabaco. Por outro lado, em algumas indústrias tais como produtos alimentícios, farmacêuticos, eletrônicos e têxteis, não há restrições tecnológicas, mas o uso da impressão em 3D é limitado atualmente por ser difícil a viabilidade econômica.
Assim, em contraste com a digitalização e automação, que devem afetar todos os setores econômicos de alguma maneira, é provável que a impressão em 3D se restrinja a certos setores ou segmentos de nicho dentro deles, ao menos até 2030. Onde aplicável, tem o potencial de remodelar as CGV, mudando sua abrangência geográfica e distribuição.
Indústrias organizadas em cadeias de valor longas e verticalmente desintegradas em que a fabricação de aditivos proporciona desagregação de muitas etapas, tais como calçados, podem sofrer mudanças dramáticas com a tecnologia 3D. Para outras indústrias, como a farmacêutica, que já dependem de cadeias curtas e redes de produção mais distribuídos, a UNCTAD estima que a transição será mais suave, mas ainda assim significativa.
A impressão 3D em geral permite produção em pequena escala e menos intensiva em mão-de-obra, com redistribuição geográfica através dos efeitos simultâneos de rebundling e offshoring. A desagregação decorre principalmente de uma restrição tecnológica.
A impressão em 3D implica em inseparabilidade, pois requer a execução de toda as etapas de fabricação - mas também de atividades intangíveis de menor valor agregado, tais como distribuição e vendas - desde a matéria-prima até o produto final em uma única etapa. O impacto sobre o comprimento das cadeias de valor depende do produto impresso - seja ele o bem final ou alguma etapa intermediária em uma cadeia de valor mais longa. Em ambos os casos, a impressão em 3D leva ao encurtamento da cadeia de valor
Como a impressão em 3D é uma instância especial de automação, reduzindo a mão-de-obra, favorece estratégias de internacionalização baseadas em proximidade com o mercado. Permite, ainda, a mudança da produção em massa e economias de escala para a customização em massa (masscustomization).
Na impressão 3D, o valor agregado provém da fase de projeto/programação e as atividades relacionadas ao cliente, enquanto a fabricação torna-se commodity, de baixo valor agregado, replicada em muitos países.
Relativamente de baixo custo, impressoras 3D padrão tornam economicamente viável a criação de pequenos lotes, reduzindo a escalas técnicas eficientes mínimas. Ao mesmo tempo, a impressão em 3D torna possível produzir uma variedade significativa com custo marginal negligenciável. Portanto a curva sorriso tenderia a ficar mais pronunciada, de acordo com a UNCTAD.
A impressão 3D é compatível com uma estrutura de governança dispersa e mais terceirizada. A tecnologia de impressão 3D é intensiva em propriedade intelectual, potencialmente resultando em forte controle nos extremos da curva do sorriso, enquanto a parte central da cadeia de abastecimento (operação das impressoras 3D e os serviços diretamente instrumentais para a produção) podem ser terceirizados para outros locais.
Megatendência 2 - Governança global
Segundo a UNCTAD, durante a última década, pelo menos 110 países praticaram políticas industrial explícitas para o desenvolvimento industrial, a criação de empregos, o fortalecimento regional, a redução da pobreza, a participação na revolução tecnológica ou nas CGVs e para alcançar metas de sustentabilidade.
Através de subsídios, investimento público e incentivos estratégicos a setores de tecnologia avançada, diversos países em desenvolvimento procuraram enfrentar a desindustrialização prematura, enquanto países desenvolvidos estavam reconstruindo sua capacidade de produção.
As Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) continuaram a se expandir mundialmente, crescendo de 4.000 em 2015 a 5.400 em 2019, com outras centenas sendo planejadas. Nota-se também preferência estratégica por atividades econômicas que afetam a soberania e a segurança nacional, como as indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos, por exemplo, para reduzir a dependência de pesquisa e inovação de vanguarda.
As políticas intervencionistas também procuram promover upgrading nas CGV, com especial ênfase em acumular conhecimento e tecnologia em indústrias intensivas em capital e de inovação, de forma a melhorar a captura de valor nas cadeias modulares.
Por exemplo, na União Europeia (UE), em 2017, formulou-se um plano de US$ 7 bilhões para produzir veículos elétricos conjuntamente por empresas alemãs e francesas em modelo semelhante à Airbus. Na China e Coréia do Sul, formaram-se clusters tecnológicos nas cadeias de componentes eletrônicos, baterias, semicondutores e painéis de exibição, enquanto na Índia, serviços de TI.
O aumento do intervencionismo nas políticas nacionais tem se refletido em protecionismo no comércio e nos investimentos em todo o mundo, intensificando-se tensões entre um número crescente de países.
Segundo a UNCTAD, novas restrições ou regulamentações de investimento nos últimos anos refletem questões sobre segurança nacional e propriedade estrangeira de empresas de alta tecnologia, ativos estratégicos, terras ou recursos naturais.
Vários países intensificaram o escrutínio das aquisições de empresas estrangeiras ou estão considerando novos procedimentos de triagem de investimentos. Argumentos de segurança nacional são agora amplamente utilizadas para salvaguardar os interesses nacionais, as tecnologias nucleares e conhecimentos primordiais para a competitividade nacional. Durante a pandemia, vários destes procedimentos foram ainda mais acionados.
Nos últimos anos, firmaram-se mega acordos regionais de comércio e investimento, como a Parceria Trans Pacífico. A UNCTAD acredita que a pandemia deve fortalecer o regionalismo, pois evidenciou a fragilidade de se depender de outros países para a oferta de certos insumos ou produtos finais. Por isso, os países colocarão um prêmio sobre a diversificação dos parceiros comerciais, e as EMNs procurarão regionalizar a oferta.
Assim, as três principais tendências políticas são intervencionismo, protecionismo e regionalismo, que pressionam as CGV de formas diferentes, complicado o planejamento estratégico de empresas e governos.
O protecionismo encarece a operação de indústrias verticalmente especializadas, como a automotiva e eletrônica, devido ao aumento de tarifas e custos de procedimentos de fronteira. Também têm efeitos significativos sobre as CGV as medidas para proteger propriedade intelectual de P&D e dados, favorecendo países com sistemas nacionais de inovação fortes e mão-de-obra altamente qualificada.
De um lado, a pandemia da COVID-19 abalou a cooperação multilateral, mas por outro lado, seus desdobramentos podem restabelecê-la para prevenir futuras calamidades sanitárias globais e aliviar desigualdades econômicas e sociais. Neste caso, medidas macroeconômicas coordenadas e políticas industriais em nível global e regional podem apoiar as CGV e reduzir barreiras para fluxos internacionais de comércio e investimento.
Megatendência 3 - Sustentabilidade
O debate sobre CGV tem sido pautado por críticas quanto ao impacto social e ambiental das operações internacionais das EMNs e suas cadeias de suprimento, com pressão da sociedade civil por novos mecanismos de transparência e monitoramento. O impacto tem se limitado à dimensão de governança das cadeias, afetando pouco o grau de fragmentação e a distribuição geográfica.
Embora todas as preocupações de sustentabilidade e governança do meio-ambiente e social (ESG) – incluindo o impacto social, normas trabalhistas, igualdade de gênero e muitas outras – sejam importantes, o que tem realmente mudado o jogo dos mercados são as políticas recentes sobre mudança climática, que estão sendo adotados por governos e blocos comerciais.
Tais políticas estão “saindo do papel”, deixando de ser meramente declarações de intenção, porque os tribunais de vários países começaram a forçar os governos a obedecer a suas próprias leis ambientais.
Mais além, novas pressões sobre os sistemas de produção internacionais provêm também dos mercados, tanto pelas exigências dos consumidores, pelos riscos de reputação, como por oportunidades de negócios e por incentivos dos mercados financeiros.
Investidores, bancos, seguradoras e reguladores do mercado financeiro têm considerado como as empresas enfrentam os riscos climáticos por considerações sobre o desempenho operacional direto, tanto que no mercados de ações os relatórios de sustentabilidade obrigatórios estão se expandindo rapidamente, com regras de divulgação financeira incluindo riscos físicos da mudança climática.
O próprio impacto físico da mudança climática na produção internacional, com oscilações meteorológicas, inundações, mudanças forçadas no uso do solo, danos à infraestrutura e rotas de transporte, pode alterar vantagens comparativas nas cadeias de abastecimento, transporte e distribuição.
Tais impactos afetam diferentemente os setores, sendo mais intensos naqueles intensivos ou dependentes de capital natural – por exemplo, agricultura, pesca, silvicultura, indústria de processamento de recursos naturais, bem como serviços de navegação, viagens, energia etc.
Esses impactos podem levar a rupturas periódicas no comércio; por isso, já existem esforços em certas cadeias globais para aumentar a resiliência da cadeia de abastecimento. Por exemplo, durante as inundações no norte da Tailândia em novembro de 2011, mais de 400 EMNs suspenderam a produção devido às rupturas de fornecimento.
A UNCTAD enfatiza, ainda, que as consequências econômicas da mudança climática serão assimétricas, em prejuízo das regiões em desenvolvimento, porque estas apresentam menor capacidade econômica, institucional e técnica para lidar com desafios da mudança climática que se somam aos que já enfrentam para participar das CGV.
Os efeitos negativos são particularmente expressivos naqueles países especializados em alimentos e produtos agrícolas. Em sentido oposto, a UNCTAD avalia que os países com mercados domésticos maiores e padrões comerciais mais diversificados podem absorver melhor os choques climáticos.
Trajetórias para as CGV na próxima década
As megatendências identificadas anteriormente podem impor diversas transformações para o avanço da produção internacional, que a UNCTAD agrupou em quatro possíveis trajetórias durante a década até 2030. As trajetórias não são mutuamente excludentes e se concretizarão em diferentes graus nos diversos setores e localidades geográficas.
Reshoring: reversão do histórico de tendências da produção internacional, quais sejam, da desagregação ao rebundling, do offshoring ao onshore ou nearshore, e da terceirização ao insourcing.
Assim, a fragmentação de tarefas e dispersão geográfica serão desafiadas, porque as megatendências, com destaque para a automação, podem simplificar processos de produção e aumentar operações intensivas em capital, que favorecerão o retorno a um controle mais direto por parte dos EMNs de suas demais operações no exterior.
Na trajetória resultante, as EMNs produziriam perto de casa através de operações altamente integradas, internalizadas e exportando mercadorias finais para mercados estrangeiros. No setor das manufaturas, esta trajetória seria principalmente relevante para aquelas com uso intensivo de GVC, como máquinas e equipamentos, eletrônica e indústrias automotivas.
O seja, notadamente nestes setores mencionados, a robotização e certa “desglobalização” devem ser inevitáveis, com pressão para se constituir cadeias de valor mais sustentáveis e sistemas de produção mais diversificados e flexíveis.
A tendência de reshoring pode receber um impulso no pós-pandemia, mitigando os riscos da cadeia de abastecimento, porque as EMNs poderão ter como objetivo se beneficiar do apoio do Estado com programas e pacotes de estímulo fiscal.
No pacote das políticas fiscais expansionistas que tendem suceder à crise, os incentivos para a revalorização das atividades industriais podem tornar-se comuns, assim como os incentivos a uma base de fornecedores locais.
Diversificação: ao invés de desmontar as CGV, as empresas podem, segundo a UNCTAD, preferir construir resiliência através da diversificação, abdicando de algumas economias de escala ao envolver mais fornecedores na cadeia de valor em favor de uma estratégia que evite a exposição a novas rupturas, tal como ocorreu durante a pandemia de Covid-19.
Neste caso, a UNCTAD afirma que a digitalização seria a principal tecnologia facilitadora, pois proporciona melhor coordenação e controle. Mas isso, porém, não deve promover a dispersão geográfica das cadeias globalmente; ao contrário, deve favorecer a sua regionalização.
A resiliência da cadeia inclui visibilidade em tempo real da disponibilidade de matérias-primas e mercadorias acabadas; maior controle sobre processos, pessoas e bens, incluindo o rastreamento de fornecedores externos até o final da cadeia de fornecimento; uso de IA e aprendizagem de máquinas para reavaliar as atividades, garantindo respostas mais oportunas aos choques e descontinuidades em relação às técnicas tradicionais de planejamento empresarial baseadas em dados; e o uso da tecnologia móvel e da realidade aumentada/virtual para melhorar a flexibilidade dos acordos de trabalho.
Os setores que vão priorizar a diversificação são aqueles que se beneficiam da complexidade e da fragmentação das CGV, passando de uma configuração altamente centralizada para a fragmentação e aproveitando-se dos benefícios do armazenamento de dados em nuvem e de ferramentas avançadas de comunicação digital, incluindo teleconferência, realidade aumentada, realidade virtual e 5G. Nos serviços financeiros, por exemplo, tecnologias digitais (fintech) levarão a um sistema cada vez mais fragmentado, disperso e diversificado.
Regionalização: pode ser a nova configuração das cadeias internacionais, com EMNs replicando cadeias de valor globais ao nível regional, também puxada pela digitalização, que facilitar a coordenação de redes mais complexas.
Desenvolver tanto as tecnologias quanto a infraestrutura digital serão fundamentais nesse processo – portanto dependem de arranjos políticos com essas prioridades. Além disso, a pandemia deve fortalecer o regionalismo como uma alternativa válida ao globalismo para ampliar grau de autossuficiência e resiliência local.
A regionalização estimula fusão e aquisição por empresas de economias avançadas de produções de gêneros primários, como energia, nos países em desenvolvimento. Indústrias regionais de processamento que têm forte ligação a montante com fontes locais de matéria-prima, como a de alimentos, bebidas e química, devem consolidar sua configuração que atualmente já é regional.
Como dito anteriormente, setores intensivos em CGV também podem replicar seu modelo em nível regional, como a automotiva. E ainda, o crescimento dos mercados de produtos de consumo baratos em países em desenvolvimento, como os de bens eletrônicos e têxteis, também impulsionará as cadeias de valor regionais.
A dimensão da sustentabilidade também pressiona a regionalização porque o compartilhamento geográfico de questões ambientais ajuda a conciliação de interesses, isto é, há várias causas ambientais em comum a serem solucionadas. A proximidade com os mercados consumidores também reduz a pegada de carbono das empresas.
Porém, alerta a UNCTAD, as cadeias regionais de valor requerem coordenação dos diversos atores políticos e econômicos, com condições sistêmicas propícias que não são de estabelecimento fácil ou célere. O momento político para o regionalismo tende a ser favorável devido ao enfraquecimento do multilateralismo, mas a sua implementação poderá não ser imediata.
Replicação: trata-se de replicar a fabricação de forma mais próxima possível do ponto de consumo, apoiada por novas tecnologias de produção, principalmente a impressão 3D. Pode se dar de cima para baixo, através da coordenação centralizada das EMNs ou, ao contrário, de modo atomizado de baixo para cima, com cada empresa ou mesmo domicílio independente produzindo em pequeníssima escala. A primeira via aprofunda a internacionalização; a segunda é praticamente sua antítese.
A produção distribuída coordenada centralmente é caracterizada por cadeias de valor curtas, com etapas de produção agrupadas e replicadas em muitos locais. Logo, aumenta-se a dispersão geográfica das atividades econômicas, com concentração de atividades de alto valor em certas localidades e governança polarizada.
A replicação é uma trajetória menos generalizável entre os setores econômicos, por causa das restrições de aplicações de impressão em 3D com certas matérias-primas e das condições comerciais específicas. A UNCTAD espera que a pandemia de Covid-19 direcione investimentos à impressão em 3D como um meio de garantir fornecimento descentralizado, confiável e flexível de bens críticos – como medicamentos, máscaras clínicas ou ventiladores.
Se após a pandemia os governos procurarem autossuficiência nacional em setores estratégicos em um ambiente protecionista, será difícil a replicação de cima pra baixo, pois as EMNs não arriscariam IED ou firmariam contratos incertos para sua coordenação centralizada. A produção distribuída coordenada centralmente é uma trajetória globalizada, que embora reduza o comércio transfronteiriço, aumenta o fluxo de dados e serviços e intangíveis.
Implicações para os governos
As megatendências apresentam, em síntese, as seguintes oportunidades para os países, de acordo com a UNCTAD:
• A Nova Revolução Industrial possibilita salto tecnológico nas indústrias, melhor acesso aos mercados para pequenas e micro empresas em países em desenvolvimento, novas atividades econômicas digitais, aumento de conteúdo local ou serviços digitais para exportação;
• As tendências políticas e de governança econômica incentivam novos investimentos domésticos e promovem sinergias intrarregionais;
• As tendências de sustentabilidade atraem investimentos em novos produtos relacionados com a sustentabilidade e serviços e promovem a infraestrutura, energias renováveis e outros setores relevantes para os ODSs.
E ainda, a crise causada pela COVID-19 impõe reações a curto e médio prazo para sanar efeitos imediatos sobre a oferta e a demanda, bem como perspectivas a longo prazo, que exigem uma mudança na estratégia de desenvolvimento e na política industrial e também na cooperação regional no comércio e na política de investimentos.
Ao formular políticas para este novo paradigma das cadeias de valor em resposta à COVID-19 e aos efeitos combinados e cumulativos das megatendências, os governos terão como metas nucleares:
• tornar as cadeias de abastecimento mais resilientes; menos propensas a propagar crises em termos físicos e financeiros,
• reduzir a concentração geográfica da capacidade industrial, promovendo a confiança estratégica e a reindustrialização.
A reindustrialização seletiva levará tempo, depende da formação de habilidades e redes de fornecedores, com chances de não se gerar a quantidade de empregos necessária para ocupar a força de trabalho disponível, além de custos elevados – notadamente, os de investimentos associados. Os desafios são maiores para os países em desenvolvimento, mais dependentes de IED, tecnologia e com menor poder de decisão sobre sua participação nas CGVs.
A UNCTAD alerta que independentemente do padrão de desenvolvimento, a estratégia de política industrial dos países não pode se resumir a investimentos orientados para a exportação, voltando-se para estratégias de promoção de investimentos com foco na indústria e abordagem de direcionamento, incorporando os seguintes elementos-chave:
1. Novos caminhos de investimento-desenvolvimento, considerando fortalecer o regionalismo, com expansão das exportações juntamente com agrupamento industrial doméstico para a construção de elos e resiliência, para promover segurança econômica nacional integrada;
2. Desenvolver um novo ecossistema, com ambiente de negócios atraente para novas atividades de investimento e propício à disseminação de tecnologia e desenvolvimento sustentável, incluindo a modernização da infraestrutura de conectividade digital, física e institucional em níveis regional e sub-regional.
3. Construção de capacidade produtiva dinâmica, com expansão da capacidade produtiva e fortalecimento de clusters industrial (incluindo cooperativas de PMEs para elevar escala e escopo de produção, reequipagem das ZEEs e parques científicos);
4. Nova estratégia de promoção de investimento, com planejamento das prioridades de investimento e negócios verdes e digitais, com a preocupação de inclusão, conforme ODSs.